RETIRAR!!! RETIRAR!!!
por Alexandre César
(originalmente publicado em 27/ 06/ 2017)
Christopher Nolan e o maior desafio inglês na Segunda Grande Guerra
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A retirada real: Tropas inglesas e aliadas na França procuram fugir do rolo compressor nazista |
O tema já havia sido abordado em O Drama de Dunquerque (1958), de Leslie Norman, e A Retirada de Dunquerque (1964), de Henri Verneuil. Estamos falando do lendário episódio ocorrido na Segunda Grande Guerra, quando as tropas alemãs, ao invadir a França, encurralaram na região de Dunquerque centenas de milhares soldados ingleses e aliados - à frente deles às tropas da wermatch na sua melhor forma, às suas costas, o Canal da Mancha. Do outro lado do canal, a velha Inglaterra. Uma distância pequena para voltar para casa tornada imensa pelo imperativo da sobrevivência, face a um inimigo que avançava implacável.
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Menos é mais: Na sequência inicial Tommy (Fion Whitehead) foge de atiradores "invisíveis" |
Para solucionar o problema, foi montada pelos britânicos de forma emergencial uma operação de evacuação - a ”Operação Dínamo“ - que contou com a ajuda espontânea da população e resgatou mais de 300 mil soldados ingleses, franceses e aliados. Estes mesmos soldados serviram para reestruturar o exército britânico e o movimento “Franceses Livres”, do general Charles De Gaulle.
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Sempre atento: Os soldados tinham de fazer fila para embarcar mas era bom prestar atenção ao céu, e aos possíveis caçs alemães que poderim surgir... |
Com a direção de Christopher Nolan (Batman – O Cavaleiro das Trevas, Interestelar, A Origem), Dunkirk conta esta história densa de forma surpreendentemente simples. Nolan narra essa saga de sobrevivência e superação apostando na ideia de “menos é mais”, evitando ser didático ou usar um maniqueísmo fácil e cômodo. As imagens falam por si e ele crê na capacidade de compreensão de seu público, deixando-a completar o resto dos acontecimentos, mesmo com os detalhes do episódio histórico não sendo tão conhecidos.
Na trama, vemos quatro histórias correndo paralelas que vão gradualmente se entrelaçando, muitas vezes tendo trechos repetidos, mas com a perspectiva de outro dos núcleos narrativos. Em uma delas, vemos um grupo de soldados rasos (Fionn Whitehead, Aneurin Barnard, Kevin Guthrie, Brian Vernel, Adam Long, Eliot Titensor e o cantor Harry Styles, entre outros) na fila de embarque para a ação, usando de malandragem para furá-la e tentando voltar para casa e em segurança. Neste caso esqueça a camaradagem dos “companheiros em armas” de outros filmes. Aqui, a sobrevivência é o prêmio buscado por individualistas solitários.
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O pai de família voluntário (Marc Rylance): solidariedade de anônimos |
Outro núcleo é formado por um pai de família (Mark Rylance, de Ponte de Espiões) que, junto com seu filho (Bobby Lockwood) e o amigo George (Barry Keogan), vai de forma voluntária com seu pequeno barco juntar-se a legião de embarcações convocadas pelo governo para ajudar no resgate. Neste caso vemos a encarnação da solidariedade de anônimos que muitas vezes mudam o fiel da balança.
Temos ainda Collins (Jack Lowden) e Farrier (Tom Hardy, o Bane de Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, também de Nolan). Eles são pilotos da RAF (Royal Air Force, a Força Aérea inglesa) que combatem os aviões inimigos num mix de engenhosidade, coragem, tensão e desapego, não necessariamente nesta ordem.
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Farrier (Tom Hardy) representa os centenas de pilotos da RAF que lutaram na batalha (Na realidade os combates foram em número muito maior do que é mostrado no filme) |
Finalizando, temos o núcleo dos oficiais que comandam a operação, que tentam organizar a fuga e controlar a loucura que vai tomando conta da zona de resgate a medida que o tempo (e as bombas) vão caindo. Um deles é um contra-almirante (Kenneth Branagh, ótimo) que, em um diálogo com um coronel do exército (James D’Arcy, do seriado Marvel´s Agente Carter), revela a clássica rixa entre as duas forças armadas de forma sutil e hilariante. Em meio a tanta tensão, uma pequena dose de humor faz diferença.
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O coronel (James D'Arcy) e o contra-almirante (Kenneth Branagh): forças rivais |
O filme usa o silêncio e os sons para alcançar um melhor impacto no espectador, imergindo-o na ação de forma precisa, sem excessos. A música de Hans Zimmer auxilia este clima usando instrumento de cordas para esticar o limite da tensão ao máximo, fundindo música com efeitos sonoros de forma indissociável.
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A "fila da esperança": Era necessário ficar no píer esperando a sua vez de embarcar |
Por falar em efeitos, um grande diferencial de Dunkirk é mostrar o impacto das coisas, mais do que as coisas em si. Vemos caças e bombardeiros espalhando a destruição, mas não vemos o rosto dos seus pilotos; percebemos os tiros e os buracos abertos por eles, mas não vemos os atiradores. Isto realça o desespero da situação e a solidão em combate que cada soldado vivencia, pois, por não ver o inimigo, mas sentir os seus efeitos, o adversário deixa de se ser uma pessoa e torna-se uma força da natureza – algo abstrato com uma concretude visceral. Poderíamos dizer que, mais do que o exército alemão, o inimigo a ser combatido seria a própria guerra em si com sua estupidez e brutalidade, fazendo com que homens que chegam ao limite do desespero, como o soldado com stress pós-traumático (Cillian Murphy - ator fetiche de Nolan -, o Espantalho de sua trilogia do Batman), ajam de maneira irracional e destrutiva.
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Bagaço: Cillian Murphy como o soldado "mastigado" pelo stress |
O saldo final é extremamente positivo, pois nos entrega um dos melhores filmes de guerra dos últimos anos. Um filme que nos brinda com a façanha de não recorrer aos clichês do americano heroico (apesar da citação do discurso do Churchill ao final, mas isso é parte da História), do oficial nazista ou japonês sádico e seus soldados embrutecidos ou do judeu vitimado - coisas que, falando-se de Segunda Guerra Mundial, é recorrente em nosso imaginário coletivo. É nas pequenas coisas, como um close de um olhar lacrimejante ou um sorriso esperançoso, que percebemos a nossa humanidade básica, soterrada por quilos de areia, cinzas e óleo.
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Dunkirk: a Guerra como inimiga a ser combatida |
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