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segunda-feira, 15 de junho de 2020

O "grand finale" - Crítica: Game of Thrones : 8ª temporada

 

 

Dragões me mordam!!!


por Alexandre César 
(Originalmente postado em 31/ 05/ 2019)

Entre (muitos) erros e acertos, a saga de Westeros se despede

 

Esse confronto prometia mais...

 

O inverno chegou, e com ele o Rei da Noite (Vladimir Furdik) e o seu exército de mortos, fazendo surgir uma aliança sem igual na história regada de sangue, traições e conchavos de Westeros, um mundo onde as estações costumam durar anos, às vezes gerações. Após um loongo verão e séculos de um corrupto sistema em que as casas de vários reinos se digladiam entre si para terem o Trono de Ferro e reinarem sobre os outros reinos deixando os seus líderes tão obcecados com a disputa pelo poder imediato que deixaram para trás de se preocuparem com o perigo real que pouco se importa com as sua ridículas divisões, aliás o que ele mais espera é que os homens estejam tão divididos entre que não percebam o seu avanço rumo a se tornar a única forma senciente (não necessariamente viva...) neste mundo. Promete, não??? Só que...  
 


Mãe e filho: Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) e Drogon , o "dragão-filho" predileto.

 
Baseado na série de livros  As Crônicas de Fogo e Gelo de George R. R. Martim, Game of Thrones chega a sua 8ª e última temporada após tornar-se a campeã absoluta da HBO, conquistando uma legião de prêmios e de fãs, batendo recordes de audiência e tornando astros o seu elenco que antes da série era em sua grande maioria uma legião de ilustres desconhecidos. 
 


Jon Snow (Kit Harrington de costas) e Daenerys e suas armas de destruição em massa


Tendo se iniciado com cada temporada adaptando (muito bem por sinal) um livro da série, rapidamente a adaptação televisiva chegou até o último exemplar publicado, ultrapassando-o logo em seguida, o que levou o autor a passar as diretrizes básicas do desfecho da saga e de seus personagens principais pra os produtores e seus respectivos roteiristas, de forma que as duas obras pudessem prosseguir cada uma em seu tempo próprio. Tal fato levou levou fãs mais chiitas a reclamarem de uma certa superficialização geral do contexto geral, capitaneado pelos showrunners D.B. Weiss e David Benioff, mas logo a série retomou fôlego e foi se adaptando a esta nova realidade e agora, após enxugar o quadro geral na temporada anterior, temos finalmente a conclusão deste drama “épico/ novelesco/ fantástico/ medieval” regado à traição, intrigas, sexo e violência física e verbal. “the cream of cream” ... seja para o bem ou... para o mal.
 

Brienne de Tarh (Gwendoline Christie) e Podrick Payne (Daniel Portman):
 O perigo ameaça cavaleiros (ou cavaleiras) e pajens igualmente...


 Finalmente se concretizado a união de nortenhos, selvagens, dotrakhis e imaculados, graças à aliança e o enlace de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), “a mãe dos dragões” e de Jon Snow (Kit Harrington), o “Rei do Norte”, a trama evolui entre o confronto mais urgennte dos vivos contra os mortos e, dos vivos contra os vivos, uma vez que a rainha Cersei Lannister (Lena Headey, ótima como uma rainha má digna das animações da Disney, ainda que subaproveitada nesta temporada ) dá a sua cartada final para se livrar de seus rivais, fora os momentos “casos de família” por conta da resistência das irmãs Sansa (Sophie Turner) e Arya (Maisie Williams, a nova heroína de ação!) Stark em aceitar Daenerys, aliado ao fato de tanto ela quanto ao relutante Snow (ao qual foi revelado não ser um bastardo, mas o legítimo herdeiro do trono...) serem pretendentes ao Trono de Ferro. Molho para um caldeirão de stress, desconfianças e alianças forjadas nos temores e ambições de cada time jogador.  
 

Missandei (Nathalie Emmanuel) e Verme Cinzento
 (Jacob Anderson): Arco completo, e breve...



Nos primeiros dois capítulos (desta temporada de seis) vemos a chegada à Winterfell de toda a trupe da coalizão, havendo o posicionamento de todos os personagens no tabuleiro e na preparação para a “mãe de todas as batalhas” da série, servindo para acertos pontuais nos relacionamentos de personagens, como Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau) e Bran (Isaac Hempstead Wright) que num breve mas eficiente diálogo, o Stark caçula o perdoa por tê-lo aleijado, justamente por esse evento ter levado-o a se tornar o Corvo de Três Olhos.
 
 
Lorde Varys (Conleth Hill), Daenerys, Sir Jorah Mormont (Iain Glen):
 As alianças que superam tudo, ou quase...
 
 

Vemos a conclusão do arco amoroso entre Verme Cinzento (Jacob Anderson) e Missandei (Nathalie Emmanuel) com naturalidade, ou a decisão de Jaime, que decide ele mesmo dar o título de cavaleira à Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) que não poderia ser um cavaleiro por ser mulher, numa cena de grande impacto, culminando na jornada de dos personagens numa bela cena: Ela por toda sua força e determinação, ele por evoluir de uma das criaturas egoísta e vil para um homem realmente nobre, selando o seu elo, para tristeza de Tormund (Kristofer Hivju) que a disputava descaradamente (embora ao final fique claro que Cersei sempre foi a sua fraqueza, num final digno de Nelson Rodrigues...). Tyrion Lannister (Peter Dinklage) ao longo desta temporada cristaliza a sua transição do cínico desencantado para alguém realmente comprometido com um bem maior. 

 

Euron Greyjoy (Pilow Asbaek) e Cercei Lannister (Lena Headey): Parceria de ocasião


Fica evidenciado o crescimento das garotas Stark, sendo a grande surpresa Arya e Gendry (Joe Dempsie) ao se entregarem numa cena extremamente sensual; maturando os personagens, e evidenciando a evolução da garotinha da primeira temporada numa mulher, e guerreira, que ao longo da série nunca havia tido um arco romântico forte. Sansa firma a sua posição como a Lady de Winterfell tal qual fora a sua mãe, a finada Catheryne Stark, resolvendo suas pendências com Tyrion e Theon Greyjoy (Alfie Allen) com quem compartilhou arcos de sobrevivência em ambientes perigosos.




Arya (Maisie Williams) e Gendry (Joe Dempsie) : Um momento forte, belo e inesperado mostrando quando uma menina vira mulher...


Apesar da ajuda de Melisandre (Carice van Houten) a mulher vermelha, (que completa o seu arco) o cerco a Wintefell se dá numa atmosfera de filme de horror, como uma versão medieval de Guerra Mundial Z (2012) transpirando um senso de perigo, pois o realismo extremo das cenas, passadas à noite com cenas super escuras (como seria de fato para quem estivesse realmente neste contexto) cria um clima de angústia e claustrofobia pois deixamos num momento de saber quem pereceu e quem sobreviveu ao confronto, estejam a cavalo, à pé, ou até à dragão... 

Lyanna Mormont (Bella Ramsay): A união dos nortenhos


Entre mortos e feridos se destacam personagens como Sir Jorah Mormont (Iain Glen), sua sobrinha Lyanna (Bella Ramsay) e Theon, que completa o seu arco de redenção ao libertar a sua irmã Yara (Gemma Whelan) e proteger Bran dos mortos, num crescendo que parece não ter saída sem um deus (ou deusa) ex machina que tudo resolve no último minuto. 

 



Sandor Clegane (Rory McCann), Sir Davos Seaworth (Lian Cinningham), Sansa (Sophie Turner), Arya e Bram Stark (Isaac Hempstead Wright): Enterrando os mortos porque o problema continua sendo os vivos...


No computo final nos damos conta de que na primeira metade desta temporada é resolvida a questão do Rei da Noite e dos Vagantes Brancos de forma intensa, mas abrupta, abrindo caminho para aquele que acabou ficando como o conflito final: Não entre os vivos e os mortos, mas entre os vivos e os vivos, deixando aquele gosto de “- Mas acaba assim? Montaram a ameaça num crescendo ao longo de SETE TEMPORADAS, e acaba tudo ao fim de três capítulos???”


Cersei e Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau): Errados, mas juntos no final...
 

Na metade seguinte se dá a investida final em King´s Landing, e neste processo, com as perdas decorrentes das ações de Cersei (que joga pesado sem medir as consequências) e a angústia de perceber que ela não é a predestinada que sempre acreditou ser, fazem cair as últimas amarras que a separavam de sua antagonista, chocando meio mundo com o uso de uma força desmedida, não deixando pedra sobre pedra (literalmente) em sua investida, fraturando neste processo a sua aliança com Snow, Lorde Varys (Conleth Hill), Tyrion, Sir Davos Seaworth (Liam Cunningham) e todos aqueles que eram suas âncoras morais e que garantiam com que ela não perdesse de vista os seus ideais. 

 

-"A muralha da cidade é um obstáculo, mas não um problema..."


Nessa linha de “agilidade e desenvolvimento”, figuras como Sandor Clegane, “O Perdigueiro” (Rory McCann) soluciona as suas pendências com “Montanha” (Hafthor Julius Bjornsson) o seu irmão de forma apoteótica, enquanto outros como Euron Greyjoy (Pilou Asbaek) e Qyburn (Anton Lesser) se despedem na medida que deixam de ser necessários à narrativa.

Os efeitos visuais são cinematográficos, e caros, mas o que fazer?

Jon e Tyrion discorrem sobre os rumos tomados (“O amor é a morte do dever”, diz Tyrion em um momento, citando Aemon Targaryen (o finado Peter Vaughan numa das primeiras temporadas). “Às vezes, o dever é a morte do amor”, como responde Jon, citando o mesmo. e ao final ambos tomam uma decisão pelo bem maior, assumindo as consequências por seus erros de julgamentos passados, e neste processo o roteiro nos mostra o quanto líderes carismáticos e messiânicos, que acreditam terem sido incumbidos da missão de libertar os povos, “Para comandar todo o mundo” (como observa Tyrion) numa Jihad ininterrupta (vide o “Estado Islâmico”...) no intuito de “levar a sua luz a todos”, tende a “libertar” os povos na base do fio da espada, esmagando à ferro e fogo (seja de dragão ou da liberação indiscriminada do acesso às armas de fogo...) transformando o “quebrar a roda e libertar os povos, criando um novo mundo, que será bom”, apenas no criar de uma nova roda, que começará a dar as suas voltas sangrentas. 

 

Esta cena, acredite se quiser, foi profetizada por "Os Simpsons"...

É em momentos, como quando Daenerys, entre as ruínas da Fortaleza Vermelha, encara o trono de ferro ou quando ela clama a seus comandados que a sigam em sua guerra santa que a série mostra o que o gênero fantástico tem de melhor: A alegoria. impossível não ver naquela figura ariana de cabelos platinados (quase uma Walquíria tamanho mignon) enquanto exorta seus soldados dothraki e imaculados (que batem com suas lanças ritmicamente no chão) que a sigam para “libertar todos os povos” (sei...), um paralelo com o avanço da extrema direita neste nosso mundinho tão pouco fantasioso, em que ideias falsas são plantadas na mente das massas, jogando o bom senso às favas.  

 

Tyrion Lannister (Peter Dinklage) e o peso da decisões a serem tomadas...

 
No final deste bloco, Drogon acaba protagonizando o melhor, e o mais emblemático momento do episódio, novamente revelando na alegoria uma sabedoria insuspeita. Dragões são bem mais do que bestas irracionais, que sentem quando é o momento de dar o adeus e ir para longe...  

Arya, despida de super-habilidades, testemunha os horrores de uma guerra como qualquer pessoa comum


Algum tempo depois (que miraculosamente não terminou num banho de sangue colossal...) ao se reunirem os membros sobreviventes das casas, Tyrion faz um discurso apaixonado em defesa de que o próximo rei não seja alguém convencional, sujeito a cometer os mesmos erros do anteriores, mas alguém, que conhece toda a história. 

 

Totalitarismo: Ao combater o inimigo, corre-se sempre o perigo de tornar-se o seu sucessor


-“Quem seria melhor para comandar o nosso futuro?”, ao afirmar que são as histórias que unem o mundo e as pessoas, sendo elas a representação da conexão do passado com o futuro, levando os presentes a aceitar Bran (por suas habilidades como corvo de três olhos) como o legítimo rei de Westeros, que faz de Tyrion sua Mão (conselheiro). Sansa decide que o Norte será independente, e assim todos os remanescentes do clã Stark seguem cada qual o seu rumo, seja ele para a glória ou para o ostracismo, deixando que os sobreviventes como Bronn (Jerome Flynn) e aqueles mais adequados como Samwell Tarly (John Bradley) que miraculosamente sobreviveu a tudo com Gilly (Hannah Murray) ao seu lado, escrevam as páginas da história, fazendo ele, um papel de alter-ego do próprio George R. R. Martim, numa brincadeira de meta linguagem.


A partir daqui, não acompanhamos a "Mãe dos Dragões" no céu, mas sim, aqueles que ela destrói no chão

Ao final percebemos que a decisão de reduzir o número de episódios da temporada cobrou o seu preço, pois se o encerramento foi bom, a execução em muitos momentos deixou a desejar, apressando arcos, conclusões e reviravoltas, que caso se mantivesse um número maior de episódios (10 provavelmente seria o ideal) poderia compartimentar-se melhor todas as narrativas, deixando até mesmo as reviravoltas questionáveis e "coelhos tirados da cartola", mais digeríveis e ajustados no ritmo narrativo. Mas infelizmente o peso orçamentário, que a cada temporada foi ficando cada vez mais mastodôntico, guiou nesta direção que apesar de tudo ainda fechou coerentemente a saga de Westeros, pelo menos até surgirem os inevitáveis derivados.






Os atos grandiosos na maioria das vezes se resumem a matar e destruir de forma brutal...


Podemos dizer que ao final da trama nos deparamos com a constatação de que Daenerys Targaryen foi construída de maneira similar ao Dr. Adam Kelno (Anthony Hopkins) do seriado QB VII (1974) dirigido por Tom Gries, baseado no livro de Leon Uris, onde o médico polonês e marido fiel além de pai dedicado, é perseguido pelos comunistas, tendo se exilado no Oriente Médio fazendo uma grande obra humanitária, é acusado pelo repórter Abraham Cady (Ben Gazzara), um tipo arrogante, e marido infiel, de ter mutilado judeus durante a Segunda Guerra Mundial.



Clegane e seu irmão, o "Montanha" (Hafthor Julius Bjornsson) final apoteótico...



O caso vai parar nos tribunais do Reino Unido (o QB VII do título) e após árduo e longo processo, quando achávamos que o repórter escroque ia perder, surgem provas da culpa do médico, que castrou centenas de judeus saudáveis a mando da SS. A série é um soco no estômago por, o tempo todo acompanhar os dois personagens, mostrando o lado humano do médico e o lado insensível do repórter e da mesma forma acompanhamos a caminhada de Daenerys sempre vendo o seu ponto de vista, aceitando a sua dualidade de líder carismática mas implacável com seus inimigos (que diga-se de passagem, não eram mesmo grande coisa) e a virada se dá quando vemos as consequências de seus atos do ponto de vista das pessoas comuns, no chão correndo da onda de fogo e destruição que ela, montada em seu dragão, provoca em seu rastro messiânico. 





Tormund (Kristofer Hivju), Samwell Tarly (John Bradley), Gilly (Hannah Murray) e Fantasma, o lobo. A importância de sobreviver e contar a sua própria história...


 

E assim, entre erros e grandes acertos com valores de produção irretocáveis terminou um dos marcos da TV moderna, mudando paradigmas, a estrutura e o modo de como consumir e produzir o veículo, tal qual o fizeram Twin Peaks e Arquivo X nos anos 1990 e Lost na segunda metade da década passada. O que virá depois de Game of Thrones só o futuro dirá, além dos inevitáveis spin-offs, tentando expandir e manter viva a marca. Se serão bem sucedidos, só os deuses poderão dizer... No mais, valar morghulis, valar dohaeris e dracarys meu povo!



 

"E a força aérea sempre terá vantagem sobre a marinha!!!"