terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Glamour de Opereta & Crime - Crítica - Filmes: Casa Gucci (2021)

 

Sorry... Is all that you can't say. Forgive me*.

por Ronald Lima


Ridley Scott 'reconstitui' uma história real




 *tradução: Sinto muito... É tudo que não posso dizer. Perdoe-me. 

#Oscar 2022

Ridley Scott  (O Último Duelo) dirige uma opereta baseada no livro The House of Gucci: a Sensational Story of Murder, Madness, Glamour and Greed, de Sara Gay Forden. A história é sobre o assassinato de Maurizio Gucci a mando de sua ex-esposa Patrizia Reggiani. Maurizio era dono do maior nº de ações da famosa marca de moda, foi responsável pela revitalização do nome Gucci*1 e descobridor do não menos famoso estilista de moda Tom Ford.  Se outras marcas se tornaram a Meca da Moda ou o Olimpo a Gucci será o Vaticano.

 

À esq. Adam Driver e Lady Gaga. Á dir. Maurizio Gucci e Patrizia Reggiani

 

Um filme muito aguardado devido a combinação de Ridley Scott com a estrela da música pop, Lady Gaga (Nasce uma Estrela) e o mais novo astro do estilo 'Novo Homem Comum', Adam Driver (O Último Duelo). O elenco conta ainda com Al Pacino (Era Uma Vez Em... Hollywood) interpretando Aldo Gucci, Jeremy Irons  (Liga da Justiça de Zack Snyder) como Rodolfo Gucci, um irreconhecível Jared Leto (Blade Runner 2049) como Paolo Gucci (lembram dele como o Coringa em Esquadrão Suicida?) e Salma Hayek (Eternos) numa pequena participação, interpretando Giuseppina “Pina” Auriemma, a vidente picareta que se torna cúmplice ao ajudar na elaboração do crime.


Na balada rola a "química do amor": "- Eu...é! bem... hã (nossa!) "

 
Há um grande desafio narrar a história de um assassinato quando a própria mentora afirmou que jamais contaria o verdadeiro motivo. No entanto basta prestar um pouco mais de atenção ao título do filme e perceber que nos será apresentado uma história sobre a família Gucci e não exatamente o enredo sobre crime e julgamentos e disputas sobre o que justificaria tal ação.
 
Casa Gucci (2021) é um filme bem cativante ao mostrar um bom equilíbrio entre os 5 personagens da história, o filme gira totalmente em torno deles e não há um favoritismo, todos os 5 são ótimos personagens e as atuações de cada ator muito convincentes, claro que sotaques em italiano realçam o clima de opereta do filme lembrando muito as telenovelas (Are Baba...). As qualidades e limitações da família Gucci estão todas ali conduzindo a história e sendo sincero o assassinato em si soa tão estranho quanto deve ter parecido à muitos no momento.
 

Madalina Ghenea interpreta Sophia Loren em uma rápida cena de House of Gucci


Como a história começa nos anos 70, Ridley Scott usa a narrativa de conflitos familiares muito comum em produções dessa época como Kramer versus Kramer e certamente O Poderoso Chefão, que apesar das trapaças entre os Gucci não acredito que chegariam a extremos como os Corleone, vejam o filme e me corrijam se eu estiver errado. Se de fato são assim, onde fica o assassinato? pois é!! 
É tão anômalo, quanto de fato o foi, e assim me parece.
 
A paleta de cores da fotografia de Darius Wolski (Raised by Wolves) é rica e os enquadramentos, em sua maioria contidos; há exceções quando o quadro passa para algumas mansões e villas e de fato tudo faz parecer com uma produção européia, que o desenho de produção de Arthur Max (O Conselheiro do Crime) e os sutis efeitos visuais da companhia MPC, criam ambientes que  funcionariam num bom filme italiano, caso fosse um pouco mais exagerado em mostrar um "espetáculo decadente"; mas essa produção é mais sutil em revelar a rixa familiar e o ciúme, a cada conversa entra um toque de desavença e manipulação. 
 
O exagero fica por conta da direção de arte de Cristina Onori ( O Último Duelo), Massivo Pauletto (Domina), Gianpaolo Rifino (Cyrano), Saverio Sammali (Dois Papas) e Jeremy Imaz King, que junto com a decoração de sets de Letizia Santucci (Mistério no Mediterrâneo) mostra detalhadamente o excesso das muitas bebidas, dos cigarros, carros esportes, casacos de pele, bolsas, vestidos, ternos e lingerie! Uma cena de sexo com Lady Gaga e Adam Driver une o contraste entre a sutileza das falas e o exagero no modo de ser, cena por sinal  bastante realista, mas sem mostrar nudez  ou vulgaridade. 
 

Figurinos de época sem cair no lugar comum como vestir todos com calça boca de sino
 
 
Do início dos anos 70 a meados dos anos 90, e você pode perceber a passagem do tempo pelos figurinos de Janty Yates (Gladiador) pois, examinando as roupas e os cortes de cabelo, junto à Música de Harry-Gregson Williams (O Último Duelo) cujas pistas musicais (David Bowie, Eurythmics, Blondie e vários outros) também ajudam, é igualmente interessante perceber as mudanças geo-econômicas através dos clientes e principalmente a evolução dessa empresa familiar em se tornar marca mundial ainda com a família no controle, e logo em seu auge desabar toda a família e o nome Gucci não pertencer mais a nenhum deles.
 
Escolher Pacino e Irons como irmãos foi inteligente, em suas carreiras, ambos são atores altamente experientes, às vezes quase autoparódicos, que existem em extremos opostos. Se Irons fosse mais frio, ele se cristalizaria. Se Pacino esquentasse ainda mais, ele explodiria em chamas.
 
 
Maurizio e seus modleitos: "Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento"

Para Rodolfo (Jeremy Irons), a marca Gucci é algo que só deve ser usada por nomes como Grace Kelly. Algo que meros mortais só deveriam ser capazes de usar em seus sonhos. "Nada de shoppings", ou então: "A qualidade é lembrada muito depois e o preço logo esquecido", sua imediata desaprovação com o relacionamento de seu filho Maurizio (Adam Driver) com Patrizia (Lady Gaga) o impede de enxergar o potencial de Maurizio para os negócios, e esse também não quer se envolver. Seu irmão Aldo (Al Pacino) vê claramente o potencial do sobrinho e a possibilidade de traze-lo para empresa através de Patrizia. Aldo lida com os negócios de maneira mais pragmática que o irmão, porém igualmente mantém a história da família e suas propriedades com muito zelo. A interpretação de ambos é ótima. Irons consegue causar dissabores sem perder a linha, impecavelmente educado e elegante que suas palavras rodeiam e conseguem apunhalar ao mesmo tempo, Aldo é mais direto  contudo não revela o que realmente planeja em seus trejeitos e olhares, apenas faz uso e sabe agradar.  Aldo é um manipulador? Um vendedor varejista ou de atacados é o que de fato ele é. Ele tentou unir a família e fez uso de tudo que estava a mão para tal feito porém não percebeu ou se importou que tenha criado expectativas e passado por cima delas.



 Aldo Gucci (Al Pacino): "É andata bene, anzi, benissimo"


Aldo tem um filho, Paolo, que se considera um gênio da moda, e tem muitas  características de gênio de fato - o anseio, os sonhos, a emoção - mas nenhum talento real, interpretado por Jared Leto. Leto certamente passou por demorado processo de maquiagem para interpretar o primo avoado de Maurizio, soltando fumaça de tabaco e se jogando em frases e expressões muito boas, expressa um afetado desprezo quando não é compreendido... "Boofh!"

Mas se Leto e Pacino são a face farsesca da moeda, encarnando perdedores (quase) adoráveis em suas concepções de mundo, o Rodolfo Gucci de Jeremy Irons é o lado mais sombrio dessa moeda. Mesmo com o seu limitado tempo de tela, sendo severo e intimidador, mas ao mesmo tempo, extravagante em seus trejeitos e decadente por sua cegueira em relação à própria obsolescência.


Paolo Gucci (Jared Leto): "- Finalmente estou livre para voar como os pombos!"


Quanto ao desajeitado e estudioso Maurizio, ele não está nem um pouco interessado em nada disso. Adam Driver o interpreta como um príncipe cuja vida é tão encantada que ele pode se dar ao luxo de ser indiferente - que pode se esconder e fingir ser mortal como o resto de nós. Driver é naturalmente ofuscado pelos personagens mais coloridos do filme, mas um dos pontos fortes do script está na sutileza de frases e situações quando por exemplo ele conversa com a filha e é interrompido bruscamente, tudo isso soma e permite que o endurecimento lento de Maurizio de soft boy a escorpião se desenvolva à vista de todos. Ele é a vítima mais literal desta história. Tranquilamente levaria sua vida de classe média junto com a esposa como de fato levou por um bom tempo ao deixar a Casa Gucci depois que casaram e foi se virando aceitando empregos bem comuns.
 
No centro do filme está Lady Gaga, interpretando uma decidida Patrizia beirando o pastiche quase uma caricatura e muito bem feita, está muito bem no papel. Ela conhece Maurizio Gucci em uma festa e é isso - é o cara dela! Na verdade naquele momento ela não sabe que ele é um dos herdeiros dos Gucci. Os opostos se atraem: ele é alto, ela é baixa. Ele é tímido, ela é ousada. Ele é aristocrático, ela é comum, eles formam um casal fofo (se fosse um outro filme...) e com seu jeito destemido ela de fato controla as ações do marido, isso faz parecer somente maldade mas há momentos em que realmente senti que ela queria entrar e ajudar mais. 

Salma Hayek faz o papel da vidente Giuseppina “Pina” Auriemma, que reforça os sonhos de grandeza de Patrizia, uma amizade se forma a partir de um momento de tédio onde Patrizia ao ver o anúncio de Pina na TV liga para buscar orientação e conforto ("ligue djá!"). Uma peça importante no quadro e uma  interpretação normal, discreta e sem muito esforço para uma atriz experiente como Salma Hayek.

Jack Huston é o advogado Domenico de Sole, advogado particular de Rodolfo Gucci e por fim de toda família. Pessoa presente em todas negociações e acordos principalmente após Maurizio assumir a grife Gucci. Peça importante no enredo funciona como um contraponto a presença de Pina, um pouco mais que isso na verdade.
 
Patrizia e seu lado festeiro: "- Olááá enfermeira!"
 
 
O roteiro de Becky Johnston (Sete Anos no Tibet) e Roberto Bentivegna (El otro lado) deixa claro que Patrizia Reggiani nunca poderia ser uma Gucci de verdade, pouco importando o quanto ela tentasse (e ela tentou, e muito mais do que o marido). Patrizia entendeu o quanto a Gucci podeira crescer e claro, ela e o esposo, juntos no comando. Fica claro que esta filha de uma família de classe média-alta nunca estaria à altura de ser uma parte legítima da maior dinastia de moda de luxo da Europa, e do Mundo. Um dos acertos do roteiro é evitar mencionar o trágico câncer que a verdadeira Patrizia Reggiani contraiu, preferiu expor a sua fragilidade numa cena muito tocante em que ela implora pela volta do casamento indo a Maurizio com um singelo álbum de fotos, e talvez pela 1ª vez sai de seus lábios um: "eu te amo" com todo peso que deveria ter.

durante as 2h37 de filme, graças à eficiente edição de Claire Simpson (Nine) , vivenciamos estes momentos duros ou agridoces mostrados de forma clara, como não sendo um mero acaso.


"Hellouu! Eu também sou um dos Gucci. O que realmente significa esse anel para você afinal?"

A escolha da canção de Tracy Chapman, na versão interpretada em conjunto com Luciano Pavarotti, para acompanhar as cenas finais de julgamento e a sentença dos acusados se encaixa perfeitamente nessa tentativa desesperada e por fim frustrada de reconciliação. A letra fala sobre perdão, fala sobre palavras certas que deveriam ter sido ditas na hora certa mas não ocorreu assim. Patrizia ao entrar em seu antigo apartamento ao ver a foto do marido o beija... Já é tarde demais*2. É provável que jamais saberemos o que motivou de fato a morte de Maurizio, há indícios no filme dos vários motivos, não acredito que tenha sido por dinheiro. A produção escolheu para fechar a trama o caminho do arrependimento tardio. De tudo que tiveram nas mãos é o que poderia restar. Um final bonito.
 

"-Isso não vai ficar assim não!!!" Patrizia e sua amiga, a "vidente"Giuseppina “Pina” Auriemma (Salma Hayek) tramam a morte de Maurizio


Ao final, Casa Gucci é entretenimento eficiente num nível muito imediato, ao ilustrar o ostentoso estilo de vida dos endinheirados. Desperta uma curiosidade estranha em cada um de nós em saber como é a vida daqueles que consideramos acima dos normais apenas por ter muito dinheiro. Scott é audacioso e usa esse instinto para nos jogar nesta sátira que critica de forma afiada a aristocracia rigidamente hereditária (representada pela Gucci), um sistema às portas do colapso, mas sustentado, ainda que tropegamente, pelas vigas capitalistas - e, antes de tudo, grotescamente cruel com quem compra o sonho de que é possível se içar ao topo dele movido à pura força de vontade. O evangelho da meritocracia é cruel.
 
"- Os anos passaram e ainda as palavras como desculpe-me ou perdoe-me não vêm tão facilmente"
 
 
Notas:
 
 
Origens: Paolo, Aldo e Rodolfo Gucci
 
*1: A história dos Gucci começa em 1899 quando um adolescente italiano chamado Guccio Gucci, foi trabalhar no luxuoso Savoy Hotel em Londres e ficou impressionado com a qualidade das malas de couro e outros adereços do mesmo material usados pelos nobres e os novos ricos da época que ali se hospedavam. Ao voltar para a Itália com os recursos ganhos e economizados decide aprender a trabalhar com couro para em seguida montar sua oficina buscando clientes na elite italiana. Anos mais tarde transforma sua empresa em um negócio familiar e dois de seus 4 filhos, Aldo e Rodolfo, expandem a marca, e alçam fama e fortuna quando estrelas de cinema como Grace Kelly e Sophia Loren adotam a grife, inclusive participando de inaugurações de várias lojas. Os Gucci passam a enxergar a si mesmos como integrantes de uma nobreza de sonhos.
 

*2: A “viúva negra”, como Reggiani ficou conhecida na época do crime, também ficou insatisfeita com a produção. “Estou bastante incomodada com o fato de Lady Gaga estar me interpretando no novo filme de Ridley Scott sem ter tido a consideração e a sensibilidade para vir me encontrar”, disse à agência de notícias italiana Ansa. “Não é uma questão econômica. Não vou ganhar um centavo com o filme”, completou. Reggiani está em liberdade desde 2016, após cumprir 17 anos da pena total de reclusão.
 
 

 

"Tuti buona gente"


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