sexta-feira, 25 de junho de 2021

Ele nunca desiste!!! - Crítica - Filmes: Pantera Negra (2018)


Chegou a hora de mostrar o seu valor!

por Alexandre César

(Originalmente postado em 18 /02/ 2018)


O primeiro super-herói negro brilha em filme-solo 
 

 Quando surgiu na edição de n°52 da revista do Quarteto Fantástico, em julho de 1966, o Pantera Negra – mais um personagem dos criadores do Universo Marvel Stan Lee & Jack Kirby - já refletia sua época, quando a luta pelos direitos civis explodia nos EUA e tinha eco na cultura pop, como nos filmes blaxsploitation na década seguinte. Ele inovava por ser o primeiro super-herói negro em uma das grandes editoras norte-americanas e por criticar o colonialismo da civilização ocidental. Ele era o soberano da fictícia nação africana de Wakanda um país independente e rico que é tecnologicamente o mais avançado do mundo. O país, desde sua concepção, era a completa antítese da cruel realidade do continente africano, onde fronteiras artificiais traçadas por interesses comerciais de estrangeiros estimulam disputas tribais e conflitos étnicos, submetendo os seus povos a uma longa tradição de miséria, fome, opressão, pilhagem e morte. Um herói que surgisse desse contexto nos cinemas seria, no mínimo, uma contradição, e no máximo, uma aspiração a todo e qualquer anseio universal de liberdade e autodeterminação dos povos - sejam eles negros, índios ou de qualquer etnia. Um duro desafio para um blockbuster


A estréia do herói africano em grande estilo.


Dirigido por Ryan Coogler (Creed: Nascido para Lutar, de 2015 e Fruivale Station: A Última Parada, de 2013), que assina o roteiro com Joe Robert Cole,  Pantera Negra (2018) se propõe a ser o mais político, sério, épico e inclusivo filme da Marvel Studios, justamente por ousar sair da consagrada fórmula do estúdio, deixando de lado as piadinhas e o humor sarcástico, além de vilões rasos e sem motivações convincentes. O filme se vale do conceito do herói mitológico para contar um épico que mescla drama familiar - com um forte tom de tragédia grega –, elementos de crítica social e reviravoltas. Ele consegue mixar a saga de rebelião do escocês Willian Wallace, narrada no filme  Coração Valente (1995, de Mel Gibson); a ação e a política internacional dos filmes da franquia do James Bond; o lado lendário das aventuras das antigas HQs do Fantasma – eliminando seu caráter colonialista e racista no processo -; e até algumas pitadas das regras contidas no livro  A Arte da Guerra , de Sun Tsu.




T'Challa (Chadwick Boseman) versus  Erik Killmonger (Michael B. Jordan): Dois lados da mesma moeda


Após os eventos de  Capitão América: Guerra Civil  (2016, de Joe e Anthony Russo), o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman) retorna a Wakanda para assumir o posto de soberano da nação, substituindo seu pai T'Chaka (John Kani) - evento para o qual tinha sido preparado por toda a sua vida. A frase “Eu não hesito!” é mais do que apropriada para o Pantera Negra e, como é de esperar, funciona como uma faca de dois gumes. As obsessões do regente e de sua corte, além de desafios e traições desencadeadas pelo mercenário e traficante Ulysses Klaw (Andy Serkis, finalmente ganhando destaque sem estar oculto por maquiagem e efeitos especiais) e por seu misterioso parceiro Erik Killmonger (Michael B. Jordan, que protagonizou os dois filmes anteriores de Coogler), desencadeiam a trama. Kilmonger, aliás, é uma imagem espelhada do herói. Inteligente e violento, com motivações pertinentes para seus atos que fazem o público e T’Challa se questionar, Killmonger desenvolve com T’Challa um emaranhado de forças antagônicas e traz consigo uma pergunta chave: os segredos de Wakanda devem permanecer ocultos ou está chegando a hora do resto do mundo conhecer e partilhar de sua tecnologia de ponta e do vibranium, o raro e frutífero metal alienígena que só existe no país? A dualidade herói-vilão aqui está com seus limites borrados. A química entre os dois opositores dá gosto de ver.




Okoye (Danai Gurira) a frente da Dora Milaje: 
empoderamento feminino



Além de bons protagonistas e da trama envolvente e atual, temos no filme um riquíssimo núcleo na corte de Wakanda em que todos personagens tem uma razão de ser. Ramonda (Angela Bassett), a Rainha-Mãe da nação; Shuri (Letitia Wright), irmã mais nova do Pantera Negra e sua “Q”, inventando seus gadgets assombrosos e sendo o alívio cômico; Nakia (Lupita Nyong´o), a espiã; e Okoye (Danai Gurira), a imbatível líder das guerreiras da Dora Milaje, a guarda de elite de Wakanda. Elas mostram um grande empoderamento feminino, sem frescuras. Entre os coadjuvantes masculinos, temos os guerreiros M´Baku (Winston Duke) e W´Kabi (Daniel Kaluuya), sem esquecer do agente da C.I.A. Everett K. Ross (Martim Freeman), um dos poucos brancos do elenco.


Arte conceitual de Wakanda


Os valores de produção do filme são um caso à parte. Vemos claramente onde foi gasto cada centavo dos 200 milhões de dólares de seu orçamento. É mágico (no bom sentido) ver as similaridades, mesmo que involuntárias, do lado místico de Wakanda com o Ciclo da Vida de  O Rei Leão  (1994, de Rob Minkoff e Roger Allers) sem derrapar no pieguismo. Da mesma forma o colorido dos povos de Wakanda, refletido nos figurinos de Ruth E. Carter, também são destaque: tão África e, ao mesmo tempo, tão Jack Kirby. A música de Ludwig Göransson, com consultoria musical de Kendrick Lamar, faz uma boa ligação entre o rap urbano e os ritmos tribais africanos. A arquitetura e o urbanismo da capital de Wakanda também emulam a arte de Kirby, o criador visual do personagem nos quadrinhos, com uma estética que funde tradições africanas e modernidade – o estilo chamado de Afrofuturismo



Negócio de Família Real e disfuncional...

 
Ao término da exibição constatamos que a saída da “zona de conforto” da Marvel Studios resulta num filme enxuto, apesar de sua longa duração. Uma grata surpresa ao revelar ao mundo um herói desconhecido do grande público, com fôlego para ocupar com garra o seu lugar no imaginário popular. E que pensem melhor aqueles que acreditam que o Pantera Negra é um fenômeno passageiro e isolado, que em breve voltará a obscuridade. Até porque ele não está sozinho. Ficando apenas na seara dos super-heróis, na própria Marvel temos o seriado do Luke Cage, o Herói do Harlem, e da DC Comics, a série do Raio Negro, o protetor de Freeland. A boa receptividade de ambas demonstra que agora eles estão aí, pro que der e vier.




Os "manos" Luke Cage (Mike Colter) e Raio Negro (Cress Williams): Pantera Negra
 não está sózinho

0 comentários:

Postar um comentário