sábado, 23 de fevereiro de 2019

Fugir, nadar, planar... Sobreviver é preciso! - Dunkirk (2017)


 RETIRAR!!! RETIRAR!!!

 por Alexandre César

(originalmente publicado em 27/ 06/ 2017)


Christopher Nolan e o maior desafio inglês na Segunda Grande Guerra

 

 

A retirada real: Tropas inglesas e aliadas na França procuram fugir do rolo compressor nazista

O tema já havia sido abordado em O Drama de Dunquerque (1958), de Leslie Norman, e A Retirada de Dunquerque (1964), de Henri Verneuil. Estamos falando do lendário episódio ocorrido na Segunda Grande Guerra, quando as tropas alemãs, ao invadir a França, encurralaram na região de Dunquerque centenas de milhares soldados ingleses e aliados - à frente deles às tropas da wermatch na sua melhor forma, às suas costas, o Canal da Mancha. Do outro lado do canal, a velha Inglaterra. Uma distância pequena para voltar para casa tornada imensa pelo imperativo da sobrevivência, face a um inimigo que avançava implacável.

 

Menos é mais: Na sequência inicial Tommy (Fion Whitehead) foge de atiradores "invisíveis"


Para solucionar o problema, foi montada pelos britânicos de forma emergencial uma operação de evacuação - a ”Operação Dínamo“ - que contou com a ajuda espontânea da população e resgatou mais de 300 mil soldados ingleses, franceses e aliados. Estes mesmos soldados serviram para reestruturar o exército britânico e o movimento “Franceses Livres”, do general Charles De Gaulle. 

 

Sempre atento: Os soldados tinham de fazer fila para embarcar mas era bom prestar atenção ao céu, e aos possíveis caçs alemães que poderim surgir...

 

Com a direção de Christopher Nolan (Batman – O Cavaleiro das Trevas, Interestelar, A Origem), Dunkirk conta esta história densa de forma surpreendentemente simples. Nolan narra essa saga de sobrevivência e superação apostando na ideia de “menos é mais”, evitando ser didático ou usar um maniqueísmo fácil e cômodo. As imagens falam por si e ele crê na capacidade de compreensão de seu público, deixando-a completar o resto dos acontecimentos, mesmo com os detalhes do episódio histórico não sendo tão conhecidos. 

 

Imersão: A cada momento nos vemos como era estar com tudo à volta esplodindo


Na trama, vemos quatro histórias correndo paralelas que vão gradualmente se entrelaçando, muitas vezes tendo trechos repetidos, mas com a perspectiva de outro dos núcleos narrativos. Em uma delas, vemos um grupo de soldados rasos (Fionn Whitehead, Aneurin Barnard, Kevin Guthrie, Brian Vernel, Adam Long, Eliot Titensor e o cantor Harry Styles, entre outros) na fila de embarque para a ação, usando de malandragem para furá-la e tentando voltar para casa e em segurança. Neste caso esqueça a camaradagem dos “companheiros em armas” de outros filmes. Aqui, a sobrevivência é o prêmio buscado por individualistas solitários.

 

O pai de família voluntário (Marc Rylance): solidariedade de anônimos


Outro núcleo é formado por um pai de família (Mark Rylance, de Ponte de Espiões) que, junto com seu filho (Bobby Lockwood) e o amigo George (Barry Keogan), vai de forma voluntária com seu pequeno barco juntar-se a legião de embarcações convocadas pelo governo para ajudar no resgate. Neste caso vemos a encarnação da solidariedade de anônimos que muitas vezes mudam o fiel da balança.

 

Cada barco usado, por menor que fosse, representou a diferença entre a vida e a morte para muitos


Temos ainda Collins (Jack Lowden) e Farrier (Tom Hardy, o Bane de Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, também de Nolan). Eles são pilotos da RAF (Royal Air Force, a Força Aérea inglesa) que combatem os aviões inimigos num mix de engenhosidade, coragem, tensão e desapego, não necessariamente nesta ordem.

Farrier (Tom Hardy) representa os centenas de pilotos da RAF que lutaram na batalha (Na realidade os combates foram em número muito maior do que é mostrado no filme)


Finalizando, temos o núcleo dos oficiais que comandam a operação, que tentam organizar a fuga e controlar a loucura que vai tomando conta da zona de resgate a medida que o tempo (e as bombas) vão caindo. Um deles é um contra-almirante (Kenneth Branagh, ótimo) que, em um diálogo com um coronel do exército (James D’Arcy, do seriado Marvel´s Agente Carter), revela a clássica rixa entre as duas forças armadas de forma sutil e hilariante. Em meio a tanta tensão, uma pequena dose de humor faz diferença.

 

O coronel (James D'Arcy) e o contra-almirante (Kenneth Branagh): forças rivais


 

O filme usa o silêncio e os sons para alcançar um melhor impacto no espectador, imergindo-o na ação de forma precisa, sem excessos. A música de Hans Zimmer auxilia este clima usando instrumento de cordas para esticar o limite da tensão ao máximo, fundindo música com efeitos sonoros de forma indissociável.

 

A "fila da esperança": Era necessário ficar no píer esperando a sua vez de embarcar


Por falar em efeitos, um grande diferencial de Dunkirk é mostrar o impacto das coisas, mais do que as coisas em si. Vemos caças e bombardeiros espalhando a destruição, mas não vemos o rosto dos seus pilotos; percebemos os tiros e os buracos abertos por eles, mas não vemos os atiradores. Isto realça o desespero da situação e a solidão em combate que cada soldado vivencia, pois, por não ver o inimigo, mas sentir os seus efeitos, o adversário deixa de se ser uma pessoa e torna-se uma força da natureza – algo abstrato com uma concretude visceral. Poderíamos dizer que, mais do que o exército alemão, o inimigo a ser combatido seria a própria guerra em si com sua estupidez e brutalidade, fazendo com que homens que chegam ao limite do desespero, como o soldado com stress pós-traumático (Cillian Murphy - ator fetiche de Nolan -, o Espantalho de sua trilogia do Batman), ajam de maneira irracional e destrutiva.

 

Bagaço: Cillian Murphy como o soldado "mastigado" pelo stress

O saldo final é extremamente positivo, pois nos entrega um dos melhores filmes de guerra dos últimos anos. Um filme que nos brinda com a façanha de não recorrer aos clichês do americano heroico (apesar da citação do discurso do Churchill ao final, mas isso é parte da História), do oficial nazista ou japonês sádico e seus soldados embrutecidos ou do judeu vitimado - coisas que, falando-se de Segunda Guerra Mundial, é recorrente em nosso imaginário coletivo. É nas pequenas coisas, como um close de um olhar lacrimejante ou um sorriso esperançoso, que percebemos a nossa humanidade básica, soterrada por quilos de areia, cinzas e óleo.

 

Dunkirk: a Guerra como inimiga a ser combatida


 



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