sábado, 2 de janeiro de 2021

Sacudindo a poeira e dando a volta... - Cobra Kai (3ª Temporada)

 


A união por um objetivo

por Alexandre César

Johnny Lawrence (William Zabcka) segue ao fundo do poço, para então subir...

 
"Os garotos só se meteram em confusão por nossa causa. Eles não podem sofrer por nossa causa. Só resolveremos isso juntos. E então? O que me diz?"

 
Johnny se compromete com a recuperação de Miguel Diaz (Xolo Maridueña)

Com esta fala, Daniel Larusso (Ralph Machio, de Vidas sem Rumo) propõe uma trégua a Johnny Lawrence (William Zabcka, de A Ressaca) em virtude dos desdobramentos do combate dentro da escola de West Valley entre os alunos de seus dojôs de Karatê no final da segunda temporada de Cobra Kai. O caso reverbera as questões não-resolvidas entre os dois nos últimos trinta e cinco anos, desde a disputa entre os dois rivais no torneio de karatê, vencida por Larusso, no clássico Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984), de John G. Avilsen (diretor de Rock, Um Lutador). Agora a geração seguinte continua repetindo os erros da dupla, o que culminou na hospitalização de Miguel Diaz (Xolo Maridueña, de Parenthood: Uma História de Família), pupilo de Lawrence. Ele foi internado devido a luta com o filho revoltado de Johnny, Robby Keene (Tanner Buchanan, de Desginated Survivor), que o feriu gravemente por conta de ciúmes que sentia por Miguel ainda ser o amado de Samantha (Mary Mouser, de Room 104), a meiga filha adolescente de Larusso.
 
Robby Keene (Tanner Buchanan) acaba indo para o reformatório

 
Produzida pela Sony Pictures Television, veiculada originalmente no YouTube e agora assumida pela Netflix , o drama nostálgico-adolescente oitentista assim atinge seu ápice, pavimentando as jornadas de seus personagens e preparando um desfecho que deverá ocorrer na próxima temporada. Este, se não for apoteótico, será, no mínimo, memorável. Mais Malhaçãoimpossível. Só que Cobra Kai sabe como ser, sem soar brega ou melodramático - e muitíssimo bem, diga-se de passagem!
 

Daniel Larusso (Ralph Machio) e sua filha Samantha (Mary Mouser)

Lawrence (junto com os jovens do seu dojô) luta para conseguir recursos para financiar a recuperação de Miguel e lidar com a raiva de sua mãe Carmen Diaz (Vanessa Rubio, de O Mundo Sombrio de Sabrina). Ela o culpa pelo estado do filho, mas a avó Rosa (Rose Bianco, de Power) sabe que não é bem assim. Enquanto isso, John Kreese (Martin Kove, de Rambo II: A Missão), o antigo e abusivo sensei de Lawrence que havia lhe tomado o Cobra Kai, estende sua influência nefasta sobre os jovens o dojô - entre eles, a bela, problemática e perigosa Tory (Peyton List, de Acampados), que tem sua raiva manipulada com maestria por Kreese, acentuando assim a rixa dela com Samantha. Nesse meio tempo, temos revelados flashes do passado do ex-boina verde, nos levando a entender como ele se tornou o que é em resposta aos sérios problemas de sua juventude. Isso porém não nos faz deixar de vê-lo como o real vilão da série, quase um “Darth Sidious Karateca”. Suas atitudes vão levando Hawk (Jacob Bertrand de Jogador Nº1) a pensar melhor em suas ações após praticar tantos atos de violência. O ex-nerd magrelo de lábio leporino, transmutado num “quebrador” e valentão perseguidor de seu antigo amigo, o neurótico Demetri (Gianni Decenzo, de Fartcopter),  começa a rever suas posições após ver seu próprio mestre trazer para o dojô os mesmos valentões que, duas temporadas atrás, praticavam bullying contra Miguel, Demetri e ele mesmo!
 

Daniel e Johnny têm o seu momento "Starsky & Hutch"

Como a briga do colégio gerou péssima repercussão para os negócios da Larusso Motors, Daniel vai ao Japão negociar um acordo com uma montadora. Ele aproveita para ir a aldeia Tomi Green, em Okinawa, e reencontrar dois personagens de Karatê Kid 2: A Hora da Verdade Continua (1986, de John G. Avilsen): Kumiko (Tamlyn Tomita, de Tekken), uma ex-namorada, e Chozen (Yuji Okumoto, de A Origem), um ex-oponente, agora regenerado, que lhe revela coisas sobre a origem do Miyagi-Do. Com isso ele colhe nesta viagem mais frutos dos ensinamentos de seu falecido Mestre.
 

Rostos do passado: Kumiko (Tamlyn Tomita) e Chozen (Yuji Okumoto)

Enquanto isso, Lawrence, no seu processo de redenção, vai auxiliando na recuperação de Miguel (como sempre, com seus métodos bem pouco ortodoxos). Entre um exercício e outro de fortalecimento da musculatura do garoto, ele o leva à um show de heavy metal de Dee Snider, (ex-Twisted Sister, atual Desperado) - anos 80 na veia para os saudosistas. Miguel vai se recuperando, ao mesmo passo que Robby vai para o reformatório, tornando-se agora revoltado com suas duas figuras paternas (Lawrence e Larusso). Isso o deixa suscetível à influência de Kreese, que assume cada vez mais o papel de alegoria do como a extrema-direita atua na sociedade, dando um senso de pertencimento aos jovens marginalizados e criando grupos (quadrilhas, milícias) para intimidar aqueles considerados como o “o inimigo”, coisa tão familiar a nós brasileiros atualmente.
 
    Johnny Lawrence, John Kreese (Martin Kove) e Daniel Larusso comparecem a uma audiência para que o torneio de karatê não seja cancelado

 
Completando o elenco, estão Amanda Larusso (Courtney Henggeler, de The Big Bang Theory), que continua a esposa companheira e zelosa por seus filhos: o caçula Anthony (Griffin Santopietro, de Lá Vêm os Pais, que só aparece numa cena) e a traumatizada Samantha, que tem de vencer os seus medos. Ainda temos participações rápidas e pontuais Sid Weinberg (Edward Asner, de Mary Tyler Moore), o rico padrasto FDP de Lawrence; Shannon (Diora Baird, de Busca Incansável), a mãe periguete e alcóolatra de Robby, agora na reabilitação; e até de Yasmine (Analisa Cochrane, de Into the Dark), a ex-líder das "garotas mais populares" típicas de High Schools, que acaba fazendo par com o falador Demetri. O elenco de participações especais culmina no tão aguardado retorno de Ali Mills (Elisabeth Shue, de The Boys), que dá um sopro de leveza na rixa de Johnny Lawrence e Daniel Larusso, fazendo-os enxergarem-se como os dois lados de uma mesma moeda numa festa e Natal (com jeitão de filme de Frank Capra) onde os figurinos de Frank Helmer (A Rainha do Sul) enfatizam a diferença entre os elegantes e bem sucedidos Larusso e Ali e o sem-noção Lawrence, vestido como se fosse John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (1977).
 

Kreese recruta os mesmos valentões que faziam bullying contra Miguel, Hawk e amigos

 
A ação continua acrobática nesta temporada, num competente mix de coreografia das lutas com a edição de Zack Arnold (Burn Notice), Spencer Houck (Cost of Living), Jordan Goldman (Homeland), Bartholomew Burcham (The Gifted) e Dexter N. Adriano (Incorporated). Junto com os enquadramentos da fotografia de Paul Varrier (The Walking Dead) e D. Gregor Hagey (The Dark Stranger), elas criam ótimos planos-sequência dos combates das duas equipes (em alguns momentos lembrando Os Defensores) e, nos momentos mais saudosistas, quando Johnny e Daniel brigam num desmanche com marginais, lembram os filmes e séries policiais dos anos 70.
 
Daniel aprende com Chozen segredos muito úteis


A música de Leo Birenberg (Pretty People) e Zach Robinson (Homem-Formiga) - em uma trilha recheada de hits dos anos 80 e 90 -, junto com o desenho de produção de Ryan Berg (Die Hart), a direção de arte de Eric Berg (Better Things) e a decoração de sets de Liz Chatov, mantém o tom oitentista das ambientações. Vemos a chocante passagem do tempo na vila Tomi Green, em Okinawa (que virou um Shopping Center), contrastando com a delicadeza do dojô de Chozem, cujas cercas, bonsais, e seu aspecto em comunhão com a natureza, é muito similar ao Myiagi-Do, com os troféus de competições de Daniel e a coleção de carros do antigo mestre. São bem diferentes das instalações espartanas do Cobra Kai, que aparentemente se ampliaram. A diferença de classes sociais continua se refletindo na casa dos Larusso em oposição à simplicidade dos condomínios populares onde moram Miguel e Tory, além da casinha bagunçada de Johnny Lawrence - o “herói quebrado” que se une a Daniel Larusso para, no próximo campeonato, vencer o Cobra Kai e restabelecer o equilíbrio que Kreese jogou por terra. Com isso se fecha o ciclo iniciado com o campeonato apresentado na sequência final do filme original de 1984. 
 
Bela & perigosa: Tory (Peyton List) continua com "sangue nos olhos"

 
Nunca um enlatado norte-americano funcionou tão bem como alegoria do nosso momento atual - seja mundial, seja por aqui mesmo. Ou as forças populares e progressistas aprendem a trabalhar juntas - deixando a vaidade e o personalismo de lado, entendendo que é melhor ganhar coletivamente do que perder individualmente - ou a extrema-direita continuará impondo o seu modo torto de ver e normatizar a vida, que nestes tempos de pandemia se refletiram em cerca de 200.000 mortos no país até a conclusão deste texto. Os sinais são claros, cabendo a nós a decisão, pois, como é citado nesta temporada numa frase do Mestre Miyagi: "Na vida sempre nos perdemos. Mas são as pessoas, não os sinais, que nos trazem de volta ao caminho certo." E olhe que ele estava citando um anúncio de carro!!!
 
 
Ali Mills (Elisabeth Shue) reaparece finalmente, num belo e poético momento 


O Daniel-san e o Jonnhy Lawrence que habitam em mim saúdam o Daniel-san e o Jonnhy Lawrence que habitam em você. E que esta série seja recomendada e revista várias vezes até 2022 e além!!!

 


 

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