quarta-feira, 16 de agosto de 2023

O homem da fronteira - Clássicos da TV: David Crockett & Daniel Boone

 


Fess Parker - O colono polivalente

por Ronald Lima

(Originalmente publicado em 01/05/2020)

 O chapéu de guaxinim que valia por dois personagens

 

Destino: Como David Crocket (não creditado) em "Valentão é apelido" (1959)


Fess Parker nasceu no Texas em 16 de agosto de 1924 e serviu na Marinha durante a 2ª Guerra, onde, ao contrário do que ele esperava, não pode se tornar piloto por conta de sua grande estatura, que lhe deixava mal ajustado no cockpit de um caça. Foi transferido para os Fuzileiros Navais onde combateu no Pacífico contra o Japão. Após dar baixa, continuou os estudos e decidiu cursar teatro na Universidade do Sul da Califórnia, onde se formou.

 

Com Robert Taylor e Tina Louise em "O Mensageiro da Morte"  (1959)

Começou a atuar em pequenos papéis. Em um desses bicos, de apenas um dia de trabalho, interpretou uma pequena cena como um piloto retirado para um asilo de loucos depois de afirmar que seu avião foi derrubado por gigantescos insetos voadores. Era o filme Them! (1954, de Gordon Douglas) - que, no Brasil, foi intitulado de O Mundo em Perigo - onde formigas gigantes atacam a Terra. Sua interpretação convincente e alucinada fez com que a Disney o contratasse ainda naquele ano para um papel em uma nova minissérie em três episódios para sua popular série de TV, Disneylândia. Ele interpretaria David Crockett, o desbravador homem da fronteira, congressista e trágico herói do Forte Álamo. Para muitos, esta é a primeira minissérie criada para a TV. 

 


Não é Daniel Boone... Com Bud Ebsen e Kenneth Tobey em "David Crockett e os Piratas do Rio" (1955)

Foi um sucesso estrondoso. Tanto que a Disney fez outra minissérie com dois episódios contando toda a vida de Crockett. O boné que o caracterizava era uma febre entre as crianças e um dos produtos mais vendidos da Disney no período. Alguém lembra de um dos tios de Marty McFly quando criança que usava um desses chapéus de pele? (De Volta Para o Futuro, 1985, de Robert Zemeckis). Os três episódios foram reeditados para formar um filme para a TV, que foi transmitido quando Disneylândia mudou da rede ABC para a NBC na década seguinte. Mais cenas foram filmadas e somadas a outras editadas dos dois episódios restantes para fazer outro longa-metragem que foi exibido nos cinemas. 

Com Steve McQueen na aventura de guerra "O Inferno é Para os Heróis" (1962) de Don Siegel

 

Parker excursionou e participou de vários eventos e shows na TV interpretando David Crockett porém foi proibido pelo contrato que tinha com a Disney de continuar a interpretar o personagem em eventos que não fossem da empresa. Fez outros episódios de Disneylândia e alguns filmes - como Têmpera dos Bravos (1956, de Francis D. Lyon) e Não Renego Meu Sangue (1958, de Herschel Daugherty), mas Parker reclamava que sempre parecia fazer o mesmo papel. Ele foi convidado no período para atuar em alguns filmes fora da Disney devido ao sucesso que fez, mas nenhum deles se concretizou. 

 

Fess Parker e James MacArthur na produção da Disney "Não renego 
Meu Sangue" (1958)


Entre esses convites merece destaque o que recebeu para um papel em que contracenaria com John Wayne em Rastros de Ódio (1956, de John Ford) e o outro em que seria o protagonista ao lado de Marilyn Monroe em Nunca Fui Santa (1956, de Joshua Logan). Sentindo-se cerceado pela Disney, decidiu deixar a empresa para seguir novos rumos. Curiosamente, porém...

 

  Daniel Boone - O Gigante Gentil

 

 "- Faço ou não faço mais um chapéu?! Dúvida cruel!"

  Fess Parker participou então de diversos filmes, inclusive musicais, atuando ao lado de Bob Hope, Steve McQueen , Robert Taylor e James Stewart. Chegou inclusive a protagonizar uma série de TV - Mr. Smith Goes to Washington, baseada no filme A Mulher Faz o Homem (1939, de Frank Capra) -, mas continuava sendo lembrado sempre pelo seu marcante papel do homem da fronteira.

 

Fess Parker, o Daniel Boone da ficção, e o original (arte de Jack Kennedy Hodkin)


Após o sucesso da reexibição das minisséries de David Crockett em formato de filmes, a NBC e a 20th Century Fox Television decidiram, em 1964, que personagens naquele estilo ainda poderiam render bons frutos. Mas eles não poderiam usar o personagem histórico sem ter problemas com a Disney - que não usava mais Crockett em suas produções mas se recusava a repassar os direitos que dizia ter sobre ele. As produtoras então decidiram optar por outro personagem histórico que tivesse pontos em comum com Crockett. Surgiu então a ideia de utilizar a figura de Daniel Boone. Sim, ao contrário do que muitos pensam, Boone não é um personagem ficcional. Ele existiu de fato. Ele, porém, era louro, não era tão alto e nunca usou um chapéu de pele de guaxinim como Crockett, mas esse elemento foi introduzido para deixá-los parecidos e aproximá-lo ainda mais dos fãs da minissérie da Disney. Havia outras diferenças. Ambos eram corajosos, mas, por exemplo, ao contrário do impulsivo David Crockett, Daniel Boone era muito mais ponderado.

 

"- Eu mostro pra eles se sei ou não carregar um rifle...."

Assim como ocorreu com o personagem na vida real, na série Daniel Boone guiou um grupo de colonos ao Kentucky, onde fundou a localidade de Boonesborough, onde ocorria a maioria dos episódios - a frase “- Eu sou do Kentucky!” é um bordão da série. Havia muitas discrepâncias - na realidade, por exemplo, o movimento ianque contra o Império Britânico, do qual faziam parte, não era a tônica dos acontecimentos naquela época em um território tão distante das lendárias 13 colônias. Mas o público não estava nem um pouco preocupado com a veracidade histórica. Apesar da história de Daniel Boone se passar em uma América pré-independência de 1776, havia muitos elementos que a aproximavam dos seriados e filmes de faroeste que proliferaram os anos 60 e 70: caravanas, conflitos com índios, duelos com arma de fogo e encontros e brigas em tabernas e armazéns, bem semelhantes ao que ocorria no interior de saloons do faroeste. Os conflitos típicos da fronteira ocorriam tanto lá quanto cá.

 

"- Veja o que eu faço com um tomahawk!!!"

O outro personagem mais recorrente na série era Mingo Comansi, parceiro de Boone no mesmo estilo que Cavaleiro Solitário (Lone Ranger) e Tonto. Mingo era interpretado pelo cantor e ator Ed Ames (membro do grupo The Ames Brothers). Porém ao contrário do personagem Tonto, Mingo possuía uma história e personalidade contextualizada para a época do seriado, sendo inclusive o foco de diversos episódios. Não é nem um pouco subserviente, e sim um grande companheiro, tal como vemos na relação entre o Sr. Spock o Capitão James T. Kirk em Star Trek (aliás, Spock e Mingo são visualmente parecidos não são? hmmmm...). Mingo é filho de uma índia cherokee e um imigrante inglês, o quarto conde de Dunmore. Devido a sua ascendência dividida entre duas etnias, muitos algozes de Boone, e mesmo alguns conhecidos, costumam desprezá-lo, um grande erro, que normalmente eles descobrem a duras penas.  

 

Daniel Boone e Mingo (Ed Ames), seu grande amigo e "Oficial de Ciências"...


  Com a saída do ator Ed Ames da série, um outro personagem também de origem metade indígena chamado Gideão (Dom Pedro Colley) foi introduzido na história. Mas sem o impacto que Mingo possuía.

 

O mestiço Gideão interpretado pelo ator Dom Pedro Colley, amigo de Daniel Boone a 
partir da temporada


Daniel Boone durou seis temporadas e foi produzida a cores. Houve três variações da canção tema da série no decorrer das temporadas. Ela foi composta por Vera Matson e Lionel Newman e a letra, de Ken Darby, menciona a estatura do ator e o boné de pele de guaxinim - esse pequeno detalhe do chapéu, foi usado pela Disney para dar base a um processo contra a NBC alegando semelhança a David Crockett, não conseguiram vencer essa causa. A série contou com a participação de personalidades famosas nos E.U.A. em seu elenco regular, que não se restringiam a participações especiais. Os destaques ficam com o cantor de country Jimmy Dean, no papel de Josh Clements - um cidadão que sempre tenta resolver tudo de modo mais fácil, mas tem bom coração - e Roosevelt (Rosey) Grier, campeão de futebol americano que também era cantor e pastor protestante. 

 

Amigos do peito: Gaby Cooper (Rosey Grier), Daniel Boone
 e Josh Clemens (Jimmy Dean)


  Na série, Grier interpretava o ex- escravo Gabe Cooper, de descendência negra e indígena, um outro gigante gentil. Entre as participações especiais, que foram muitas, destacamos o ator anglo/russo George Sanders como o ambicioso Coronel Roger Barr que, volta e meia, vem de longe tentar ser o califa no lugar do califa em Boonesborough. Sem esquecer do simpático estalajadeiro e sempre pronto para ajudar Cincinnatus, a veia cômica da série, interpretado por Dallas McKennon, ator de dublagem dos Estúdios Walter Lantz (Walter Lantz é o criador do Pica-Pau). 

 

Cincinnatus (Dallas McKennon): "- Ali Daniel. Ali do lado ó... Curta 3 Velhos Nerds!"


Apesar da intensa briga da Disney por conta da evidente semelhança visual entre os personagens Crockett e Boone, Fess Parker foi reconhecido mais tarde como uma das Lendas Disney. Nada mais merecido.

 


  O infame Coronel Roger Barr (George Sanders) "- Se não fosse você Sr. Boone e esses garotos intrometidos..."

Fess Parker deixou a carreira artística em 1973 depois de tentar emplacar, sem sucesso, um sitcom chamado The Fess Parker Show. Ele se tornou um próspero homem de negócios com sua vinícola, a Fess Parker Family Winery and Vineyards, localizada em Los Olivos, California. Faleceu aos 85 anos em 18 de março de 2010 de causas naturais em sua casa na cidade de Santa Ynez, California.

 

Mingo e a família Boone: Jemima (Veronica Cartwright, Daniel, Israel (Darby Hinton),  Rebecca Boone (Patricia Blair) e Yadkin (Albert Salmi).

 

Placa homenageando a sua sepultura

 

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