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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Criador de mundos - In Memorian: William J. Creber


Arquiteto de mundos símios e humanos

por Alexandre César
(Originalmente postado em 20/ 08/ 2018)


Colaborador assíduo de Irwin Allen e além 
 
William J. Crebber: Lenda de Hollywood 



O primeiro filme da franquia O Planeta dos Macacos, lançado no final dos anos 60, é lembrado pelo incrível história com sua crítica social e política; Roddy MacDowall e os diversos macacos que interpretou com seu olhar marcante ao longo das produções na década seguinte e a maquiagem revolucionária (que imortalizou para sempre o nome de John Chambers). Mas ele também possui elementos cenográficos impressionantes, como a nave Icarus e a Cidade dos Macacos, com seu aspecto meio expressionismo alemão, meio escultura de barro. Ambos frutos da troca de idéias entre os roteiristas, os produtores e o diretor, elas foram materializadas pelos setores de arte, adereços, carpintaria e pintura artística, chefiados pelo Diretor de Arte e Desenhista de Produção William J. Creber. Los Angeles Califórnia, 26 de julho de 1931 - ✝ 7 de março de 2019.


"Planeta dos Macacos": a concepção visual da "Zona Proibida"


Concepção original da Cidade-Macaco. Inspirada no estilo do arquiteto catalão Antoni Gaudí e nas construções do Parque Nacional de Göreme, Turquia


Este Diretor de Arte e Desenhista de Produção norte-americano começou a sua carreira como projetista aprendiz. Seu primeiro crédito como diretor de arte foi o western Rio Conchos (1964, de Gordon Douglas). Foi ao longo de sua carreira indicado três vezes ao Oscar de Melhor Direção de Arte, pelos filmes: A Maior História de Todos os Tempos (1965, de George Stevens), O Destino do Poseidon (1972, de Ronald Neame) e Inferno na Torre (1974, de John Guillermin). Recebeu em 2004 um prêmio por conjunto de vida e obra da Art Directors Guild.


Os icônicos "Seaview" e o  "sub-voaodor" de "Viagem Ao Fundo do Mar"


Seus créditos também incluem O Planeta dos Macacos (1968, de Franklin J. Scahffner), Crime Sem Perdão (1968, de Gordon Douglas), Justine (1969, de George Cukor e Joseph Strick), O Resgate do Titanic (1977, de Stanley Kramer)*1, Street Fighter (1994, de Steven E.de Souza), Duro de Espiar (1996, de Rick Friedberg), entre outros.

 

O Destino do Poseidon (1972): O cenário virava cerca de 45%, sendo maquiado depois para que o piso parecesse o teto pois era simétrico 

 

Dentre seus trabalhos em televisão destacam-se suas contribuições nos seriados de Irwin Allen, incluido uma nomeação para o Emmy por por Viagem ao Fundo do Mar (redesenhou o submarino Seaview na segunda temporada e criou o design do sub-voador), Perdidos no Espaço *2 e O Túnel do Tempo.

 

"Inferno na Torre" (1974): A perfeita tradução da ideia na construção cenográfica
Os cenários anguloso traduzem o mundo corporativo e tecnicista


Um de seus últimos trabalhos como designer de produção em televisão foi Construindo Um Sonho (2001, de Gregg Champion), estrelado por Sidney Poitier. Creber ganhou o prêmio do Grêmio dos Diretores de Arte por excelência na direção de arte em filmes ou mini-séries para a TV.


"O Resgate do Titanic" (1977): Supervisionando a construção da "miniatura" de 17 metros do navio


Paralelo a seu trabalho em televisão, projetou e supervisionou a construção das ruas cenográficas de Nova York e das ruas residenciais para a Disney-MGM Studios, em Lake Buena Vista, Florida. Creber era membro do Guia do setor de Diretores de Arte da Academy of Motion Picture Arts and Sciences of Hollywood.


"Planeta dos Macacos" (1968). Com os modelos dos prédios cenográficos  da "Cidade Macaco"

Entre os primeiros esboços como diretor de arte durante a preparação para O Planeta dos Macacos, ele desenhou a cidade na qual os macacos inteligentes viviam. No estágio inicial da produção, seguindo o roteiro de Rod Serling, a cidade era visualizada como uma moderna metrópole, tal como a descrita no livro original. “Nós exploramos várias idéias, inclusive filmar em Brasília, e usar o seu moderno e estranho visual. Arthur Jacobs não aprovou de nenhuma delas, apesar de gostar dos esboços e desenhos de produção”.

 

A Cidade-Macaco construída no Fox Ranch (atual Creek State Park): estruturas de vergalhão e papelão, revestidas com um material experimental na época - o poliuretano -, além de fibra de vidro e cimento

 
Após essa concepção ter sido rejeitada por sua confecção ser muito cara, os cenários foram alterados para refletir uma sociedade primitiva - talvez medieval. O problema apresentado foi: “qual o grau de primitivismo que uma civilização de macacos refletiria nesta cidade?”. Michael Wilson, o sucessor de Serling como roteirista, sugeriu tomar como inspiração a obra do arquiteto catalão Antonio Gaudí: “Olhamos para o trabalho de Gaudí e uma cidade na Turquia escavada na rocha chamada Parque Nacional de Göreme, e essas concepções ajudaram, mas não nos dava uma ideia estrutural para a construção. O estúdio na época estava experimentando uma substância chamada espuma de poliuretano, e um dia, alguns amigos tentaram construir alguma coisa pulverizando essa espuma sobre uma estrutura de papelão e conseguimos o exato visual que procurávamos.”

 

Os prédios mais afastados tinham um efeito da "perspectiva forçada" para criar a ilusão da cidade cenográfica ser maior do que era de fato


A segunda consideração foi em torno do final impactante do roteiro de Serling - aquele planeta de fato era a Terra! Isso iria requerer que a audiência, de início, não reconhecesse aquele planeta como o seu próprio: "O nosso objetivo era achar algo realmente original e diferente, numa linha oposta à concepção do livro de Pierre Boulle, que se passava num ambiente com visual contemporâneo. Mas quando surgiu a ideia da cena da Estátua da Liberdade, ficou evidente de que necessitávamos providenciar uma concepção que não indicasse de forma alguma que eles estivessem na Terra, para reforçar o impacto dramático da cena final.”


Cenário da Assembléia da Cidade-Macaco, durante sua construção 


Quando se estabeleceu o novo visual arquitetônico da cidade-macaco, a etapa seguinte era como concretizar aquele cenário.

 “Esculpimos o os prédios, usando modelos de 1/4 de polegada como referência, construindo os prédios cenográficos com hastes (vergalhões) soldadas, cobertas com papelão e pulverizadas com poliuretano. Mas não tínhamos o equipamento suficiente e nós não conseguíamos fazer tudo dentro do tempo de reação do material. Então nós usamos fibra de vidro para plastificar e cimento de construção sobre o poliuretano. Isto se mostrou satisfatoriamente resistente”.


O Museu da Ciência em "Planeta dos Macacos": influência do Expressionismo Alemão nas angulações dos interiores


 Um outro problema relatado na produção foi encontrar uma locação de aspecto ‘extraterrestre’: "Eu havia trabalhado em Utah quando filmava A Maior História de Todos os Tempos, e sempre achava que ali era uma locação perfeita para um filme de ficção-científica. Não tinha ideia do que poderia ser usada - e de fato nem foi minha sugestão! Foi dica de Jack Martin Smith, chefe do Departamento de Arte."


"De Volta ao Planeta dos Macacos" (1970). Fazer maior, com orçamento menor...


No segundo filme, De Volta ao Planeta dos Macacos, o departamento de arte foi desafiado a representar as ruínas da cidade de Nova York, já que foi mostrada a Estátua da Liberdade na cena final do primeiro filme: ”Para as ruínas De Volta usamos fotos atuais dos lugares, e as cortamos com lâminas de barbear, e o departamento de efeitos especiais fizeram máscaras delas para tomadas com matte paintings (cenários pintados em vidro, muito realísticos)”.

 

As escadarias de "Hello Dolly!", recicladas...


"A ‘Igreja’ dos mutantes foi propositalmente assimétrica e sem equilíbrio. Este foi um set pesado, e eu tive a ajuda de muita gente nele. Usamos como cenário de suporte os Jardins da Harmonia de Hello, Dolly! (1969, de Gene Kelly) e o reformamos, pulverizando sua superfície com espuma de poliuretano. O cenário da Grand Estação Central de Dolly!, foi usado também , para a cena do tribunal."


O "Coral Mutante". Louvados sejam os depósitos de materiais cenográficos...


O terceiro e último filme de Creber na saga dos macacos demandou bem menos trabalho em termos de cenários de ficção-científica. Afinal este foi o único que usou locações contemporâneas. E no fim acabou sendo o favorito do diretor de arte: “Por mais que eu tenha gostado do primeiro filme, o meu projeto favorito foi o terceiro. E eu acho que foi um filme muito melhor do que o segundo. No segundo, perdeu-se o verdadeiro relacionamento entre os macacos e os humanos, que Fuga do Planeta dos Macacos tinha.”

 

Um dos objetivos era reconstruir locais referenciais de Nova York, que fossem facilmente identificáveis pelo público


Posteriormente aqueles magníficos cenários tiveram alguns de seus elementos reaproveitados pelo seriado de TV baseados nos filmes (veja sobre ele também aqui). Na maior parte do tempo eles aparecem em cenas panorâmicas tiradas dos longa-metragens para situar a capital da cidade dos macacos. No final da década de 1970, os últimos resquícios dos prédios da cidade já haviam sido demolidos, liberando a região para ser usada como locação em outras produções da Fox. Mas a incrível cidade símia concebida por Creber e equipe, sempre permanecerá com suas curvas e realidade táctil num lugar especial em nossa memória, como um dos grandes mundos de sonhos e pesadelos criados pela imaginação humana.


Algumas estruturas foram recicladas para o seriado, mas até o final da década de 1970, tudo já havia sido destruído, liberando o espaço para outras filmagens


Notas:
 
A mega-maquete usada no filme, na época a maior já feita


*1: Originalmente o filme começou sendo dirigido por Stanley Kramer, mas pouco depois de finda a pré-produção, discussões criativas levaram a sua demissão pelo produtor Sir Lew Grade, que o trocou por Jerry Jameson, sendo Creber pouco depois, substituído por John DeCuir.
 
 


*2: Creber foi o designer de produção do piloto original, que iria para o cinema, sendo bem diferente da série, inclusive não existindo o personagem Dr. Zachary Smith, mas Irwin Allen achou melhor remodelar o filme numa série, e o resto é história.





sábado, 26 de agosto de 2023

Diretor Destemido de Grandes Produções - In Memorian: Franklin J. Schaffner

 


Artesão meticuloso da narrativa

por Alexandre César
(Originalmente postado em 13/ 08/ 2018)


Dos palcos às telas, ele conhecia bem o seu ofício

  #PlanetaDosMacacos55Anos

Franklin J. Schaffner: Trajetória que começa no documentário, passa para a TV, depois para o teatro e finalmente o cinema


Numa época, em que a iniciante indústria da TV ainda utilizava as câmeras numa posição estática, ele já dava vazão ao seu olhar para visuais dinâmicos, passeando de um formato de narrativa à outro, sempre com segurança no ofício de contar uma história.  

 Franklin James Schaffner (⭐ Tóquio, em 30 de maio de 1920 – ✝ Santa Monica, 2 de julho de 1989) foi um premiado diretor de cinema norte-americano, cujo olhar para narrativas foi desenvolvido nas dúzias de programas ao vivo que dirigiu, conseguindo fazer a câmera acompanhar o movimento da narrativa, sendo uma das mais inovadoras e criativas mentes deste período.  


Joanne Woodward em "Vênus à Venda" (1963): estreia no cinema

Nascido a 30 de maio de 1920, em Tóquio, filho de missionários protestantes americanos, nos EUA com cinco anos, instalando-se em Lancaster, onde já participou na escola de atividades teatrais. Em 1943, formou-se em Direito pela Universidade de Columbia, mas não exerceu a profissão, pois em seguida entrou para o exército americano, participando da Segunda Guerra Mundial. Ele serviu com as forças aliadas na Europa e norte da África. Próximo ao fim da guerra ele foi enviado para o Extremo Oriente, a fim de servir no Escritório de Serviços Estratégicos - a OSS, o serviço de inteligência norte-americana durante a 2ª Guerra.

"Vassalos da Ambição"(1964). A disputa política pelo poder com seus desdobramentos e o seu "vale-tudo"

Depois da Guerra se tornou um dos diretores que realizaram os documentários para o cinema da série March of Time. A seguir ingressou na então nascente rede de TV CBS, sendo um de seus primeiros diretores. Dirigiu inúmeras peças de teleteatro e séries, como Tales of Tomorrow (1951). Ele ganhou o Emmy de direção em 1954 por seu trabalho  por Twelve Angry Men, episódio do programa Studio One que foi transmito ao vivo. Mais tarde, Reginaldo Rose, o autor do roteiro, o adaptou para o teatro e para o cinema - o clássico Doze Homens e Uma Sentença (1957, de Sidney Lumet). 

 

"O Senhor da Guerra" (1965). Maurice Evans (esq.) e Charlton Heston (à frente) sob as ordens de Schaffner antes de serem Zaius e Taylor

Schaffner ganhou mais dois prêmios Emmy por seu trabalho na adaptação para a televisão, em 1955 da peça teatral da Broadway The Caine Mutiny Court Martial, mostrado na antológica série Ford Star Jubilee. A peça já havia sido adaptada para o cinema com o nome de A Nave da Revolta (1954, de Edward Dmytryk). Ele ganhou seu quarto Prêmio Emmy por seu trabalho na série de TV por seu trabalho na série de TV Os Defensores (1961-1965). O sucesso televisivo levou-o à Broadway, onde dirigiu algumas peças. 

 

"Dois Homens Iguais" (1967) Yul Brynner em dobro

O conhecido produtor e roteirista Jerry Wald convidou-o a ingressar no Cinema para dirigir Vênus à Venda (1963), estrelado por Joanne Woodward. O filme é uma adaptação da peça . O filme é uma adaptação da peça The Stripper, de William Inge. O filme não foi bem sucedido comercialmente, o mesmo ocorrendo com o seu filme seguinte, Vassalos da Ambição (1964). Baseado numa peça de Gore Vidal, o filme retrata o lado negro dos bastidores das candidaturas presidenciais, com uma excelente interpretação de Henry Fonda e críticas favoráveis. 

A consagração: Instruindo um gorila a como ser brutal com Charlton Heston (amordaçado) em "O Planta dos Macacos" (1968)


Em 1965 veio finalmente o sucesso no cinema com O Senhor da Guerra, estrelado por Charlton Heston e Richard Boone, e o thriller Dois Homens Iguais (1967), com Yul Brynner. Sua carreira estava em ascenção, e logo, atingiria o auge...

 

"Patton, Rebelde ou Herói?" (1970). Roteiro de Francis Ford Coppola e interpretação icônica de George C. Scott

Foi pela pressão de Heston que os executivos da 20th Century Fox o escolheram para dirigir em 1968 o grande sucesso O Planeta dos Macacos (mais sobre o filme e boa parte de tudo dele derivado, veja aqui). O sucesso de público e crítica convenceu os produtores a entregar-lhe a direção de um projeto mais ambicioso:  Patton: Rebelde ou Herói? (1970), relato biográfico do famoso e excêntrico general americano que se destacou no curso da Segunda Grande Guerra. O protagonista foi magistralmente interpretado por George C. Scott, que recusou o , que recusou o Oscar que receberia pelo trabalho por não concordar com premiações. 

 

Michael Jayston e Janet  Suzman como o casal imperial de "Nicholas e Alexandra" (1971). Oluxo e a decadência do Império Russo às vésperas da Revolução Bolchevique


O sucesso deste filme rendeu sete estatuetas na premiação da academia, incluindo melhor filme e melhor diretor para Schaffner. Com isso ele continuou a ser escalado para produções ambiciosas, como Nicholas e Alexandra (1971), sobre o final da dinastia Romanov e do império na Rússia, Pappillon (1973), que adapta a história apresentada como real do ex-fuzileiro francês Henri Charrière e suas tentativas de fuga da prisão da Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. O filme com as atuações de Steve McQueen e Dustin Hoffman. Outras produções grandiosas a seu cargo foram o drama A Ilha do Adeus (1976), baseado num livro de Ernest Hemingway, e o duelo interpretativo entre Laurence Olivier e Gregory Peck em em Os Meninos do Brasil (1978), adaptando o romance de Ira Levin.

 

Dustin Hoffman e Steve McQueen em "Papillon"(1973). Relato seco e vigoroso

Após este filme a sua carreira entraria em decadência. Faria ainda A Esfinge (1980), baseado no livro de Robin Cook, com Lesley-Anne Down e Frank Langella; Uma Voz Para Milhões (1982), drama romântico com Luciano Pavarotti; A Grande Cruzada (1987), aventura histórica com Bruce Purchase, e Regresso do Vietnã (1989) drama com Kris Kristoferson e Jobeth Williams. Este último ele não chegou a ver lançado, pois morreu de câncer no esôfago antes da sua finalização.


George C.Scott e Claire Bloom no belo, melancólico e poético "A Ilha do Adeus" (1976)


Um de seus habituais colaboradores foi o grande compositor Jerry Goldsmith, responsável pela trilha sonora para muitos de seus filmes, inclusive para O Planeta dos Macacos, Papillon e e Os Meninos do Brasil.

 

Laurence Olivier (acima) e Gregory Peck (abaixo) num duelo interpretativo e físico em "Os Meninos do Brasil" (1978)


Schaffner foi indicado oito vezes para o Oscar de Melhor Diretor, mas ganhou apenas uma vez, em 1970 por Patton: Rebelde ou Herói?. Foi também diretor de mais de 150 trabalhos entre filmes para a televisão, programas de entrevistas e teleteatros. Ele presidiu a Associação de Diretores de Cinema dos Estados Unidos em 1987 e foi membro do Conselho Nacional de Artes. Morreu em 2 de julho de 1989 e foi sepultado no Cemitério Parque Westwood Village Memorial em Westwood, Los Angeles, Califórnia.

 

John Gieugud e Lesley-Anne Down em "A Esfinge" (1981): o início da decadência


 

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Sua excelência o alienígena - In Memorian: Michael Rennie


Gentleman do tempo e do espaço

por Alexandre César


Um peso-pesado dos atores coadjuvantes



“Algumas pessoas que fazem filmes em Hollywood não são mentes excepcionais. Eu não consigo entender como as suas mentes trabalham.”
Michael Rennie

Alto (1,92 m), esguio e elegante, com um semblante que passava uma ideia de segurança e equilíbrio, mas sem deixar de ser firme quando necessário. Alguém que poderia tanto dialogar com figuras de autoridade, e não se deixar intimidar por elas, mas também de falar com pessoas comuns, sem fazê-las se sentirem diminuídas, fazendo o bom sendo prevalecer, ou então, enganar a todos com uma máscara de integridade e levar a todos à ruína. As duas faces da moeda.
 

Na época da guerra na RAF, e depois, já um astro consagrado



Atores e atrizes, normalmente passam bom tempo de suas vidas treinando para serem capazes de interpretar diferentes personagens e assim, serem capazes de transmitir as emoções que sentem ao longo da história (seja no palco ou nas telas) para os espectadores. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil e por isso, os responsáveis pelo casting costumam ser muito rigorosos e específicos com o perfil que procuram, dando preferência para aqueles que tanto possam ser bons protagonistas, quanto coadjuvantes de peso. Fosse no time dos heróis, ou como um dos vilões, Michael Rennie ( 25 de agosto de 1909 — 10 de junho de 1971) teve muito sucesso ao longo de sua vida, desempenhando papéis diversos em filmes e séries de TV.
 
Reiniciando a carreira em "The Wicked Lady" (1946)


Nascido Eric Alexander Rennie, sendo filho de Edith Amelia (Dobby) e de James Alexander Rennie (não o ator James Rennie), que operava uma fábrica de lã centenária. Seu tataravô John Rennie, projetou e construiu a Nova Ponte de Londres. Ele é mais conhecido por seu papel do alienígena Klaatu, no filme O Dia Em Que A Terra Parou (The Day the Earth Stood Still - 1951) de Robert Wise, mas sua carreira inclui mais de 50 filmes, desde 1936, tendo uma interrupção durante a 2ª Guerra Mundial, retomando anos depois, com afinco e determinação. Tendo participado no total de cerca de 50 filmes no cinema e TV, além de participações em algumas tele séries, entre um filme e outro.
 

Consagração: Com o robô Gort (Lock Martin) como Klaatu em "O Dia Em Que A Terra Parou" (1951)

 
Natural de Bradford (Inglaterra), ele mudou-se para Harrogate nos primeiros anos de vida, onde frequentou e se formou na Leys School em Cambridge, quando se tornou ator, aparecendo em produções de repertório em Wakefield. Um encontro com o diretor de elenco da Gaumont-British Studios deu o primeiro papel a Rennie - como stand-in de Robert Young em Agente Secreto (1936) dirigido por Alfred Hitchcock. Após trabalhar em mais alguns filmes, irrompeu a Segunda Guerra Mundial em 1939. Rennie então, integrou-se à RAF (Royal Air Force - Real Força Aérea britânica) em 1941, treinando como piloto de caça nos Estados Unidos sob o Esquema de Arnold*1. Enquanto servia no Campo Napier em Dothan, Alabama, para seu treinamento de vôo avançado, numa ocasião, foi indagado por seu parceiro de treinamento, o escocês Jack Morton, sobre o que ele fazia na vida civil. Rennie disse a Morton e aos outros pilotos reunidos ao redor que ele era um ator de filmes. Eles o encararam com descrença, e então estouraram num coro de gargalhadas. Algumas noites depois, Rennie e seus colegas de classe foram a cidade ver um filme, Navio com Asas (1941). Não havia muito se iniciado o filme, e para a grande surpresa daqueles sentados com ele, Rennie apareceu na tela como o piloto da Marinha Real Tenente Maxwell. Nada como a vida para rebater a zombaria...
 

Com James Robertson Justice, em O Implacável (1952), como Jean Valjean , adaptação de Os Miseráveis de Victor Hugo
 
 
Dando baixa ao final do conflito. ele não começou a buscar ativamente a atuar até seus 29 anos, vivendo uma vida desejosa por viagens antes disso, sendo antes vendedor de carros, até desistir após um ano (quando não conseguiu vender um único sequer). Também foi o gerente de uma fábrica de cordas de seu tio, uma atividade que também não foi muito promissora...
 
 
Com Richard Burton em "O Manto Sagrado (1953), como o Apóstolo João


Colocando sua carreira em filmes em espera por alguns anos para ganhar alguma experiência interpretativa no palco, ele foi trabalhando em companhias de repertório em York e Windsor. Voltando aos filmes, enquanto atuava no Gainsborough Studios, ele foi visto por Maurice Ostrer, chefe executivo do estúdio e, gostando do que via, Maurice imediatamente o escalou para contracenar com Margaret Lockwood em I'll Be Your Sweetheart (1945) e depois em The Wicked La-dy (1946). Após fazer The Black Rose (1950).
 
Com o amigo Tyrone Power na aventura colonial "Rebelião na Índia" (1953)

 
Retornou a Hollywood em 1950 e assinou um contrato com o chefe do estúdio 20th Century Fox Darryl F. Zanuck, sendo escalado para o seu mais popular papel como Klaatu no clássico de ficção-científica O Dia em que a Terra Parou (1951), quando Claude Rains, a primeira escolha do diretor Robert Wise, não estava disponível. O filme, apesar da ótima química entre Rennie e Patricia Neal teve cortada uma cena em que mostrava o (seu sempre contido) personagem aliení-gena num estado emotivo, pois isto desviaria o foco da audiência da mensagem do filme. Decisão acertada, colocando um diferencial no filme, que funciona até hoje, além de deixar Rennie eternamente ligado aos gêneros Aventura e Ficção Científica, sendo comum vermos seu nome no elenco de filmes desses gêneros.
 
 
Momento descontraído em "A Princesa do Nilo" (1954), com Jeffrey Hunter e Debra Paget
 
 
Durante seu período na 20th Century Fox, onde trabalhou como ator coadjuvante por oito anos, tornou-se grande amigo de Tyrone Power, aparecendo em muitos de seus filmes, incluindo A Rosa Negra (1950) e Jamais Te Esquecerei (1951). É lembrado nesta fase como Jean Valjean em O Implacável (1952), adaptação de Os Miseráveis de Victor Hugo; como o apóstolo Pedro em O Manto Sagrado (1953) e na sua continuação Demetrius, o Gladiador (1954); como o Marques de Bernadotte em Desirée, o Amor de Napoleão, com Marlon Brando como Napoleão Bonaparte, e o guerreiro Rama Khan em A Princesa do Nilo (ambos de1954); o Inspetor da Polícia Marítima de Hong Kong Merryweather em O Aventureiro de Hong Kong com Clark Gable; As Chuvas de Ranchipur com Richard Burton (ambos de 1955); o drama racial-colonial Ilha nos Trópicos com James Mason e a aventura no estilo Mil e Uma Noites As Aventuras de Omar Khayyan (ambos de 1957) como o vilão Hasani Sabah, além de outros filmes menores, inclusos no período do contrato.
 
 
 Entre Richard Burton e Lana Turner em "As Chuvas de Ranchipur" (1955)
 
 
Findo o contrato com a Fox, retornou à Inglaterra em 1959. Nesta época, fêz O Terceiro Homem da Montanha (1959) produção da Disney, e teve o papel principal de Harry Lime na série televisiva The Third Man, baseado na obra de Grahan Greene*2. Paralelo à sua carreira, ele fêz numerosas participações especiais na televisão, particularmente em programas americanos. 
 

Com Clark Gable "O Aventureiro de Hong Kong" (1955)

 
A despeito de sua constituição esguia, era excelente nos esportes (remo, esgrima, cricket, boxe, luta livre, natação) o que lhe permitia fazer tanto papéis mais cerebrais, quanto mais de ação. Retornou ao fantástico neste período, quando foi um dos protagonistas de O Mundo Perdido (1960) de Irwin Allen, com Claude Rains e David Hedison.
 
Com Patricia Owens e James Mason no drama racial "Ilha nos Trópicos" (1957)
 
 
Entre os filmes no cinema e na televisão, desde a década de 1950, atuou em várias séries de televisivas, tendo mais lembrado por suas participações em Batman (como o vilão Sandman); Daniel Boone (como um oficial britânico), Bonanza, O Homem de Virgínia, Rota 66, O Agente da U.N.C.L.E., Os Destemidos, Perdidos no Espaço (onde interpretou o Colecionador); no episódio piloto de Túnel do Tempo*3 (1966), que usou cenas de estoque do filme Náufragos do Titanic de Jean Negulesco (1953) onde ele foi o narrador não visto (e não creditado) treze anos antes; Os Invasores, (onde fêz dois personagens que eram como que versões malinas de Klaatu), entre outros. 
 

Em "O Mundo Perdido" (1960) de Irwin Allen, com Jay Novello,Fernando Lamas, Claude Rains, Vitina Marcus, Richard Haydin, Jill St. John e David Hedison


Um fumante inveterado, Rennie teve problemas respiratórios por muitos anos. Durante a temporada na Broadway da comédia "Mary, Mary" no início dos anos 1960s, ele foi hospitalizado várias vezes; mas isto não o evitou de ser contratado para repetir seu papel na versão cinematográfica, Mary, Mary (1963). Devido a esses problemas, embora com um carreira estabelecida, começa aqui a sua decadência, tendo ainda entre filmes menores, participado da ficção-científica Cyborg 2067 (1966) um quase pré-O Exterminador do Futuro, Integrou o elenco estelar do drama Hotel de Luxo (1967), a ficção-científica Os Poderosos (1968) com George Hamilton, e A Batalha de El Alamein (1969) que, devido à seus problemas crônicos de saúde, teve a sua voz dublada, embora seja lembrado por sua ótima recriação do Marechal de Campo Montgomery. Similarmente, sua própria voz não é ouvida na trilha de diálogos em língua inglesa do seu último filme "Die Screaming, Marianne" de 1971.


Como o 'Colecionador' em "Perdidos no Espaço"

Vida pessoal
 
“Suponho que as mulheres me achem atraente porque eu sou polido, charmoso, cortês... um cava-lheiro. Minha reputação romântica é um exagero. A realidade é um pouco diferente.”
Michael Rennie
 
Após ter aparecido em Cartas Venenosas (1951) do diretor Otto Preminger, Michael Rennie também foi brevemente noivo de Mary Gardner, ex-esposa do diretor de Preminger. Em 1959, Preminger estava se divorciando de Mary e alegou que Rennie estava tendo um caso com ela.
 

Como o Marechal de Campo Montgomery em "A Batalha de El Alamein"(1969)


Foi casado com Joan Phyllis England de 1938 a 1944 tendo se divorciado sem problemas, e com Maggie Rennie de 1 de outubro de 1946 até seu divórcio em 18 de maio de 1960, tendo um filho, David Rennie (nascido em 1953), foi até maio de 2020, juiz da Suprema Corte do Reino Unido no circuito de Lewes, Sussex.
 
 
Como um 'pré-Schwarzenegger' no trash "Cyborg 2067" (1966)

 
Michael Rennie teve um filho, John Marshall (nascido em 1944), com sua amiga e amante de longa data, Renée (née Gilbert), cujo nome de casada posterior era Taylor. Renée era irmã do diretor britânico Lewis Gilbert. Durante os anos da guerra, eles viveram em apartamentos próximos, na White House em Albany Street, perto do Regent's Park em Londres (agora um hotel). 
 
 
Com Linda Darnell em "Cartas Venenosas" (1951) de Otto Preminger

 
Embora Rennie tenha se oferecido para aceitar a paternidade ao descobrir a notícia de sua gravidez, Renée recusou, já que não estava disposta a comprometer seu crescente sucesso como protagonista romântica em grandes filmes. No entanto, Rennie sempre se manteve atento sobre John Marshall ao longo dos anos, mesmo depois de seu casamento com Maggie McGrath, e ambas as famílias mantiveram contato constante até a morte de Rennie, tendo tanto Renée quanto Maggie se tornado grandes amigas, e os filhos se tornado muito chegados. 
 
Como o 'vilão especialmente convidado' "Sandaman" em "Batman" (1966)

 
Coincidentemente, o banco de dados do British Film Institute lista Rennie como tendo um filho, John M. Taylor, que é descrito como "um produtor". John Marshall Rennie usou o pseudônimo "Taylor" durante sua longa carreira na indústria para evitar acusações de nepotismo.
 
com sua segunda esposa Maggie McGrath, (depois Maggie Rennie)

 
Morte e legado
 
Viveu seus anos finais em Genebra, Suíça, e faleceu na casa de sua mãe na Inglaterra, em 10 de junho de 1971, aos 62 anos de idade, quando a visitava por ocasião da morte de seu irmão. Seu corpo foi cremado e suas cinzas foram enterradas no Cemitério de Harlow Hill, em Harrogate, North Yorkshire, Inglaterra.
 
Com Renée (née Gilbert) e seu segundo filho John Marshall quando bebê

Uma prova de sua presença no imaginário Pop é a citação na canção "Science Fiction - Double Feature" do clássico teatral Rock Horror Show de 1973 de Jim Sharman, que depois o transporia às telas como The Rock Horror Picture Show (1975) onde ele é citado nos versos iniciais cantados por Richard O´Brien:
"Michael Rennie was ill the day the earth stood still 
But he told us where we stand"*4
 
Ao final, Michael Rennie passou por sua vida deixando o legado de um trabalho bem realizado tanto no plano pessoal quanto no profissional, pois mesmo quando não era o foco principal das atenções em cena, sempre contribuía com a sua aura de inteligência, equilíbrio e bom-senso, indelevelmente associado na cultura pop com personagens de aventuras fantásticas.
 
 
Em "Daniel Boone" como um famigerado oficial Inglês

 
Só podemos imaginar, caso ele tivesse participado da Star Trek clássica, que vulcano, ou outro tipo de alienígena, ele não teria sido...
 

Com Roy Thinnes em "Os Invasores", como um 'Klaatu do mal'




Notas:



*1: "Esquema de Arnold”: Plano de treinamento de pilotos ingleses desenvolvido pelo General Henry H. Arnold, chefe do United States Army Air Corps como parte do esforço de guerra aliado contra o avanço da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
 

Orson Welles como Harry Lime no filme de 1949


*2: O Terceiro Homem: Livro que inspirou o filme de 1949 dirigido por Carol Reed, Um escritor americano Holly Martins (Joseph Cotten) chega a Viena, após a Segunda Guerra, e descobre que seu amigo Harry Lime (Orson Welles) foi morto sob circunstâncias misteriosas. Ele passa a investigar o caso e descobre várias inconsistências nas explicações dos amigos de Harry. No livro, e no filme é revelado o envolvimento de Lime em esquemas escusos de contrabando. Também no elenco, Alida Valli, Trevor Howard. Diferente do filme, na série, o cativante Harry Lime é um anti-herói, ajudando as autoridades em tramas de espionagem graças a suas conexões no submundo.
 
 

*3: Ele interpretou o papel do capitão Capt. Edward J. Smith (erroneamente identificado nos créditos como Malcolm Smith).
 
*4: Tradução: "Michael Rennie estava doente no dia em que a terra parou
                          Mas ele nos disse onde estamos"
 
 
"Eu vim em paz, seus primitivos..."