quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Desejo x Desapego - Crítica: Mulher-Maravilha 1984 (2020)

 


 Entre o excesso, a lacração e o necessário

por Alexandre César


Nova aventura da Princesa Amazona diverte mas é irregular

 

Lição: A jovem Diana (Lilly Aspell) aprende que vitória com trapaça não é real...

Desde o final da 1ª Guerra Mundial Diana Prince (Gal Gadot, de Liga da Justiça, no auge de sua beleza) vive no “mundo do patriarcado”, mantendo oculta de todos a sua identidade de Princesa das Amazonas; salvando pessoas aqui e acolá sempre que estão ao seu alcance da forma mais discreta possível; evitando a atenção da mídia e vivendo a sua identidade secreta como uma autoridade em artefatos históricos trabalhando no Instituto Smithsoniano

No fundo leva uma vida solitária, pois, desde a morte de seu amado Steve Trevor (Chris Pine, da cinesérie Star Trek, divertido como sempre) ela não se dispôs a abrir o seu coração para mais ninguém. É amável e educada para com todos à sua volta, mas leva uma vida social nula. Passado mais de meio século, em plena década de 1980 - tempo dos Yuppies, dos ternos de ombreiras, do gel no cabelo e da break dance - surge o próximo desafio que colocará à prova as suas convicções e aquilo que a faz ser de fato uma heroína: a capacidade de abrir mão daquilo que mais quer por um bem maior.
 
 
1984: Diana (Gal Gadot) continua secretamente em seu ofício de heroína

 
Reunindo novamente Patty Jenkins na direção e Gal Gadot no papel-título, Mulher-Maravilha 1984, dá sequência ao hit de estreia da super-heroína da DC Comics como protagonista. Seu primeiro filme, de 2017, quebrou recordes e arrecadou US$ 822 milhões nas bilheterias mundiais. Este é um feito que agora é mais desafiador de ser repetido face à nova realidade que a pandemia do Novo Corona Vírus impôs ao mundo do entretenimento, levando cadeias de exibidores ao colapso e fazendo muitos lançamentos serem encaminhados direto para o streaming, passarem a ter a sua janela de exibição nas telas reduzidas ou a ter lançamento quase que simultâneo com este serviço e os canais à cabo. A própria Warner Bros anunciou que esta prática será a regra pelos próximos dois anos até a normalização do quadro global.
 

Nerd invisível: Barbara Minerva (Kristen Wiig) entra para o Instituto Smithsoniano

 
"- Ligue Djá!!!": Maxwell Lord (Pedro Pascal) vende na TV um sucesso de fachada

 
O roteiro, escrito por Patty Jenkins, Geoff Johns e David Callaham (Godzilla), a partir de uma história de Jenkins & Johns, coloca Diana de frente a dois novos inimigos. Maxwell Lord (Pedro Pascal, de O Mandaloriano, parecendo um mix de Yuppie com Walter Mercado*1), um ambicioso empresário do ramo petrolífero, e Barbara Minerva (Kristen Wiig, de Zoolander 2 aproveitando o seu espaço em tela), uma brilhante, mas insegura arqueóloga, cuja jornada fará dela a Mulher-Leopardo. E assim, Diana, ao cruzar seu caminho com o desses dois personagens e com um artefato místico que realiza desejos, se verá diante da chance de reencontrar o seu amado, da mesma forma que a nerd Minerva poderá se tornar uma mulher empoderada e segura de si, e o desesperado Lord poderá alcançar o poder e riqueza de que tanto almeja. Mas com o próprio Trevor miraculosamente trazido de volta à um mundo que o maravilha por causa de seus avanços, temos a premissa do clássico “A Pata do Macaco”*2 e a sua velha história sobre o preço que se paga por um desejo realizado, quando este não está acompanhado de uma reflexão sobre as suas consequências... 

Isso é demonstrado na cena inicial do filme, uma lembrança de Diana quando ainda era criança em Themyscira, local imaginário agora tão popular quanto a Hogwarts de Harry Potter. A fotografia de Matthew Jensen (Mulher-Maravilha), em parceria com efeitos visuais de Framestore, Method Studios, Double Negative, The Third Floor, DNEGexpande esse reino mágico, aqui retratado no momento da participação da jovem princesa numa “prova olímpica”, mista de partida de quadribol e competição de Iron Man com apresentação de Cirque du Soleil. Ali a pequena Diana (Lilly Aspell, de Mulher-Maravilha) aprende por intermédio de sua tia Antíope (Robin Wright, de Corpo Fechado) e sua mãe, a Rainha Hippolyta (Connie Nielsen, de Gladiador) sobre o valor da vitória quando ela é verdadeira, sem atalhos, ou trapaças.
 
Cuidado com o que deseja: Maxwell Lord encontra um artefato místico para lhe dar poder

 
Mas como, no geral, a humanidade é... a humanidade, a escalada de Maxwell Lord em busca da satisfação de seus desejos vai em ritmo exponencial, provocando o caos mundo afora. E nesta progressão, Diana se vulnerabiliza pelas saudades, pelo amor, pelos arrependimentos do passado e até por um reencontro empolgante que, como consequência, a enfraquece até sangrar... Uma Deusa, mas, sobretudo, ainda humana.
 
Estranho numa terra estranha: Steve Trevor (Chris Pine) reaparece na vida de Diana

Momento Fanservice: Finalmente vemos o avião invisível da Mulher-Maravilha

 
Esta vulnerabilidade, seja a da Mulher-Maravilha, seja a de Barbara Minerva - que, por não poder superar suas fraquezas, seguirá no rumo que a tornará a Mulher-Leopardo - e até a do próprio Maxwell Lord (cujas motivações de sua ambição lhe dão uma humanidade insuspeita), os aproximam. No final, embora haja o Bem e o Mal, este não é um filme que tem “vilões” no sentido clássico.
 
Amigas & Rivais: Diana Prince e Barbara Minerva começam amigas, mas o que desejam as coloca em rumo de colisão

 
 Mulher-Maravilha 1984 trata de temas ao mesmo tempo complexos e mundanos, como a ganância, o abrir mão daquilo que amamos e da necessidade de seguir em frente, apesar das dificuldades. Sua protagonista acima de tudo encarna o princípio da Ética do Cuidado*3, que é essencialmente feminina, se refletindo na forma que ela protege as crianças e os fracos e não faz questão de se tornar visível às massas.
 
 
Desarmada e perigosa: Desta vez a Mulher-Maravilha não usa nem escudo e nem espada, se bastando com os braceletes e o seu laço dourado...

 
Os valores de produção refletem o grande cuidado de seus autores. O desenho de produção de Aline Bonetto (O Fabuloso Destino de Amélie Poulin), a direção de arte de Peter Russel (Alladim), Simon Elsley (O Grande Gatsby), Alex Baily (Rogue One: Uma História Star Wars), Gavin Fitch (Jogador N°1), Conor Maclay (Tenet), Charlotte Malynn (Velozes & Furiosos: Hobbs & Shawn), Rod McLean (Blade Runner 2049), Daniel Nussbaumer (Malévola: Dona do Mal), Alan Payne (Guardiões da Galáxia) e a decoração de cenários de Anna Lynch-Robinson (Bohemian Rapsody), recriam a estética colorida dos anos 80, de seus Shopping Centers e complexos empresariais de concreto, vidro fumê e aço escovado. Isso contrasta com os espaços amplos e arrojados, mas despojados, do estádio de Themyscira. Os figurinos de Lindy Hemming (Oscar por Topsy-Turvy: O Espetáculo) recriam a moda estilo Miami Vice e das roupas de academia da época, além de fazer o contraponto entre os “vestidos para matar” de Barbara Minerva com os elegantes trajes de Diana - tirando a sua armadura dourada que, embora legal, é mais carnavalesca do que qualquer coisa usada pelos Cavaleiros do Zodíaco, embora visualmente fiel aos quadrinhos (é aquela coisa do "ver desenhado" e "ver construído"). 

A música de Hans Zimmer (Dunkirk) retrabalha o tema original de Rupert Gregson-Williams, ganhando força nos momentos mais líricos, como quando Diana e Steve Trevor voam (com um avião invisível) entre os fogos do Quatro de Julho, ou quando, já segura novamente de seu poder, Diana aprende a voar, coisa que a edição de Richard Pearson (Voo United 93) trabalha de forma delicada.
 
Empoderadas em lados opostos: Aqui os homens só apanham, e muito...

 
Evolução: A gradativa transformação de Barbara Minerva na Mulher-Leopardo começa no figurino e termina no CGI...

 
 Ao final, Mulher Maravilha 1984 diverte mas não supera o filme inicial, sendo equivalente a este de uma forma diversa em seus acertos e erros. O final ambientado no Natal destoa um pouco (parecendo ter sido mudado por conta dos adiamentos que a pandemia impôs às filmagens e para ficar “mais família”), remetendo ao clássico de Frank Capra A Felicidade Não Se Compra (1946), onde a nossa princesa pagã tem um vislumbre de uma possível felicidade neste mundo torto do patriarcado.
 
 
A direção de arte e os efeitos visuais criam ótimas ambientações em Themyscira...


 E é com este final, que dividirá opiniões, que nos despedimos de Diana Prince, que continuará agindo nas sombras até finalmente mostrar-se ao mundo do lado de seus futuros colegas fantasiados Clark e Bruce, esses meninos brigões...
 
 
"- SHHH!!! É segredo!"

 Obs: Na cópia exibida para a crítica não havia a cena pós-créditos.
 
 
Notas:
 
*1: Walter Mercado Salinas (1932 - 2019) foi um astrólogo porto-riquenho muito popular nos anos 80 e 90 por seus programas televisivos. Ficou famoso pelo seu bordão “Ligue Djá” anunciando seus livros e produtos nas madrugadas entre Talk Shows e programas como o “1001 Noites”.

 
*2: A Pata do Macaco é um conto que também dá nome a uma coletânea de terror de 1902 do autor britânico W. W. Jacobs. A história é sobre um casal que descobre um amuleto (uma pata mumificada de um macaco) que concede três desejos - cada um deles seguidos de uma consequência macabra ao seremm realizados. Essa obra inspirou vários autores como, Stephen King, Richard Matheson, Rod Serling, entre outros.Já foi várias vezes adaptada para o cinema e TV.
 

 
 
*3: A Ética do Cuidado acima de tudo preconiza a necessidade de se dispor de tempo e atenção às atividades não valorizadas pelo processo produtivo capitalista, mas que são inevitáveis e essenciais à estruturação da vida em sociedade, como cuidar do lar, das crianças e dos idosos. Por serem consideradas “inferiores”, acabam no geral sendo relegadas às mulheres. Tal ética em sua prática se desdobra no interesse pela justiça, pela redução das desigualdades sociais e econômicas e no ambientalismo.
 
 
' - Me dê a sua força Pégaso!!!"

 
 
 

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