O Assombroso Multiverso!!!

Dr. Estranho de Sam Raimi traz o terror ao UCM.

As Muitas Faces da Lua

Spector, Grant, Cavaleiro da Lua, as múltiplas personalidades do avatar de Konshu.

Adeus, Mestre.

George Perez e sua fantástica trajetória.

Eu sou as sombras.

The Batman, de Matt Reeves, recria o universo sombrio do Homem-Morcego.

Ser legal não está com nada...Ou está?

Lobo, Tubarão, Aranha, Cobra, Piranha...Que medo!!! Mas eles querem mudar isso.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Seria ótimo, se não fosse ruim... - Crítica - Filmes: Os Órfãos (2020)

 

Deu a louca...

por Alexandre César 

(Originalmente postado em 29/ 01/ 2020)



Boa produção naufraga em roteiro fraco

 

Página da primeira edição, em capítulos na Collier´s Weekly em 1898.


Originalmente publicado entre 27 de janeiro a 16 de abril de 1898 na revista inglesa Collier´s Weekly a novela A Outra Volta do Parafuso de Henry James (1843-1916) tornou-se um clássico da Literatura Gótica, no subgênero Histórias de Fantasmas, ao narrar de forma detalhada e ambígua a trama de uma governanta que cuidando de Miles e Flora, duas crianças na Mansão Bly, uma antiga residência, num lugar remoto de Essex, na Inglaterra, e ela começa a perceber que aquela habitação é assombrada pelo espírito de Ms. Jessel, sua predecessora e o de Peter Quint, um empregado, indivíduo rude e de índole perversa, com quem aparentemente ela tinha um relacionamento abusivo.


"Os Inocentes" (1961) de Jack Clayton: Ms.Giddens (Deborah Kerr) com Milles (Martin Stephens) e Flora (Pamela  Franklin)

A obra tornou-se, pela forma como é narrada, marco de estudos acadêmicos por permitir diferentes interpretações (um bom número delas auto-excludentes) quanto a real natureza do mal que cerca a mansão e seus habitantes, insinuando ora uma origem sobrenatural, ora o fruto da confusão mental de sua protagonista.


Ms. Jessel (Stephanie Beacham) e Quint (Marlon Brando) e seu relacionamento sadomasoquista no prequel "Os que Chegam com a Noite" (1971) de Michael Winner

Adaptada para o teatro (por Harold Pinter na Broadway em 1950 e por Rebecca Lenkiewicz em 2013), ópera (por Benjamin Britten em 1954), balé (por Luigi Zaninelli em 1980 e por Will Tucket do Royal Ballet em 1999) TV (uma adaptação por John Frankenheimer em 1959 entre inúmeras nos Eua e europa) e é claro o cinema, sendo as mais conhecidas, entre as várias versões, Os Inocentes (1961) de Jack Clayton com Deborah Kerr como a governanta Ms. Giddens E Michael Redgrave como o tio das crianças e Os que Chegam com a Noite (1971) de Michael Winner (o Desejo de Matar original) com Marlon Brando como Quint e Stephanie Beacham como Ms. Jessel, mostrando o que seria sido um prequel da trama da obra de James, onde vemos o relacionamento doentio dos dois e sua influência sobre as crianças.


A versão de 2020: Produção conturbada...

Miles (Fin Wofhard) e Flora (Broklynn Price) Fairchild e a professora Kate Mandell (Mackenzie Davis): O trio da vez...


Os Órfãos (2020) é aquele típico exemplo de filme assombrado”, tendo começado a sua produção em 2014 no Maine sob o título de Os Assombrados, sob a direção de Juan Carlos Fresnadillo (Extermínio 2) parando logo em seguida, cinco semanas depois por ordem do produtor Steven Spielberg (Jogador N°1) entrando por um hiato até serem retomadas as filmagens, agora na Irlanda em 2018 dirigido agora por Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock) ficando na geladeira por um bom tempo e só agora sendo lançado mas nunca atingindo o seu pleno potencial por alguma “misteriosarazão de bastidores que normalmente sabota diretores promissores do cinema independente quando tentam a sorte no cinema mainstream hollywoodiano, resultando em obras genéricas que trabalham no seguro, e quando a película naufraga o cineasta leva a culpa...


A governanta Ms. Grose (Barbara Marten) parece saída de um filme da Hammer


A trama é ambientada nos anos 1990, pouco após a morte do músico Kurt Cobain, fato usado para situar a trama no tempo, e conhecemos a bela professora Kate Mandell (Mackenzie Davis de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio) que indicada pelo colégio em que trabalha, vai dar aulas na casa da fofa Flora Fairchild (Broklynn Price) e do cínico e agressivo Miles Fairchild (Finn Wolfhard de Stranger Things), órfãos que vivem sózinhos na Mansão Bly junto com a governanta Ms. Grose (Barbara Marten de Sanctuary) e mantendo comunicação com o mundo exterior apenas através das ligações telefônicas com a sua amiga Rose (Kim Adis de Krypton) ela começa a ter vislumbres de presenças que vai descobrindo se tratar da sua antecessora, a fantasmagórica Jessel (Denna Thomsen de Euphoria) e do sinistro Quint (Niall Greig Fulton de Legítimo Rei) e gradativamente ela vai sendo afetada por aquele ambiente “carregado e questionando suas percepções.

Miles toca guitarra e bateria, além de ser fã de Kurt Cobain, outro "menino perdido"

a fofa Flora é um achado, com o seu carisma e desenvoltura


O roteiro dos irmãos Chad e Carey W. Hayes (Invocação do Mal) faz bem em situar a trama numa época moderna, mas não a atual, pois o acesso a celulares e à internet destruiriam o sentimento de isolamento tão necessário a uma trama de casa mal-assombrada para sentirmos o despertencimento da protagonista, que carrega o temor pessoal da condição de sua mãe Darla Mandell (Joely Richardson de Operação Red Sparrow) que vive internada numa clínica psiquiátrica pintando quadros e desenhando compulsivamente com carvão, temas inquietantes para Kate, temerosa de que a condição da sua mãe possa ser hereditária, mas desenvolve pouco os personagens, que só não afundam na bidimensionalidade por obra e graça da diretora e do elenco esforçado, que defendem seus papéis da melhor forma possível.


Gradativamente a auto centrada Kate vai sentindo-se desnorteada sobre a realidade à sua volta


A fotografia e o design de produção reproduzem todos os elementos de uma narrativa gótica

A direção de Sigismondi é até boa, embora não genial, dando uma narrativa que, apesar dos tropeços, gradualmente vai mergulhando a segura Kate em incertezas gerados pelo ambiente em que vultos podem ser apenas ilusões de ótica, ou coisas misteriosas e perigosas de fato, cuja fotografia granulada e às vezes escura de David Ungaro (Prece ao Nascer do Dia) mergulham nessa zona do crespúsculo” onde todos os gatos são pretos ou não, auxiliada pela edição de Dwayne Dunham (Twin Peaks) e Glen Garland (As Senhoras de Salem) que até dosam essa sensação de “- Quem têm problemas? O ambiente em que estou, ou eu mesmo?” com cortes que alternam cenas tensas e contemplativas com os inevitáveis sustos, sublinhados pela música de Nathan Barr (Carnival Row) que cria uma boa atmosfera que acompanha os vastos jardins, e seu labirinto, além de elementos típicos que toda mansão mal-assombrada precisa, e que o desenho de produção de Paki Smith (Mary Shelley), a direção de arte de Nigel Pollock (Z: A Cidade Perdida) e a decoração de sets de Justine Wright (Sweetness in the Belly) enchem as paredes e cômodos de espelhos, manequins, bonecas de porcelana, móveis cobertos com lençóis, lagos com carpas, árvores retorcidas nos bosques, etc... todo o conhecido vocabulário formal de uma trama gótica, coisa que contrasta com os figurinos de Leonie Prendergast (A Peregrinação) que coloca Kate vestindo um casaco vermelho, com vestido e trajes laranjas e roxos destacando-a dos habitantes da mansão, ou dando a Milles um suéter castanho de lã de gosto convencional, pertencente a Quint, refletindo a influência obsessora deste sobre o menino.


Cena deletada de provavelmente uma das várias cenas de pesadelo ou delírio que permeiam o filme

Ao final de seus 94 min. Os Órfãos se perde num roteiro pouco desenvolvido e que ousa pouco e o pouco que ousa, o faz de maneira equivocada, levando a crer que como toda produção que se arrasta demais, devem ter havida muitas alterações de roteiro, troca de profissionais, cortes e pressão do estúdio para se fazer um filme o mais comercial possível, eliminando toda e qualquer possibilidade de fazer algo realmente marcante...


"- Filha, se eu estou escrevendo essa carta para você ler, é porque eu sou louca...
mas, se você está lendo essa carta que eu lhe escrevi, é porque VOCÊ É LOUCA!!!"

 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Tudo o que ele quer é viver em paz ! - Crítica - Filmes: Rambo: Até o Fim (2019)

 

Saudades da faca maneira...

 por Alexandre César

(Originalmente postado em 20/ 09/ 2019)


Sylvester Stallone e o catecismo republicano... 

E o "Exército de Um Homem Só" que não é o O.M.A.C.*1 retorna!

 
Pegue um personagem da contracultura e adapte-o, torça-o, estique-o e transforme-o até torná-lo algo que possa ser usado pelo mainstream para divulgar os seus valores e pontos de vista. Coisa comum em se tratando de Hollywood, sendo o caso mas notório o de um certo John Rambo, boina verde, veterano de guerra, filho de pai alemão e mãe índia, que após passar o diabo no Vietnã, regressou para os EUA e só conheceu a exclusão e a hostilidade de seus compatriotas, e tentando achar os últimos amigos sobreviventes de sua unidade militar.

No primeiro filme John Rambo (Sylvester Stallone) só mata um, e ainda sim por acidente!

 Ao entrar na cidadezinha de Hope (ou Esperança, em português, uma ironia nada discreta que é logo jogada na cara do espectador), sendo forçado até o seu limite por um sherif babaca de cidadezinha do interior (será que todos eles são assim?), quando põe para fora toda a sua revolta e vira a cidade ao avesso, e na teimosia dos dois personagens fica evidenciada a crítica a uma sociedade que transforma homens em máquinas de matar, mas não sabe o que fazer com eles findo o seu tempo de validade, relegando-os à marginalidade.


O segundo filme iniciou a Rambomania e cristalizou a expressão "- Filme maneiro! O cara mata todo mundo!!!"

 
Criado pelo escritor David Morrell em seu livro First Blood (1972), John Rambo (cujo nome era uma homenagem ao poeta Rambeau que Morrell admira), foi um hit nos meios universitários, chamando a atenção dos estúdios, que logo compraram os direitos de adaptação, levando quase uma década até fechar um roteiro e achar o intérprete adequado (Jeff Bridges, Robert De Niro, Michael Douglas, Paul Newman, Nick Nolte, Ryan O'Neal, John Travolta e Al Pacino, foram cotados, e o próprio Stallone pensou em recusar por ser “a última opção”). Entre os diretores, as opções foram George Miller (Mad Max), Mike Nichols (A Primeira Noite de Um Homem) e Sydney Pollack (Tootsie) entre outros, ficando com a missão o pouco conhecido Ted Kotcheff.
 
 
"O Rambo Brasileiro": Clássico da infâmia nacional. Preciso falar mais???
 
 Stallone mudou de ideia, pois não queria ser um “ator de um papel só” (Rocky Balboa) e acabou mexendo no roteiro de Michael Kozolli e William Sackheim (foram ao total cerca de 20 versões) e não matando o personagem no final, enxergando o seu potencial, além de pedir ao famoso construtor de armas Jimmy Lile, que criasse a famosa faca que se tornou icônica (a faca deveria servir para situações extremas de sobrevivência, sendo feitas seis peças para a produção) e ao final conseguiu que a metragem do filme fosse reduzida à metade, ganhando dinamismo e concisão narrativa. O fato é que graças a Stallone, o filme foi um sucesso de crítica e bilheteria, e uma continuação se tornou inevitável...
 
Não sabemos se o "spetnaz" morreu da facada ou do nojo de ser coberto de lama...

 
Como reflexo dos anos Reagan e da vybe republicana nos anos 1980, Rambo foi reinventado num super-herói invencível que coleciona corpos, sendo o maior sucesso  Rambo 2 - A Missão (1985) de George Pan Cosmatos, com Stallone reescrevendo o roteiro de James Cameron (O Exterminador do Futuro, Aliens) e Kevin Jarre, deixando os traumas do Vietnam de lado e jogando Rambo de paraquedas nas selvas do país em busca de prisioneiros de guerra. para vencer sozinho o conflito que humilhou os EUA. Tecnicamente bem realizado, foi um dos maiores filmes de ação da década de 80, garantindo assim uma nova aventura junto com o mentor Coronel Sam Trautman (Richard Crenna).


O momento em que Rambo explode um vietcong com uma flecha só perde para a clássica cena em que ele cauteriza o seu ferimento de um estilhaço no abdômen com pólvora

 
A febre da Rambomania (que teve inclusive um infame desenho animado) levou inclusive a haver aqui no brasil no Programa do Gugu no SBT o concurso do “Rambo Brasileiro” onde bombados com dicção pior do que a de Stallone tentavam emular as proezas do herói com recursos dignos de Chaves, num dos grandes clássicos do constrangimento televisivo... Mas voltemos ao original.
 
 
Café pequeno: No Afeganistão, os "parças" Rambo e Trautman (Richard Crenna) contra apenas todo o exército soviético de ocupação
 
 
Em Rambo III (1988) de Peter MacDonald, o terceiro filme, com roteiro de Stallone e Sheldon Lettichi, foi para o Afeganistão, resgatar o amigão Trautman que auxiliava os guerrilheiros mujahedins e foi aprisionado pelos soviéticos. Rambo acaba por tabela juntando forças com o Taliban (sim, aquele Taliban que junto com um certo Osama Bin Laden derrubariam o World Trade Center em 2001...), enfrentando a invasão Soviética, aquecendo a Guerra Fria.  
 

Cartaz estilo "Sin City" no 4...


O filme se pagou e até deu lucro, mas não tanto como o anterior, além das péssimas críticas, e com o declínio das tensões leste-oeste (fora a gafe com o surgimento do fator AL-QAEDA) levaram o personagem a hibernar por duas décadas, voltando à ativa em Rambo 4 (2008) dirigido e roteirizado (com Art Monterastelli) pelo próprio Stallone, onde o herói vai resgatar missionários presos em Myanmar (Birmânia), a causa social da moda da elite Hollywoodiana (pelo menos, até ser suplantada por Darfur no Sudão...) e lá se foi Rambo degolar, e trucidar soldados do país, esfregando na cara da elite progressista democrata o argumento de que ao fim do dia “tiro, porrada e bomba” resolvem mais problemas do que um show de Roger Waters ou do U2. Ao final do filme o velho soldado cabeludo e de faixa no cabelo retornava para o rancho da família que não via desde que ingressou no exército,dando um tom de fechamento, ou não???
 
"Levarei a paz à Birmânia, nem que para isso tenha de matar todos os birmaneses!!!"
 
 
Dirigido por Adrian Grunberg (Plano de Fuga de 2012) Rambo: Até o Fim (2019) Nos traz Sylvester Stallone em ótima forma aos 73 anos no que seria o “canto de cisne” (soa cômico não?) do icônico personagem, pai de toda uma geração de heróis brucutus “ex-forças especiais” que povoaram o audio visual dos últimos trinta anos (sendo o mais bem sucedido o Cel. Bradock de Chuck Norris). Com roteiro (em parceria com Matthew Cirulnick da série Absentia) e história (em parceria com Dan Gordon de Hurricane, o Furacão de 1999 e Wyatt Earp de 1994) de Sylvester Stallone, vemos aqui a tentativa e humanizar o personagem, resgatando uma carga emocional ausente nos filmes anteriores, sendo preciso, sólido, emocionante, divertido, com os seus devidos (e muitos) excessos, num filme simples e competente.
 
Momento Marlboro: Rambo trocou o visual "hippie" por algo mais "republicano", como John Wayne
 
Após os eventos de Rambo 4, John (Sylvester Stallone) volta para o rancho de seus falecidos pais, em uma cidadezinha no Arizona, onde tem vivido desde então,na companhia das duas últimas pessoas que considera parte da família: a empregada Maria (Adriana Barraza de Babel de 2006) e sua neta, Gabrielle (Yvette Monreal), uma jovem às vésperas de partir para a faculdade. Quando não atua como voluntário, como na ótima sequência inicial de resgate de uma enchente, graças à montagem de Carsten Kurpanek (The White Room de 2007) e Todd E. Miller (Os Mercenários 2 de 2012), Rambo, tenta esquecer seus traumas do passado, passando seus dias cuidando e adestrando os cavalos da fazenda (sentimos a influência dos cowboys crepusculares de John Wayne e Clint Eastwood), cuidando de sua sobrinha adotiva e tomando remédios.
 
Maria (Adriana Barraza) é uma das últimas âncoras de Rambo no mundo, que vive se controlando
 
 Ele não consegue dormir dentro da casa e criou uma espécie de bunker embaixo da fazenda onde nos últimos dez anos (por isso continua em forma...) reconstruiu réplicas dos túneis Củ Chi usados pelos Viet Congs na guerra, sendo uma boa sacada do designer de produção Franco-Giacomo Carbone (Creed II de 2018 e Os Mercenários de 2010). É lá onde ele passa boa parte de seu tempo (O Mito da Caverna de Platão???), dormindo e trabalhando na forja fabricando facas com Aço de Toledo.
 
Um homem cercado de suas lembranças, e de seus fantasmas...
 
 
Aqui vemos pela passagem do tempo uma mudança do look do personagem: Sai o cabelo grande com uma fita vermelha, e apesar de ainda fortão ele não anda mais sem camisa (desde o filme anterior) e usando-a por dentro das calças, talvez refletindo a agenda republicana de Trump. Saem os orientais e russos e entram os cartéis mexicanos que traficam drogas e mulheres que acabam cruzando o seu caminho, tirando Rambo de sua nova rotina e obrigando-o a sair em mais uma missão. Gabrielle, como toda adolescente de filme, quer descobrir porque o seu pai abandonou-a e a sua mãe moribunda, e graças a Jezel (Fenessa Pineda), uma amiga (e “boa bisca”...) que mora no México e descobre o paradeiro do genitor, se manda para o outro lado do Rio Grande, decepcionando-se amargamente...
 
Referências ao passado do soldado pululam aqui e ali na cenografia.
 
Mas como desgraça pouca é bobagem, graças a muy amiga (que está de olho na sua pulseira de ouro) Gabriella acaba indo a um inferninho onde é aprisionada pelos irmãos Victor (Óscar Jaenada) e Hugo Martínez (Sergio Peris-Mencheta), os líderes do cartel que trafica mulheres, que de tão bidimensionais chegam ao ponto de serem intercambiáveis, sendo que a aversão que provocam no espectador decorre mais da empatia pelas vítimas de seus crimes que do apropriado desenvolvimento dos vilões. Percebemos aqui a diferença em escala social de como são representados os Estados Unidos e o México. Enquanto Rambo resgata a jaqueta de ex-combatente do primeiro filme, tanto Jezel quanto os irmãos Martinez tem a sua identidade de chicanos estereotipados bem marcada pelos figurinos de Cristina Sopeña (The Kill Team e Malévola: Dona do Mal ambos de 2019) que enfatizam o perfil de piriguete dela e de novos - ricos de gosto duvidoso e sem cultura deles (não muito diferente dos nossos traficantes ou milicianos).
 
Cidade do México: A uberfavela, similar à Rocinha e à congêneres nacionais
 
 
Rambo, ao chegar à Cidade do México (aqui, uma grande favela cheia de ruelas, escadarias e becos dignos do Rio de Janeiro) e, numa boa sequência ser encurralado e tentar dialogar, leva uma surra bonita, sendo largado na rua e é resgatado pela jornalista Carmen (a ótima Paz Vega de Lúcia e o Sexo de 2001 e Spanglês de 2004) que surge apenas para nos lembrar que nem todos os mexicanos são marginais, e sai de cena sem acrescentar mais nada.
 
 
Inocência ou tolice? Gabriella (Yvette Monreal) a filha postiça de Rambo e pivô da trama
 
 
Após se recuperar, mais deformado pelas cicatrizes e hematomas, Rambo resgata a adolescente tolinha, que aprendeu finalmente que “os bons Mexicanos são os 'americanizados' ou aqueles que sofreram na pele o que Rambo sofreu”, sendo portadores da mesma “sabedoria” sobre a “real face do mundo...” (UAU!!!), e para concretizar a sua vingança o nosso herói joga fora a medicação e volta finalmente a ser o rolo compressor que todos aprendemos a amar, ou a odiar, ou a amar odiar, ou a odiar amar, ou a amar e odiar... sei lá. Rambo é Rambo, e não existe Rambo Bom ou Rambo Mau! 
 
Cães chupando manga: Os irmãos Hugo (Sergio Peris-Mencheta) e Victor Martínez (Oscar Jaenada), líderes do cartel, dão uma senhora surra no "coroa", sem saber no que estão se metendo...
 
O passar dos anos fizeram o nosso ex-combatente ficar mais cerebral, e ele então atrai o exército do cartel para o seu ambiente e usando de estratégias nunca vista antes na franquia (antes ele ia improvisando...) vai montando armadilhas e literalmente degolando, metralhando, etc... com táticas dignas de Jogos Mortais em ótimas cenas de violência gráfica enquanto vai despachando os meliantes para o além do aquém, nos brindando com “interpretações viscerais” literalmente... nestes tempos loucos de uma polarização política beirando a insanidade, quando cada vez mais fica difícil definir para o público leigo o que é politicamente correto, Trump e os supremacistas republicanos (e partidários tupiniquins de certas autoridades reacionárias fãs de snipers...) devem ir ao êxtase com esta catarse ultranacionalista...
 
Desperdício: Carmen (Paz Vega) resgata e cuida do herói e, some logo em seguida...
 
 
A Fotografia de Brendan Galvin (Sem Retorno de 2015 e Rota de Fuga de 2013) conta com uma paleta de cor meio sépia o que combina muito bem com tudo o que está acontecendo e no final parece que retornamos ao fim dos anos 80 para rever o último capítulo de uma franquia que apesar dos tombos reside no coração de muitos, embalado pela eficiente música de Brian Tyler (A Múmia de 2017, Vingadores: Era de Ultron de 2015), que mescla The Doors com uma ótima reinterpretação do tema já clássico de Jerry Goldsmith.
 
 
Momento Rocky Balboa: rambo se permite momentos mais intimistas com seus pais falecidos e além...
 
Este é um filme de despedida simples e competente, que acerta por ser puramente nostálgico, além de conter cenas de ação que somam a este ícone clássico da historia do cinema uma vulnerabilidade já creditada no personagem, mas que mergulha nas habilidades de combate de forma magistral, elevando Stallone como um dos responsáveis pelo que o cinema de ação se transformou nos últimos quarenta anos. Porém, a execução é falha da estrutura do roteiro à forma com a qual determinados momentos soam artificiais – justamente o drama que tanto poderia aprofundar algumas questões e servir de base para esta despedida. Em suma, uma despedida com o amargo e ferroso gosto de sangue para uma franquia de um dos personagens mais notáveis da carreira de Sylvester Stallone, mas que não contou com excelentes filmes.
 
Mas logo em seguida Rambo começa a preparar armadilhas...
 
Ao fim do filme (90 minutos) os fãs mais ardorosos se emocionarão com os créditos que resgatam várias cenas dos filmes anteriores em sequência refazendo a sua saga (mas quase nenhuma cena do terceiro filme, porque será???) culminando numa cavalgada final do herói, resgatando suas raízes índias, correndo rumo ao horizonte...
 
Ao final, nada como o bom e velho arco e flecha!!!
 
Mas de qualquer forma senti falta da faca criada por Jimmy Lile!

Obs: Está programado para 2020 um remake indiano dirigido por Siddharth Anand com Tiger Shroff como o herói. O que virá disso acho que nem o Coronel Sam Trautman saberia dizer...

 
"- Chegou a hora maldito de você dar ao filme uma interpretação visceral,, em todos os sentidos!!! Entendeu M0thrfuck3r???"
 
 

Notas:
 
*1: Personagem da DC Comics criado por Jack Kirby cujo nome OMAC é um acrônimo de One Man Army Corps (traduzindo do inglês: “Exército de Um Homem Só”)

 

sábado, 23 de janeiro de 2021

Somos todos poeira estelar... - Crítica - Filmes: Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019)

 

Paternidade, a Fronteira Final...

 

por Alexandre César

(Originalmente postado em 27/ 09/ 2019)


O estar só consigo mesmo e o estar só no universo... 

 


Roy Mc Bride (Brad Pitt): Astronauta que seguiu os passos do pai, mas apesar da carreira exemplar, é um homem amargurado

 

Roy McBride (Brad Pitt de Era Uma Vez... em Hollywood! de 2019 e O Curioso Caso de Benjamin Button de 2008 em ótima performance) é um ótimo profissional, que procura trabalhar sempre focado, separando os problemas do trabalho dos da vida pessoal, sempre se submetendo a exames de avaliação psicológica para garantir a sua ficha impecável, o que é um fator vital em sua área, uma vez que ele é um astronauta, que trabalha na manutenção de um mega conjunto de antenas de captação de energética e qualquer deslize pode significar a diferença entre a vida e a morte para ele ou os membros de sua equipe, pois no espaço o seu grito não ser´ouvido... contudo, Roy é um homem amargurado, que carrega uma incapacidade de se abrir e se doar nos relacionamentos, afastando Eve (Liv Tyler da cinesérie O Senhor dos Anéis e de Armageddon de 1998) a mulher que ama e passando o tempo todo com um olhar transbordante da sensação de despertencimento ao mundo à sua volta. 
 

Roy e Eve (Liv Tyler): Relacionamento fraturado pela frieza e incapacidade dele e se abrir

 
Filho do pioneiro H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones da cinesérie MIB: Homens de Preto e O Fugitivo de 1993) dado como morto há 20 anos numa missão ao espaço profundo, após um desastre na estratosfera, ele é convocado pelo Comando Espacial ( que substituiu a NASA) para uma missão nos limites do sistema solar para encontrar seu pai desaparecido e desvendar um mistério que ameaça a sobrevivência do nosso planeta. Sua jornada, além de tocar em pontos sensíveis de sua relação familiar, revelará segredos que desafiam a natureza da existência humana e nosso lugar no cosmos.


Profissão do futuro: McBride é basicamente um técnico de manutenção de antenas que é astronauta, e na emergência, um para-quedista


Dirigido por James Gray (Z: A Cidade Perdida de 2016 Era Uma Vez em Nova York de 2013) Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019) é uma ficção científica espacial nos moldes de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, Sem Rumo no Espaço (1969) de John Sturges,  Missão: Marte (2000) de Briam de Palma e Interestelar (2014) de Christopher Nolan, no qual toda a parte astronáutica de caracterização dos planetas, naves e trajes se pauta escrupulosamente num embasamento científico que lhe dá plausibilidade, servindo de contraste para com a premissa principal que é a questão da paternidade a nível individual e a um patamar cósmico, enquanto espécie... Roy McBride, em suas constantes avaliações psicológicas carrega muito ressentimento e raiva com relação a seu pai, “A Lenda” comparado pela comunidade astronáutica a Neil Armstrong enquanto explorador, mas que na realidade o abandonou para dedicar-se obssessivamente a um projeto de pesquisa da vida extraterrestre, deixando-lhe uma série de bloqueios emocionais, e agora descobrindo através do veterano Thomas Pruit (Donald Sutherland de M.A.S.H. 
de 1970 e Invasores de Corpos de 1978) das coisas pouco louváveis que seu pai fêz em nome do projeto, mas que o Comando Espacial ocultou, recorrendo agora numa missão com escalas na Lua, Marte e no espaço profundo, na órbita de Urano por razões nebulosas...
 
 
McBride vive em constante avaliação pela natureza do seu trabalho: Vivendo sem amar,. Só viver por viver...
 
 
O roteiro de James Gray & Ethan Gross (do seriado Fringe e Clepto de 2003) embala esta caracterização realista refletindo um contexto político profético: O início da exploração comercial do espaço, mostrando bases que parecem shopping centers ( com anúncios em neon do lado externo...), com cobrança automática no serviço de vôo de cada ítem (U$ 170 no cartão por um cobertor...) tal expansão é similar às das potências coloniais no séculos XV e XVIII com direito à piratas e saqueadores apoiados entre essas potências de forma não-oficial para atacar os seus rivais, e cada nação já fazendo uso das suas próprias forças espaciais (Em 2018, o Congresso Americano aprovou a criação da sua Força Espacial, então nos próximos 20, 30 anos as potências deverão seguir esse caminho de militarização do espaço, e futuramente deveremos ver surgir um contexto similar ao do seriado The Expanse).  
 
 
Guerra Fria: Na Lua, batalhas ferozes são travadas entre as forças do Comando Espacial e "Piratas", apoiados por "Nações Rivais"...
 
 
A fotografia de Hoyte Van Hoytema (Dunkirk de 2017 e Deixa Ela Entrar de 2008) destaca-se em momentos belos e incríveis como na incrível sequência de perseguição na Lua, onde a beleza árida da paisagem rapidamente dá lugar a uma brutal perseguição digna de Mad Max (ponto para a montagem de John Axelrad, de Krampus: O Terror do Natal de 2015 e 12 Horas de 2012, e de Lee Haugen, de Papillon de 2017 e  Dope: Um Deslize Perigoso de 2015). Após deixar a Lua num transporte para Marte, observamos a coexistência do espírito explorador com a fé religiosa mística, enfatizando o Lema a que o título do filme se referencia* e contrastando, numa virada violenta (e um tanto mal explicada) ao abordarem um laboratório de pesquisa, fazendo-nos indagar qual os reais interesses que regem essa exploração comercial do espaço (pesquisas com primatas em gravidade zero?!?).
 
Thomas Pruit (Donald Sutherland) Informa McBride sobre detalhes secretos à respeito de seu pai

 
Continuando até Marte, McBride é auxiliado a seguir em frente por Helen Lantos (Ruth Nega das séries Preacher Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.) a administradora da colônia, uma vez que, ao cumprir a sua parte o Comando Espacial quer descartá-lo, e assim nosso herói ao longo de sua jornada até a órbita de Urano, vai revelando uma capacidade para reações violentas similar às creditadas ao seu pai, e neste processo a aceitação disso vai operando a sua mudança interna, num desenlace curioso.
 
 
Da Lua para mais uma escala: Marte.
 
 
A direção de Gray adota na narrativa um tom que remete à linha intimista de Terrence Mallick, e pontua ao longo do filme referências a obras como Cowboys do Espaço (2000) de Clint Eastwood (com Sutherland e Jones), Contato (1997) de Robert Zemeckis com Jodie Foster, na questão do relacionamento familiar, e A Caminho Do Desconhecido (2016) de Mark Elijah Rosenberg com Mark Strong ao mostrar o quão solitária e claustrofóbica pode ser a viagem espacial (imagine ficar meses confinado num espaço super-reduzido em condições de perigo constante num ambiente hostil e mortal...) auxiliado pela música de Max Richter (Ilha do Medo de 2010 e do seriado The Lefovers) que enfatiza pelo seu tom “atmosférico” a aridez do vácuo.
 
Tanto Helen Lantos (Ruth Nega) quanto McBride carregam o peso dos erros dos pais
 
 
Os efeitos Visuais da Weta Digital, MPC, Atomic Fiction, Halon, MrX e Vitality VFX dão um show ao criar as ambientações como a da sequência inicial com um incrível mergulho em alta atmosfera, enfatizando o lado de operário qualificado do astronauta neste contexto. O desenho de produção de Kevin Thompson (Os Agentes do Destino de 2011 e Conduta de Risco de 2007) caracteriza bem esse ambiente de alta tecnologia, com as naves e estações com os inevitáveis módulos e corredores octogonais, e as diferenças que os materiais de construção arquitetônica que cada mundo (Terra, Lua, Marte) impõem em contraste, sendo as instalações lunares e marcianas bem mais espartanas do que as terrestres. Em contraste, os figurinos de Albert Wolsky (Birdman de 2014 e do cult de 1999 Galaxy Quest) enfatiza esse universo que diversamente da sua grande amplidão despersonaliza os indivíduos em suas fardas, e trajes de proteção, pois o ser humano é algo muito frágil no vácuo estelar...
 
 
Descartado,Mc Bride decide continuar a missão na marra...
 
 
Ao final, se o saldo no total é desigual pois o ritmo às vezes se torna mais arrastado, vemos no conceito central o paralelo da superação da relação pai-e-filho, e em paralelo a busca pelo "numinoso", (Deus, o Infinito, a vida fora da Terra, etc...) pois McBride vai superando a raiva e o temor reverencial, resultando num momento em que de “herói”, ele assume um papel semelhante ao de um cuidador para com o seu genitor, permitindo-lhe superá-lo, resgatando o seu legado, sem querer vencê-lo, ao assumir que a figura temida de sua infância, era apenas um velho solitário preso com seus fantasmas e obsessões, cuja ameaça à humanidade se resume à algo banal inerente à condição humana... o paralelo à isto é o aceitar a possibilidade de que estejamos sós no universo, não significa necessariamente algo ruim, pois se temos uns aos outros e nos aceitarmos mutuamente, poderemos cada um dar, o tão falado "sentido" a sua vida, e a partir daí poderemos início a popular o universo...
 
Ao final, o temido pai (Tommy Lee Jones) é um velho senil...
 
 
O que garante que daqui a milhões de anos, não seremos nós o povo esquecido que difundiu a vida pela galáxia? Porque não podemos vir a ser os ”Antigos”, citados em Star Trek ou os “Senhores de Cobol” de Battlestar Gallatica, ou os "Engenheiros" da cinesérie Alien?
 
Pois como disse certa vez Arthur C. Clarke: ”- Todos esses mundos são seus...”
 
 
Improviso: Pegando carona com uma bomba...


Notas:
 
*1: Per ardua ad astra ("Através da adversidade para as Estrelas") é o lema da Força Aérea Real (RAF) e de outras Forças Aéreas do Commonwealth, como a Força Aérea Real Australiana - (RAAF), a Força Aérea Real da Nova Zelândia - (RNZAF), e a ex-Força Aérea Real Canadense - (RCAF). Este lema foi criada em 1912 e foi usado pelo recém-formado Royal Flying Corps. Também traduzido como: "Rumo às estrelas embora com dificuldades." - lema do estado do Kansas. (mais frequentemente ("per aspera ad astra" )