quinta-feira, 6 de maio de 2021

Saga mítica imortal - Clássicos: Excalibur (1981)



A Grande Ópera
 
por Alexandre César


 John Borman e o arquétipo mitológico


 

Idade das Trevas: Uma misteriosa figura surge das sombras para orientar os homens...

 

O resoluto Rei Arthur, o misterioso mago Merlin, o fiel Sir Lancelot, a Rainha Guinevere, a perversa Morgana, o puro Percival... e Excalibur! As lendas arturianas são fascinantes e muito desse fascínio que exercem no imaginário popular vem do excepcional Le Morte d’Arthur, escrito por Sir Thomas Malory em 1485 que reuniu, num todo coeso, em formato de epopéia, todas*1 as lendas orais e escritas do folclore sobre o fictício (até que provem em contrário) líder que teria liderado a Bretanha contra a invasão dos saxões.

 

Tesouro: Para guiar os homens surge das águas...

...Excalibur: A Espada do Poder. Forjada na aurora dos tempos!
 

Narrada em várias mídias, as verdadeiras (ou mais “fiéis”) histórias, versões da lenda do rei que unificou o seu país contra as forças do mal e reinou em paz por muitos anos, encontrou no cinema um veículo ideal para se propagarem ao longo das décadas, destacando-se Os Cavaleiros da Távola Redonda (1953, de Richard Thorpe), com Robert Taylor, Ava Gardner, Mel Ferrer; a clássica animação A Espada era a Lei (1963, de Wolfgang Reitherman, Clyde Geronimi e David Hand), a conhecida produção da Disney; passando pelo iconoclasta Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (1975, de Terry Gilliam e Terry Jones), que, da forma mais rasgada, brincou com os estereótipos do gênero e da narrativa cinematográfica. Mas, após o seu lançamento, nunca mais se pôde pensar na lenda arturiana em termos audiovisuais sem de alguma forma dialogar com Excalibur (1981), o filme dirigido por John Boorman (Amargo Pesadelo, Zardoz, Esperança e Glória).
 

Triunfo: Uther Pendragon (Gabriel Byrne) é escolhido por Merlin (Nicol Williamson) para portar a espada e liderar a "Terra" e os homens
Uther firma um acordo com o Duque de Cornwall (Corin Redgrave). Sucesso ! Só que não...

 
 
Lançado no mesmo ano de Cavaleiros de Aço, de George A. Romero, com Ed Harris, Gary Lahti, Tom Savini, Amy Ingersoll e Patricia Tallman - uma obra que conseguiu, num contexto de filme “B” com ambientação contemporânea, passar o conceito básico do “espírito de cavalaria”, mas que logo caiu no ostracismo -, o épico mítico-fantasioso de Boorman, escrito em parceria com Rospo Pallemberg (Floresta das Esmeraldas) teve melhor sorte, sagrando-se um cult clássico, moderno e mitológico.
 
 
Uther vê a mulher do Duque dançandopara comemorar o acordo....

 
... e desejoso por Igrayne (Katrine Boorman) joga fora a paz, reiniciando a guerra

 
Baseado na obra de Mallory, Excalibur deu continuidade ao seu espírito de narrativa, condensando e fundindo elementos e personagens das várias versões deste mito, ressignificando muitos deles para criar arquétipos narrativos atemporais e cativantes a nível universal, e não apenas inglês ou europeu (fala-se sempre na “terra”, mas em nenhum momento se menciona “Inglaterra” ou “Bretanha”). O filme acabou servindo para as gerações seguintes como a primeira apresentação sobre a espada mágica Excalibur, que só poderia ser retirada da pedra e empunhada por aquele que seria o verdadeiro e digno rei. Ele também foi a porta de entrada das histórias e personagens que a envolviam - o mago Merlin; o nobre Lancelot e os Cavaleiros da Távola Redonda -, além dos fatores mais sombrios a ela associados, como a irmã traidora Morgana e Mordred, o filho bastardo de ambos, entre outros inúmeros fatores conhecidos pelos adeptos e conhecedores da mágica (e trágica) história do Rei Arthur. O longa metragem é considerado a versão cinematográfica definitiva da narrativa unificada por Malory, algo que as a maioria das várias adaptações cinematográficas (e seriados para TV ou via streaming) posteriores não fazem jus à história e lenda base. Fossem por tomar várias “liberdades criativas “ (algumas até bizarras), fossem por “atualizá-la para o público atual”, todas terminaram muito aquém do que a lenda merecia. Nisso a própria literatura sempre conseguiu se sair melhor*2.


Uther faz um pacto com Merlin para conseguir uma noite com Igrayne

Envolto na magia, Uther adentra castelo rochoso do Duque...

... assumindo a forma deste e (sem tirar a armadura) consuma a sua luxúria

 
Boorman, desde 1969, tentava adaptar Le Morte D’Arthur para as telonas, mas teve várias vezes suas ideias rejeitadas. Primeiro, pela United Artists, que, no lugar, encomendou a ele uma adaptação de nada menos que O Senhor dos Anéis*3, cujo roteiro foi, então, considerado muito caro pelo estúdio. Boorman voltou então à sua ideia original, mantendo, porém, muita coisa do que escreveu na sua adaptação de Tolkien em termos de desenho de produção e direção de arte.
 
Meses depois, após entregar o fruto daquela noite,Uther é atacado e crava Excalibur na pedra, para que ninguém a empunhe...

... morrendo em seguida e deixando a Terra sem rei por anos

 Com boa parte da equipe criativa que trabalhou em Amargo Pesadelo (1972), o filme, ao longo de seus 140 minutos (que originalmente eram 3 horas!), exibe todas as principais (e mais conhecidas) etapas da história do Rei Arthur, com as mudanças necessárias para permitir a fluidez do manuscrito de Malory mas mantendo a sua aura mística. Desta forma vão se sucedendo (de forma pouco convencional) os acontecimentos num ritmo quase irresistível (parecendo muito mais com um poema lírico ou uma história de contos de fadas e cavaleiros que se contam para as crianças antes de dormir). Isso ocorre graças à montagem de John Merrit (Zardoz) e Donn Cambern (Um Século em 43 Minutos), focando, na primeira hora do filme todas as maquinações de longo prazo de Merlin*4 (Nicol Williamson*5, de Robin e Marian). Trafegando de um lado para o outro dos conflitos, de maneira discreta e dúbia - arrancando de quem assiste uma sensação de estranhamento, estupefação e mistério -, o mago engendra um líder que guiará os homens daquela nação. 
 
Merlin sabe que o menino Arthur é o escolhido, e leva o herdeiro de Uther...
 
... e anos depois, o jovem escudeiro Arthur (Nigel Terry à esqu.) acompanhando seu pai adotivo Sir Ector (Clive Swift, à dir.) e seu irmão Kay (Niall O´Brien, ao centro)vai ao torneio
 
 
O ardil começa com Merlin permitindo ao impetuoso (e muito tosco!!!) Rei Uther Pendragon (Gabriel Byrne, de Os Suspeitos) a chance de pegar e portar a espada mística Excalibur e, com um pacto, possibilitou que se ele se deitasse com Igrayne (Katrine Boorman, filha do diretor), esposa do duque de Cornwall (Corin Redgrave, de O Homem que Não Vendeu sua Alma). Como resultado desse pacto, surge o bebê Arthur, que é levado pelo mago como pagamento pela relação pecaminosa. Uther se arrepende do acordo, mas acaba ferido de morte quando tentava recuperar o filho e crava sua espada mística Excalibur, destinada a ser do legítimo Rei daquelas terras, em uma pedra no meio da floresta.
 
 
No local, ao perder a espada de Kay, Arthur remove Excalibur da pedra,sendo reconhecido por alguns como...

 
...Leondegrance de Camolyarde (Patrick Stewart, à esq.) e contestado por outros, como Lot (Ciarán Hinds, à dir.) gerando confronto
 
 
Anos mais tarde, testemunhamos a retirada de Excalibur da pedra pelo jovem bastardo Arthur (Nigel Terry, de Caravaggio. A primeira opção para o papel foi Sean Connery). Ainda bebê, ele havia sido levado por Merlin para ser criado por Sir Ector (Clive Swift, de Frenesi), pai de Kay (Niall O´Brien, de A Lenda do Pianista do Mar). Depois de conseguir retirar a espada da pedra - algo que muitos haviam tentado em vão -, o jovem sagra-se como o verdadeiro e único Rei. Segue-se então a construção do castelo de Camelot e da Távola Redonda; as consequências do amor proibido entre Lancelot (Nicholas Clay, de A Odisséia. A primeira opção para o papel foi Michael Beck) e Guinevere (Cherie Lunghi, de A Missão). 
 

Arthur, com sua nobreza, converte Uryens (Keith Buckl) de um oponente num de seus maiores partidários...

... surpreendendo a todos como Leondegrance, e sua filha Guinevere (Cherie Lunghi)

 

Já na segunda hora do filme, ocorre a derrocada trágica de Arthur e os desdobramentos malignos das intrigas da sensual Morgana Le Fay (Helen Mirren, de A Grande Mentira), cuja inveja mortal leva ao seu plano de gerar de forma pecaminosa um novo rei com o seu meio-irmão, dando à luz a Mordred (Robert Addie, de Robin Hood) causando a paulatina destruição do reino de Camelot e de Arthur. Como última esperança de reverter a provável derrota, o rei convoca os seus cavaleiros para a busca pelo lendário Santo Graal, que é seguida pela última batalha de Arthur contra seu filho ilegítimo e concluímos com um final redentor quando a espada é devolvida à Dama do Lago*6, e o corpo de Arthur sendo levado para o repouso final, em belíssimas cenas graças à extraordinária fotografia*7 de Alex Thomson (A Lenda) - uma adição de última hora à equipe de filmagem. Ele dá vida e movimento a todo o cenário natural do filme de forma abaladora e imersiva.  

 

Anos depois, Arthur quebra Excalibur, movido pelo orgulho. Graças ao seu arrependimento, tem a espada, restaurada pela Dama do Lago...
...reconhecendo Lancelot (Nicholas Clay) como seu real campeão


 O roteiro de Boorman e Palemberg, além de condensar de forma econômica os momentos chaves da história, nos permite conhecer alguns dos personagens à volta de Arthur, como Sir Gawain (Liam Neeson, de Darkman - Vingança Sem Rosto), que é inicialmente manipulado por Morgana, mas no final torna-se devoto e leal à Arthur. Temos também Percival (Paul Geoffrey, de Greystoke: A Lenda de Tarzan), um jovem rapaz com sonhos de se tornar um cavaleiro e que no final se mostra como, talvez, o maior herói do filme, por ser o único sobrevivente da busca pelo Santo Graal. E há a chance de vermos personagens menos conhecidos, como Leondegrance de Camolyarde (Patrick Stewart de Star Trek: Picard), aqui como pai de Guinevere, e Uryens (Keith Bucklde A Volta do Dr. Phibes), à princípio um cavaleiro descrente de Arthur, que acaba por se tornar um dos seus mais aguerridos devotos, estimulando Percival em sua busca. E ainda temos o contido e pouco destacado Lot (Ciarán Hinds, de Liga da Justiça de Zack Snyder). A maioria do elenco do filme é da tradição teatral inglesa (shakespeareana em essência), o que se refletiu no tom das interpretações e inclusive, em seus relacionamentos*8.

 

Amor proibido: Lancelot e Guinevere se apaixonam às vésperas do casamento desta...
... e resolvem ocultar seu amor, e Guinevere casa com Arthur

O filme, em seu mergulho na lenda, que se passar “em outro tempo, em outro lugar” (não necessariamente na Idade Média ou na Inglaterra), se permite uma série de anacronismos*9 em relação à localização dos fatos no tempo, com imagens ora belas, ora violentas, numa qualidade entre sonho e pesadelo, opondo altruísmo e egoísmo, honra e traição, amor e ódio. O roteiro e a direção trabalham tais dualidades entre a luz do sagrado e a infelicidade profana, através da paleta de sua cores, dos figurinos e na direção de arte: armaduras pretas versus armaduras prateadas brilhantes, máscaras que emulam o sol, a maquiagem dos personagens demonstrando sua decadência ou a decoração e iluminação dos cenários enfatizando do auge ao seu declínio. Tudo de forma expressionista e sofisticada, num tratamento de pura fantasia que não trabalha seus temas de maneira leve ou infantil. É um filme sombrio, mostrando sempre o lado mais terrível de seus personagens, desmistificando este conto fantasioso com doses de realismo quase seco nas batalhas que se sucedem. Com um tom tenebroso e brutal em sua violência num nível de detalhes - lanças ou espadas atravessando corpos e braços sendo cortados - que demonstram um realismo angustiante e gratificante de se assistir. Algo que futuramente seria usado em Game of Thrones...

 

Os anos passam e a Távola Redonda vira uma realidade  
A fartura e a paz do reino cercam Arthur e Gunevere, apesar da ausência de Lancelot...
...o que faz Gawian (Lian Neeson) instigado por Morgana (Helen Mirren) à questionar o campeão do rei


 A filmagem do “Projeto da Família Boorman”*10 , como muitos chamavam, ocorreu inteiramente na Inglaterra e na Irlanda, com várias locações usadas por Boorman em Zardoz (1974). A maioria delas próximas da casa de Borman, em Annamoe, no Condado de Wicklow, Irlanda, onde toda noite o diretor dormia na sua cama quentinha, após cada dia de filmagem - a maioria deles, chuvosa*11.

 

Morgana, com seus sortilégios, sabota a paz do reino, iniciando a decadência...
...engendrando o jovem Mordred (Charley Boorman) seu mimado e cruel filho

 

O desenho de produção de Anthony Pratt (Roma), a direção de arte de Tim Hutchinson (Highlander: O Guerreiro Imortal) e a decoração de sets de Bryan Graves (Macbeth) criam a ambientação de tom expressionista e simbolista, apresentando um universo pleno de arquétipos visuais, como o castelo rochoso de Cornwall (praticamente uma caverna). Ele contrasta com os interiores de Camelot, cujo aspecto geral de seus cenários (que eram maiores do que as dimensões do estúdio de filmagem, tendo de ser reajustados) não faria feio numa space opera ambientada em Krypton ou Mongo

 

Percival (Paul Geoffrey) último cavaleiro à buscar o "Santo Graal", confronta Morgana, quase morrendo neste embate...
... e após anos de provações, ele encontra o Graal, devolvendo ao soberano a vitalidade...

... que retoma a luta pois "O Rei e a Terra são um só!"


Os criativos figurinos de Bob Ringwood (Duna), cujas vestimentas (muitas delas atemporais e que fizeram sensação*12) trazem muitos adereços cromados e brilhantes, que refletem feixes de luz e trazem os próprios reflexos dos personagens. As armaduras*13 (feitas em alumínio para serem leves), que os cavaleiros usam para comer, transar, e até lutar, de uma forma meio desastrada, deram realismo às coreografias de batalha, que resistiram ao teste do tempo, apresentando lutas grandiosas que se tornam mais espetaculares ainda, quando comparadas com as produções atuais. Hoje, o mesmo tipo de material vem sendo gerado quase que exclusivamente com o uso de CGI, mas sem a mesma realidade táctil, que criava um tom onírico perfeito para a proposta do filme. Um tom que, quando quebrado pelas cenas mais violentas e sangrentas dos combates*14, trazem uma dureza visual impactante, nos arrastando do reino de fantasia para a suja (e dolorida) realidade.  

 

Recuperado graças ao Graal, Arthur recobra Excalibur e parte para enfrentar Morgana...
... que havia roubado a magia de Merlin, para se manter bela ao longo dos anos, confronta o seu antigo adversário, agora um espectro imaterial

 

A trilha sonora original melódica e sinfônica (digna de uma ópera), composta por Trevor Jones (O Último dos Moicanos), mescla os momentos de contemplação e admiração do fantástico, com outros de som perturbador e ao mesmo tempo bucólico nos momentos mais sombrios que a história se desventura. A trilha usa peças de outros autores – que fez a fama de Carmina Burana, de Carl Orff (nas cenas de batalha). Também temos Prelúdio de Tristão e Isolda (quando Lancelot vai buscar Guinevere para o seu casamento e outros trechos no seu encontro amoroso), Prelúdio de Parsifal (quando Percival encontra o Santo Graal e restaura Arthur), além de O Funeral de Siegfried - da ópera O Crepúsculo dos Deuses (na abertura e no encerramento do filme) -, todas criação de Richard Wagner.

 

Arthur e Percival, ao final da grande e sangrenta batalha...

...tendo o último confronto com Mordred (Robert Addie) num abraço mortal de pai e filho

Excalibur não é um grande épico do tipo que tem as enormes proporções de um Ben-Hur ou um Spartacus, mas tornou-se uma grande referência*15 no imaginário pop. Uma obra atemporal que adapta perfeitamente um conto de aventura e fantasia, sendo por isso, maior do que a soma de suas partes (o que caracteriza um autêntico clássico!!!). Com imagens poderosas e suntuosas, sempre acompanhado de uma magnífica trilha sonora, que acentua a sua qualidade artística, ele é um filme merecedor de um lugar cativo na história da sétima arte, eternizando citações, como: "Vejam! A espada do poder! Excalibur! Forjada quando o mundo era jovem, e ave e fera e flor comungavam com o homem, e a morte era apenas um sonho!"

 

Agonizante, Arthur ordena a Percival que devolva Excalibur ao lago...

... e concluída a tarefa, Percival procura seu rei até...

 

Ou: “Qual é a maior qualidade de um cavaleiro? Coragem, compaixão, lealdade, humildade?” 
 
E: “É a verdade, à frente de todas as outras; quando um homem mente, destrói uma parte do mundo.”
 
E talvez, a mais emblemática de todas, no imaginário pop:

“- Qual é o segredo do Graal?
O Rei e a Terra são um só*16.”

Excalibur não é um filme para se racionalizar. É um filme sensorial, feito para deixar os sentidos absorverem os arquétipos retratados e que, ao final, guardarmos na lembrança a promessa de seu herói mítico e atemporal nas suas derradeiras palavras: “Um dia chegará um Rei e a Espada ressurgirá das Águas” .
 
 
... ver o corpo de Arthur ser levado pelas Damas do Lago para o seu repouso final (em Avalon)...





 


Notas:

 

*1: Originalmente um mito celta, a Lenda Arturiana foi, à medida que ia se cristianizando (junto com a Inglaterra) ao longo dos séculos, incorporando em seu bojo outras lendas que já existiam de forma independente. O Mago Merlin foi um dos primeiros personagens a serem incorporados, seguido por Morgana, que também surgiu completamente sem ligação com esta narrativa. A busca por um caldeirão mágico celta foi incorporada adiante e, posteriormente cristianizada, transformou-se na busca do Santo Graal (que também tinha uma narrativa própria) e finalmente Lancelot, que era um herói mítico francês. Ele foi o último personagem a ser incorporado no século XII, por intermédio do poeta Chrétien de Troyes, no poema “Lancelot le chevalier de la charrete” escrito entre 1176 e 1181, que apresentou a Corte de Camelot e o seu amor proibido por Guinevere, inspirado provavelmente pela lenda de  Tristão e Isolda (que já havia sido incorporada ao Ciclo Arturiano). Esta aquisição de mitos e narrativas formando um único universo compartilhado não deixa de ter similaridades com os multiversos Marvel e DC Comics que ao longo de suas longas cronologias adquiriram personagens, atualizando e recontextualizando suas origens para formarem um bloco narrativo coeso.

 

*2: Onde várias obras fazem grande jus a lenda, entregando diversas versões diferentes, e interessantes,  como As Brumas de Avalon onde vemos a história de Arthur pela ótica de Morgana sua irmã; ou a trilogia As Crônicas de Artur de Bernard Cornwell, uma versão mais realista e brutal, digna de Game of Thrones. Nos quadrinhos (que  não deixam de ser uma outra forma de literatura) temos a obra-prima Camelot 3000 de Mike W. Barr (texto)  e Brian Bolland (desenhos) publicada pela DC Comics entre 1982 e 1985 em 12 edições, tendo sido considerada uma versão válida e canônica da lenda. 

 

*3: O roteiro  foi escrito por Boorman e Pallenberg, que antes tinha como crédito apenas a direção de segunda unidade de O Exorcista II - O Herege e parte do roteiro (não creditado) do mesmo filme. 

 

*4: Nas lendas, Merlin seria filho do próprio Satã, que havia seduzido uma jovem de sentimentos devotos, daí resultando num filho divino, com poderes diabólicos. Por sua criação materna, teria renegado o próprio pai, optando por querer ajudar os homens.

 

*5: O papel de Merlin foi oferecido à Max Von Sydow, Sean Connery, Lee Marvin e Donald Sutherland, que declinaram por várias razões.

 

"Aquele que retirar esta espada desta pedra é por direito rei de toda a Inglaterra."

*6: Na narrativa original, a espada da pedra é uma espada distinta de Excalibur, que, quando Arthur a quebra num duelo, acaba substituída pela espada mais conhecida, que lhe é dada pela Dama do Lago, graças à intervenção de Merlin. Até esta versão da história aparece, com alterações no filme de Boorman, pois originalmete Uther ao ser escolhido or Merlin, não recebia nenhuma espada especial.

 

 

*7: A espada e as florestas sempre são banhadas por um filtro de luz verde, enfatizando o seu aspecto místico e mitológico. Esta mesma luz verde traz uma aura mágica para as cenas em que Merlim esta presente. Quando enfim o mago desaparece, tal recurso é reduzido, como se sua ausência deixasse o mundo sem cor. O uso de espelhos para refletir cores e brilhos sobre armaduras e armas, é semelhante ao que acontece com as luzes douradas refletidas nas paredes de Camelot, realçando a fartura na fase inicial e sua ausência na fase decadente, quando Arthur, e o reino, perdem o vigor. 

 

*8: Nicol Williamsom e Helen Mirren haviam anos antes participado de uma montagem desastrosa de Mackbeth que os havia deixado bastante indisposto um com o outro. Boorman os convenceu a participarem do filme acreditando que a natural animosidade se refletiria na oposição Merlin – Morgana. Ao final, os dois acabaram por fazer as pazes e cultivarem uma grande amizade. O filme foi a estréia no cinema de Gabriel Byrne (Uther), Ciarán Hinds (Lot, cuja primeira opção foi Pierce Brosnan), Cherie Lunghi (Guenevere) e Liam Neeson (Gawain) que conheceu Mirren nas filmagens e engataram um relacionamento de 4 anos, que terminou amigavelmente.

 

  

*9: A suposta ambientação do filme seria na “Idade das Trevas” (Baixa Idade Média, indo dos séculos V a X) mas os cavaleiros usam armaduras metálicas completas (uma tecnologia do século XV) e eles fazem referência ao Código de Cavalaria, um código informal de conduta desenvolvido entre os anos de 1170 e 1220.

 

 

 

*10: O filme era chamado de “Projeto da Família Boorman” pois além do próprio John Boorman (diretor, produtor e roteirista) seus filhos Katrine Boorman (Igrayne), Telsche Boorman (a Dama do Lago) e Charley Boorman (Mordred quando menino) integravam o elenco.

 

*11: Na maioria dos dias de filmagem, sempre chovia, ora forte, ora apenas uma garoa, e entre os momentos de estiada, ocorriam as filmagens sob uma luz opaca, mas que dava exuberância à folhagem. As armaduras tinham que ser enxugadas para tirar as gotas d`água de sua superfície, além de esfregadas para evitar reflexos indesejados (em algumas cenas, os cameramen aparecem refletidos nas armaduras).

 

*12: O vestido de casamento de Guinevere, feito de centenas de miçangas à mão foi muito requisitado por jovens noivas, sem sucesso. O peitoral metálico de Morgana (de aspecto bem sado-maso), usado na sua cena final, além de copiado por muitos estilistas, faz parte da coleção de lembranças de John Boorman, junto com a espada Excalibur e outros adereços, que decoram a sua casa de campo.

 

*13: Executadas pelo armeiro Terry English (Joana D´Arc), que faz o ferreiro que dá uma olhada para Arthur, quando este procura a espada roubada de Kay, e pensa em afanar uma.

 

*14: Boorman contou numa entrevista, que os extras irlandeses ficavam tão empolgados nas cenas de batalha que, quando ele gritava “CORTA!!!”, a maioria continuava seguindo no embalo, lutando...

*15: Bryan Singer (Bohemian Rhapsody, cinesérie X-Men) tentou por anos emplacar um projeto de refilmagem, sem sucesso. Zack Snyder o considera seu filme favorito, tanto que em Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (2016) é este o filme anunciado no cinema do qual o menino Bruce Wayne sai com os pais na noite em que eles são assassinados, além da cena em que Superman mata o Apocalipse, que é calcada na luta de Arthur com Mordred. A mais recente citação ao filme foi em Jogador n°1 (2017) de Steven Spielberg, onde a senha de acesso para uma nova fase do game é na verdade o Feitiço da Criação, declamado por Merlin e por Morgana.

 

*16: No filme ocorre a fusão das figuras de Arthur e do Roi Pêcheur (O Rei Pescador que protagoniza uma narrativa em que ele é ferido na coxa, perdendo a vitalidade, que se reflete em seu reino, que passa a definhar, numa analogia com a perda da pujança inclusive, à nível sexual) num só personagem, enfatizando a ligação do soberano ao seu domínio (Na heráldica as cores de Arthur são o verde e o amarelo, que representa o ouro, sendo estas cores ligadas à terra).

 


" - Nem Andrew, e muito menos Charles, empunharão a espada que já foi de Arthur!!!"


 

 

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