quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A árdua busca do respeito - Crítica - Filmes: Uma Mulher Fantástica (2017)

 


E o inferno continua sendo os outros...

por Alexandre César

(Originalmente postado em 11/ 09/ 2017)


O difícil cotidiano dos trans no Chile (e aqui também...)

 

Orlando (Francisco Reyes Morandé) e Marina (Daniela Vega): polêmicas sobre orientação sexual e diferença etária


Orlando (Francisco Reyes Morandé), empresário de 58 anos vive com sua jovem namorada Marina Vidal (Daniela Vega). Após curtirem a noite, ele tem um mal súbito, vindo a falecer e deixando Marina numa situação difícil. Apesar de ser a atual companheira de Orlando, Marina não é reconhecida como tal pela família dele. Com o falecimento ela perde o carro, o apartamento e a segurança financeira, ficando apenas com seu rendimento modesto de garçonete. Some-se a isto um volume grande de hostilidade e constrangimento, pois Marina é uma mulher transexual.

 

Mal o corpo de Orlando é sepultado, Marina vai sendo espoliada pela ex-família do falecido

 

Premiado no último Festival de Berlim, onde ganhou o Prêmio Teddy e o Urso de Prata na categoria de melhor roteiro, Uma Mulher Fantástica, do chileno Sebastián Lelio (que assina o roteiro com Gonzalo Maza), evita transformar a vida de Marina num calvário bíblico, focando seus percalços no microcosmo de sua vida cotidiana: as pequenas violências, como o médico que a examina e não sabe se a trata por "ele" ou "ela", ou o policial que diz que o nome que vale é o do documento de identidade. São coisas pequenas mas extremamente incômodas quando se quer estabelecer uma identidade interna que não corresponde ao "ser" que a sociedade impõe ao indivíduo.

 

Numa cena onírica vemos a alegoria do vento com as dificuldades de Marina de seguir o seu próprio caminho

Contrapondo as pequenas e grandes violências de seu cotidiano, temos o seu sonho de ser cantora, com ela se apresentando em night clubs, e seu esforço para conseguir se tornar uma cantora lírica - formação original da atriz Daniela Vega (que é realmente transexual). As cenas retratando seus esforços para alcançar seus sonhos rende alguns momentos visualmente leves ao filme. Isso reduz o seu teor didático LGBT+. Vemos aqui a história de uma pessoa que luta para ser respeitada no seu cotidiano e procura, sem necessariamente levantar bandeiras, correr atrás de seus sonhos.

 

Em vários momentos Marina tem que lidar com a solidão e a saudade do companheiro morto

 

A julgar pela receptividade que o filme vem gerando aonde é exibido - inclusive promovendo o debate sobre os transgêneros na ainda conservadora sociedade chilena pós-Pinochet -, podemos dizer que Marina é uma mulher fantástica porque, ao ouvir e entoar a sua própria voz interna, escolheu se tornar uma.

 

Tudo é uma questão de saber enxergar o outro como um indivíduo, e não uma coisa

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