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domingo, 31 de março de 2019

Ensaio: Pistoleiros, Justiceiros e afins

 



 O mito do "homem e sua arma" como definidor do protagonista na cultura de massas

por Alexandre César
(originalmente publicado em 22/ 09/ 2017)


As várias faces do arquétipo narrativo

Colecionismo: As armas como ítem de de decoração, dão um ar de austeridade elegante, desde que não sejam postas em ação...
 

Armas - sejam elas espadas, punhais, facas, revólveres, pistolas, rifles e afins - são belos itens de decoração, dando às paredes da sala em que se encontram um ar de elegância, tradição e sobriedade. O problema é que elas são feitas para matar.

 

"Aquele que retirar esta espada desta pedra é por direito rei de toda a Inglaterra."


A maioria dos heróis míticos costuma portar armas que, como extensão de seus braços, fazem valer seus valores à força. Em geral esse poder é verdadeiramente demonstrado quando elas estão na posse de seus reais portadores, que as usam com a devida destreza ou, no caso da arma ser mágica, na posse de quem tenha o dom que permita seu uso como se deve. Vide, por exemplo, o Martelo de Thor, que somente os verdadeiramente dignos podem manusear, ou a espada cravada na rocha, que só o escolhido para ser o Rei da Inglaterra poderia retirar.

 

Mitologia: As narrativas do "western" migraram da literatura para o cinema, TV, quadrinhos e videogames, dando continuidade às narrativas míticas

 

As armas de fogo curtas - pistolas e revólveres - têm uma mística própria, pois seu uso independe da força física de seus usuários. Um indivíduo franzino pode com um revólver derrubar um oponente muito maior e mais forte do que ele, de forma letal e definitiva, algo menos provável de ocorrer no combate corpo a corpo. Foi este tipo de ferramenta, conferindo a um homem comum um poder destrutivo tão intenso, que deu enorme vantagem às potências coloniais em sua trilha de pilhagem sobre a parte do mundo que desconhecia as armas de fogo. 

 

Conquistadores espanhóis derrubaram o Império Asteca com armas de fogo


Durante a fase da consolidação dos Estados Unidos como nação, tornou-se popular (agregando valores mais antigos de outros mitos) um personagem único: o Pistoleiro, indivíduo normalmente solitário, errante por natureza, que está em busca de redenção pessoal por um passado imprudente ou em uma jornada de vingança contra as forças da injustiça e opressão. Eventualmente ele pode apenas querer estar sozinho, procurando não se envolver com problemas que possam existir em sua volta. 

 

John Wayne encarnou no cinema o mito do cowboy como ninguém
 
Nas narrativas, em geral, ele é apresentado chegando a algum lugar onde pessoas simples e comuns, que querem apenas levar a sua vida de forma honesta e tranquila, são oprimidas por outros que recorrem à força contra os mais fracos para atingir os seus objetivos nada dignos. Esses opressores podem ser bandos de saqueadores ou representantes de forças movidas por interesses econômicos (rancheiros que querem tomar as terras de todos da região, ferrovias que ao se expandir vão esmagando quem está no caminho etc.). No decorrer da história o Pistoleiro acaba tomando o partido dos mais fracos, mostrando a eles que podem ser livres se tomarem as rédeas de suas vidas e ousarem lutar por isso. Invariavelmente ele enfrentará o vilão (líder dos saqueadores, o rancheiro...) num duelo mortal, vencendo-o.

 

Os irmãos Earp - Wyatt (Howard Ferguson Jr.), Virgil (Shane Brumett) e Morgan (Kiki Salcido) – com Doc Holliday (Andrew DeCarlo) em “Gunsingers”, mini-série documental de 2014 do American Heroes Chanel.


 

 Após o Pistoleiro restaurar a Justiça no local costuma haver três finais possíveis:

A) Caso ele morra em decorrência do conflito, sua jornada termina tendo purgado seus pecados com este sacrifício supremo, podendo servir de inspiração a algum jovem que assumiria o seu legado;

B) Ele vai embora sem olhar para trás, pois o seu trabalho ali acabou e ele deve continuar a sua jornada pessoal. Ocasionalmente alguém poderá segui-lo: um jovem órfão, com quem desenvolveu uma relação paternal, ou uma companheira que decide dividir sua vida com ele e, um dia (quem sabe?), encontrar um lugar para se estabelecer;

C) Ele se estabelece no lugar como o protetor daquela comunidade, acreditando que a sua busca terminou. Acaba se tornando um pilar dos valores comunitários (lei & ordem). Na maioria das vezes esta opção ocorre por ter encontrado uma companheira entre os cidadãos do lugar. 

 

Mantra motivacional: Roland Deschain (Idris Elba), no filme "A Torre Negra" (2017)


Porém é preciso ter em mente que, apesar do poder que a arma de fogo confere ao indivíduo, isso não é o bastante. O fato de poder ser manuseada por qualquer um lhe dá uma falsa, porém persistente, aura divina, como se aquele que portasse uma delas se tornasse automaticamente invencível. Para ser um herói mítico de fato, o indivíduo deverá ter algo que o diferencie de um mero atirador de balas, de um capanga qualquer. Alguém que seja um mestre no manejo de seu instrumento de batalha e que - ainda que beba, xingue e não seja refinado - obedeça a um código pessoal rígido, que lhe garanta a sobrevivência e lhe permita focar em seu alvo de forma eficiente. Neste contexto um Pistoleiro é um guerreiro semelhante a um Samurai ou um Cavaleiro da Idade Média. O personagem Roland Deschain (Idris Elba), no filme A Torre Negra (de 2017, dirigido por Nikolaj Arcel) e dos livros de Stephen King, é uma boa referência. Ele tem, por exemplo, um mantra que lhe permite focar melhor a sua atenção e sua mira na hora de abater os seus oponentes.

 

Jesse James (Brad Pitt) em "O assassinato de Jesse James pelo 

covarde Robert Ford" (de 2007, dirigido por Andrew Dominik)


Falando em filmes, o cinema (e em especial Hollywood), como um dos maiores veículos de cultura de massas do século XX, abraçou esta mitologia como uma fonte de dramas épicos onde, na maioria das vezes, vemos o poder do indivíduo ser o diferencial de mudança na coletividade. Como representante do crescimento e consolidação dos Estados Unidos enquanto potência mundial, o Western por um bom tempo foi o cinema americano por excelência, consagrando diretores como Howard Hanks, George Stevens e John Ford. Transcendendo as fronteiras americanas, eles colocaram o colono, o índio e personagens históricos como Billy "The Kid", Jesse James e Wyatt Earp no mesmo patamar narrativo dos mitos greco-romanos e medievais. Como prova disso, temos o Western-Spaguetti do cinema italiano, a maior releitura desse gênero cinematográfico que, com sua personalidade própria, gerou clássicos igualmente imortais. 

 

Paul Kersey (Charles Bronson) de "Desejo de Matar"(1974) que gerou uma franquia...

  ... e Buce Willis na refilmagem de 2018 dirigida por Eli Roth

Com o questionamento do poder norte-americano nos anos 60, o gênero foi declinando até a sua quase inexistência nos tempos atuais. Apesar disto, a mística do pistoleiro se manteve, migrando para outro gênero de filmes: o Policial, principalmente a partir dos anos 70, quando o temor da violência urbana gerou a transmutação do Pistoleiro no Justiceiro: indivíduo que decide fazer justiça por conta própria. Isso pode ocorrer após uma grande perda pessoal, como ocorreu com Paul Kersey (Charles Bronson), o protagonista de Desejo de Matar (de 1974, dirigido por Michael Winner), ou por não temer o perigo e não se importar com a hierarquia do poder estabelecido – ainda que pertença a ele -, como é o caso do policial "Dirty" Harry Callahan (Clint Eastwood), de Perseguidor Implacável (de 1971, dirigido por Don Siegel). Ambos os filmes geraram franquias cinematográficas de sucesso. 

 

"Dirty" Harry (Clint Eastwood)


O Justiceiro age como juiz, juri e executor, desafiando tanto o crime quanto as autoridades. Afinal, o vigilantismo é ilegal (o próprio termo "pistoleiro" hoje em dia é uma definição de criminoso). Muitos personagens deste tipo surgiram e desapareceram desde então, refletindo sua perenidade no imaginário pop. Eles também apresentam releituras em contextos diferenciados, como nos filmes da série Mad Max, personagem criado pelo diretor australiano George Miller, onde o mito do "homem e sua arma" se funde ao mito do "homem e seu carro" (que não deixa de ser uma arma também...) num cenário pós-apocalíptico futurista.

 

Mel Gibson em "Mad Max" (1979), o "homem com sua arma (carro)"...

O Pistoleiro não é um personagem recorrente apenas no cinema. Ele é encontrado com frequência em outros gêneros artísticos, como as Histórias em Quadrinhos. Nos quadrinhos americanos, atualmente os mais conhecidos personagens que encarnam o mito do "homem com a sua arma" são: o Pistoleiro, do Esquadrão Suicida (DC Comics); Johnny Bart (Marvel Comics), o Rawhide Kid (chamado de Billy Blue no Brasil); Jonah Hex (DC Comics), O Santo dos Assassinos, da iconoclástica série Preacher, de Garth Ennis e Steve Dilon (DC Comics); e, é claro, o Justiceiro (Marvel Comics), inspirado justamente nas séries de filmes Desejo de Matar e Dirty Harry, que ganhou o seu próprio seriado pelo serviço de streaming Netflix com duas temporadas. Dos mangás e animes do Japão, podemos citar o cativante caçador de recompensas Spike Spiegel, da série Cowboy Bebop (Sunrise), e Vash, o mais procurado homem da Terra nas histórias de Trigun (Tokuma Shoten).

 

Jonah Hex (EUA), Tex Willer (Itália) e Spike Spiegel (Japão): o Bom, o Mau e o Feio - não necessariamente nesta ordem


Temos ainda grandes representantes nos quadrinhos europeus. Na banda desenhada franco-belga existe Lucky Luke, de Morris e Gosciny, que é o pistoleiro que "atira mais rápido do que a própria sombra"(?). Outro exemplo é Blueberry, um autêntico cavaleiro andante criado por Jean "Moebius" Giraud e Jean-Michel Charlier. Nos fumetti italianos existe o muito popular no Brasil Tex Willer, o Ranger criado por Gian Luigi Bonelli e Aurelio Galleppini, o mais longevo personagem de western dos quadrinhos, sendo publicado ininterruptamente desde 1948.

 

Outlaws: roteiro do game é a própria definição da mitologia do Pistoleiro


Os videogames não poderiam ficar de fora do gênero. Tanto que uma de suas vertentes mais populares – o tiro em primeira pessoa (first person shooter) – é claramente baseada na possibilidade do jogador se sentir ele mesmo como um Pistoleiro dos mitos. Entre os jogos mais marcantes, podemos citar Outlaws (1997, da Lucas Arts), onde um ex-delegado volta a usar suas pistolas após sua esposa ser morta e sua filha raptada por dois fora-da-lei a mando de um magnata das ferrovias. O milionário quer usá-lo para convencer os moradores de sua cidade a vender suas terras para ele, que assim poderá lucrar ainda mais com a linha de trem que por lá passará em breve. Não havia como esse enredo se encaixar melhor na mítica do Pistoleiro. Outros jogos de destaque são Red Dead Redemption (2010, da Rockstar Games) e Gun (2005, da Activision), ambos também situados no Velho Oeste. Um bom exemplo de game que trabalha com esta mitologia sem ser do gênero Western é Destiny (2014, da Actvision), um jogo de ficção-científica pós-apocalíptico que se passa 700 anos no futuro, depois que um cataclismo quase acaba com a Humanidade, restando apenas uma cidade povoada na Terra. Para defendê-la de diversas espécies alienígenas hostis, existe apenas um grupo de guardiões com suas armas especiais. Sua continuação, Destiny 2, está saindo agora e parece ser ainda mais envolvente, subindo um degrau a mais no estilo. 

 

Clint Eastwood foi uma das estrelas do "western spaghetti"
  

Mas é no cinema que temos aquela que deve ser a mais humana e, ao mesmo tempo, demolidora visão do mito do "homem e sua arma": o filme Os Imperdoáveis (1992), de Clint Eastwood. O diretor interpreta o protagonista William Munny, um pistoleiro regenerado que sai da aposentadoria por dificuldades financeiras e vai à caça de um prêmio instituído por um grupo de prostitutas pela vida de um cowboy que desfigurou uma delas. O mutilador foi liberado pelo xerife da cidade (Gene Hackman, sensacional) após ele pagar uma mera indenização ao dono do saloon em que as prostitutas atuavam. Aqui vemos a completa demolição do mito, pois não existem duelos épicos como os de Wyatt Earp, seus irmãos e seu amigo Doc Hollyday contra os Claytons em O.K. Corral, nem há personagens maiores do que a vida em sua nobreza ou vilania. Temos aqui apenas velhice, medo, insegurança e álcool como forças motrizes de ações violentas e a mitificação enquanto farsa, pois todos querem apenas viver mais um dia. Como diz Munny a seu jovem e assustado aprendiz: "É uma coisa terrível isso de matar um homem. Você atira e, num segundo você tira tudo dele".

 

 William Munny (Clint Eastwood) em "Os Imperdoáveis"

Uma realidade onde sacar mais rápido não garante acertar o alvo, podendo ser apenas um tiro no pé. Uma reflexão que entra em rota de colisão com a frase célebre do clássico de John Ford O Homem que Matou o Facínora (1962): "Este é o Oeste, senhor. Quando a lenda antecede aos fatos, publique-se a lenda!".

 


 


 

segunda-feira, 18 de março de 2019

Dupla improvável - Crítica - Filmes: Visages Villages (2017)

 


Imagens, lembranças, sentimentos e reflexões

por Alexandre César

(Originalmente postado em 21 / 11/ 2017)


 Agnes Varda, JR e o retrato fugaz da vida e da memória

 


Imagine dois personagens cujos visuais distintos serviriam para criar uma dupla do tipo Pink & Cérebro, Ren & Stimpy ou Harold & Maude, mas sem qualquer dose de morbidez e sim com um apego extraordinário à vida. Imagine que os dois compartilham uma paixão em comum, apesar de serem de diferentes manifestações artísticas.

JR & Agnes Varda: dupla improvável

Ela, a cineasta belga Agnes Varda, figura importante, mas pouco lembrada, do cinema francês moderno. Baixinha, robusta e de cabelo bicolor. De longa filmografia, sempre em movimento e com grande fôlego para uma senhora de 89 anos. Ele, o fotógrafo e muralista que assina com o pseudônimo de JR, está acostumado a fazer obras de colagem com imagens enormes, estampando ou envelopando prédios e estruturas industriais. Alto e magro, com 34 anos, sempre de óculos escuros e chapéu.

 

O objetivo do trabalho era transformar elementos cotidianos em obras de arte, incorporados à sua rotina diária valorizando pessoas e objetos comuns

A abertura do filme, feita em animação, já deixa claro o quanto essa dupla insólita tem de destoante e, ao mesmo tempo, em comum. Ambos compartilhando a paixão pela imagem e questionando como essas imagens são difundidas e como se relacionam com o mundo das pessoas reais por elas retratadas


Empoderamento: Mulheres de estivadores são homenageadas, pois ajudaram numa negociação importante da categoria

 

JR propôs a Agnes que atravessasse com ele o interior da França e fossem criando “galerias fotográficas” ao ar livre pelo caminho, tendo como matéria-prima as pessoas que participariam de encontros programados ou aleatórios. Ele iria com ela munido da sua “van fotográfica” (uma van adesivada como se fosse uma câmera gigante), que possui um estúdio fotográfico e uma impressora que lhe permite imprimir em papel de outdoor imagens imensas das pessoas que fotografa para colar nas paredes. E, claro, filmassem toda a jornada. Desta proposta surgiu o documentário Visages Villages (2017), que ambos dirigiram. A obra ganhou o prêmio Golden Eye de Melhor Documentário no Festival de Cannes deste ano.


Agnes diante de um trabalho de JR com uma imagem sua da juventude

A dupla faz a festa, junto com os participantes do projeto, alçados da condição de anônimos para a de protagonistas das obras retratadas. Como quando uma garçonete, depois de posar para um desses murais, tem sua imagem viralizada nas redes sociais e passa a ser a mais famosa habitante da cidade. A estrutura do documentário lembra um road movie em que a viagem é um elemento de transformação e de auto-conhecimento na qual ambos vão se descobrindo, concordando e divergindo sobre questões da vida e do mundo.

 

É tocante a cena em que Agnes relaxa na praia após uma cirurgia

Em alguns momentos, o filme assume um tom singelo e tocante, como quando eles encontram numa cidadezinha um bairro deserto onde moravam mineiros de carvão, trabalhadores de uma indústria que não existia mais ali. Ao realizar uma obra com a última moradora do local, homenageiam esta mulher representante de uma era e um mundo, agora alienígena para a atual geração Instagram.

 

Com este objetivo, pessoas simples se tornam estrelas de suas comunidades

Em outro momento, ao abordar duas fazendas de criação de cabras leiteiras, percebemos uma reflexão sobre a monetarização que o capitalismo embute nos mais diversos aspectos da vida, transformando-a em função de seus interesses. Em uma das fazendas, a mais industrializada, as cabras tem os seus chifres queimados quando são filhotes para inibir seu crescimento. Fazem isso para evitar que se machuquem e aumentem sua produtividade. A outra, mais artesanal, não usa máquinas para a ordenha e não removem os chifres das cabras, pois, segundo a dona, “se as cabras têm chifres, é porque tem a sua razão de ser e não deveríamos querer mudar a sua natureza”.

 

JR: artista trouxe seu projeto de fotos com pessoas comuns para o Rio de Janeiro durante as Olimpíadas


Há também momentos lúdicos e reflexivos, como quando vemos mulheres de estivadores retratadas em contêineres armazenados no porto onde seus maridos trabalham, servindo como marco da luta feminina por igualdade e da necessidade da união das categorias profissionais como cruciais para garantir direitos básicos e fundamentais. Os tipos retratados ao longo do documentário são bem variados, indo de um morador de rua que faz trabalhos com sucata, até um fazendeiro que cuida sozinho de seus 800 hectares graças à tecnologia de seus equipamentos. 

 

A "Mistery Machine " da dupla, ou o "JR mobile"

Durante a trajetória também conhecemos mais de nossos protagonistas. Como o apreço de JR por pessoas idosas, que vemos durante a visita que fazem a avó dele de 100 anos, e as inseguranças de Agnes, que fica magoada com seu amigo, o cineasta Jean-Luc Godard, após um desencontro e uma charada que ele deixa para ela. São momentos singelos e reais de pessoas simples e comuns, embora criadores artísticos e formadores de opinião.

A simples prática de  dar visibilidade ao cotidiano, valoriza aquilo que em outras circunstâncias permaneceria invisível e não percebido

 

Ao final (?) dessa jornada de uma dupla improvável onde o lúdico, o documental e o confessional se mesclam, vemos uma amizade forjada na cumplicidade e no amor à vida e o seu fluir, que basicamente se manifesta nos pequenos fatos do cotidiano, que nos dão a dimensão do que é ser vivo e humano.


Os diretores em ação diante da "van fotográfica"


sábado, 16 de março de 2019

Um homem e uma mulher... - Crítica - Filmes: Depois Daquela Montanha (2017)

 

 


Sessão da Tarde para balzaquianos
 

por Alexandre César

(Originalmente postado em 08 / 11/ 2017)


Química dos protagonistas evita o dramalhão



 

“O coração é apenas um músculo!”, diz Ben Bass (Idris Elba) a Alex Martin (Kate Winslet) no meio de sua defesa da importância do cérebro e de toda a gama da racionalidade em detrimento da emoção. Isso tudo enquanto os dois já se encontravam perdidos no meio do nada após um acidente de avião em Depois Daquela Montanha (The Mountain Between Us, 2017), de Hany Abu-Assad, um misto de dramas romântico e de sobrevivência. Temos aqui dois indivíduos de posturas distintas, quase antagônicas (ele, um neurocirurgião racional um tanto controlador, e ela, uma fotojornalista impetuosa, inquieta e bem passional). Ambos se veem obrigados a se apoiar para sobreviverem. A proximidade forçada em uma situação extrema irá inevitavelmente envolvê-los e o resto é decorrência.
 
 
Contraste: O cirurgião Ben Bass (Idris Elba) e a fotógrafa Alex Martin (Kate Winslet) são como água e óleo
 
O filme começa quando ambos estão presos no aeroporto por conta do mau tempo e dos horários e disponibilidade de aviões para chegarem a tempo a seus compromissos inadiáveis (ele tem uma cirurgia de emergência marcada e ela está de casamento marcado para o dia seguinte). Ao descobrir que vão na mesma direção, ela propõe que ambos fretem um avião bimotor, rachando as despesas para chegarem a tempo em seus destinos. Encontram um piloto bonachão (Beau Bridges), que aceita o trabalho. Ele, piloto veterano, ainda leva à tiracolo o seu cachorro e vai para seu destino, sem registrar plano de vôo, baseado em contato visual. Não demora muito para que nossos protagonistas comecem a pensar que talvez devessem ter esperado mais um dia no aeroporto. Mas, aí não teria filme.
 

Um acidente os força a conviverem e dependerem um do outro

Emoldurado pela espetacular fotografia de Mandy Walker, aproveitando a beleza natural das montanhas cobertas de neve, o filme até nos faz esquecer o quanto normalmente a natureza é mortal na mesma proporcionalidade de sua beleza. Inicialmente esperando resgate, logo eles vêm que devem sair em busca de salvação. E assim eles vão com o cachorro a tiracolo, que, inicialmente relutante, logo se torna o elo de ligação do casal. A fome e o frio vão contribuindo para que eles se dispam de seus fantasmas, revelando as suas fraturas emocionais. Gradativamente a cumplicidade e o contato próximo vão cortando as distâncias e efetivando o encontro emocional de ambos, amparado pela ótima química entre os protagonistas. O roteiro de J. Mills Goodloe e Chris Weitz, baseado no romance de Charles Martin, trabalha na lógica de que “O Universo conspira a favor”. Daí algumas soluções obvias que, desde o início, já predispõem o que acaba por acontecer. E, felizmente, o filme tem o grande mérito de acabar na hora certa. Mais dois minutos e o leite teria derramado.
 
Alex e Ben (e o cachorro) além do frio cortante, enfrentam o ambiente hostil

 
O saldo é bom, mas basicamente lembra uma aventura da “Sessão da Tarde” com maiores recursos, direcionada para um público de meia idade.
 
"- Acho que dá para fazer sorvete aqui sem medo dele derreter!!!"

 

 

sexta-feira, 15 de março de 2019

O Fim do Mundo (de novo...)! - Tempestade - Planeta em Fúria (2017)

A hecatombe da vez, (e contra os BRICS)

por Alexandre César 
(Originalmente publicado em 27/ 10/ 2017)


  Dean Devlin estréia na direção emulando Roland Emerich


Jake (Gerard Butler): charme cafajeste

 

Egresso da arte de roteirizar blockbusters como Independence Day (1996) e Godzilla (1998), feitos em parceria com o diretor Roland Emerich, Dean Devlin resolveu fechar o circuito encarando o desafio da direção com Tempestade - Planeta em Fúria, seguindo os passos do amigo Rolland em seus filmes catástrofes. O filme tem uma história de aventura e ficção científica de cunho apocalíptico, inspirada nas atuais consequências do caos climatológico que a humanidade enfrenta por sua própria culpa e ambição.

 

Uma localidade  iraniana aparece congelada, no deserto!

  

No filme, após o agravamento da questão climática em 2019, as nações se unem e colocam para funcionar um programa de controle climático em escala global que mantêm toda a biosfera tranquila e serena, até tudo começar a dar errado e... o filme propriamente dito começar. Para salvar o mundo, Jake (Gerard Butler com seu charme cafajeste), cientista e mentor original do projeto (além de herói de ação da vez), que, na melhor tradição de Charlton Heston, sabe o que tem de ser feito, mas não se dá muito bem com burocratas e políticos. Com isso acaba demitido por seu irmão Max (Jim Sturges), mais comportado no trato com os meandros do poder. Apesar das diferenças (e da demissão...), ambos são encarregados de descobrir e consertar um problema que surge no programa da rede de satélites, contando para isso com a ajuda de Ute Fassbinder (Ana Maria Lara, a Deusa Ex Machina do filme), astronauta no comando da Estação Espacial Internacional. Eles tentam encontrar uma solução para a situação catastrófica, enquanto na terra a agente do serviço secreto Sara Wilson (Abbie Cornish, fofa) ajuda Max a descobrir se existe uma conspiração por trás das falhas do programa. 

 

 Max (Jim Sturges) e Sara Wilson (Abbie Cornish): Amor secreto


Como elementos importantes da trama, temos personagens interpretados por grandes atores, escalados para com seu talento dar alguma dignidade ao filme e abrilhantá-lo: o Presidente americano Andrew Palma, interpretado por Andy Garcia, que consegue parecer agora um Don Corleone de verdade, mais até do que quando esteve em O Poderoso Chefão III, de 1991 (o momento para continuar a saga é agora Francis Ford Coppola! Aproveita que o cara está vivo...), e o Secretário de Estado Leonard Dekon (Ed Harris, ótimo como sempre). 

 

Presidente Andrew Palma (Andy Garcia): quase um líder mafioso

 
Contar mais do que isso tiraria algumas surpresas do filme (poucas...), que segue o esquema padrão de todo filme-catástrofe, trilhando de modo genérico a cartilha do cineasta Irwin Allen, o pai do filme-catástrofe contemporâneo. Tem um pé naquele “fatalismo bíblico” do gênero, atualizando onde é necessário. Mas o conjunto, apesar de tudo, funciona bem. Temos altos valores de produção, justificando o orçamento, e bons efeitos visuais, apesar de cenas de desastres - sejam elas enchentes, terremotos, tempestades etc. - já terem sido tão explorados no cinema que é difícil inovar neste quesito. do gênero, atualizando onde é necessário. Mas o conjunto, apesar de tudo, funciona bem. Temos altos valores de produção, justificando o orçamento, e bons efeitos visuais, apesar de cenas de desastres - sejam elas enchentes, terremotos, tempestades etc. - já terem sido tão explorados no cinema que é difícil inovar neste quesito. 2012, de Rolland Emerich (sempre ele...), provavelmente já cobriu todas as possibilidades criativas neste quesito.

Tragédia temporal em Acapulco, digo "Rio de Janeiro"...


O roteiro, assinado por Devlin (que também assina a produção, entre outros) e Paul Guyot, apesar de não apresentar nenhuma novidade na maior parte do tempo, cria algumas cenas interessantes e curiosas, como o fato da maior parte dos países castigados pela catástrofe serem membros do BRICS, sigla que representa uma organização composta por cinco países - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que formam grandes mercados emergentes (prestem atenção na cena do Brasil, que é hilária pela sua Copacabana com jeito de Porto Rico, Acapulco ou sei lá o quê), e marcar a questão de ser necessário uma união real de todas as nações, e não das nações ricas ditando e o resto do mundo acatando. Vemos uma ótima valorização dos automóveis elétricos e dos táxis remotos, que se mostram senhoras ferramentas de sobrevivência. Temos inclusive na fala de um personagem, uma senhora e divertida indireta à Donald Trump e suas declarações infelizes.

 

Rede de satélites de controle de clima: quase uma Esfera Dyson


O filme satisfaz, apesar de ser estranho em algumas coisas, coisas como o Cabo Canaveral se converter em uma gigantesca rodoviária espacial e a rede de satélites ser tão ampla e detalhada que ela parece um esqueleto de uma Esfera de Dyson* , o que demonstra um investimento colossal para sua construção. Ora, se as dificuldades começaram em 2019, seria necessário pelo menos uns três anos para se estabelecer um projeto, desenvolver a tecnologia e construir uma rede daquela dimensão e com o custo proporcional. Não dá para imaginar que a história se passe já em 2025 ou 2030. Coisas de Hollywood.

 

Depois de Moscou, Hong Kong também dança

 
 
Senti que Devlin deve ter se cobrado em seu primeiro trabalho de direção para passar uma mensagem, levar as pessoas a pensar. Fato que o amigão Emerich, já mais tranquilão com sua longeva carreira, não deixaria que interferisse em sua missão de querer apenas fazer um filme para se divertir.
 
 

A convenção presidencial vira um alvo



Tempestade - Planeta em Fúria é legal, mas podia ser mais. Que ele tenha melhor sorte na próxima.

 

A Rede de satélites, obviamente entra em colapso



Notas:

* Freeman Dyson foi um cientista que propôs a teoria de que a melhor maneira de se aproveitar a energia de uma estrela seria criando uma cobertura para captação em toda a sua volta, aproveitando a sua emissão de energia de forma total.

 

"- Tenho de parar de meter-me nestas enrascadas!!!"