segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O detalhe que encantou Chaplin - Perfil: Cantinflas



Cantinflas, aquele que encantou Chaplin e inspirou Chesperito

por Carlos Vinícius Marins


  Um dos maiores intérpretes do humor mexicano

 

Mario Fortino Alfonso Moreno Reyes, mais conhecido como Cantinflas

 

Sabe o Chaves? "El Chavo del 8"? Aquele garoto que vive dentro de um barril naquela pequena vila do México e que marcou tanto a infância de gerações no Brasil e em várias partes do mundo? Ele provavelmente não teria existido ou seria muito diferente se seu criador - Roberto Gómez Bolaños, o Chesperito - não tivesse se encantado pelos filmes de seu conterrâneo, o comediante Mario Moreno, que, assim como Bolaños, ganhou fama internacional com seu personagem: Cantinflas, o pobre metido a esperto que se enrolava com as palavras. Considerado um dos maiores símbolos do povo mexicano, Moreno foi definido nos anos 50 por ninguém menos do que Charlie Chaplin, como o maior comediante daquela época (ou um dos maiores de todos os tempos).

 

Cantinflas toureiro
Quando jovem, ele tentou ser toureiro, fato que o ajudou em sua trajetória na comédia
 
 
Nascido de uma família pobre, Mario Fortino Alfonso Moreno Reyes nasceu em 12 de agosto de 1911. Era o sexto dos 13 filhos de um carteiro e sua esposa, que viviam nos subúrbios da Cidade do México, num ambiente não muito diferente de onde morava o Chaves do 8. Além de Mario, apenas sete dos filhos sobreviveram ao parto. Sem formação profissional, ele foi de tudo um pouco na vida: engraxate, sapateiro, taxista, carteiro (como o pai), limpador de piscina, lutador de boxe, dançarino... Tentou ser até toureiro. Chegou a entrar para o exército, mas o pai conseguiu tirá-lo de lá – o jovem Mário era menor de idade e havia mentido nesse detalhe para poder se alistar. 
 
Um de seus clássicos: "O Circo" (1943)

 
Mario conheceu seu destino quando começou a trabalhar em circos de variedades, que apresentavam pequenos esquetes de humor e eram muito populares nos bairros pobres do México nos anos 30, uma época em que ainda não existia a televisão. Foi ali que, vendo os artistas que se apresentavam, surgiu a base para o personagem com o qual para sempre seria identificado. 

 

Foto Cantinflas
O arquétipo do cara latino americano "sem dinheiro no bolso, nem parentes importantes..."
 
 
Trajando calças velhas e largas, usando uma corda no lugar do cinto, Cantinflas tinha cabelos despenteados debaixo de um chapéu pequeno para sua cabeça e um bigode esquisito, com pelos apenas próximo às extremidades dos lábios. Ele era um típico morador das comunidades pobres, não só do México, mas de toda a América Latina. Parecia ter uma resposta para tudo, mesmo sendo alguém que não frequentara escolas.  
 
 
Mario era um intérprete de um tipo bem específico, de alcance universal
 
 

Quanto ao surgimento do nome "Cantinfllas", esse é um mistério que provavelmente nunca será solucionado. O próprio Mario deu várias explicações para o nome ao logo da vida. Há diversas suposições e a maioria delas afirma que o nome originalmente não tem significado algum. Mas hoje variações dele são verbetes em dicionários de diversos países da América Latina: cantinflear, cantinflada, cantinflesco... Uma prova da grande influência do personagem na cultura destes povos. E a que se refere esses termos? “Cantinflear” é o ato de falar sem parar coisas que não têm (ou aparentam não possuem) sentido, seja para desviar a atenção do interlocutor, preencher o tempo ou apenas aturdir o ouvinte. Essa é uma das características mais marcantes de Cantinflas e que levou o personagem rumo ao sucesso. 

 

O curta "Cantinflas, El Boxeador" (1939)


Depois de passar um tempo apresentando seu personagem nos circos de variedades, Mario começou a trabalhar em um teatro e, um dia, o mestre de cerimônia que apresentava as atrações faltou. Ele acabou sendo escalado para substituí-lo. Porém, sem ter decorado o roteiro da apresentação, Mario começou a fazer o que sabia melhor: improvisar. E com sua espontaneidade, seu jeito engraçado de se expressar, errando as palavras, tanto na forma de falar quanto no sentido, cativou a plateia. Logo ele se tornou o sucesso da casa. Seu caminho já estava traçado.


Cantinflas no Cinema

 

Muitas vezes ele era o homem errado, no lugar errado e na hora errada

Não demorou para Mario começar a atuar no nascente cinema mexicano dos anos 30. Eu disse Mario. Cantinflas ainda ia demorar a dar as caras por ali. Seu primeiro filme foi “No Te Engañes, Corazon” (1937, de Miguel Contreras Torres). Mario interpretou um personagem secundário, que nem era importante para a trama, mas que roubava a cena quando aparecia. Mario atuou pela primeira vez como um personagem chamado Cantinflas apenas em seu quarto filme: “El Signo de la Muerte” (1939, de Chano Urueta). Mas, apesar do nome, este ainda não é o tipo que o consagrou, mesmo tendo alguns de seus maneirismos. E Mário ainda não protagonizava o filme. 


 

Em "El Supersabio" (1948)

Mario só conseguiu protagonizar um longa-metragem após sua associação ainda nos anos 30 com Santiago Reachi Fayad, dono da POSA (Publicidad Organizada S.A.), empresa de publicidade pioneira no México. Fayad acreditava que Mario seria um excelente garoto-propaganda e o colocou para protagonizar alguns curtas-metragens. Ele aceitou a proposta porque Fayad lhe garantiu que Cantifllas teria mais espaço no cinema e o personagem, tal como era apresentado no teatro, merecia ser o protagonista. 

 

Cena do filme “Ahí Esta El Datalle” (1940)
Consagração: “Aí Está o Detalhe” (1940)


Cumprindo o que  prometera, Fayad produz e lança em 1940 “Ahí Esta El Datalle” (“Aí Está o Detalhe”, de Juan Bustillo Oro), um ótimo de exemplo de Comédia de Erros *1 considerado ainda hoje um dos melhores longas-metragens do cinema mexicano. O filme foi um grande sucesso e serviu de trampolim para apresentar Cantinflas para todo o México e demais países da América Latina – inclusive o Brasil. 

 

"No Te Enganes Corazón" (1936): Mario sabia ser cativante com as damas

Com plena liberdade criativa, Mario colocou o filme no bolso, não apenas por sua atuação cativante, mas também por alterar profundamente o roteiro – que considerava fraco -, esbanjando improvisações e dando mais espaço a sua engraçada forma de falar misturando as palavras. Também foi imposição sua deixar seu personagem mais próximo do homem comum do que o diretor imaginava. Afinal, assim era Cantinfas. A frase que dá título ao filme ficou conhecida como o seu principal bordão por toda a sua carreira. 

 

 "Nem Sangue, Nem Areia" (1941)

Em 1941, a POSA lança “Ni Sangre, Ni Arena” (“Nem Sangue, Nem Areia”, de Alejandro Galindo), uma paródia estrelada por Cantinflas do filme norte-americano sobre touradas chamado “Sangue e Areia” (de Rouben Mamoulian), lançado naquele mesmo ano. E este novo filme foi um sucesso ainda maior que o seu longa do ano anterior. Daí para frente, um filme bem sucedido atrás do outro sedimentou cada vez mais a imagem do personagem de Mario no imaginário dos latino-americanos. Tanto que, em 1946, Moreno passou a ser contratado da Columbia Pictures, a toda poderosa produtora cinematográfica dos EUA, que passou a distribuir seus filmes em todo o mundo. Os anos 40 e 50 foram os melhores e mais produtivos da carreira de Cantinflas, com o personagem protagonizando uma dezena de filmes. O pobre e desengonçado mexicano era um dos maiores ídolos dos latino-americanos. Faltava dar o passo seguinte para conquistar o resto do mundo: estrelar filmes nos EUA. Mas o próprio Mario Moreno não parecia estar interessado nisso.

 

Cantinflas na América 


Retrato de Mike Todd
Um homem com um objetivo: O produtor Mike Todd

 

Vamos deixar Mario Moreno e Cantinfllas um pouco de lado e nos focar em outra pessoa importante nessa parte do relato: Mike Todd, um produtor de peças da Broadway que estava decidido a enveredar no envolvente mercado do cinema em Hollywood. Ele foi um dos criadores de um novo processo de edição de filmes que levava seu nome – Todd-AO – com melhor qualidade do som e uma filmagem com alta resolução – o chamado Widescreen. O processo já havia sido usado com sucesso em um filme considerado até hoje um clássico: “Oklahoma!” (1955, de Fred Zinnemann), baseado na obra de Richard Rodgers & Oscar Hammerstein II, um dos musicais de maior sucesso da Broadway (que, curiosamente, o próprio Todd se recusara a produzir em seu período no teatro por ele não ser engraçado e ter pouco apelo sensual). 
 
 
Logo o "Chaplin Mexicano" estaria nos planos de Todd

 

Acontece que Todd queria produzir filmes, não apenas conduzir melhorias em equipamentos cinematográficos. Ele então enveredou de cabeça na produção de um longa-metragem que tinha certeza que seria um estouro: a versão cinematográfica com toda a pompa e circunstância de um dos mais conhecidos romances do escritor francês Júlio Verne: “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. O longa teria cenas filmadas em 13 países, reunindo um elenco de quase 70 mil pessoas (contando os extras). Para dirigir o filme, Todd contratou o então consagrado cineasta inglês Michael Anderson (de “Logan’s Run – Fuga do Século 23”, de 1976). O filme também ficou marcado pela grande quantidade de estrelas que fazem participações rápidas e especais – gente como Marlene Dietrich, Frank Sinatra, Buster Keaton, Cesar Romero, Peter Lorre e dezenas de outros. Aliás é atribuído a Mike Todd o primeiro uso do termo cameo para esse tipo de participação nos filmes. Para interpretar o aventureiro inglês Phineas Fogg que protagoniza a história, Todd chamou um ator britânico em ascensão: David Niven. Para ser seu par, o produtor optou por uma quase desconhecida Shirley MacLaine. A grande surpresa, porém, ficou para o ator que interpretaria Passepartout, o fiel auxiliar francês de Fogg.


 

Niven, Dietrich, Sinatra
All Stars: David Niven e os "figurantes" Zsa Zsa Gabor e Frank Sinatra em "A Volta ao Mundo em 80 Dias" (1957)


A produção do filme estava a cargo da United Artists e, na época, Charlie Chaplin era um de seus sócios proprietários. Como já dissemos, o criador do imortal Carlitos considerava Mario Moreno o melhor comediante daquela época. Os filmes de Cantinflas podiam não ser sucesso nos EUA, mas aportavam por lá e sua fama de ser o artista latino mais conhecido de então já era comentada nas rodas dos nomes mais importantes do cinema norte-americano. Na realidade vários diretores e produtores já haviam tentado convencer Mario a fazer filmes nos Estados Unidos, mas ele recusara todas as propostas. Porém, com o aval de Chaplin, Todd estava disposto a gastar todos os cartuchos para tê-lo em seu filme e assim garantir uma boa recepção a ele em alguns dos maiores mercados de cinema do mundo. O produtor foi pessoalmente ao México e, após ficar trancado uma semana com Moreno na casa deste, finalmente conseguiu convencê-lo a participar de um filme de Hollywood

 

Cantinflas, McLaine, Niven
Cantinflas, David Niven e, no meio, uma iniciante Shirley McLaine


Apesar de chegar para trabalhar pela primeira vez naquele mercado, Mario teve status de estrela. Seu personagem ganhou no filme muito mais espaço do que tinha na obra original, ofuscando o protagonismo de David Niven inúmeras vezes. Diferente do que ocorre no livro, a trajetória da dupla em sua volta ao mundo passa pela Espanha e, nessa parte do filme, Moreno fala em espanhol com os habitantes locais, gerando ainda mais identificação do filme com os latinos em geral. Uma das cenas mais memoráveis e complexas de se realizar no filme ocorreu neste país, onde Passepartout encarou uma tourada na praça principal da pequena cidade de Chinchón, com Mario colocando a prova toda a habilidade de seu passado de toureiro. A produção contratou todos os 6.500 habitantes da cidade para serem os expectadores do combate – mas Todd achou que era pouco. Foi em busca de mais extras nos municípios vizinhos e a cena contou com 10 mil figurantes.


Cartaz A Volta ao Mundo em 80 Dias
Cartaz em espanhol do filme norte-americano: consagração internacional 

 

A estratégia de Todd deu certo. O filme foi um tremendo sucesso de crítica e público e não há dúvida que muito disso se deve a presença e a atuação de Mario Moreno. Na maioria dos países em que foi exibido, o nome de Cantinflas era o que aparecia em destaque nos cartazes e letreiros, apresentando-o como o protagonista do filme – Niven só tinha mais espaço nos países de língua inglesa. Reforçando aqui que era o nome de “Cantinflas”, não de Mário Moreno, que aparecia nos cartazes, já deixando claro o quanto a criação já havia suplantado o criador. O filme ganhou cinco Oscars em 1957, incluindo o de Melhor Longa Metragem.  Mário ganhou no mesmo ano o Globo de Ouro de Melhor Ator de Comédia ou Musical, além de uma estrela na Calçada da Fama – com o nome do seu consagrado personagem, não o dele. Com este sucesso, Mario se tornou o ator mais bem pago do mundo, com seu cachê indo às alturas. Cantinflas tinha entrado para o inconsciente coletivo do mundo de forma rápida e arrebatadora.



Janet Leigh e Cantinflas
Com Lucile Ball em "Pepe" (1960): Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar

 

Mas, se sua ascensão ao estrelato em Hollywood ocorreu em velocidade supersônica, sua queda foi igualmente rápida. O segundo filme de Mario em Hollywood foi “Pepe” (1960, de George Sidney), onde se tentou repetir o sucesso de seu filme de estreia naquele mercado. Ele usa inclusive usa o mesmo recurso de incluir diversos cameos – Tony Curtis, Bing Crosby, Frank Sinatra, Jack Lennon, Sammy Davis Jr., Debbie Reynolds... –, mas o filme é um grande fracasso de bilheteria. O problema estava em uma das características mais amadas de Cantinflas por seu público tradicional: o jogo de palavras em seus diálogos, sua cantilena sem fim que parece não levar a lugar nenhum, seus equívocos linguísticos. Nada disso parece funcionar bem quando era traduzido para o inglês. É um humor castelhano típico que, em geral, aqueles que não são latinos nativos não conseguem ver graça. O próprio Moreno parecia perceber essa dificuldade, relutando tanto em trabalhar em Hollywood. Ainda assim ele foi indicado novamente ao Globo de Ouro por sua atuação no longa. Com esse fracasso, Mario decide retornar para o México e voltar a lidar com o publico que conhecia tão bem.


Decadência e a Chegada de Chaves


 
De volta ao México em "El  Analfabeto" (1960)


Depois de “Pepe” e sua fraca recepção nos EUA, Mario voltou para o México, onde fundou sua própria companhia cinematográfica - a Cantinflas Films - e prosseguiu sua carreira no cinema. Mas, apesar de continuar produzindo bastante (quase um filme por ano), ele não era mais o mesmo. Cantinflas atingiu o seu auge nos EUA, mas lá também foi o inicio de seu fim. Ao retornar ao México, os personagens de Mario ainda eram pobres ou miseráveis, mas perderam a sabedoria das ruas, a esperteza ganha com experiência de vida usada para se safar das mais complicadas situações. De ingênuo, passou a tolo. De questionadores dos poderosos e da ausência do Estado no dia a dia dos mais necessitados, os personagens de Moreno começaram a contar com a ajuda de empresários benevolentes ou do governo, sempre dispostos a apoiá-los. Os antagonistas passaram a ser seus companheiros de classe, invejosos do sucesso dos personagens que Mario interpretava. 

 


"El Padecito" (1964)

 

Algo da velha magia parecia ter se quebrado. Com todo o seu sucesso, Mario de distanciou da classe social que fizera parte em seu período de formação, deixando de retratá-la com convicção, associando-se a políticos e grandes empresários. Ainda assim, mesmo sem o sucesso de antes, Mário continuou prolífico no cinema, fazendo longas metragens até 1981. Seu último filme foi “El Barrendero”, (“O Varredor”, dirigido por Miguel M. Delgado).

Além da mudança na abordagem de seus personagens, o sucesso de Mario declinou por outro motivo: ele continuava fiel ao cinema, não conseguindo se adaptar para tentar conquistar a mídia que acabou suplantando a tela grande no alcance de seu público: a televisão. Com isso abriu espaço no México para outro comediante conquistar os mexicanos e toda a America Latina – Roberto Gomez Bolaños, o criador do Chapolin Colorado e do Chaves.

 

"Sua Excelencia" (1967)

 

Bolaños começou no rádio, mas se consagrou na TV mexicana. Nos anos 60 ele atuava ainda esporadicamente, mas já era o principal roteirista dos programas que se revezavam no primeiro e no segundo lugar da audiência no país: "El estudio de Pedro Vargas" e “Cómicos y Canciones". 

Moreno gostava do trabalho de Bolaños. Tanto que, em 1966, o escolheu para fazer os roteiros daquele que seria o seu primeiro programa na TV: "El Estudio de Cantinflas". Finalmente parecia que Cantinflas iria ter seu próprio show na televisão, mas a empresa que patrocinaria o projeto deu para trás. E perdemos a chance de ver essa dupla em conjunto num mesmo projeto. 


 

Cartaz Cantinflas Show
A animação produzida pela Televisa "Cantinflas Show"
 
 
Moreno acabou atingindo a TV por outro meio. Nos anos 70 a Televisa produziu “Cantinflas Show”, um seriado animado estrelado pelo famoso personagem, mas num contexto muito diferente de seus filmes. Em cada episódio ele conversava com um narrador invisível e viaja no tempo participando de eventos históricos ou lendários, contracenando com personagens reais ou mitológicos. O próprio Moreno dublava Cantinflas e as roteiros tinham um teor instrutivo para crianças sobre História e Folclore de todo o mundo. A série teve sucesso naquela década e chegou a ser distribuída para outros países, inclusive para os Estados Unidos. Mas, apesar das improvisações nas falas de Moreno, aquele também não era o Cantinflas que o cinema latino-americano consagrou. A Hanna-Barbera chegou a fazer um remake da série nos anos 80, que foi novamente dublado por Moreno para o mercado latino-americano, mas a época do projeto já tinha passado.
 

"Un Quijote sin mancha" (1969)

 
Enquanto isso, ainda nos anos 70, Bolaños, além de escrever, passou a protagonizar seu próprio programa, que levava o nome artístico que o público a ele associara: Chespirito. Nele surgiu seus personagens mais populares: Chapolin Colorado e o Chaves. Posteriormente cada um deles ganhou sua própria serie. Chaves foi o primeiro programa de TV do México a ser exportado para outros países, tornando-se sucesso por toda a América Latina. 

 

Chaves e Cantinflas
Passagem de bastão: O discípulo Roberto "Chaves" Bolaños e o mestre Cantinflas


Não é difícil entender como Bolaños suplantou Moreno em popularidade no México e em todo o mundo. Parte da base de sua principal criação é claramente inspirada na obra de Moreno. A vila do Chaves não é muito diferente das comunidades que as diversas versões de Cantinflas vivia. Menos realista, sem dúvida, mas com o mesmo destaque aos mais pobres, aos personagens ingênuos, mas espertos, que precisam lidar com os conflitos típicos entre vizinhos e com a as classes mais altas, representadas pelo Sr. Barriga. E ainda tinha a produção em massa da série. Enquanto Moreno produzia um filme por ano, Chaves tinha um episódio novo por semana – 290 no total. A série foi produzida entre 1973 e 1980, mas continuou sendo reexibida semanalmente ou diariamente em diversos países depois disso, enquanto a melhor produção de Moreno é de filmes em preto e branco, um formato que  não chama a atenção das novas gerações. Além disso, Chaves tem um grande diferencial em relação a Moreno: seus personagens principais são crianças, estabelecendo assim uma conexão afetiva ainda maior com seu público desde a tenra idade... 

 

Despedida: "El Varredor" (1981)

 

Morte e Legado

 

Mario Moreno faleceu em 20 de abril de 1993, deixando um legado inigualável. Seu funeral reuniu milhares de pessoas em uma série de cerimônias que duraram três dias. Foi homenageado por chefes de Estado de várias nações e até pelo Congresso Nacional dos Estados Unidos. Cantinflas pode ter sido superado em popularidade, mas seu lugar na história estava garantido.  Como já dissemos, as ações do personagem de Moreno viraram um termo de dicionário: “Cantinflear” foi incluído oficialmente como palavra pela Academia Real Espanhola em 1992. 
 
 
Estrela na calçada da fama
Sua estrela na "Calçada da Fama" em Hollywood


Cantinflas foi retratado como símbolo do povo mexicano por artistas como Rufino Tamayo e Diego Rivera. Ele também é um exemplo e uma das inspirações do Movimento Chicano dos EUA nos anos 60 e 70 do século passado, que visava estabelecer a mescla de influências artísticas latinas e norte-americanas em uma verdadeira expressão artística. Lembremos que Cantinflas (o personagem, não Mário Moreno) tem sua estrela na Calçada da Fama de Hollywood. Em 2011, o centenário de seu nascimento foi marcado por uma série de eventos em diversas partes do mundo – exposições, festivais de filmes, selos comemorativos... Uma cinebiografia mexicana, dirigida por Sebastian del Amo e 
estrelada por Óscar Jaenada, foi lançada no cinema em 2014.
 
 
Homenagem da Google por ocasião do 107° aniversário de Mario

 
Cantinflas é um símbolo do homem latino-americano e de sua luta diante das adversidades. É a prova de que ele pode chegar lá sem precisar deixar de ser quem ele é, sem ter de esquecer suas origens, sem parar de se preocupar com seus companheiros de sofrimento. É alguém que mostra que, apesar de suas limitações, é possível vencer e conquistar seus objetivos fazendo a coisa certa. Alguém que mostra que a importância está no detalhe.

 
Cartaz do filme Cantinflas – A Magia da Comédia” (2014)
Óscar Jaenada, na cinebiografia de 2014


Nota:

*1: A Comédia de Erros é uma peça do dramaturgo inglês William Shakespeare que narra os equívocos e desencontros desencadeados por dois pares de gêmeos – que não sabiam da existência um do outro – ao se encontrarem. A expressão acabou se tornando a definição desse tipo de situação, em que pessoas interpretam errado o que outras dizem ou fazem numa sucessão de erros que geram grande confusão.

 


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