"Sherlock" steampunk
Série canadense surpreende pela abordagem criativa
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A equipe fixa da série |
A quantidade de séries feitas na época da TV aberta já era grande, tendo nos últimos anos com o surgimento das redes à cabo (e depois o streaming...) atingido um volume impossível de podermos assistir a tudo e, termos uma vida. Por isso muitas vezes esbarramos com uma daquelas séries que ficam escondidas na programação da TV a cabo por não ser uma produção muito conhecida do grande público, algumas vezes inclusive há muito descontinuadas, mas que se revelam pequenos grandes tesouros.
William Murdoch (Yannick Bisson): O detetive conservador de mente aberta
Os Mistérios do Detetive Murdoch (Murdoch Mysteries) é uma dessas séries que ninguém (ou quase ninguém) ouve falar, vinda daquele frio e distante país chamado Canadá. Descobri absolutamente por acaso, no canal + Globosat , sendo baseada na serie literária de Maureen Jennings, William Murdoch é um detetive de polícia que investiga crimes usando lógica, inteligência e ciência avançada, como um mix de MacGyver e CSI na Toronto Vitoriana de 1895, tendo sido produzidos por Christina Jennings, três telefilmes em 2004 estrelados por Peter Outerbridge.
Em 2008, o canal regional City TV decidiu produzir uma série, com adaptação de Cal Coons e Alexandra Zarowny, estrelada por Yannick Bisson, tendo sido produzida até o seu quinto ano (quando o canal passou por uma mudança de diretoria, dois homens da divisão de Esportes ficaram com o controle e não estavam interessados em drama, independente da audiência dos programas, querendo o espaço na grade de programação para exibir mais reality shows americanos), quando foi resgatada de cancelamento pelo canal CBC, que passou a veiculá-la a partir da sua sexta temporada.
A história acompanha o detetive William Murdoch (Bisson), católico praticante com uma visão romantizada sobre a vida, que busca por um relacionamento ideal, conforme os costumes de sua época e as regras ditadas por sua religião (como um homem do seu tempo, Murdoch sofre perseguição religiosa por ser um católico em uma cidade protestante, conflito este que durou décadas....) Já no trabalho, ele é uma pessoa racional, que adota um olhar científico, utilizando seu poder de dedução e os recursos técnicos da época, alguns inovadores (a história trabalha com o início da tecnologia forense) para solucionar crimes e descobrir a verdade. Detalhista, ele não descansa enquanto não encontrar uma resposta para cada evidência encontrada. Mas, embora apaixonado por seu trabalho, sua filosofia de vida constantemente o leva a entrar em choque com a sua realidade, suscitando o deboche dos colegas na polícia e o ceticismo do chefe, o Inspetor Thomas Brackenreid (Thomas Craig), mas é normalmente Murdoch que acaba resolvendo os casos.
De forma simillar a muitas outras séries baseadas em livros que não têm uma quantidade tão grande de histórias, a produtora Shaftesbury Films basicamente adquiriu os direitos sobre os personagens e contratou uma equipe de roteiristas para desenvolver a série, tornando mias leves os personagens e Murdoch, mais inclinado às questões científicas que nos livros, colaborando a autora com os roteiristas, tendo escrito um dos roteiros, “Staircase to Heaven” da 5ª temporada.
Apresentando
episódios fechados (de 50 minutos) e com temas sociais que atualmente
são uma constante nas produções televisivas atuais, como
homossexualismo, aborto, preconceito racial, feminismo, abuso sexual,
terrorismo, entre outros. O fator de interesse é que apesar de ser uma
época bastante específica, a série mostra bem a dinâmica da vida das
pessoas naquela época, quando começavam os movimentos sufragistas,
visando o reconhecimento dos direitos das mulheres, as primeiras
organizações de movimentos operários e se esboçavam os movimentos de
grupos raciais.
Invenções são o que não faltam...
Murdoch é auxiliado pela Dra Julia Ogden (Helene Joy), a legista (e protagonista feminina) bela e divertida que faz piadas inapropriadas e escuta música alta de gramofone enquanto realiza necrópsias, muitas vezes vemos a história focar em sua vida. Desde legista no necrotério municipal, para psicanalista, sufragista (e outras coisas...), sendo a representação de uma mulher moderna, com ideias bem atuais, não deixando de ter personalidade e pensamentos próprios e, embora esteja conectada a Murdoch (algo como Mulder e Scully de Arquivo X, mas bem mais maduro...), em nenhum momento isso é o que a define. Na vida real é possível que uma mulher realmente tenha trabalhado como legista, pois existem registros de 1883 da primeira mulher a se formar em medicina no Canadá, então pode-se dizer que é forçado mas não que é inviável, pois a vida imita a arte, e muitas vezes a supera...
A
Dra. Emily Grace (Georgina Reily) a amiga sufragista e lésbica de Julia Ogden
Outro personagem carismático e muitas vezes alívio cômico da série é o oficial George Crabtree (Jonny Harris) que além de nos tirar boas risadas, sempre se mostra um bom aprendiz de Murdoch, contribuindo muito para a solução dos crimes, sendo um perfeito sidekick.
Crabtree e os outros policiais ajudam Murdoch a testar os seus engenhos
Julia
Ogden e William Murdoch: Como Mulder e Scully, mas sem medo de se relacionarem
A série passa a idéia de Toronto como uma cidade cosmopolita, aparecendo no primeiro episódio, ninguém menos do que Nikola Tesla (Dmitry Chepovetsky) e ao longo da série outros personagens como Sir Arthur Conan Doyle (Geraint Wyn Davies), Thomas Edison (David Storch), H.G.Wells (Peter Mikhail) Alexander Grahan Bell (John Tench), Harry Houdini (Joe Dinicol), Mark Twain (William Shatner) entre outros, visitam a (na realidade, provinciana) cidade, havendo na série referências a cientistas e suas pesquisas, indo de Mendel e os primórdios da genética até a Percival Lowell e seus canais marcianos, que foram citados no episódio dos marcianos nos círculos das plantações, num irônico anacronismo já que tais círculos surgiram no final da década de 1970, culpa de Doug Bower e Dave Chorley, dois ingleses bêbados com muito tempo livre. Sério. Mas os anacronismos da série ajudam a contar uma boa história, como quando Murdoch e Tesla inventam o rádio, mas Tesla depois resolve se dedicar a outros projetos, ou quando ele descobre um perigoso programa espacial e a ação de um serial killer que cria estátuas com os corpos de suas vítimas.
Rebecca
James (Mouna Traoré) a luta damulher negra pela emancipação
A série, que tinha em média 15 episódios por temporada, era filmada em Toronto, com locações em Cambridge, Hamilton, Flamborough, Dundas, Rockwood e Brantford, levando em média cerca de 12 a 14 horas por dia ao longo de cinco meses por temporada, costumava ser filmada no verão, o que para o elenco (usando, as roupas de época) costumava ser muito quente!
Crabtree e Emily Grace: Romance que termina em amizade.
A trilha sonora de Robert Carli, aliada a uma boa fotografia, direção de arte e figurinos inserem bem os personagens e as situações vividas no contexto histórico retratado, fazendo contrastes sutis com o momento atual.
Apesar das invenções, o que pesa mesmo é o trabalho investigativo.
São 12 temporadas, até agora, com mais de 180 episódios, disponíveis no Globosat Play (não precisando ser assinante pra assistir)
Para aqueles cansados de seriados procedurais com técnicos “descolados” criando GUIs em Visual Basic para localizar IPs, Os Mistérios do Detetive Murdoch é uma mudança de ares e paradigmas, numa narrativa leve sem ser comédia, sem panfletagem e não caindo no estereótipo steampunk, com um herói muito calmo mas intenso, inteligente sem ser condescendente, conservador mas com uma mente aberta para o futuro, simpático sem ser fraco, e, que não gosta de carros, pois acha que no futuro vão poluir as cidades, e prefere andar de bicicleta (como não gostar desse cara?) sendo uma ótima opção para a entressafra das séries mais populares, tendo conteúdo até melhor do que um bom número delas.
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Uma série que se revelou uma grata surpresa |
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