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segunda-feira, 23 de maio de 2022

Tragédia mais do que Shakespeariana - Crítica - Filmes: O Homem do Norte (2022)

 


Ser ou não ser um Berserker...

por Alexandre César

Robert Eggers narra saga que teria inspirado Shakespeare

 


 

 

Dinamarca, final do século X. o jovem príncipe Amleth (Oscar Novak de O Batman) e sua mãe, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman de Aquaman) recebem alegres o Rei Aurvandil, o Corvo de Guerra (Ethan Hawke de Cavaleiro da Lua) e seu irmão, Fjoölnir, o Sem Irmãos (Claes Bang de Drácula) após uma bem sucedida incursão que trouxe seus navios repletos de ouro, mercadorias e prisioneiros escravizados, que enchem de orgulho a todo o reino, reafirmando serem eles vikings de valor. Após a calorosa recepção, não faltando os gracejos maledicentes do Heimir, o bobo (Willen Dafoe de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa) pai e filho fazem uma iniciação onde o menino se torna um homem e aprende com seu pai que ele deve vingá-lo em caso de morte para poder ser digno de adentrar o Valhala*1, aspiração de todo viking. 

 

 O jovem príncipe Amleth (Oscar Novak) recebe feliz o seu pai, que volta de uma expedição

 O Rei Aurvandil, o Corvo de Guerra (Ethan Hawke) soberano de seu reino

 

 

Saindo da iniciação, logo em seguida ele vê seu pai ser morto pelo irmão, que ordena a sua morte, fazendo-o fugir, enquanto vê o usurpador matar os servos mais fiéis a seu pai e tomar a rainha, sua mãe como esposa. Amleth rouba um barco e vai remando em fuga recitando obsessivamente o mantra de que irá vingar o pai, libertar a mãe, e matar o tio traidor. 

 

 A mãe de Amleth, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman) esperava a muito tempo a volta do rei



Passados alguns anos, Amleth, já adulto (Alexander Skarsgård de Godzilla vs. Kong em atuação mais do que visceral) tornou-se um guerreiro letal, e está no reino de Rus*2, lutando com compatriotas como Berserkers*3, invadindo aldeias para matar, saquear e escravizar os não-vikings. Apesar de sua competência no ofício, é um indivíduo solitário só remoendo o desejo de vingança. Ao saber que seu tio teve o reino tomado pelo rei Harald *4, levando-o a se exilar estabelecendo-se num assentamento na Islândia, ele dá início a seu plano, disfarçando-se de escravo e se infiltrando no assentamento, ganhando a confiança de Fjoölnir e de seus filhos Thórir o Orgulhoso (Gustav Lindh de The Dark Heart) e Gunnar (Elliot Rose de Milk) o caçula, nascido de sua mãe. Logo, ele cria uma conexão com Olga, da Floresta de Bétulas (Anya Taylor-Joy de Os Novos Mutantes) jovem rus feita escrava por quem se apaixona e o ajuda em seu plano, iniciando uma escalada de violência no limiar entre o real e o místico, o material e o espiritual, que Áshildur Hofgythja, a sacerdotisa (Olwen Fouéré de Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald) interpreta as mortes como uma vingança do além. 

 

Após a iniciação de Amleth, ele vê seu pai ser vítima de um ataque

 

O Rei é morto por seu irmão, Fjoölnir, o Sem Irmãos (Claes Bang) e Amleth foge, jurando vingança


Dirigido por Robert Eggers (O Farol, A Bruxa) O Homem do Norte (2022) impacta com sua marca autoral, sendo em suas 2 horas e 17 minutos (falado em inglês e nórdico antigo) mais do que um épico de ação, mas também uma radiografia de como a brutalidade e violência geram mais brutalidade e violência, prendendo seus partidários num ciclo ininterrupto de... brutalidade e violência. Uma maldição. 


Anos depois, o já adulto Amleth (Alexander Skarsgård) convertido numa máquina de matar, luta como Berserker, invadindo e saqueando vilarejos no reino de Rus


 

O roteiro de Sjón & Robert Eggers adapta a lenda dinamarquesa que serviu de fonte de inspiração a Hamlet*5 de William Shakespeare (com direito inclusive à famosa caveira *6), já tendo sido abordada em Jutland – Reinado de Ódio (1994) de Gabriel Axel com Christian Bale, Helen Mirren, Gabriel Byrne, Brian Cox, Kate Beckinsale e Andy Serkis entre outros. Aqui, Eggers aproveita o maior orçamento (especula-se que 60 milhões de dólares) a serviço de sua obsessiva reconstituição de época (seguindo a risca tudo que as recentes pesquisas arqueológicas sobre os vikins nos revelam) para mergulhar com seu apuro visual na vigorosa construção de um mundo brutal, sujo e tribal, com direito a reviravoltas inesperadas quanto as motivações de alguns de seus personagens, cujas percepções do mundo à sua volta transitam entre o objetivo e o surreal, pois a espiritualidade permeia todos os aspectos de suas vidas cotidianas. 

 

Após um assalto brutal, Amleth recebe uma notícia sobre seu tio, e poe seu plano de vingança em ação

 

Disfarçado como escravo Amleth chega ao assentamento, conhecendo Olga, da Floresta de Bétulas (Anya Taylor-Joy)

 

A fotografia de Jarin Blaschke (O Farol) trabalha só com uma câmera só (o pesadelo das equipes de qualquer filme) sem cobertura, usando só planos masters, o que requereu um intenso planejamento e ensaios antes das filmagens, tendo planos sequência impactantes, como o da brutal cena do assalto ao vilarejo perto de Kiev, com vários níveis de ação ocorrendo em distâncias variadas do quadro, além de registrar a beleza gélida das locações na Islândia. 

 

Participando de um jogo brutal Amleth, ganha a confiança de Fjoölnir



A edição de Louise Ford (A Bruxa) mantém um ritmo tenso na narrativa, que em algumas cenas dialoga com Conan, o Bárbaro (1982) de John Milius. Esta narrativa é sublinhada pela música de Robin Carolan e Sebastian Gainsborough que acompanha o tom trágico da história. 

 

Thórir o Orgulhoso (Gustav Lindh), o filho mais velho de Fjoölnir premia Amleth por seus préstimos, virando um escravo de maior status


Entre suas visões, Amleth é aconselhada por uma Vidente (a cantora Björk)

 

O desenho de produção de Craig Larhrop (O Diabo de Cada Dia) constrói com esmero os espaços cênicos ambientados no ano 914, durante o início da colonização da Islândia, também conhecido como "landnámsöld" (literalmente "idade da tomada de terras"), antes do estabelecimento do Althing. As locações no assentamento da Islândia ficaram meses fechados durante a pandemia, sendo que ao retornarem as filmagens, a direção de arte de Robert Cowper (Rogue One: Uma História Star Wars); Paul Ghirardani (Game of Thrones); Christine McDonagh (O Cavaleiro Verde); John Merry (Krypton) e Hauke Richter (Game of Thrones) e a decoração de sets de Pancho Chamorro (Eternos) e Niamh Coulter (Holmes & Watson) aproveitaram o envelhecimento natural dos materiais na caracterização dos cenários. 

 

Olga se torna a companheira de Amleth, auxiliando-o em seu plano de vingança



Os figurinos de Linda Muir (Mistérios do Detetive Murdoch) seguem à risca as orientações da pesquisa histórica quanto a criar um mundo pré-cristianizado*7, usando uma palheta de cores que aproximam os personagens dos cenários, além me materiais rústicos como os tecidos crus Heimir, o bobo, e couro, como os berserkers com peles de lobos e ursos*8, se permitindo momentos mais fantasiosos, como no traje da Vidente (a cantora Björk) ou da Valkyrja (Ineta Sliuzaite) de uma visão de Amleth. 

 

Amleth toca o terror no assentamento de Fjoölnir

Amleth manda Olga para um lugar seguro, enquanto volta para concluir sua vingança



A maquiagem de Sacha Carter (Malévola 2: Dona do Mal) e Stefania Pellegrini (Casa Gucci) cria um mundo de ferimentos e cicatrizes que acompanham seus personagens como Finnir, Toco de Nariz (Eldar Skar de Liker Stilen) auxiliado pelos uso dos efeitos visuais de Blue Bolt, Lidar Lounge, Vitality Visual Effects supervisionados por Angela Barson (Catarina a Grande), Justin Cornish (O Batman), Kyle Goodsell (Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw), Colin McCusker (Krypton) e David Scott (Vingadores: Ultimato) que compõem esse universo trágico, e mágico. 

 

Amleth, ferido, tem a visão de uma Valkyrja (Ineta Sliuzaite) no seu momento mais duro



Ao final do vigoroso espetáculo, e de todo o seu arco de sangue e vingança, O Homem do Norte deixa claro o quanto os ciclos de sangue são viciantes, levando a todos a um moto-perpétuo que se não for rompido, tragará as gerações posteriores e além, confirmando o ditado de que ao sair em busca de vingança, o protagonista deverá cavar duas covas: Uma para o seu oponente, e outra para si mesmo (e talvez para outros mais) ... 

 

Os efitos visuais criaram um mundo místico que corre ao largo da narrativa

 

Notas:

 

*1: Pertencente à mitologia nórdica, o nome significa Sala dos Mortos. Também chamado de Valhöll, era o palácio dos Einherjar ou "mortos heroicos" no Asgard (morada dos deuses Aesir) para onde as Valquírias levavam os guerreiros mais nobres e destemidos que morriam no campo de batalha, escolhidos por Odin 

 

*2: Rus é um endônimo introduzido durante a Alta Idade Média para as populações da Europa Oriental que viviam nas regiões que hoje fazem parte da Ucrânia, da Bielorrússia, da Rússia, de uma pequena parte do nordeste da Eslováquia e de uma faixa do leste da Polônia, formando na época o primeiro estado eslavo oriental da história. Sendo a origem do nome contemporâneo Rússia, é comumente modernizado desta forma. O termo rus', com o qual as populações eslavas e fínicas indicavam alguns tipos de varegues ou vikings deve talvez provir da raiz do antigo nórdico roðs ou roths usado no âmbito náutico e ainda existente nas línguas finlandesa e estônia para indicar os suecos, ruotsi e rootsi. Depois a palavra "rus'" passou a indicar não apenas a aristocracia escandinava da Europa Oriental, mas ainda todas as populações que residiam nessas áreas. O primeiro registro histórico do etnônimo está nos Annales Bertiniani, uma recolha de crónicas escrita por vários autores francos e referente aos anos entre 830 e 882. São chamados Rhos ou Russi. 

 

3*: Berserkir (Plural para Berserkr) foram guerreiros nórdicos ferozes, que estão relacionados a um culto específico ao deus Odin. Eles despertavam em uma fúria incontrolável antes de qualquer batalha. Há uma divergência sobre o termo nórdico "beraserkr", que podia referir-se a "camisa de urso", em nórdico antigo, da mesma forma como os nórdico ("Usando lobo de outra maneira", pode-se referir ao fato de estarem usando como armadura, não como "cães de caça") usavam peles de lobo. Outra tradução possível é "sem camisa". A origem dos bersekir é desconhecida. Tácito, porém, faz menção de grupos de guerreiros germânicos com uma fúria frenética, também uma menção bastante conhecida no formato poético de Haraldskæði (8,12,13). 

 

4: Haroldo, filho de Sigurdo. Recebeu o epíteto Hardråde. Foi o rei da Noruega como Haroldo III de 1046 até a data de sua morte em 1066. Além disso, sem sucesso, reivindicou o trono dinamarquês até 1064 e o trono inglês em 1066. 

 

5*: O enredo é muito vagamente baseado na história de Amleth, que aparece na Gesta Danorum (História dos dinamarqueses), uma coleção de tradições orais escritas por volta de 1200 por Saxo Grammaticus. Amleth inspirou Hamlet de Shakespeare, embora seja duvidoso que Shakespeare tenha lido Grammaticus diretamente.O filme tem muito de sua inspiração de "Amleth" na lenda escandinava que mais tarde inspirou diretamente a tragédia de Shakespeare do príncipe dinamarquês "Hamlet".

 

*6: O Feiticeiro (Ingvar Sigurdsson de Liga da Justiça de Zack Snyder) segura uma cabeça humana preservada. Segundo o mito, Odin foi aluno de Mimir. Quando Mimir foi decapitado pelos deuses rivais de Odin, Odin pegou a cabeça decapitada de Mimir e a reanimaram com magia para que Mimir pudesse continuar a ensiná-lo. Ingvar Sigurdsson aprendeu a cantar na garganta para seu papel como Feiticeiro, que usa roupas femininas, pois na Idade do Ferro da Escandinávia, a magia era vista como uma atividade feminina, e termos para magos masculinos também eram usados ​​como insultos contra homossexuais. Segundo a lenda, Odin, o principal deus nórdico, disfarçou-se de mulher para poder aprender magia com as deusas.

*7: Robert Eggers trabalhando com historiadores, fez uma pesquisa meticulosa sobre o período, para tornar os cenários, figurinos e adereços o mais autêntico possível, ao mesmo tempo em que remontava a um período anterior ao cristianismo influenciar a cultura viking. O professor Neil Price, arqueólogo da Universidade de Uppsala, na Suécia, que trabalhou no filme, afirmou mais tarde que "O Homem do Norte pode ser o filme viking mais preciso já feito". Eggers admitiu que havia poucas referências históricas para o ritual de iniciação de Amleth, tornando-o "provavelmente o ritual mais fictício do filme". Os consultores históricos foram o arqueólogo Neil Price (autor de "The Viking Way: Religion and War in Late Iron Age Scandinavia" e "Children of Ash and Elm: A History of the Vikings") e a estudiosa literária Johanna Katrin Fridriksdottir (autora de "Valkyrie: As Mulheres do Mundo Viking").

 

*8: Eggers queria que alguns dos berserkers ficassem completamente nus, mas não insistiu nisso porque temia que seria muito alienante do público e daria ao filme uma restrição de idade muito alta.

"- Te vejo em Valhala!!!"



domingo, 8 de maio de 2022

Uma única vida não basta? (Spoilers) - Crítica - Séries: Star Trek: Picard - 2ª Temporada


 


Ainda aquém de seu potencial 

por Alexandre César

Série tem um ganho, mas ainda insatisfatório



 



Desde que surgiu há cerca de trinta e cinco anos Jean-Luc Picard (Patrick Stewart de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido) tornou-se a alma de toda Star Trek pós-série clássica, tomando para si a responsabilidade de continuar o legado da santíssima Trindade Kirk-Spock-McCoy durante as décadas de 1990 a 2000, quando a franquia passou a fazer água no mundo pós-11 de setembro, entrando em hibernação e tendo um breve despertar por ocasião da reimaginação de J.J. Abrams em 2009, e nas suas sequências. Após o boom da divisiva Star Trek: Discovery, a franquia conquistou toda uma nova geração, e então apostou-se em trazer e volta o velho comandante que sempre foi mais um líder diplomata e filosófico do que um herói de ação. 

 

Jean-Luc Picard (Patrick Stewart) e Laris (Orla Brady): Possibilidade de relacionamento



A primeira temporada da série criada por Kirsten Beyer, Michael Chabon, Akiva Goldsman e Alex Kurtzman, trouxe o reformado almirante Jean-Luc Picard tendo que lidar com os desafios da idade (apesar dos avanços da medicina no século 24...) e o sentimento de que o universo não precisa mais dele, restando-lhe o ostracismo e à contagem regressiva final. Mas, o chamado da aventura mostrou que ainda havia brasas por baixo das cinzas. O herói crepuscular prevaleceu, ainda que a trama não atingisse seu real potencial, salvando-se os ótimos valores de produção e alguns fanservices espertos, que souberam ganhar os fãs de A Nova Geração e Voyager, apesar dos fracos desenvolvimentos de personagens e trama. 

 

Guinan (Whoopi Goldberg) como boa amiga e confidente lhe dá conselhos


Agora, a segunda temporada da série, produzida pela CBS (agora veiculada pela Paramount + deixando para trás a Amazon Prime Vídeo) apesar de um ótimo início, que empolga, logo em seguida vemos que Star Trek: Picard, apesar de ter maiores acertos do que sua temporada anterior, ainda se ressente dos mesmos problemas, que só não desanda de vez graças à performance de Stewart. Ele consegue tirar leite de titânio e é sua presença que nos faz prosseguir assistindo a trama, na esperança de que as coisas melhorem. E até temos bons momentos, dispersos numa trama que utiliza de forma preguiçosa o conceito de viagem no tempo, que funciona mais como muleta narrativa. 

 

E eis que surge a ameaça cósmica da temporada que convoca Picard

Picard se une ao Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera) no comando da Stargazer



Após Picard ter a sua patente reativada e agora reitor da Academia da Frota Estelar, o vemos durante a época de colheita das uvas e fabricação do vinho na propriedade de sua família - o vinhedo Château Picard em Bordeaux. Ele se vê receoso de relacionar-se romanticamente com Laris (Orla Brady, de Into the Badlands), sua governanta romulana, agora uma viúva, que se mostra receptiva a uma relação (não é revelado como Zhaban, seu marido, morreu). Confuso, Picard conversa sobre suas dúvidas com sua amiga Guinan (Whoopi Goldberg, de Harlem) que apesar de imortal, cultiva uma imagem idosa para não intimidar os humanos em seu bar. Como boa conselheira ela o encoraja a dar uma olhada para trás, mas principalmente andar focando para a frente, pois o passado é o passado, e o futuro ainda está por vir. 

 

Uma frota, chefiada pela Stargazer, é mandada para investigar o evento



O chamado da aventura se dá quando num setor distante da galáxia, o agora readmitido Capitão Cristóbal Rios (Santiago Cabrera, de Salvation), que está no comando da nova Stargazer*1 (NCC-82893), monitora uma anomalia temporal, que surge de forma ameaçadora. Ele requisita a presença de Picard, que prontamente convoca seus associados, Raffi Musiker (Michelle Hurd, de Máquina Mortífera), reempossada como oficial da Frota Estelar, e sua imediata e companheira, a Ex-Borg Sete de Nove (Jeri Ryan, de Star Trek: Voyager). Também é chamada Elnor (Evan Evagoria, de A Ilha da Fantasia), agora o primeiro cadete romulano da Frota, e a Dra. Agnes Jurati (Alison Pill, de Scott Pilgrin Contra o Mundo), pesquisadora de Inteligência Artificial que acompanhava a sintética Dra. Soji Asha (Isa Briones, de American Crime Story). Jurati e Rios partem para investigar a anomalia. 

 

Q (John de Lancie)revela a Picard uma nova realidade, aterradora

 

Logo fica evidente que a entidade que convoca Picard, enquanto misteriosamente libera um áudio de uma música muito conhecida de sua infância*2, é um tipo diferenciado de Borg, o que provoca uma batalha que leva Picard a colocar a frota em alerta máximo. Ao final do combate, quando tudo está por desmoronar, ele aciona a autodestruição das naves. Mas, após a explosão, ele se vê em sua casa, o Château Picard, só que numa realidade em que ele é um cruel e genocida general de uma Confederação Terrestre que domina a galáxia com mão de ferro e cujo lema é “Uma galáxia segura é uma galáxia humana!”. Então Picard se depara com um antigo conhecido: Q (John de Lancie, de Manipulated), poderosa entidade quase divina (e, como todo imortal entediado, passando o tempo importunando os mortais) que lhe propõe o desafio de corrigir esta linha do tempo, e assim o seu julgamento (que sempre esteve em andamento) estará encerrado. 

 

Nesta realidade, Picard é o cruel general de uma Confederação fascista

Sete de Nove (Jeri Ryan), Picard, Raffi Musiker (Michelle Hurd) e Elnor (Evan Evagoria) sentem que a linha temporal está errada e se propoem a corrigi-la



Sem muita dificuldade, Picard consegue reunir os seus, e todos têm consciência de que algo foi mudado. Sete de Nove, agora a humana Annika Hansen que nunca foi igada aos Borgs, é a Presidente da Confederação. Rafi é uma agente de segurança que lembra a Gestapo, da mesma forma que Cristóbal Rios agora é coronel, comandando sua antiga nave, La Sirena (a Millennium Falcon, da série), numa missão de extermínio. A Dra. Agnes Jurati se vê como uma pesquisadora para lá de Mengeliana, fazendo experiências com alienígenas, e Elnor é um dissidente político. 

 

Picard usa para localizar a anomalia temporal, uma Rainha Borg (Annie Wersching)


 

Reunido o grupo, descobrem num laboratório uma Rainha Borg (Annie Wersching, de Bosch dominando a cena, numa ótima caracterização de personagem) que é a chave para encontrar o momento que causou a divergência na linha temporal. Só que ela está para ser executada como ponto alto das comemorações do feriado do chamado “Dia da Erradicação”. Após algumas peripécias, que cobram seu preço de sangue, a bordo da La Sirena eles dão um salto temporal, (numa cena que emula o salto de Jornada nas Estrelas IV - De Volta para Casa, de 1996) e acabam na Terra de 2024, num momento crucial em que uma missão tripulada para Europa (uma das luas de Júpiter), chefiada por Renée Picard (Penelope Mitchell, de The Hyperions), antepassada de nosso protagonista, iria fazer uma descoberta fundamental. 

 

A La Sirena usa o empuxo gravitacional do sol como estilingue e faz um salto temporal



A partir deste ponto a temporada se perde, entre ideias mal aproveitadas, alongamentos desnecessários e opções equivocadas. La Sirena faz um pouso forçado no bosque do Château Picard na França (convenientemente abandonado), mas o teletransporte é suficientemente funcional para mandar qualquer um para Los Angeles, do outro lado do oceano! Renée Picard tem problemas de depressão (algo que inviabiliza ser a comandante de uma missão espacial, ora bolas!!!) ao ser preso como um latino ilegal. Rios é encaminhado para a extradição, mas é libertado por Rafi e Seven. Eles temem usar phasers ou o teletransporte, para não modificar a linha temporal, mas libertam todo um ônibus de imigrantes numa boa (como se isso não fosse ocasionar alterações potenciais). Além de Picard ser confrontado pelas lembranças de quando era menino (Dylan Von Halle), os traumas relacionados com sua mãe Yvette Picard (Madeline Wise, de Segura a Onda) e as sessões de com um Psicólogo (James Callis, de Battlestar Galactica) que o ajudavam a encarar a sua figura paterna (só mencionam em uma fala o seu irmão Maurice, desperdiçando a oportunidade de trabalhar este relacionamento conturbado). 

 

Jurati  se conecta com a Rainha Borg para acessar suas informações necessárias

Picard relembra quando era menino (Dylan Von Halle) com sua mãe Yvette Picard (Madeline Wise) no Château Picard
 

Somando-se a este caldo, temos o Dr. Adam Song (Brent Spiner, de Penny Dreadful: Cidade dos Anjos, pagando seus boletos), antepassado do futuro criador de Data, que realiza experiências genéticas controversas - a maior delas com a sua filha Kore (Isa Briones). Para manter o bem-estar dela, ele faz um acordo com Q e depois com a Rainha Borg. Curiosamente, o doutor acaba se revelando o real vilão da temporada. 

 

Rafi e Sete de Nove circulam pela Los Angeles de 2024 à procura do ponto divergente



Picard tentando restaurar a linha temporal cruza seu caminho com Tallinn (Orla Brady, como outro personagem), uma observadora, tal qual Gary Seven*3, que está encarregada de monitorar Renée Picard e assegurar de que ela cumpra seu destino. Também esbarra com uma versão jovem de Guinan (Ito Aghayere, de Lista Negra) e ambos são interceptados pelo Agente Wells (Jay Karnes, de Contra o Relógio), um Fox Mulder obcecado por alienígenas por conta de um encontro com Vulcanos na infância. 

 

Cristóbal Rios conhece a Dra. Teresa Ramirez (Sol Rodriguez) se encanta por ela



Muitas reviravoltas, algumas boas outras nem tanto, e easter eggs, como a participação do agora "viajante" Wesley Crusher (Will Wheaton, de The Big Bang Theory), acenando para a memória afetiva dos fãs. Mas, em geral, ainda estão devendo uma temporada realmente à altura do legado de Jean-Luc Picard, a despeito de seu intérprete e do elenco aguerrido. 

 

Renée Picard (Penelope Mitchell): antepassada de Jean-Luc é o ponto focal da divergência na linha temporal

Ao mesmo tempo, Picard lembra das sessões com um Psicólogo (James Callis) sobre sua relação com seus pais



A edição de Steve Haugen (Krypton), Drew Nichols (MacGyver) e Sondra Watanabe (Stumptown) trabalha eficientemente a manutenção do pique narrativo, tal qual a música de Jeff Russo (
Star Trek: Discovery) no trabalho de sublinhar a ação. Os figurinos de Christine Bieselin Clark (Into the Badlands) tem alguns pontos de destaque, como o vestido vermelho femme fatale da Agnes/ Rainha Borg, mas não são realmente marcantes. 

 

Picard encontra uma jovem Guinan (Ito Aghayere) desiludida com a humanidade



O desenho de produção de David Blass (The Boys) tem momentos inspirados. A direção de arte de Mark Zuelzke (Preacher), Joe Comeau IV (Crazy Ex-Girlfriend), William Eliscu (Grace and Frankie) e Liz Kloczkowski (Vingança Sabor Cereja), com a decoração de sets de Timothy S. Stepeck (Lúcifer), recriam o Château Picard em momentos temporais distintos, destacando-se na linha temporal fascista a sala dos troféus de Picard, com os crânios de vários personagens emblemáticos de Star Trek, em especial da série clássica e de Deep Space Nine*4, além dos momentos mais oníricos das memórias fantasiosas do Picard-menino, nas quais as dependências assumem um tom de casa mal-assombrada pelos fantasmas do idoso herói.

 

Arquivo X: Picard cruza com o Agente Wells (Jay Karnes) um Fox Mulder obcecado por alienígenas



A fotografia de Crescenzo Notarile (Star Trek: Discovery) e Jimmy Linsey (The Code) trabalha bem a forma como filtra a luz nas cenas das lembranças infantis de Picard, envolvendo a mãe dele nos seus debates com o psiquiatra, realçando os devaneios naturais de um idoso. A fotografia também casa bem as externas com os efeitos visuais de Prologue, Crafty Apes, FX3X, Ghost VFX, Gradient Effects, Outpost VFX e Rogue One VFX, supervisionados por Jason Zimmerman (
Star Trek: Discovery), que acrescentam ótimos detalhes do uso da tecnologia na fabricação do vinho e ampliam os ambientes, mantendo também um ótimo padrão de qualidade no quesito das cenas espaciais, destacando os designs das espaçonaves de John Eaves, que redesenhou a Enterprise no final da primeira temporada de Star Trek: Discovery, e segue com o bom trabalho em Star Trek: Strange New Wolds

 

Tallinn (Orla Brady) é a "Observadora" designada para proteger Renée Picard e assegurar-se de que ela cumpra o seu papel na história

A Rainha Borg passa a controlar a mente de Jurati havendo uma disputa entre as duas


No computo final, a segunda temporada de Star Trek: Picard tem até um bom final com o fechamento do arco de Q com o protagonista. A entidade admite sempre ter considerado o capitão da Enterprise-D o seu único amigo - numa mostra de que “até os deuses tem os seus favoritos” -, o que ensina Picard a se perdoar de falhas passadas e poder se abrir para não ter um final de vida sozinho, podendo enxergar quem está realmente do seu lado. O grande problema foi o meio da trama que desperdiçou boas ideias com alongamentos desnecessários e soluções apressadas. 

 

A Rainha Bugati cria um pequeno exército para tomar La Sirena

 

Esperemos que a terceira e última temporada (já em andamento) feche melhor o arco deste grande ícone da ficção-científica que, até agora neste retorno, ainda não atingiu seu pleno potencial, a despeito de seu extraordinário intérprete. 


Ao final temos um brinde aos amigos ausentes




Notas:

 


*1: U.S.S. Stargazer (NCC-2893) é uma nave da classe Constelation e foi a primeira a ser  comandada por Jean-Luc Picard, aparecendo no episódio “A Batalha”, de Star Trek: A Nova Geração, (9° episódio da 1ᵃ temporada)

*2: a música é “Non, je ne regrette rien” (
“Não, eu não lamento nada”), cantada por Edith Piaf.

 


*3: Gary Seven (Robert Lansing) é o personagem de “Missão Terra” (26° episódio da 2ᵃ temporada da série clássica), em que Kirk, Spock e Cia, numa viagem temporal à Terra do século XX, descobrem um grupo de terrestres treinados por alienígenas para monitorar a evolução do planeta, orientando nos bastidores a evolução da humanidade. Era um projeto de outra série de Gene Rodenberry, que visualmente tinha pontos em comum com Doctor Who, mas que não vingou, embora anos depois tenha se tornado uma série de quadrinhos da editora IDW de bastante sucesso, feitas pela lenda viva  e grande fã de Star Trek John Byrne (X-Men, Quarteto Fantástico, Superman). 



*4: Na sala de troféus desta versão cruel de Picard, se destacam os crânios do cardassiano Ghul Dukat, do Grande Nagus dos Ferengi, do klingon General Martok e do vulcano Diretor Sarek, (pai de Spock), além de um crânio Borg (possivelmente uma Rainha) entre os de outras espécies que não consegui identificar. 

 

"Locutus!!! Como vai, sumido?!?"