O Assombroso Multiverso!!!

Dr. Estranho de Sam Raimi traz o terror ao UCM.

As Muitas Faces da Lua

Spector, Grant, Cavaleiro da Lua, as múltiplas personalidades do avatar de Konshu.

Adeus, Mestre.

George Perez e sua fantástica trajetória.

Eu sou as sombras.

The Batman, de Matt Reeves, recria o universo sombrio do Homem-Morcego.

Ser legal não está com nada...Ou está?

Lobo, Tubarão, Aranha, Cobra, Piranha...Que medo!!! Mas eles querem mudar isso.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O meio, a mensagem e... Tom Cruise - Missão: Impossível - Efeito Fallout (2018)

 


Fim em si mesmo

por Alexandre César
(Originalmente publicado em 31/ 07/ 2018)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

A Rainha Carpinteira - A Maldição da Casa Winchester (2018)

 

Terror X Susto
 
por Alexandre César
(Originalmente publicado em 28/02/2018)

Helen Mirren e Jason Clarke enfrentam a mesmice 

 

“ Uma construção sempre inacabada! Um pesadelo ciclópico de sete andares e centenas de quartos!” 

A excêntrica Sara Winchester (Helen Mirren)


São estas as palavras usadas pelo representante da fábrica Winchester de rifles de repetição (e patins de rodas...) ao contratar o psiquiatra Dr.Eric Price (Jason Clarke) para avaliar o estado mental da viúva Sarah Winchester (a eterna “Rainha” Helen Mirren), matriarca da família e principal acionista da empresa (51% das ações). O objetivo é buscar subsídios médicos para afastá-la da diretoria da fábrica. Dr. Price, apesar de sua persona cínica e incrédula, carrega um drama pessoal, que tenta afogar com sexo pago e seu vício em álcool e láudano. Este é o plot básico de A Maldição da Casa Winchester (2018), dirigido pelos irmãos Michael e Peter Spiering (de O Predestinado, de 2016).

A carabina Winchester 44: "a arma que conquistou o Oeste"

O argumento se baseia na história real das obras da Mansão Winchester, iniciadas por Sarah após as repentinas mortes de seu marido (William Wirt Winchester, de tuberculose) e da filha (Anne Parde Winchester, de causas obscuras). A obra, porém, nunca foi completada, pois a viúva comandava um exército de empregados e operários que sempre estava de domingo à domingo, dia e noite, construindo novos cômodos na casa segundo as especificações dos espíritos que ela dizia psicografar. O intuito de obra era de abrigar os espíritos dos mortos pelos rifles criados pela fábrica de seu marido – na segunda metade do século XIX, época em que foi inventada e patenteada, a carabina Winchester 44 era imbatível e tornou-se um ícone, como podemos atestar pela história de Jeremias e João de Santo Cristo na música Faroeste Caboclo, da Legião Urbana. Era chamada de “a arma que conquistou o Oeste”. Cada cômodo construído era lacrado com 13 pregos nas portas, até que as pendências do espírito que lá habitasse se esgotassem. Então o cômodo era desmontado para dar lugar a um novo alojamento de outro espírito.

 

O cético Dr.Eric Price (Jason Clarke)


O médico usa inicialmente de sua “conversa de profissional”, tentando manipular a velha senhora. Mas esta o coloca no seu devido lugar levando-o a abordar o caso de forma mais consistente. Residem também na mansão a sobrinha de Sarah, Marion Marriott (Sarah Snook), também viúva, e o filho desta, o pequeno Henry (Finn Scicluna-O´ Prey), alvo constante de possessões por parte de um espírito particularmente perigoso. Inicialmente cético, Eric vai gradativamente aceitando o fato de que há algo rondando a casa e seus habitantes e que talvez a obsessão de Sarah não seja tão insana como apregoam os diretores da fábrica.

 

Dr.Eric Price é chamado para atestar a sanidade da dona da casa


O roteiro, da autoria dos Spiering com Tom Vaughn, parte de uma boa premissa. A definição da obra da mansão como “algo ciclópico” remete a alguma conotação lovecraftiana, mas, lamentavelmente, não é isso que vemos na tela. Como um todo, o filme é apenas correto, graças aos seus valores de produção (ele foi rodado na Austrália) e ao elenco competente. Sua longa duração e a falta de ousadia na direção, se apoiando em fórmulas do gênero, acabam tornado o filme cansativo em alguns momentos e previsível, com cenas em que sabemos de antemão que terão sustos. Estranhamente vemos no filme uma casa quase vazia. Um lugar que, em seu auge, abrigava quase mil pessoas, entre moradores, empregados e operários. 
 
A Sra. Winchester é uma reclusa obsecada com o mundo espiritual
 
Em mãos mais hábeis poderíamos ter tido um clássico do gênero, comparável aos da Em mãos mais hábeis poderíamos ter tido um clássico do gênero, comparável aos da Hammer Films, que imortalizaram nomes como Peter Cushing e Christopher Lee e assustaram várias gerações. Uma pena, pois as histórias que rondam a Mansão Winchester são bem ricas. Algumas inclusive mais interessantes do que a da história escolhida para o filme. A matriarca dos Winchester persistiu na construção, desmonte e reconstrução sem parar até a sua morte em 05 de setembro de 1922 aos 83 anos, só então cessando 36 anos de obras contínuas. Hoje a mansão é um grande ponto turístico e é uma das maiores construções mal-assombradas do mundo.
 

Cena de "Monstro do Pântano" (Swamp Thing) n° 45

 
A mansão serviu de inspiração para Allan Moore, que, em sua fase escrevendo as histórias do Monstro do Pântano (mais precisamente no n˚ 45 da revista, no arco de histórias chamado de “Gótico Americano”, com releitura de velhas lendas americanas), nos brinda com um roteiro inspirado na imensa e labiríntica habitação
 

O cético médico vai vendo coisas em sua estadia que o perturbam

 
 
Talvez, nesta época de acirramentos de tiroteios em colégios (marca registrada da América contemporânea) o mundo fosse um pouco melhor se existissem mais Madames Winchesters, que assumissem o fardo da responsabilidade de seu legado, mas investissem seus recursos em soluções mais práticas para os vivos, sem necessariamente torrar os tubos em construções que vão do nada para lugar nenhum.
 

A verdadeira Mansão Winchester: A maior construção mal-assombrada da América


 

"- Sra.Winchester, eu lhe receitaria trabalhar 8 horas por dia, 365 dias ao

 ano, e acredito que o seu problema de 'fastasmas' estaria logo resolvido!"




O meio, a mensagem... e os dinossauros - Jurassic World - Reino Ameaçado (2018)

 


Os dinossauros & o mercado

 

por Alexandre César
(Originalmente publicado em 18/06//2018)

E continua a saga dos dinos de Spielberg

 
 

Owen (Chris Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard): "Casal" entre tapas, beijos e erupções cataclísmicas

 
 
Certas franquias podem ser resumidas na famosa frase “O meio é a mensagem”, pois, não importa se o filme é bom, se os atores estão empenhados ou apenas pagando o aluguel, se o roteiro tem afinal algum sentido ou outra dessas coisas de crítico. O público vai fazer fila para ver o filme. Franquias como Transformers, Resident Evil, X-Men e Jurassic Park/ World se encontram neste patamar.
 

Um dos salões da Mansão Lockwood: Cenário de fantasia com toques de terror gótico

  

Mas num quesito a franquia dos lagartões leva uma vantagem: ter no conjunto uma maior coerência narrativa, pois não sentimos aquela diferença brutal no plano de fundo de um filme para o outro. Se, no caso dos robozões, a cada filme todo background é reescrito na cara-de-pau e o universo dos mutantes é um caos cronológico  (com retificações que, se corrigem uma coisa, bagunçam outras três...), desde o primeiro Jurassic Park (1993, de Steven Spielberg) temos como fato constante a trama da InGen e seus desdobramentos, seguindo de filme a filme de forma natural. É um mundo paralelo ao nosso e pronto.

 

Tudo sempre começa com um incrível e pacífico herbívoro... O que poderia dar errado???


Jurassic World - Reino Ameaçado (2018) é coerente em sua proposta de continuação, investindo mais no suspense e com o tom da trama mais sério e sombrio. Ele remete ao clima de suspense e terror do primeiro (2018) é coerente em sua proposta de continuação, investindo mais no suspense e com o tom da trama mais sério e sombrio. Ele remete ao clima de suspense e terror do primeiro Jurassic Park. Apesar de censura livre não é um filme infantil.

 

"Prazer, meu nome é alossauro... vamos ao que interessa???"

  

Dirigido por Juan Antonio Bayona (O Orfanato, de 2007). o filme traz um visual obscuro com ótimas cenas usando jogo de sombras para assustar os espectadores. Com menos CGI do que o filme anterior (dirigido por Colin Trevorrow), este faz um maior uso dos animatrônicos, interagindo otimamente com a computação gráfica, o que resulta num realismo táctil dos dinossauros.

 

A erupção do vulcão: Estouro da boiada e salve-se quem puder!!!


Certas cenas são meio previsíveis, como a do grupo que, ao revisitar a Ilha Nublar (apesar dos avisos...), faz um primeiro contato com um imenso herbívoro inofensivo (aqui um braquiossauro, que também protagoniza a cena mais triste, de dar dó...), nos maravilhando como no (apesar dos avisos...), faz um primeiro contato com um imenso herbívoro inofensivo (aqui um braquiossauro, que também protagoniza a cena mais triste, de dar dó...), nos maravilhando como no Jurassic Park original. Os homens com sua ganância revelam seus planos e, logo em seguida, isto acaba pondo as crianças em risco. Quando tudo parece perdido, surge a “cavalaria” (ou um dino ex machina) que ajuda nossos heróis a escapar e o vilão, vira o último e indigesto prato do dinossauro. 

 

Owen e Blue: Laços de família


O uso do fan service autorreferente de Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros continua presente e é inevitável, pois franquias sempre tendem a ter certo percentual de “mais do mesmo”. A dosagem disto é o que pode surpreender o público, decidindo o sucesso ou fracasso do filme. 

 

Claire e ao fundo Zia (Daniella Pineda): Adeus salto alto!

  

Quanto aos personagens, Owen (Chris Pratt, ótimo e carismático) continua o seu relacionamento briga-não-larga com Claire (Bryce Dallas Howard, dando mais simpatia a personagem) . Trocando o salto alto por boots, ela está bem mais humana e amável, envolvida em salvar os dinos da inevitável destruição pela erupção do vulcão da Ilha Nublar (ora, vocês sabem que filme de dinossauros sem algum evento natural cataclísmico fica estranho...) Desta vez o casal conta com dois ajudantes: Franklin (Justice Smith), nerd e alívio cômico do filme, e a dino-veterinária Zia (Daniella Pineda), destemida e despachada. Mas, como grande trunfo, temos a marcante (apesar de curta) participação como Ian Malcolm (Jeff Goldblum), que levanta os dilemas morais decorrentes das ações dos seres humanos.

 

Claire e Franklin (Justice Smith) travando contato com um carnotaurro


O grande responsável pela mudança de cenário na trama é o bilionário Benjamin Lockwood (James Cromwel), antigo conhecido do finado John Hammond - o homem por trás da InGen original -, que planeja levar os dinossauros para um santuário organizado por seu assistente Mills (Rafe Spall), antigo amigo de Claire. Participações pontuais de Geraldine Chaplin, sempre competente, como a governanta e babá da neta de Lockwood; Toby Jomes, como um traficante de armas; e Ted Levine, como o típico caçador inescrupuloso.

 

"Olá! Eu sou o Indoraptor, o novo astro!!!"

  

Após a erupção do vulcão, que torra boa parte do orçamento do filme, o transporte leva os dinossauros para o continente, lembrando um pouco a segunda metade de O Mundo Perdido (2007, de Steven Spielberg), mas consegue manter o suspense (e o interesse do espectador) quando chegamos ao clímax na imensa mansão de Lockwood. Com tons de terror gótico, a construção acaba lembrando um castelo medieval fantástico, com seus janelões, parapeitos, e um monstro à luz da Lua entre nuvens. Isso revela a assinatura de Bayona, que mescla as fábulas de horror europeias com o terror contemporâneo e cria algo atemporal, como já mostrou em O Orfanato e Sete Minutos Depois da Meia-Noite (2016).

 

"Um dragão ronda o castelo à noite, atrás de criancinhas..."

  

Ao fim, vemos que, como Malcolm alertou, não tem jeito. Os dinossauros vieram para ficar. A caixa de Pandora foi aberta e provavelmente daqui a dois ou três filmes, veremos velociraptores vira-latas fuçando as ruas das cidades, pterodáctilos fazendo ninhos nos lixões, apatossauros sendo criados como gado, e é claro, de tempos em tempos haverá temporada de caça para tiranossauros, no intuito de diminuir a superpopulação.

 

"Calma menininha, eu não vou te machucar. Pareço um monstro???"


Jurassic World - Reino Ameaçado não é perfeito, mas vale a pena assistir, pela sua mescla de ação e suspense na proporção ideal para assustar e divertir.

 

"-Eu sou o Rei dos Animais seu vira-latas! "

"- Pula aqui e prova lagartixa!!!"

  

E, embora não seja um filme da Marvel, não saia do cinema antes do término dos créditos.

 

"Tan-tan-tan tantan... Tanatanatanatan..."



domingo, 27 de dezembro de 2020

Viúva Russa Mutante - Operação Red Sparrow (2018)


Nem James Bond, nem Cine Privê

por Alexandre César

(publicado originalmente em 05/03/2018)


Filme se vende como thriler erótico mas só....

 

Noite no Ballet Bolshoi: Dominika Egorova (Jennifer Lawrence) tem o seu maior momento

Apesar do trailer vendê-lo como um thriller erótico de espionagem, Operação Red Sparrow (2018, de Francis Lawrence) é um suspense correto e eficiente (sem ser genial), mas lento para quem espera algo mais aventureiro. Nele Jennifer Lawrence se despe (por inteiro, é verdade) para compor a sua personagem: uma ex-bailarina russa recrutada para ser uma sedutora super-espiã que usa o seu corpo para conquistar e roubar segredos de seus alvos. Em alguns momentos ele lembra o tom de alguns filmes da década de 70 como O Telefone (1977, de Don Siegel, estrelado por Charles Bronson). Curiosamente aqui vemos Lawrence, que atuou como a mutante Mística da nova trilogia dos (1977, de Don Siegel, estrelado por Charles Bronson). Curiosamente aqui vemos Lawrence, que atuou como a mutante Mística da nova trilogia dos X-Men, dando vida à uma espiã com gritantes similaridades à uma outra personagem dos quadrinhos da Marvel: a Viúva Negra, dos Vingadores.

 

Konstantin (Sergei Polunin) e Dominika brilham, a um passo do desastre...



 A sequência inicial intercala a apresentação do Ballet Bolshoi - onde Dominika Egorova (Lawrence) mostra o seu talento - com o agente da CIA Nathaniel Nash (Joel Edgerton), que troca informações com o seu informante e depois atrai para si a atenção da polícia moscovita para garantir a sua fuga. Desde este início percebemos o quanto o jogo de poder está rolando nos dois mundos: O do espetáculo, onde sorrisos escondem trapaças e “puxadas de tapete”, e o da espionagem, onde nações disputam e protegem os segredos à ferro e sangue. Ambos têm uma bonita fachada para esconder os seus esqueletos.

 

O "tio-espião" Ivan Dimitrevich “Vania” Egorov (Matthias Schoenaerts)


Em certo momento Dominika é recrutada pelo seu tio Ivan Dimitrevich “Vania” Egorov (Matthias Schoenaerts) para servir ao estado como uma espiã treinada no ofício da conquista e dos jogos psicológicos da sedução. Ela aceita o trabalho por precisar cuidar de sua mãe Nina (Joely Richardson), portadora de doença degenerativa. A tensão entre tio e sobrinha é nítida pois a mãe de Dominika sempre tentou mantê-lo afastado da sua família pela natureza de seu trabalho. 

 

Dominika é treinada por Matron (Charlotte Rampling) para ser uma espiã
 

Ivan encaminha a sobrinha para um centro de formação de espiões dirigido por uma oficial do Exército (Charlotte Rampling, sempre eficiente) que instrui seus alunos de forma didática e procedural em seu ofício de “ler” seus alvos e descobrir as suas fraquezas, desejos e fantasias.

 

General Korchnoi (Jeremy Irons): Aliado ou inimigo?

Apesar das ressalvas dos seus superiores (os ótimos Jeremy Irons e Ciarán Hinds), Ivan vê a sua sobrinha como potencialmente a maior agente do setor, encaminhando-a para missões onde ela revela toda a sua competência e sua capacidade de esconder a mágoa pelo tratamento objetificador e brutal do seu aprendizado e do exercício do novo “ofício”.
 
 
Dominika (apesar de seu asco) aprende o ofício de usar a sedução como arma

O caminho de Dominika cruza com Nash quando ela é enviada para conquistá-lo e descobrir quem é o seu informante. Mas eles se envolvem amorosamente e aí, as reviravoltas, trapaças e planos dentro de planos se sucedem, mostrando o “jogo de gato e rato” que se espera do gênero.

 

Natasha Romanova, a Viúva Negra: Semelhanças gritantes

 A direção de Francis Lawrence (que já havia dirigido a atriz em dois filmes da franquia Jogos Vorazes) é segura, mas se o filme fosse uns 10 minutos mais curto ele ganharia mais dinamismo sem prejudicar o seu entendimento. Destaque para a fotografia de Jo Willems que registra bem as paisagens áridas da estepe russa, onde a neve gélida rivaliza com a frieza emocional que seus protagonistas são obrigados a assumir para sobreviver neste jogo, bem sublinhado pela música de James Newton Howard, que funciona de forma discreta, sem chamar atenção para si.

Contra tudo e todos Dominika se sagra como uma das maiores agentes
  

O resultado final é bom, mas o filme agarrar-se a chavões usados demais em relação a Guerra Fria: a imagem da Rússia como uma nação autoritária que controla todos os aspectos da vida de seus cidadãos; os EUA ainda como o baluarte da liberdade (e do consumo); a necessidade de um romance entre os protagonistas para trama acontecer (apesar de felizmente não ser a coisa melosa que dava a impressão que seria...). Com isso a trama não atinge o seu pleno potencial. Mas provavelmente se o filme fosse o trilher erótico de espionagem que se esperava pelo trailer de divulgação, provavelmente os seus personagens teriam um desenvolvimento mais raso... ou não. Tal dúvida creio que nunca terá resposta.

 
Dominika e Nash (Joel Edgerton): filme agarra-se a chavões

 
"Ela não anda, ela desfila..."

 
 

E Steven volta a ser Spielberg. Que continue assim! - Jogador N˚ 1 (2018)

  


A bolha do universo pop

por Alexandre César

(originalmente publicado em 28/ 03/ 2018 )


Adaptação do livro é um deleite visual de cultura pop

 


Neo-favelas: ambiente cyberpunk



Em 2045, num futuro distópico (para variar...), a dureza da realidade se impôs, com uma nova ordem mundial que acentuou ainda mais as distâncias da pirâmide social, tragando e desestruturando famílias. A grande maioria da população é reduzida a uma massa de subempregados endividados que vendem a sua força de trabalho, sem garantias, nem perspectivas, de poder viver em um ambiente urbano que não seja o dos trailers empilhados, formando “neo-favelas“. Nesta realidade, em face ao inevitável colapso dos recursos naturais do planeta, boa parte das pessoas se refugia das frustrações do mundo real jogando em um ambiente virtual chamado OASIS, criado pelo gênio da computação James Halliday (Mark Rylance). Este, ao morrer, deixa a sua imensa fortuna para o primeiro jogador que encontrar um easter egg oculto por ele mesmo no ambiente do seu jogo, gerando uma caça ao tesouro global.

 

Wade Watts (Tye Sheridan): cavaleiro arturiano


Dirigido por Steven Spielberg e baseado no livro de mesmo nome de Ernest Cline (um dos roteiristas do filme), Jogador N˚1 (2018) nos apresenta o jovem Wade Watts (o ótimo Tye Sheridan, que continua usando um visor como seu Cíclope em X-Men: Apocalipse). Ele é um dos jogadores do OASIS, onde usa o avatar Parzival. Ele é nosso herói improvável, aparentemente apenas mais um na multidão (se bem que nem tanto, já que o seu nome e o sobrenome têm a mesma consoante inicial, que é um indicativo de herói...).

 

Nolan Sorrento (Ben Mendolsohn) o vilão corporativo que quer monopolizar o OASIS

 

Wade se lança com seus amigos Art3mis (Olivia Cooke) e Aech (Lena Waithe), entre outros, nesta disputa alucinada onde a realidade é mutável de acordo com as táticas dos jogadores e com a própria dinâmica do jogo. Sua admiração pelo criador do OASIS, que dá alento a sua vida sem perspectivas, o move na busca para vencer a competição definitiva. A escolha do nome de seu avatar nos remete também a sua condição de “escolhido”: nas lendárias aventuras da corte do Rei Arthur, Parzival é o único dos Cavaleiros da Távola Redonda que consegue achar o Santo Graal. 

 

F’nale Zandor (Hannah John-Kamen): chefe de fase no caminho de Parzival


 

Para incrementar esta aventura, temos as ações de Nolan Sorrento (Ben Mendolsohn, o vilão imperial de Rogue One: Uma História Star Wars), um típico vilão corporativo. Ele é CEO da IOI, uma megacorporação que visa monopolizar o OASIS, usando para isso de táticas que vão do escravagismo por dívida a eliminação física de opositores pelas mão de sua capanga F’nale Zandor (Hannah John-Kamen), ou, no meio virtual, recorrendo a i-R0k (T. J. Miller), um meganha cibernético. O jogo de Sorrento é pesado, diferente de Odgen Morrow (Simon Pegg, o engenheiro-chefe da espaçonave Enterprise nos novos filmes de Star Trek ), amigo e ex-sócio de Halliday que observa tudo à distância.

 

Parzival encontra uma versão digital de James Halliday (Mark Rylance) no OASIS


 

Aqui o veterano Spielberg, que parecia ter entrado no ocaso da sua vida (compreensível para qualquer um maior de 60 anos) e se firmado como um autor de filmes sérios, chuta o pau da barraca com um vigor que há zilhões de anos não fazia. Se ele morresse amanhã, este filme poderia ser o seu canto de despedida em grande estilo. O roteiro, rico e enxuto de Zak Penn e Ernest Cline, tem diálogos espertos e bons personagens e cumpre a risca o compromisso de jogar para a platéia. Para isso ele usa tudo que mostra na tela de forma enxuta, mas fazendo fan service de uma forma que é ao mesmo tempo natural, orgânica e avassaladora, com uma inundação de referências - tantas citações à cultura pop por metro quadrado como nunca vista antes. 

 

Corrida Maluca: Quantos veículos icônicos você consegue distinguir???

 

Será um filme para se assistir no blue-ray quadro a quadro, várias e várias vezes, para poder identificar cada elemento (e personagem) que aparece em todos os cantos da tela - de game, filme, seriado, quadrinho, animação, música etc. Embalados pela música de Alan Silvestri, estes ícones surgem em inserções pontuais, dando o tempo preciso para que registremos na memória. Curiosamente, nesta avalanche, há bons momentos de respiro, quando o diretor diminui a marcha, permitindo que possamos conhecer melhor os personagens do filme, como quando Wade reflete o quanto o mundo real é mais “devagar”, em contraste com a adrenalina contínua do mundo virtual. São momentos que dão a alma e a substância ao filme (aprenda Michael Bay!).

 

Desafio: Quantos personagens de games, filmes etc... você identifica???

  

Os efeitos visuais, fruto de elaborado trabalho de CGI e captura de performance de atores, compõem muito bem este cenário cyberpunk e elevam ao limite os avatares e seus mundos imersivos on-line. O desenho de produção de Adam Stockhausen e o figurino de Kasia Walicka-Maimone caracterizam bem os ambientes neon-shopping-center da elite corporativa e a pobreza-com tecnologia-de-segunda-mão do proletariado de uma forma crível e seca, sem apelações fáceis.

 

O Gigante de Aço no meio da avalanche de referências à cultura pop

 

O resultado é para lá de bom, mostrando o grande e velho Spielberg que aprendemos a amar, com algumas sutis reflexões sociais embutidas no subtexto do filme, que, como ocorre com as boas fábulas, nos fazem sonhar enquanto sugerem indagações que, se ousarmos responder, poderão nos ajudar a moldar o amanhã.

 

Jogador N°1: Pazival e seu DeLorean em OASIS


 

 



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O caçador do espaço versus o “Esquadrão Classe A” - O Predador (2018)


Muito legal, mas...

 por Alexandre César

(originalmente publicado em 13/ 09/ 2018)


Nova abordagem promete, mas não cumpre
 

Obs: Alguns spoilers

"Predador" (1987): clássico oitentista


 

Há 31 anos atrás presenciamos a malfadada missão de resgate da unidade de comandos especiais comandada por “Dutch” Schaeffer (Arnold Schwarzenegger) nas selvas da América Central, quando misteriosamente o grupo altamente treinado começou a ser caçado. Seus integrantes foram massacrados um a um como coelhos numa caçada por um oponente misterioso e quase sobrenatural.

 

Quinn McKenna (Boyd Holbrook): o herói-soldado da vez


 

Predador (1987, de John Mc Tiernam) surpreendeu ao mesclar espertamente ação, terror e suspense numa tensão claustrofóbica, embalada com ótimos efeitos visuais e uma trilha sonora inspirada de Alan Silvestri. Com bons “personagens de quadrinhos” (bidimensionais de dar gosto, mas bem dirigidos), o filme tinha no personagem-título seu grande trunfo, com seu visual muito bem concebido pela equipe de Stan Winston, mesclando armaduras de alta tecnologia (com visão térmica e dispositivos de camuflagem) com tranças rastafári, o que o dava um estilo de aborígene high-tech misterioso. 

 

Cadeia alimentar: O predador que conhecemos encara o Predador Supremo, variante maior da espécie, que tem uma rixa de clã com o resto dos clãs da raça
 

Eeste filme gerou uma continuação - Predador 2 – A Caçada Continua (1987, de Stephen Hopkins) -, dois crossovers -Alien vs. Predador (2004, de Paul W.S. Anderson) e Alien vs. Predador 2 - Réquiem (2007, de Gregory e Colin Strause) - e um retcon - Predadores (2010, de Nimrod Antal). Tudo isso ampliou a mitologia criada em torno da raça de caçadores alienígenas, gerando perguntas e mais perguntas sobre a natureza de sua civilização. cujo visual mesclando armaduras de alta tecnologia (com visão térmica e dispositivos de camuflagem) com “tranças rastafari” parecendo um “aborígene high-tech” misterioso, gerando perguntas e mais perguntas sobre a natureza de sua civilização.

 

Agachado de boné o diretor e roteirista Shane Black ao lado do ator-mirim Jacob Tremblay e, de pé, o resto do elenco


O Predador (2018) é dirigido por Shane Black, que no filme original interpretou o sargento Richard Hawkins, e se propõe a ser a continuação dos eventos dos primeiros dois filmes. Não há referências os crossovers com o Alien ou ao reboot de 2010, apesar de não termos uma época bem definida. 

 

Quando será que os humanos aprenderão que se pode matar, mas nunca, nunca capturar um Predador?


Aqui temos Quinn McKenna (Boyd Holbrook), soldado de elite (e relutante pai ausente) fazendo seu primeiro contato com um Predador numa operação no México que dá muito errado. Ele consegue artefatos dos alienígenas e despacha para a sua caixa postal, mas, por um problema burocrático, eles acabam indo parar na casa deEmily, sua ex-esposa (Yvonne Strahowski, a eterna Sara da série Chuck) e de seu filho de 11 anos Rory (Jacob Tremblay, ótimo). O garoto possui transtorno do espectro autista, sendo extremamente inteligente e pouco sociável, e abre o pacote do pai, acionando inadvertidamente um sinalizador para os Predadores. Temos também a drª. Casey Brackett (Olivia Munn, mostrando o quão em forma são os acadêmicos em filmes de ação, não importa quantos PHDs tenham...), especialista convocada por Traeger (Sterling K. Brown, o FDP do governo) para analisar um alienígena capturado que é mantido cativo numa instalação à la Área 51, repleta de outros apetrechos de tecnologia alienígena. 

 

Lynch (Alfie Owen-Allen), Coyle (Keegan-Michael Key), Baxley (Thomas Jane), Nettles (Augusto Aguilera), Quinn McKenna (Boyd Holbrook) e Nebraska (Trevante Rhodes): "Esquadrão Classe A" disfuncional


 Ela convoca Quinn para esclarecer o ocorrido no México e fornecer dados sobre o alienígena, mas o soldado foi aprisionado, para abafar o caso. Estava encarcerado na mesma instalação que ela como vítima de trauma de combate com um bando de loucos formada por Nebraska (Trevante Rhodes), Coyle (Keegan-Michael Key), Baxley (Thomas Jane, de Hung e de e de The Expanse), Lynch (Alfie Owen-Allen, o Theon Greyjoy de Game of Thrones ) e Nettles (Augusto Aguilera). Juntos, eles fogem quando o Predador capturado escapa e começa matar e a tocar o terror na instalação. 

 

Esquadrão Classe A: referência


Tanto o caçador alienígena quanto o grupo vão no encalço do jovem Rory. Com isso, o grupo assume um perfil que parece uma versão perturbada do Esquadrão Classe A, uma referência oitentista como o próprio Predador (mas é claro que Hannibal, do verdadeiro Esquadrão, bolaria um plano melhor...). Aqui o filme encontra um dos seus trunfos, apegando-se a um tipo de humor que funcionou muito bem em Os Mercenários 2 (2012, de Simon West). Cada membro do bando toma atitudes condizentes com aquilo que se espera de cada um, estabelecendo diálogos bem ao estilo dos anos 80, com um humor agressivo que pode incomodar os fãs do politicamente correto. A presença da drª Brackett, uma personagem feminina forte, serve de elemento de quebra nesse ambiente de brodagem regada a testosterona. Aqui vemos a habilidade de Black (também um dos responsáveis pelo roteiro) em conduzir os diálogos, cheio de piadas rápidas que desviam a atenção das falhas da história.

 

Dra. Casey Brackett (Olivia Munn): a acadêmica xeno-biologista e heroína de ação


Os valores de produção estão bem representados, seja na música de Henry Jackman - que emula bem os acordes criados por Alan Silvestri - ou na fotografia de Larry Fong - apesar de em alguns momentos no terceiro ato em que as cenas ficam muito escuras, dificultando saber na hora da matança quem entrou na contagem de corpos. Os efeitos visuais são muito bons, inclusive dando boas explicações visuais de como funciona o campo de força da nave dos predadores. E vemos Alec Gillis e Tom Woodruff Jr. novamente cuidando da parte de animatrônicos, pois, desde a época em que eram assistentes de Stan Winston, eles cuidaram tanto do Predador, quanto dos Aliens.

 

O design dos apetrechos do Predador continuam com grande sofisticação e criatividade


 

O roteiro de Black, em parceria com Fred Dekker, reflete as típicas conversas nerds de fãs a respeito das motivações dos predadores, criando uma trama que destrincha o porquê desses caçadores alienígenas voltarem frequentemente ao nosso planeta... e é aí que começa o problema. 

 

A equipe de loucos se revela mais habilidosa do que o esperado.


Tanto quanto o filme original, quanto Predador 2 e Predadores, entendiam a vibe de seus caçadores alienígenas, enriquecendo o jogo de gato e rato sem grandes exageros ou pirações. Compreendíamos claramente as regras que moviam seus atos, vendo o seu prazer em caçar sem que qualquer diálogo explicativo fosse necessário. No filme de agora, ao final, temos revelações que soam forçadas ao fazer links com questões ambientais, além de parecer justificar a produção de novas sequências e bonecos. Talvez funcionasse melhor numa história em quadrinhos do que num filme, como no caso deveria ter sido o caso de Alien vs. Predador 2 – Réquiem.

 

Os efeitos visuais continuam puro "state of art"


O terceiro ato foi refilmado por conta da má reação das platéias-testes, resultando em soluções estranhas de roteiro, como o cão-predador que fica “lobotomizado”, ou Rory, que é muito sensível à ruídos agudos, mas parece não se incomodar em nada com as mortes e o tiroteio à sua volta no clímax da história (como se ver alguém levar um tiro ou ser decapitado fosse algo banal). Fora o gancho final para uma continuação - uma forçada de barra.

 

"-Chegou a hora de discutirmos a relação, humano...!"


Como boa aventura genérica o filme flui bem, mas se você já conhece mesmo as histórias desse caçador rastafári alienígena - seja no cinema, vídeo ou na TV (aberta ou à cabo) -, com certeza sairá pensando: “foi legal, mas poderia ser muuiiito melhor.”

 

Se você estiver sendo visto dessa forma, você está... ferrado!!!