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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Potencial não atingido - Crítica - Séries: Star Trek: Picard - 1ª Temporada

 


O herói crepuscular e o dragão da distopia 

por Alexandre César

(Postado originalmente em 04/ 04/ 2020)


Série desigual, com potencial ainda não atingido
 


Legado: Tendo surgido em 1987, "Star Trek: A Nova 
Geração " somente firmou-se na terceira temporada, 
atingindo seu pleno potencial...


Verdadeira face dos princípios éticos e morais da Frota Estelar, Jean-Luc Picard (Sir Patrick Stewart, como sempre ótimo, seja em cenas bem ou mal-escritas) desde o longínquo ano de 1987 quando fomos apresentados ao capitão francês (homenageando Jaques-Ives Costeau) no piloto Encontro em Farpoint da série Star Trek: A Nova Geração (quando a franquia Star Trek ainda era chamada aqui de Jornada na Estrelas).

"Star Trek: Nêmesis" (2002). O último filme da série 
tem ligação com os eventos da temporada...

Rapidamente o intelectual firme de cultura erudita firmou-se como o maior pilar do humanismo no universo ficcional criado por Gene Rodenberry, pois se comparado com seus colegas, Jonathan Archer (Star Trek: Enterprise) era quase um corsário rumando por mares nunca dantes navegados; James Tiberius Kirk (a Star Trek original) ora era um capitão estilo “Mestre dos Mares”, ora era um xerife digno de qualquer farwest; Benjamin Sisko (Star Trek: Deep Space Nine) era um líder político pragmático, capaz de tomar decisões indigestas e conseguir dormir o sono dos justos e, Kathryn Janeaway (Star Trek: Voyager) era uma comandante isolada num lugar distante e hostil, só podendo contar com os recursos de sua nave e com a habilidade de sua equipe, tendo que lidar com situações fora das regras do manual. Não havia dúvidas. Comparado a ele, agora apenas vislumbramos uma sutil equivalência na finada Phillipa Georgiu (não é a imperatriz!!!) e no pioneiro Christopher Pike (Tanto ela quanto ele em Star Trek: Discovery) em seus respectivos perfis.

14 anos depois reencontramos o velho e amargurado líder, com seu cachorro


Criada por Kirsten Beyer, Michael Chabon, Akiva Goldsman e Alex Kurtzman e produzida pela CBS (aqui veiculada pela Amazon Prime Vídeo) Star Trek: Picard traz o veterano e agora almirante reformado Jean-Luc Picard tendo que lidar com os desafios da idade (mesmo que devamos supor que com os avanços da medicina a longevidade humana deve ter sido bem prolongada no século 24...) e a sensação de que o mundo (aqui, o universo) não precisa mais dele, relegando-o ao ostracismo e à contagem regressiva final e assim, a série carrega o fardo de mixar a continuidade de A Nova Geração (Data havia perecido em Star Trek: Nêmesis de 2002, dirigido por Stuart Baird) à linha temporal de Star Trek (2009) de J.J.Abrams (Star Wars: A Ascensão Skywalker) onde a estrela-natal de Romulus torna-se uma supernova e destrói a sede do Império Romulano. A partir disso surgem os acertos ao honrar personagens queridos da série e erros ao muitas vezes se render ao Fanservice, embora mostrando um potencial não plenamente atingido nesta temporada.

Deu Ruin... O almirante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) e sua imediato Raffi Musiker (Michelle Hurd) tentam coordenar a evacuação Romulana, o que o leva à uma jogada arriscada

Picard carrega a culpa de não ter conseguido evacuar mais romulanos quando o sol de seu sistema se tornou uma supernova pois ele organizou uma frota de 10 mil naves para resgatar 900 milhões de refugiados. (comparado à retirada de Dunquerque*) uma sabotagem ocorrida no complexo de docas espaciais Utopia Planitia**em Marte provocou um mega-desastre e levou a Frota Estelar a cancelar o resgate e proibir a fabricação de formas de vida sintéticas, o que fêz Picard ameaçar sair pois a Frota Estelar estava renegando os seu valores. A Frota aceitou a sua saída e ele, frustrado, foi cuidar do vinhedo da família em Chateau Picard, França.

"Canivete suíço": Laris (Orla Brady) e Zhaban (Jamie McShane), são os criados romulanos de Picard que são pau-para -toda-obra


Assim, quatorze anos depois o velho almirante rompe o silêncio numa entrevista bombástica a uma repórter que gosta de cutucar a ferida (Merrin Dungey de Big Litlle Lies) e irritado argumenta que “a Frota Estelar não era mais ela mesma”, lhe criando uma polêmica prejudicial, e dias depois, ao passear pelo vinhedo na companhia de Imediato, seu cão (um belo e amoroso pitbull, ou aparentado) ele é abordado por Dahj Asha (Isa Briones de American Crime Story) moça misteriosa, na verdade uma andróide feita a partir da matriz positrônica de Data (Brent Spiner de Star Trek: A Nova Geração) que diz lembrar-se dele e que está sendo caçada por agentes romulanos.
 

Picard conhece a androide Dahj Asha (Isa Briones), a "filha" de Data


Sua presença e posterior morte o leva a descobrir uma ação secreta de Tal Shiar, a polícia secreta romulana e, mais adiante graças ao seu casal de criados Laris (Orla Brady de Into the Badlands) e Zhaban (Jamie McShane de Argo), refugiados que ele acolheu. Com vasta experiência na área de inteligência militar (a ótima dupla de atores têm uma grande equivalência com Allfred Penworth, o mordomo do Batman) os dois levantam os métodos de ações do Zhat Vash, o que seria o “núcleo duro” do Tal Shiar, e que tem como agenda eliminar toda e qualquer forma de vida sintética, como o fazem com Dahj, que em momentos de perigo revela suas habilidades de combate pré-programadas, estando suas feições num desenho que o finado Data havia lhe dado anos atrás, lhe aparecendo em sonhos recorrentes. Analisando as mensagens de Dahj ele descobre existir uma andróide gêmea, a quem precisa proteger.
 
 
Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson) enquadra Picard, que saiu por "nobres ideais", enquanto ela teve de ficar e lidar com a dura realidade prática


Picard, consegue que seu amigo, o Dr. Moritz Benayoun (David Paymer de Entre Realidades) considere-o apto para o serviço interestelar (a despeito de sua condição) e após receber um esporro (o primeiro de vários ao longo da temporada...) da Alm. Kirsten Clancy (Ann Magnuson de O Homem do Castelo Alto) que lhe nega ajuda em sua busca, decide sair por conta própria, recrutando uma equipe de desgarrados que incluem Raffi Musiker (Michelle Hurd de Máquina Mortífera) ex-oficial da Frota Estelar e sua antiga imediato, com vários traumas em sua vida pessoal, similar ao Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera de Salvation) cuja nave La Sirena podemos dizer que é quase a Millennium Falcon da equipe, e conta com um grupo de hologramas de manutenção em cada área (médica, engenharia, comunicações...) cada um refletindo uma parcela de sua personalidade. 

Infiltradas: A Ten. Narissa (Peyton List) e a Comodoro Oh (Tamlin Tomita) na verdade são agentes da inteligência romulana

Prestar contas: Picard vai ao assentamento de refugiados romulanos explicar a Zani (Amirah Vann) a sacerdotisa do Qowat Milat o porquê da sua ausência de 14 anos


Ao grupo se unem a Dra. Agnes Jurati (Alison Pill de Scott Pilgrin Contra o Mundo) pesquisadora de Inteligência Artificial, que inicialmente parecia ser uma personagem “bobinha”, tipo alívio cômico como a Sylvia Tilly de Star Trek: Discovery mas revela momentos bem dramáticos, e por fim Picard, reconhecendo a sua vulnerabilidade, recruta num assentamento romulano, Elnor (Evan Evagoria de A Ilha da Fantasia) guerreiro (com visual meio elfo / samurai) criado pelas Qowat Milat, “freiras” adeptas da “Franqueza Total” (forma de lidar com tudo sem “mentirinhas” e hipocrisias) que aceita após defendê-lo de mais uma sessão de humilhações de refugiados descontentes (parece que na virada do século XXIV para XXV os idosos continuam sendo destratados do mesmo jeito...), surgindo num momento de dificuldades Sete de Nove (Jeri Ryan de Star Trek: Voyager) agora patrulheira de um grupo rebelde do setor pois a Zona Neutra virou uma “Terra de Ninguém” com o colapso do Império Romulano, pululando grupos que controlam zonas de influência (como o tráfico e as milícias aqui no Brasil).

Restrições: Sai a imponente Enterprise, e entra a compacta La Sirena, menor, mas funcional

El Hombre!!! O existencialista Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera) é o piloto da La Sirena

Reunida a trupe, eles saem em busca da Dra. Soji Asha (Isa Briones) que trabalha com Hugh (Jonathan Del Arco de Star Trek: A Nova Geração) o ex-borg (chamados XB) que agora dirige o projeto de estudos do “Artefato”, um Cubo Borg desativado, iniciativa independente de membros da Federação com o Governo Romulano e lá se envolve com Narek (Harry Treadway de Penny Dreadful) agente Tal Shiar, tal qual sua irmã Narissa (Peyton List de Gothan), agente infiltrada na Frota, subordinada à Comodoro Oh (Tamlin Tomita de O Homem do Castelo Alto) oficial Tal Shiar (e do Zhat Vash), sendo uma mestiça de romulana com vulcana, infiltrada na Frota (Agora temos de reconhecer que a Alm. Clancy é quem devia ir para a reserva pois ter uma agente romulana infiltrada no Alto Comando da Frota é dose, isto a Seção 31 jamais deixaria passar...).

Romulano-Ninja: Criado pelas Qowat Milat, Elnor (Evan Evagoria) se torna o guarda-costas de Picard

Retorno bem-vindo: Sete de Nove (Jeri Ryan) retorna rmada e perigosa em grande estilo


Assim vão surgindo novos personagens e, ressurgindo rostos familiares como o Dr. Bruce Maddox (John Ales de Euphoria) que pesquisou a fundo a matriz positrônica de Data, sendo cativo no sistema Alpha Doradus pela traficante Bjayzl (Necar Zadegan de Masters of Sex) a líder do mercado negro de componentes borg, Zani (Amirah Vann de No Limite) a sacerdotiza da Qowat Milat, que criou Elnor e, fechando com chave de ouro, William T. Riker (Jonathan Fakes),e Deanna Troy (Marina Sirtis) agora morando no paradisíaco planeta Nepenthe com sua filha Kestra (Lulu Wilson de Jogador Nº1) filha do casal, tendo ele, que foi o maior associado do velho comandante , a melhor participação (ainda que breve) no último episódio, além de se revelar um bom cozinheiro fazendo pizzas de coelho-unicórnio no seu forno à lenha...

A Zona Neutra virou um grande "farwest", com facções usando espólios do antigo Império Romulano, como antigas "aves de rapina"

Em Stardust City, os figurinistas e os atores se permitiram um tom mais cartunesco, próximo a episódios da série clássica

 
Complementando a trama, Narissa e Narek são sobrinhos de Ramdha (Rebecca Wisocky de The Purge) ex-borg (XB) romulana, que num ritual vislumbra Soji como a “a Destruidora de Mundos”, um mito que permeia a repulsa dos romulanos por qualquer forma de vida sintética, ficando com sua sanidade abalada, e enquanto os romulanos preparam o seu ataque Picard e Cia. Chegam ao planeta Coppelius, onde travam contato com o Dr. Altan Inigo Soong filho do Dr. Soong (Brent Spiner) e Sutra (Isa Briones) outra sintética que perdeu a sua gêmea e mais desdobramentos seguem mas já falei muito do desenrolar da história...
 

A Dra. Soji tem um relacionamento com Narek (Harry Treadway) agente do "Tal Shiar", que a usa

O "Artefato" é reativado por Sete de Nove, mostrando rapidamente o seu potencial bélico, mas fazendo pouca coisa

 
De forma desigual a série vai levantando questões pertinentes ao momento atual como a xenofobia, o abandono, a mortalidade humana e a indiferença do ocidente à questão dos refugiados e, diferente de A Nova Geração cuja visão utópica não funciona muito hoje em dia, Picard é do seu jeito torto, a série mais atual do Universo Trek, versando sobre o fim do otimismo, o fim da Utopia, mas não sobre o fim da esperança e, diferente de Discovery, não tenta ser Star Trek para os novos tempos, não criticando ou desconsiderando o passado, embora não viva nele, apesar da música de Jeff Russo (Altered Carbon) sublinhar os momentos mais emotivos, principalmente aqueles protagonizados por Picard com personagens de Star Trek: A Nova Geração ora repaginando os temas de Alexander Courage e Jerry Goldsmith ou criando temas mais lúdicos como na relação dele na infância de Elnor, como um avô amoroso, alternando com acordes mais convencionais nas cenas de ação, acompanhando a edição de Andrew Coutts (Star Trek: Discovery), Steve Haugen (Krypton) e Sarah C. Reeves (Gothan).

Hugh (Jonathan Del Arco) o ex-borg dirige o "Projeto Artefato"
 
O design da comunidade de sintéticos do planeta Coppelius é bem clean, solar

 
A fotografia de Philip Lanyon (Frontier) e Darran Tiernan (Westworld) alterna tons mais quentes e coloridos como os do Cahteau Picard ou da residência de Riker,Deana e Kestra com outros mais escuros e expressionista como os do Cubo Borg ou frios como o do laboratório onde o ex-borg Icheb (Casey King de NCIS: Los Angeles) é trucidado, em cenas de violência gráfica digna de Jogos Mortais e os tons neon de Stardust City, no melhor estilo dos cassinos de Las Vegas, onde os figurinos de Christine Bieselin Clark (Into the Badlands) se permite ser cartunesco, dentro do espírito do episódio, contrastando com os demais, que é funcional além de revisitar bem os uniformes da Frota Estelar do Séc. XXIV.


Narek e Narissa são irmãos, e parecem ter uma relação meio ambígua 

As "Orquídeas" que envolvem naves e as levam para a superfície são soluções visuais interessantes que poderiam ter sido melhor aproveitadas

 
Refletindo o alto nível técnico da temporada, o desenho de produção de Todd Cherniawsky (Cemitério Maldito) aliado à direção de arte de Iain McFadyen (O Chamado da Floresta), Louis Joseph Comeau IV (Scorpion) Dylan Bocanegra (Adé) e a decoração de sets de Lisa Alkofer (The Walking Dead) cria espaços diversos e ricos como o Chateau Picard que mescla o mobiliário e a decoração tradicional com os equipamentos modernos como sintetizadores de comida, comunicadores e drones e irrigação, além de sutis easter-eggs do universo treker, como veículos vistos em Star Trek: Discovery em funções mais cotidianas como táxis ou transporte escolar, além de cenários high-tech como o Cubo Borg, de inclinação expressionista, apesar de outras soluções serem bem questionáveis, como a “antena” da base dos sintéticos cujo design deixa a desejar, e da mesma forma que os efeitos visuais da Craft Apes, Double Negative (DNEG), Filmworks / FX, Pixomondo são de ótima qualidade, apesar de na cena da “batalha” final (que foi mais uma confrontação) a frota da federação ser basicamente o mesmo modelo de nave replicado várias vezes, perdendo variedade e sua credibilidade.

Reunião de família: Will Ricker (Jonathan Frakes) e Deanna Troy (Marina Sirtis) reencontram o velho amigo

Equipe: A Dra. Agnes Jurati (Alison Pill) e o Dr. Altan Inigo Soong (Brent Spiner) dão prosseguimento ao trabalho do Dr. Soong original e de Bruce Maddox

 
Ao final Star Trek: Picard é desigual mas como o bom elenco segura as pontas mesmo com roteiros nem sempre bem escritos, ficamos com a vontade de dar mais uma chance ao velhinho turrão, que aqui acaba estruturando um grupo não ligado à Frota Estelar, e que de certa forma lembra a dinâmica do clássico Doctor Who e seus companions e, procurem uma melhor consultoria a nível de ciência (porquê um sistema solar com OITO SÓIS é de doer, imaginem o caos de calor, radiação e forças gravitacionais capazes de fragmentar qualquer planeta, além de outras coisas...).

Clichê: Sutra e Soji são a "Gêmea do Mal" e a "Gêmea do Bem"...

 
Se Kurtzman, Goldsman e Cia. Aprenderão com esta temporada, cruzemos os dedos, afinal é consenso do fandon de que a 1ª temporada de Star Trek: A Nova Geração foi a mais fraca de todas...
 

"-Imediato, coloque esse velho nerd para correr!!! Pega! Pega!"

Notas:
 
*1: A Retirada de Dunquerque foi um esforço conjunto do governo e do povo britânico em 1940, quando mais de 300 mil soldados ingleses ficaram encurralados na França, face ao vanço nazista. Respondendo ao chamado de Winston Churchil uma frota organizada às pressas conseguiu 800 barcos, a maioria da população civil, que enfrentando o fogo inimigo atravessaram o Canal da Mancha para trazer de volta os soldados.Esse episódio histórico é retratado no filme Dunkirk.


*2: Utopia Planitia era a principal rede de docas espaciais da Frota Estelar, sendo mostrado na série a ação de F8 (Alex Diehl de Strange Angel) um sintético (entre outros) hackeado pelo Tal Shiar que destruiu matando os operários humanos e iniciando a destruição do complexo no feriado do Dia do Primeiro Contato (quando os humanos fizeram contato e estabeleceram relações diplomáticas com os vulcanos, que foi o primeiro passo para a Federação do Planetas Unidos.)




domingo, 28 de novembro de 2021

Bicharada em alta - Crítica - Filmes: Dolittle (2020)

 



Diga: Roar!!! Au! Au! Có! Có!...


por Alexandre César 

(Postado originalmente em 21/ 02/ 2020)


Robert Downey Jr. brilha, mas não ofusca Rex Harrison 

 

Clássico da Sessão da Tarde: A versão de 1967.


John Doolittle é um médico que fala com os animais. Dado crucial do personagem criado pelo autor de livros infantis Hugh Lofting (1886 – 1947) e que legou-lhe uma legião de fãs, que vibraram quando seu personagem favorito ganhou as telas em O Fabuloso Doutor Dolittle (1967) dirigida por Richard Fleischer (20.000 Léguas Submarinas) com Rex Harrison (My Fair Lady) com Samantha Eggar (O Colecionador) em uma produção requintada para os padrões da época (apesar de muitos números musicais demasiado longos) e tendo Harrison se tornado a encarnação definitiva do personagem, que popularizou os livros e ainda gerou uma série animada da DePatie-Freleng*1 que quem assistia ao Capitão Aza na TV Tupi (lá estou eu de novo entregando a minha idade...) deve se lembrar.


A versão animada da DePatie-Freleng de 1970.


Edddie Murphy e a "modernização" do conceito em 1998.


Veio a década de 90 e Eddie Murphy, egresso do sucesso de O Professor Aloprado (1996) emplacou em 1998 a sua adaptação da história para um contexto urbano contemporâneo, jogando a fleuma britânica para escanteio e colocando no lugar a malemolência típica de seu intérprete, criando uma franquia tão duradoura quanto a da família Klump, mas alguma coisa havia se perdido. Talvez fosse bom voltar às origens...
 
 

Robert Downwy Jr. e a nova versão, mais fantasiosa e aventureira.

Diagrama: Dolittle e seus parceiros animais (vozes originais).

Dirigido por Stehen Gaghan (Syriana – A Indústria do Petróleo) Dolittle (2020) traz agora novamente John Dolittle (Robert Downey Jr. fazendo o que faz melhor: interpretar Robert Downey Jr.) resgatando a ambientação vitoriana e fantástica, com visual de ilustração de livro infantil, abraçando a fantasia sem pruridos realistas e felizmente não cedendo à vontade de fazer um musical (coisa que impediu a versão de 1967 de ser perfeita) e apoiado nos recursos da moderna tecnologia digital, deixou para trás as fantasias de espuma, marionetes e animais amestrados dos anos 60 para criar personagens relacionáveis e realisticamente convincentes, para um contexto fantástico.


Quando Sua Alteza, a Rainha Victoria (Jessie Buckley) chama, o bom doutor atende


Mestre e aprendiz: O jovem Tommy Stubbins (Harry Collett) vê Dolittle como um exemplo a seguir

O roteiro de Stehen Gaghan, Dan Gregor (Mother Mary), Doug Mand (The Comedians), Chris McKay (Lego Batman: O Filme) a partir do script de Thomas Shepherd (a partir dos livros de Lofting) logo de cara num ótimo desenho animado nos conta como John Dolittle conheceu e casou-se com a bela e destemida exploradora Lily (Kasia Smutniak de Perfeitos Desconhecidos, aparecendo em flashbacks) formando um casal feliz até a sua morte num naufrágio, que partiu o coração de John, e o fez tornar-se recluso em sua enorme propriedade, presente da jovem Rainha Vitória (Jessie Bucley de Judy: Muito Além do Arco-Íris) que manda a sua sobrinha Lady Rose (Carmel Laniado de A Christmas Carol) procurá-lo por estar adoentada. Neste trajeto seu caminho cruza com o do jovem Tommy Stubbins (Harry Collett de Dunkirk) que vê em tornar-se ajudante do médico de animais o objetivo de conquistar o seu lugar no mundo. Os dois jovens desenvolvem uma afinidade mútua.


Lord Thomas Badgley (Jim Broadbent) e o Dr. Blair Müdfly (Michael Sheen) querem se livrar de Dolittle e seus associados, incluindo Lady Rose (Carmel Laniado)


O cruel Rei Rassouli (Antoni Banderas) pai da falecida Lily culpa Dolittle pela morte da filha

Dolittle volta à ativa ao descobrir que o título de sua propriedade está vinculado a um decreto real, que pode ser revogado com a morte da rainha, e ao examiná-la com os seus métodos pouco ortodoxos, descobre que a soberana está morrendo envenenada, sendo o antídoto o suco da fruta da Árvore do Conhecimento e assim a trupe parte para uma viagem, sendo seguido de perto pelo antigo rival dos tempos de faculdade Dr. Blair Müdfly (Michael Sheen de Good Omens com o típico visual de vilão de cinema mudo) a manddo de Lord Thomas Badgley (Jim Broadbent, Oscar por Moulin Rouge: Amor em Vermelho) que trama tomar o poder e livrar-se da Rainha. No trajeto Dolittle deverá ter um acerto de contas com o Rei Rassouli (Antonio Banderas de A Máscara do Zorro em ótima caracterização) pai de Lily e que o culpa pela morte da filha. Peripécias não faltam para testar o grupo, numa aventura divertida embalada pela música de Danny Elfman (A Noiva Cadáver) que é correta mas não é o seu trabalho mais memorável, permeando o ritmo da edição de Craig Alpert (Deadpool 2) que dinamiza a narrativa ora acelerando, ora dando pausas estratégicas, mas nunca parando de fato o desenrolar da trama.


O Dr.Blair Müdfly é o típico vilão de filme mudo que se veste de preto, amarra a mocinha na linha do trem e fica cofiando os bigodes


Ralph Fiennes se destaca como Barry, o sinistro tigre com traumas psicológicos

Como adição ao elenco temos o vasto time animal do filme, fruto dos efeitos visuais em CGI e captura de movimento das empresas Clear Angle Studios (serviços de cyber escaneamento fotogramétrico), Framestore, Host VFX, Lola Visual Effects, Luma Pictures, Monkeyshine, Moving Picture Company (MPC), Proof, Stereo D, que contaram com as vozes de Poly, a arara (Emma Thompson de Walt nos Bastidores de Mary Poppins) o braço direito do bom doutor; Chee-Chee o gorila (Rami Malek de Bohemian Rapsody) que sofre de síndrome de pânico; Yoshi, o urso polar (John Cena de Descompensada) que não gosta de frio; Plimpton, o esquilo (Kumail Nanjiani de MIB: Homens de Preto Internacional) que narra sua história como um detetive noir; Dab-Dab, a pata (Otavia Spencer de Ma) com uma perna de pau; Jip, o cão (Tom Holland de Homem-Aranha: De Volta ao Lar) que auxilia nos diagnósticos; Betsy, a girafa (Selena Gomez de Monte Carlo); Tutu, a raposa (Marion Cotilard, Oscar por Piaf: Um Hino Ao Amor); Kevin, a libélula (Craig Robinson de É o Fim); Barry, o sinistro tigre (Ralph Fiennes de O Grande Hotel Budapeste) com traumas psicológicos e um Dragão (Frances de la Tour de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1) que sofre de problemas gástricos, entre outros. Haja bicho...
 

A direção de arte, a fotografia e os efeitos visuais compõem um mundo visualmente rico, digno de um livro infantil ilustrado

O elenco animal com suas personalidades bem definidas agradarão a crianças e velhos, que se identificarão com um ou outro


Os figurinos de Jenny Beavan (Mad Max: Estrada da Fúria) ajudam a compor o Dolittle de Downey Jr. como uma síntese de Tony Stark com Sherlock Holmes e com o Chapeleiro Louco, o Dr.Blair Müdfly de Sheen como aquele vilão tipo Dick Vigarista*2 que cofia os bigodes e o Lord Thomas Badgley de Broadbent como o hipócrita pomposo que arma os ardis pelas costas mas se faz de cidadão de moral ilibada (coisa tão comum atualmente...) ou o Rei Rassouli de Banderas como um cruel Rei Pirata de desenho animado de uma ilha oriental, mais divertido do que mau.

Tommy Stubbins e Lady Rose (Carmel Laniado): Deu Match...

A fotografia de Guillermo Navarro (O Labirinto do Fauno) valoriza em sua colorida palheta de cores luminosas, este mundo que o desenho de produção de Dominic Watkins (Branca de Neve e o Caçador) e a direção de arte de Gary Tomkins (Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2), Paul Laugier (Cinderela), Matthew Gray (Alexandria), Ravi Bansal (Distrito 9) entre outros criam, detalhado pela decoração de sets de (Cavalo de Guerra) que dá atenção aos mínimos detalhes de utensílios e adereços de cena presentes em cada cenário e locação.
 

Apesar de bom, Robert Downey Jr. não supera Rex Harrison...

Ao final do filme saímos satisfeitos por ver um filme-família que não carrega a pretensão de ser mais do que isto, e em que pese o fato de Downey Jr. fazer bem o seu trabalho, ainda não supera a performance de Rex Harrison, apesar de no computo final o filme ser melhor do que a versão de 1967, cujo principal problema era ser um musical com números muito longos (coisa que as produções de Walt Disney sempre driblaram muitíssimo bem) resgatando o aspecto lúdico do personagem, que pede bem mais uma ambientação de “num outro local e numa outra época” do que o tempo atual para cativar...

"-Ser ou não ser: Médico ou Chapeleiro?"

Notas:
 
*1: Estúdio responsável pelos desenhos de A Pantera Cor-de-Rosa, O Inspetor, Super Seis, Bom-Bom & Mau-Mau, A Formiga e o Tamanduá entre outras adoráveis velharias.

*2: Vilão do desenho A Corrida Maluca da Hanna-Barbera.