quinta-feira, 3 de junho de 2021

Morrendo um dia de cada vez - Crítica - Séries: Russian Doll - 1ª Temporada

 


A morte nossa de cada dia... 

por Alexandre César

(Originalmente postado em 10 /02/ 2019)


   Natasha Lyone surpreende em comédia surreal e inteligente 

 


"Girl Power" As criadoras do show Natasha Lyonne, Amy Poehler e Lesley Headland.
 

Na noite de seu aniversário de 36 anos, Nadia Vulvokov (Natasha Lyone) uma cínica e sarcástica engenheira de software se olha no espelho do banheiro do apartamento de sua amiga Maxine(Gretta Lee), que a saúda dizendo -“Olha aí a aniversariante!” saindo em seguida e morrendo de forma trágica, para aparecer de novo no banheiro, sair de novo, morrer e reaparecer de novo, num loop interminável recomeçando, vezes e vezes sem conta, onde, um episódio de cada vez, vamos por descobrir mais detalhes de como Nadia, vive morrendo e voltando, sempre na noite de seu aniversário.

 
Nadia Vulvokov (Natasha Lyone), a aniversariante ruiva e a amiga Maxine (Gretta Lee) que lhe dá sempre o "cigarrinho suspeito" no início de cada loop temporal...

Feitiço no Tempo (1993) de Harold Ramis trouxe para a cultura pop mainstream o conceito de loop temporal, onde Bill Murray, o protagonista da trama ficava preso num dia que se repetia várias vezes. E, desde então tivemos vários outros filmes e livros que exploram o tema, sendo a temática, muito explorada pela televisão em seriados como  Arquivo X, Stargate SG-1, Charmed, Fringe e Star Trek: Discovery, onde temos episódios em que as personagens se encontram num loop de um dia ou algumas horas mas, nunca tivemos uma série inteira baseada nesse conceito. Até agora... 

 

A sucessão de mortes da protagonista vão de coisas triviais até algo como ser levada de ambulância e esta bater e explodir....

 

Criada por Lesley Headland, Amy Poehler e Natasha Lyonne, Russian Doll nova série da Netflix investe num humor ácido e, de forma surpreendente e inesperada, tendo um aspecto narrativo que poderia fazer a história ficar muito repetitiva e desinteressante mas, graças ao roteiro, construído com cuidado para tratar desses elementos de forma a não cansar o público, sempre inova e surpreende a cada reviravolta, num ritmo ágil, e tendo no seu ótimo elenco um trunfo adicional. Lyonne, segura as pontas, quase o tempo todo, nos fazendo acompanhar seu olhar arregalado, e nos deixando intrigados ao querer saber, o que irá acontecer com Nadia na próxima cena. Assim, graças ao roteiro sem muitos rodeios, a série entrega uma fluidez para a trama impressionante. A série apresenta e desenvolve seus personagens de uma forma bem interessante, onde conhecemos todos que participam daquela noite, desde de um convidado da festa, ou até mesmo o dono de uma loja de bairro que a personagem vai comprar um maço de cigarro. Ao longo das inúmeras idas de voltas de Nadia, vemos um pouco mais da personagem e suas relações com o restante do elenco.

 

A “Boneca Russa” do título se refere às Matrioskas, peças de artesanato originais da Rússia que são bonecas que carregam cópias exatas ou semelhantes de figuras femininas uma dentro da outra em tamanhos decrescentes, contando simbolicamente histórias familiares, de uma mãe que carrega a filha no útero, que por sua vez carrega a neta e, assim em diante, simbolizando também as nossas camadas pessoais interiores.

 
Alan (Charlie Barnett) é a "outra face da moeda" vivendo (ou melhor, morrendo) cada dia como Nadia, sendo a sua versão oposta, espelhada...

  No geral, aqueles envolvidos no loop precisam aprender algumas coisas e mudar alguns comportamentos para conseguirem voltar à linearidade normal. Há sempre esse componente de melhoramento pessoal, como um jogo em que você vai aprendendo, melhorando e passando de nível. Nadia, é uma mulher cínica e com um humor bem peculiar, ao comemorar seus 36 anos, que sempre a remete à questões inacabadas com a sua falecida mãe Lenora ( Chloë Sevigny) que morreu com essa idade. As matrioskas retratam uma história de amor – seja próprio, por seus familiares ou por todos que fazem parte da nossa vida. E é essa característica que permeia a narrativa do início ao final.No episódio piloto, vemos Nadia, morrer, tentar sobreviver, falhar, e voltar, inúmeras vezes, sempre no banheiro, com a porta luminosa, do apartamento de sua amiga, Maxine, que a recebe, sempre com a saudação  “Olha, a aniversariante” e um “cigarrinho”  suspeito e assim, de forma divertida, mesmo com um tom sério, a acompanhamos em diversas situações que resultam em diferentes mortes (seja ser atropelada por um taxi, cair da escada, tropeçar num porão ao andar pela rua ou morrer com explosão de gás, entre outras...).

  
 
Lizzy (Rebecca Henderson), a amiga lésbica, Maxine e Alan: Todos se ajudam para tentar resolver o mistério


A introdução de Alan Zaveri (Charlie Barnett), na equação, cria como se fosse uma nova boneca para a interligada trama que a série apresenta. Introduzido no divertido episódio, 1×04 – Alan’s Routine. Alan, um personagem bem diferente de Nadia, dá um ponto de vista interessante para os problemas que estão acontecendo na história, bem diferente da materialista Nadia, que por ser engenheira de software que desenvolve jogos, usa seu cérebro treinado para entender todos os componentes que constroem aquela realidade, como a quarta dimensionalidade, a ajudam a resolver os mistérios da situação. É sintomático o momento em que Alan joga o primeiro game que Nadia programou e mostra a ela os problemas de jogabilidade e ela, demora a reconhecer a sua falha. Coisas como essa enfatizam o quanto o roteiro da produção é muito bem escrito, cheio de nuances, com pequenas conexões entre as situações de sua história, e que acerta ao deixar no ar, a grande pergunta que permeia a temporada como um todo: O QUE DIABOS ACONTECE AQUI?

Ao final, a resolução se desdobra de forma inusitada...

Os dois juntos formam uma dupla muito boa de assistir, é difícil largar a série pela metade, porque estamos muito investidos na curiosidade de saber o que vai acontecer com aqueles personagens, a trama vai ganhando fôlego, durante os ótimos, 1×05 – Superiority Complex e 1×06- Reflection, onde vemos Nadia e Alan, cada um com seus problemas para resolver esse mistério , onde, a série nos apresenta a cada episódio mais detalhes e opções para a trama, levando para o curioso e estranho final de temporada, o 1x08 – Ariadne onde o mendigo Horse (Brendon Sexton III) que diz  “saber das coisas” (e que no início da série encontra Aveia, o gato perdido de Nadia) demonstra de forma misteriosa uma conexão com aquela situação surreal, que de certa forma referencia O Pescador de Ilusões (1991) de Terry Gillian.


Como brinde temos Burt Young (da série "Rocky - um Lutador") como Joe, vizinho ranzinza de Alan.
 

No final, Russian Doll, faz um tipo de comédia diferente do comum, que nos dá momentos engraçados e dramáticos da forma certa, acertando no balancear seu lado mais sombrio, com um texto cômico, sem ser escrachado. Nós não vivemos e morremos repetidamente como Nadia e Alan, mas adormecemos e acordamos todos os dias para viver algo que pode parecer igual ao dia anterior. No entanto, assim como em nossas próprias vidas, o que realmente importa no final não é entender como o mundo funciona, mas como nos comportamos perante a ele pois o Universo tem uma maneira “própria” de lidar com as coisas, que se choca com a nossa lógica materialista, baseada em partículas, de três dimensões... a resposta está aberta à interpretação de cada um. 

 

O Mendigo "Horse" (Brendon Sexton III, com cabeça de cervo) comanda um apoteótico "carnaval", indicando intrigantes possibilidades futuras. E que venha a segunda temporada!!!



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