À procura de Mjolnir*1
por Alexandre César
Série nórdica abraça a fantasia com bons dramas
Retomando a partir do final da temporada anterior, Ragnarok a série norueguesa teen de baixo orçamento da Netflix dá agora um salto de qualidade, tendo um maior investimento (embora ainda pouco) em CGI, para continuar a sua narrativa do que seria o conflito final entre os deuses nórdicos (encarnados nos tempos atuais) com os gigantes. Criado pelo showrunner Adam Price e com direção de Mogens Hagedorn e Jannik Johansen, a série agora corrige seus problemas de ritmo e desenvolvimento graças ao simples fato de ouvir o público, e fazer os ajustes necessários para dar a volta por cima e agora, nesta temporada, atingir o seu potencial, expandindo o que funcionou, e melhorando o que precisava ser mais detalhado.
Já tendo estabelecido que Magne (David Stakson) e Laurits (Jonas Strand Gravli), são as reencarnações respectivas de Thor e Loki, e que o implacável industrial Vidar Jutul (Gísli Örn Garðarsson), junto com sua esposa Ran (Synnøve Macody Lund), a disciplinadora e forte diretora da escola (que nesta temporada demonstra maior fragilidade por baixo de sua casca de "mulher fria"), sua filha Saxa (Theresa Frostad Eggesbø), a "popular" da escola e Fjor (Herman Tømmeraas) o filho playboy, são a última família de gigantes (inimigos figadais dos deuses) e, que as Indústrias Jutul, a principal empregadora da cidade de Edda, é a principal poluidora do meio ambiente, fica recontextualizada a eterna batalha entre deuses e as criaturas do caos num viés ambientalista (o grande acerto da temporada anterior), a assim, a série se permitiu abraçar mais a fantasia e entregar bons dramas, deixando Magne como um fio condutor da trama, mas abrindo mais espaço para os demais personagens. Ainda lembra Smallville em seus desdobramentos, mas agora já tem a sua identidade estabelecida.
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Magne recebe de Wenche (Eli Anne Golestad) dicas no plano espiritual para encontrar aliados em sua luta |
Assim, Magne procura os outros deuses para auxiliá-lo, Laurits (que já roubava a cena) assume maior protagonismo, e aceitando sua sexualidade, adota um visual andrógino (meio Marilyn Manson), e com a revelação de sua verdadeira identidade, fica dividido entre sua família de criação e os gigantes. Fjor, inicialmente rebelde, acaba assumindo posição de liderança na família, similar ao arco do jovem Lex Luthor no seriado do jovem Homem de Aço, colocando por terra o seu romance com a doce Gry (Elma Bones) e entrando em choque com Saxa, que contesta os costumes antiquados de sua própria família, buscando protagonismo e maior espaço (inclusive fica mais explicado o papel da “família” de seus membros), e entre os problemas comuns da juventude, como a maior participação no ativismo estudantil e os típicos amores não correspondidos (para dar um gosto de normalidade) contrastando com os embates entre deuses e os costumes mitológicos em que os dois estão mergulhados, agora dosados de forma mais equilibrada, e este teor juvenil serve apenas equilibrar o contraste entre normalidade e estranheza, mantendo um pé na terra e o outro no ar.
A pequena cidade de Edda, cujos fiordes, montanhas e florestas imponentes são bem aproveitados pela boa fotografia de Philippe Kress (Riviera) e Niels A. Hansen (Hunting Season) continua sendo o cenário deste drama épico de produção modesta que agora melhora o seu ritmo narrativo, auxiliado pela edição de Elin Pröjts (Friheden) Lars Wissing (Caçadora de Gigantes) e Mogens Hagedorn (Anna Pihl) que encontrando o tom certo dosa os cortes e a duração das tomadas, evitando tanto uma lentidão cansativa quanto uma ação desenfreada, os dois polos desnecessários.
Logo os deuses reaparecem em Edda. O velho caolho (Bjorn Sundquist) De cadeira de rodas desperta de seu “sono” assumindo ser Odin, e traçando a estratégia para enfrentar os Jutul; Wenche (Eli Anne Golestad) a caixa do mercado assume ser um oráculo (uma Norn?) e revela importantes coisas à Magne, que busca fabricar um martelo, para ter a sua própria arma de destruição em massa, enquanto ainda é assombrado por visões de sua falecida amiga Isolde (Ilva Theron Bjorkas) ativista ecológica, que ao tentar provar a culpa das Indústrias Jutul pela poluição do fiordes, foi morta por Vidar, desencadeando o Ragnarok atual.
Temos a adição da serelepe Iman Reza (Danu Sunth) que é a reencarnação de Freyja, a deusa do amor, o mecânico Harry (Benjamin Helstad) que é Tyr, o deus da guerra, que forja o primeiro (e ineficaz) martelo de Magne, e temos Halvor (Espen Sigurdsen) que trabalha no asilo, que Odin chama de “elfo negro” (por se anão) cabendo à ele ajudar na forja do martelo num lugar específico, com o "fogo eterno", para lhe configurar poderes. Já Turid (Henriette Steenstrup), a mãe de Magne e Laurits, continua uma mulher meio perdida, tentando engatar um romance com Erik (Odd-Magnus-Williansom) pai de Isolde e prof. de História do colégio que Edda.que assume um papel mais parental para o jovem herói disléxico.
Em certo momento, Magne questiona o peso da responsabilidade de seu fardo e, reza na igreja pedindo libertação, o que o faz perder seus poderes, recebendo depois um “sabão” por Odin: “-Você não suportou o peso da responsabilidade de ter esses poderes e foi na igreja cristã pedindo à um deus a quem no fundo você não acredita!“*2 e o rapaz tem de passar por um processo de amadurecimento para recuperar o seu status e estar pronto para a luta.
Os valores de produção continuam trabalhando bem com o (ainda) pequeno orçamento, não tendo se alterado a equipe técnica. Os figurinos de Tanja Eleonora Spang (Friheden) fixa o contraste entre os comuns e ordinários mortais, e os elegantes Vidar (em especial Ran e Saxa, que adota um visual mais executivo) em oposição aos trajes convencionais (comprados em lojas ou brechós) de Turid, Magne, Erik, Gry, marcando bem a inerente luta de classes. O desenho de produção de Mette Rio (Happy Ending) mantém o look simples das residências dos Seier, Gry, as dependências da escola, a lanchonete, o hospital, e o asilo de velhos da cidade, que agora já apresentam um contraste maior com a mansão Jotunhein (lar dos gigantes do gelo na mitologia nórdica) dos Vidar, cuja sutileza de suas escadas sem corrimão, armas antigas decorando as paredes, móveis de madeira entalhada e uma mesa feita de um tronco sólido e sua torneira, ligada à adega (que despeja hidromel) já assume tons mais imponentes pela iluminação mais expressionista, que é acompanhado pela trilha musical de Halfdan E (Um Homem Um Tanto Gentil) que equilibra a realidade destes dois mundos, alternando tons clássicos Wagnerianos com hits do techno e pop atuais.
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Magne. Odin, Halvor (Espen Sigurdsen) e Harry (Benjamin Helstad) se aventuram nas instalações dos Jutul em busca do "fogo eterno" |
A segunda temporada mantém o formato de seis episódios de 45 minutos. E como gradativamente o tom fantástico vai se tornando cada vez mais forte no cotidiano da cidade e de seus personagens centrais, a tendência é esperado que o absurdo comece a dominar. Até agora apesar de suas muitas limitações, Ragnarok conseguiu ter um tom mais próximo do que inicialmente foi esperado do último filme do Thor da Marvel, mas não podemos prever se a série se. permitirá dar maiores vôos imaginativos, assumindo tons de uma saga épica, mas que está prometendo, está...
Notas:
*1: Mjolnir é o poderoso martelo místico do deus Thor da mitologia nórdica, sendo conhecido por sua capacidade de uma vez lançado, e destruir o seu alvo, ser capaz de retornar ao seu senhor.
*2: Edda na série foi a última cidade da Noruega a abraçar o cristianismo, abdicando do culto aos velhos deuses, o que teria sido o primeiro Ragnarok (o fim do mundo a mitologia nórdica), ocupando Isolde em sua busca de justiça e defesa do meio ambiente ocupa uma posição equivalente à de Balder, cuja morte desencadeou o crepúsculo dos deuses nórdicos
Excelente ! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
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