O Assombroso Multiverso!!!

Dr. Estranho de Sam Raimi traz o terror ao UCM.

As Muitas Faces da Lua

Spector, Grant, Cavaleiro da Lua, as múltiplas personalidades do avatar de Konshu.

Adeus, Mestre.

George Perez e sua fantástica trajetória.

Eu sou as sombras.

The Batman, de Matt Reeves, recria o universo sombrio do Homem-Morcego.

Ser legal não está com nada...Ou está?

Lobo, Tubarão, Aranha, Cobra, Piranha...Que medo!!! Mas eles querem mudar isso.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Alinhado e rápido no gatilho - Clássicos da Tv - Bat Masterson

 


No Velho Oeste ele nasceu.... ♪♫ E entre os bravos se criou ♪♫ Seu nome lenda se tornou ♪♫ Bat Masterson ♪♫ Bat Masterson ♪♫


por Ronald Lima
(Originalmente publicado em 22/08/2020)

 O cavalheiro do oeste marcou toda uma geração de espectadores


“Um gentleman segue a rota ao oeste do Mississippi, sempre a procura de aventura e belas mulheres”

A procura de uma mesa de pôquer: Bat Masterson (Gene Barry) era o perfeito contraste da finesse face à vida rude do velho oeste...


Bat Masterson (television) era muito elegante. Em geral com um distinto terno e colete de seda, portando um estiloso chapéu coco (Derby hat), gravata sulista e a sua inseparável bengala com acabamento em ouro no topo. Se não estivesse de terno ou jaqueta usava uma camisa de linho bem engomada.

 

Vinheta da abertura de Bat Marsterson, simples e elegante como o personagem


Bat Masterson era um talentoso jogador de pôquer no Velho Oeste e perfeito cavalheiro com as mulheres. Devido a tais atributos era sempre visto com maus olhos pelos vaqueiros, pistoleiros e arruaceiros da região, que faziam pouco caso de seu estilo "almofadinha".

 

Galanteador: O personagem sabia como encantar as damas com o seu jeito elegante


O que eles não sabiam era que Bat Masterson era um grande pistoleiro, e tinha duas armas secretas: uma pequena pistola de bolso escondida (além da que ele deixava a vista) e sua aparente e inofensiva bengala, que ele manuseava no melhor estilo Demolidor da Marvel para desarmar um oponente. Além disso, sabia usar bem os punhos quando necessário. Porém preferia utilizar sua inteligência aliada a uma grande fleuma.

 Estava sempre pronto a ajudar alguém injustiçado. Principalmente se fosse uma linda mulher indefesa.

 

Oh! E agora? Quem poderá nos defender? Eu! Ah! É o Bat Masterson!! Não contavam com a minha astúcia! De fato...


Bat Masterson foi interpretado pelo ator norte-americano Gene Barry (14/06/1919- 9/12/2009) durante os 108 episódios em três temporadas de 1958 a 1961 da série exibida pela NBC, produzida pela Ziv Television Productions e exibida originalmente nos Estados Unidos entre 8 de outubro de 1958 e 1º de junho de 1961. Estreou no Brasil no início de 1961. Era exibido em São Paulo, pela TV Record, às 22h10 de sexta-feira e no Rio de Janeiro, pela TV Rio, às 19h50 de domingo.


em raras ocasiões víamos Bat Marsterson: usando trajes menos sociais, mais adequados à dura realidade do Velho Oeste



O pistoleiro também era personagem constante em outra série da época: The Life And Legend Of Wyatt Earp, realizada pela ABC Television Network, interpretado pelo ator Mason Dinehart. Afinal ele existiu de fato. William Barclay Masterson foi uma figura real da história do Velho Oeste dos E.U.A. mas os dois personagens em ambas as séries receberam um tratamento diferenciado da figura histórica. A produção da NBC foi mais fiel ao visual de Barclay, que foi mesmo um jogador.

 

Bat Marsterson sabia alternar o uso da bengala quanto do revólver



Além de jogador, na vida real Bat Masterson foi caçador de búfalos, batedor do exército, delegado federal (membro da U.S. Marshals Service Association), xerife, jornalista e deputado. Conheceu mesmo o lendário xerife Wyatt Earp, de quem foi ajudante. A Ziv Television Productions optou por apresentá-lo como um herói do western bem diferente do convencional, sem deixar os clichés do gênero de lado. Tudo para diferenciá-lo da versão apresentada pelo canal concorrente. O perfil de um sujeito de fino trato e conquistador do Bat Masterson da NBC foi o que atraiu Gene Barry para interpretá-lo, pois, em uma comédia intitulada Our Miss Brooks, ele fez o papel de um galanteador professor de educação física e baseou sua inesquecível versão do personagem nessa experiência.

 

Bat Marsterson: personagem real do Velho Oeste


A trilha da série é inesquecível para quem acompanhou o seriado - Autoria de Bill Lee do quarteto The Mellomen

A versão da música em português do tema do personagem virou sucesso no Brasil. O Trecho “Lançou um filme de caubói” era uma brincadeira para combinar com a fonética original em inglês. A versão foi feita pelo cantor Carlos Gonzagua, que antes havia traduzido e interpretado “Diana”, de Paul Anka.

 

Gene Barry (esquerda) e Hugh O'Brian (centro), aqui com Lee Horsley (direita), reprisaram seus papéis de Bat Masterson e Wyatt Earp  no episódio de duas partes do seriado Paradise  intitulado “A Gathering of Guns” que foi ao ar em 17 de fevereiro de 1990.

 

A primeira história inspirada em Bat Masterson foi escrita em 1932 pelo jornalista americano Damon Runyon (1880-1946). Recebeu o título de “Guys and Dolls”. O personagem de Runyon era chamado de Sky Masterson. Bat Masterson também apareceu em tiras nos jornais, desenhadas pela dupla Ed Herron e Howard Nostrand. Duraram apenas de julho de 1959 a abril de 1960. No Brasil, elas foram publicadas pelo jornal Última Hora.


 

 Antes de estrelar o seriado Gene Barry havia estrelado o filme clássico de ficção científica de 1953 A Guerra dos Mundos, e além de Bat Masterson, estrelou as séries The Name of the Game e Burke´s Law (1963-1966). Nesta última ele ganhou o Globo de Ouro de 1965. A série retornou em 1993-1994 com Barry outra vez no papel título. Ele ainda repetiu o seu famoso papel de Bat Masterson em dois episódios da série de TV Paradise em 1989,  e em The Gambler Returns: Luck of the Draw de 1991. Por sua contribuição artística, ganhou uma estrela na Calçada da Fama em 1988.



 

 Na vida pessoal ele foi casado com Betty Clair Kalb, que faleceu em 2003. Ele teve dois filhos, Michael e Frederick, e adotou uma filha, Elizabeth. Segundo seu filho Frederic James Barry, Gene morreu enquanto dormia na sua casa em Woodland Hills, Los Angeles em 09 de dezembro de 2009, aos 90 anos.

 

 
 

sexta-feira, 9 de junho de 2023

O querer conhecer o mundo - Crítica - Filmes: A Pequena Sereia (2023)

 




Ah, a Adolescência…!!

por Ronald Lima


Adaptação da animação de 1989 tem méritos próprios 






Você está animado para A Pequena Sereia (2023) de Rob Marshall (Chicago), mais recente live-action da Disney? Ou está cético e cismado com as últimas críticas às recriações com atores das famosas animações do estúdio? Tem dúvidas quanto à qualidade dos efeitos visuais? Vamos tentar responder a essas perguntas.

Baseado na consagrada animação A Pequena Sereia (1989, de John Musker e Ron Clements), que se inspirou livremente no clássico conto de fadas de Hans Christian Andersen *1, essa nova visita ao fundo do mar amplia e atualiza alguns temas do desenho que lhe deu origem. Você talvez conheça esta história, mas não custa dar um resumo.

 

o pássaro Sabidão (voz de Awkwafina), o peixinho Linguado (voz de Jacob Tremblay e a impetuosa Ariel (Halle Bailey) colecionam "tesouros" do mundo da superfície...

... desafiando a vontade do amoroso mas severo Rei Tritão (Javier Barden), pai de Ariel, que teme contato com os seres humanos

 

Ariel (Halle Bailey, de Grow-ish) é a mais jovem e desafiadora sereia das filhas do Rei Tritão (Javier Barden, de Mãe!). Ela anseia por descobrir mais sobre o mundo que existe além do oceano. Ao mesmo tempo, próximo do reino subaquático, vive o arrojado Príncipe Eric (Jonah Hauer-King). Filho da Rainha Selina (Noma Dumezweni, de O Menino que Descobriu o Vento), o rapaz deseja que seu pequeno reino alcance plena soberania criando uma boa relação de comércio com nações vizinhas. Um acidente trágico e uma barganha arriscada reúne esses dois. A partir daí esses universos distintos começam a se aproximar.

 

Um Príncipe para chamar de seu: Eric (Jonah Hauer-King) é uma alma gêmea de Ariel, em sua gana de conhecer o mundo. O ator até que se sai bem na empreitada

Aqui Ariel e Eric possuem pontos em comum e esse é o melhor diferencial dessa produção roteirizada por Jane Goldman e David Magee em relação a sua versão anterior criada pela Disney. A vontade de conhecer e aprender coisa novas torna o relacionamento entre eles muito mais palpável do que uma simples paixão à primeira vista. Tanto que, ao se conhecerem, mesmo sem dizer uma palavra, Ariel demonstra o mesmo desejo de Eric em ter novas experiências e ele, sem notar, praticamente esqueceu por quem inicialmente havia se encantado: a misteriosa moça responsável por seu resgate em um naufrágio – que, sem que ele soubesse, era a própria Ariel. O público, acredito, também fará essa leitura. Ambos personagens querem ir em frente, além dos limites da idade e de seus reinos. Os dois colecionam tudo quanto é objeto que estimule e mantenha essa vontade à flor da pele e isso cria um laço de relacionamento muito plausível para esse casal.

 

A rebeldia de Ariel a coloca no radar de Úrsula (Melissa McCarthy) a Bruxa do Mar...

...que lhe faz uma "proposta irrecusável", que carrega uma trapaça escondida


Cada um dos dois tem um responsável extremamente zeloso e temeroso em libertar sua querida cria, inclusive os proibindo de deixar seus respectivos Reinos. Isto é evidente no relacionamento entre as duas gerações. Essa dificuldade com que Tritão procura lidar com Ariel, com o receio dele em relação ao mundo da superfície, deve encontrar eco entre os telespectadores. O mesmo vale na relação da Rainha Selina e Eric, pois ela demonstra um medo místico do mar.

O melhor contato de Ariel com o mundo dos humanos é através das informações tresloucadas do albatroz Sabidão (voz de Awkwafina, de Renfield - Dando Sangue Pelo Chefe). A jovem sereia está sempre acompanhada do medroso e fiel peixinho Linguado (voz de Jacob Tremblay, de Extraordinário) e contando com os conselhos (pouco seguidos) de seu tutor, o siri Sebastião (voz de Daveed Diggs, de Expresso do Amanhã). Eric também tem seu tutor, Sir Grimsby (Art Malik, de True Lies), que o acompanha de modo muito paterno e, ao contrário de Sebastião, chega a incentivar algumas ousadias do príncipe. Já Ariel, com falta de apoio, acaba indo buscar ajuda para realizar seus desejos aonde não devia: o covil da bruxa do mar Úrsula (Melissa McCarthy, de Missão Madrinha de Casamento).

 

Como humana, Ariel e Eric logo se unem em suas afinidades e gostos, de forma orgânica, vindo daí a afeição


Halle Bailey está ótima como Ariel. Tem voz, postura e carisma. É perceptível como ela se entregou ao papel. Também pudera: Halle está no show business desde de bem cedo. Canta e compõe desde os oito anos e é contratada da Parkwood Entertainment, produtora e gravadora da Beyoncé. Ela tem química com Jonah Hauer-King, o casal contracenando está bem natural. Eles passam bem a impressão de estarem apaixonados, mas, ô casalzinho tímido!

Os três amigos de Ariel lhe são extremamente fiéis e fazem de tudo para acompanhar sua Princesa, seja por onde ela fosse. No desenho animado Sebastião é um crustáceo com um visual indefinido, mas sua versão em CGI nesse live-action é claramente um caranguejo, numa atitude típica deste tipo de remake de deixar os animais com um visual mais realista. O Sr. Sabidão, de gaivota virou um ganso-patola, que ficou ótimo na dublagem de Awkafina. A alteração provavelmente ocorreu devido a alteração de ambientação de uma produção para outra – antes localizado na Europa, na nova versão a ação ocorre no mar do Caribe (aliás, este deslocamento do reino de Eric para uma fictícia ilha na América Central funciona bem, acrescentando representatividade a história sem apresentar um discurso forçado). Muda-se o cenário, muda-se a fauna local. De qualquer forma, ambas são aves marinhas e a troca até beneficiou o personagem, deixando Sabidão mais desengonçado e expressivo. Já a mudança de formato não ajudou Linguado. O tímido e querido peixinho continua amarelo e azul, porém nem um pouco gordinho e fofo, como era no original.

 

Os números musicais refletem sua herança da animação...

...mas perdem no quesito teatralidade por conta do viés realista da direção e arte e do CGI


Melissa McCarthy e Javier Bardem colocam bom empenho em seus personagens. Bardem demostra muito bem o amor que o Rei Tritão sente pela filha só com o olhar, apesar de não compreender a necessidade de independência dela. E é igualmente eficaz ao exprimir a raiva que sente ao perder a paciência. Melissa conquista cada segundo de seu tempo na tela ao interpretar uma Úrsula cínica, debochada, rancorosa e sexy. Ela parece que ter se divertido muito com o papel e sua cena musical é até mais impressionante que no desenho animado original da Disney.

 

A caracterização do fundo do mar por vezes peca ao usar muitas cenas escuras, para mascarar limitações dos efeitos digitais

Na realidade é perceptível a dedicação e vontade de todo o elenco e esse é um dos fatores que cativam neste filme. Temos a impressão de que todos acharam ótima a sensação de estar em um filme da Disney - no caso da Disney mesmo, da Disney clássica, dos contos de fada e castelos. Com isso, a direção de Marshall com toda certeza encontrou ótima receptividade de todos para fazer o filme que queria. O encadeamento e a interpretação das cenas musicais fluem bem e é nelas onde percebemos melhor a boa interação entre o casal principal. Os dois estudam, passeiam, dançam juntos, demonstrando se entenderem perfeitamente sem que Halle Bailey diga uma só palavra.

E quanto ao CGI (você vai perguntar)? Quer comparar com Avatar? Bem… Quanto a isso não vou contrariar sua alta expectativa, contudo lhe aconselho a ver de coração aberto porque os efeitos visuais funcionam. É bem verdade que a escuridão do fundo do mar pode esconder defeitos, e deve ter camuflado alguns mesmo. Não é a toa Ariel que quer sair daquele ambiente sombrio. Durante a canção de Sebastião as cores ganham mais brilho nas cenas, ficando bonito, alegre. Quase virando um desenho animado.

 

Um acerto da direção de arte foi caracterizar o reino de Eric numa ilha caribenha, onde a maior miscigenação populacional dilui a discussão sobre a mudança de etnia de vários personagens

Seguindo a caracterização geográfica,Sabidão (voz de Awkwafina) de gaivota, virou um ganso-patola, um pássaro mais condizente com o Caribe. Infelizmente, Sebastião e Linguado não tiveram a mesma sorte no resultado final


Particularmente eu não sou muito exigente quanto a CGI. Ao mesmo tempo que o recurso passou a ser comum, o seu uso com qualidade extrema nem sempre cabe no que o orçamento do filme permite. E relevo possíveis imperfeições, a não ser que a qualidade do trabalho seja mesmo muito fraco ou rude. Não vi isso nesse filme, a não ser em relação ao Linguado, que aqui se tornou um peixe magrinho e pouco expressivo.

Sendo este filme um musical, cabe uma olhada rápida na trilha sonora. Ela reutiliza várias das canções do premiado longa original de animação, que ganhou os Oscars de Melhor Canção e Melhor Trilha Original. Para o trabalho, a Disney contou com o mesmo Alan Menken, compositor do desenho de 1989, que para o novo filme alterou a letra de algumas das músicas. Como Howard Ashman, o letrista original, faleceu em 1991, Menken contou desta vez com o auxílio de Lin-Manuel Miranda (Encanto) para compor as quatro novas canções da trilha.

 

Ariel cativa pela sua vivacidade, o carisma da atriz em cena, logo deixa para trás qualquer dúvida sobre seu protagonismo


Os destaques musicais no filme vão para: Part of Your World, Fathoms Below, Under the Sea (a canção que levou o Oscar em 1989), Wild Uncharted Waters (é uma das novas composições e a canção tema de Eric, algo que o personagem não tinha na versão original), Poor Unfortunate Souls (o momento em que a Úrsula de Meilissa McCarthy surge plena na tela, explodindo em ironia), For the First Time, Kiss The Girl e The Scuttlebutt. Esta última é outra das novas músicas - um rap/ hip hop cantado por Sabidão e Sebastião que lembra um duelo musical entre dois repentistas. 

 

Sequências-chave da animação são reinterpretadas, sendo as melhores as que conseguem acrescentar sutilezas a seus personagens

O casal demonstra mais química em cena do que as imagens de divulgação dão a entender

A Pequena Sereia é um filme que lhe dá exatamente o que você espera ver ao assisti-lo: uma história de amor cativante e singela, com esquetes musicais de qualidade e comovente interpretação mesclado a um lado cômico, fornecido pelos três amigos de Ariel. Além de ser uma opção saudável para toda a família desintoxicar o cérebro, este longa da Disney é um musical em defesa da diversidade étnica, da multipolaridade entre as nações e de um melhor convívio entre povos, tanto entre humanos quanto entre sereias e tritões. É principalmente um incentivo as pessoas para descobrirem-se e evoluir diante de um mundo tão diverso e ao mesmo tempo tão complicado. Seja na superfície, seja no leito do oceano.

Você vai gostar.

 

Nascida para ser Drag: Melissa McCarthy se esbaldadou em sua caracterização de Úrsula

 

Nota:

 


1: No conto original de Hans Christian Andersen, a Pequena Sereia deseja obter uma alma, algo que, segundo o conto, as sereias não possuem. Ela também se encanta com o mundo dos seres humanos e se apaixona pelo príncipe. Porém esse, ao contrário da animação de 1989 e do atual live-action, não a vê com essa mesma paixão em momento algum. Curiosamente nenhum personagem na história original é nomeado pelo autor – algo bem comum aos antigos Contos de Fada. Seguindo sua já centenária tradição, a Disney costuma fornecer nomes a estes personagens em suas adaptações que logo entram no nosso imaginário coletivo. Este também foi o caso dos Sete Anões da Branca de Neve, por exemplo.  

 

O encontro de dois mundos, e de seus anseios espelhados...

 

 

Escultor Cósmico de Seres Vibrantes - In Memorian: George Pérez

 


O Rei das Multidões 

por Carlos Vinicius Marins & Alexandre César

Da Marvel à DC, juntas e misturadas simultaneamente

 

 "Não espere a oportunidade, crie a oportunidade"

(George Perez ✰ New York, 09/ 06/1954 – ✝ Los Angeles, 06/ 05/ 2022)

 

Quando jovem na F.O.O.M. (fanzine da Marvel), como uma estrela em potencial

Um artista de traço limpo e detalhado - EXTREMAMENTE DETALHADO - e que, ainda sim, dificilmente atrasava nos prazos de entrega dos trabalhos. O sonho de consumo de qualquer editora no mercado ultra competitivo dos comics americanos. Uma luz que brilhou intensamente por quase 50 anos, tal qual um farol que iluminava a tudo que desenhava ou arte-finalizava.

 

Não importava o tamanho da página ou do quadrinho, o nível do detalhamento se mantinha

Nesta sexta-feira (06/05) faleceu um dos mais admirados artistas do mercado de quadrinhos - George Pérez, com 67 anos - em decorrência de um câncer pancreático no estágio 3. Perez anunciou sua condição nas suas redes sociais em dezembro do ano passado, quando disse também que não pretendia se submeter a tratamento indicado, que seria muito agressivo e não tinha grandes possibilidades de êxito. Preferiu ficar o tempo que lhe restava - de seis meses a um ano - ao lado de sua família e em contato com seus fãs, participando da maior quantidade de eventos de quadrinhos e cultura pop que pudesse para se despedir dos que o admiravam.  

 

O jovem Pérez fez história ao trabalhar simultaneamente para as duas grandes editoras concorrentes do mercado norte-americano 

Nascido em Nova York, numa família porto-riquenha, George já havia definido que a profissão que iria seguir seria a de desenhista muito cedo, aos cinco anos de idade. Seu primeiro trabalho de peso nos quadrinhos foi pela Marvel, quando se tornou responsável pela arte da revista dos Vingadores, em 1975. Está fase será relançada aqui no Brasil em breve pela Panini Comics. Não demorou para pegar outro grande título no mesmo período: o Quarteto Fantástico, cuidando das duas revistas ao mesmo tempo. 

 

Os Novos Titâs: Destaque da grande parceria com Marv Wolfman

Com uma fama já estabelecida de trabalhar bem com super grupos, em 1980 George começou a trabalhar também o para a DC Comics, cuidando da arte da revista dos Novos Titãs, um antigo grupo de jovens heróis da editora. A ideia era fazer do título um rival a altura do novo grande sucesso da Marvel: os X-Men, outro grupo de heróis que estava no limbo e foi de revitalizado. Para Perez era a oportunidade de ir para editora e talvez pegar seu título dos sonhos da editora: a Liga da Justiça. Ele conseguiu realizar seu desejo: com o falecimento de Dick Dillin, que estava a frente das ilustrações da revista a anos, George passou a acumular a arte das duas grandes equipes da casa - que chegaram a se encontrar numa história ilustrada por ele na revista dos Titãs. Durante um tempo, para seu deleite, ele chegou a desenhar ao mesmo tempo HQs da Liga e dos Vingadores. O sucesso da jovem equipe, porém, foi tão arrebatador que ele acabou deixando de lado a Liga, dedicando-se quase exclusivamente a eles. 

 

A morte da Supergirl, num dos momentos-chaves de "Crise nas Infinitas Terras"

Como George cuidou muito bem da arte dos Vingadores e da Liga da Justiça, se tornou o artista perfeito para a desenhar um crossover entre as duas. Marvel e DC já haviam publicado desde a década anterior alguns encontros entre seus heróis e essas histórias se tornavam grandes eventos. George chegou a desenhar mais de 20 páginas da HQ quando o acordo para o projeto foi desfeito devido a desavenças editoriais. O sonho foi adiado, mas Pérez acreditava que ele um dia iria acontecer.  

 

A reformulação da Mulher-Maravilha: Maior fidelidade à mitologia grega, um empoderamento real e um perfil mais atlético condizente com uma guerreira amazona

Em 1984 George deixou de desenhar os Titãs para cuidar de uma empreitada de fôlego, sem precedentes no seu alcance. Com o mesmo roteirista dos Titãs, Marv Wolfman, ele desenvolveu Crise nas Infinitas Terras, uma longa HQ que reunia praticamente todo o elenco de personagens da DC Comics e que reestruturou drasticamente todo o seu universo ficcional, procurando atualizá-lo para os novos tempos. A série se tornou a maior referência para para mega sagas que se tornariam lugares-comuns desde então nas editoras norte-americanas.  


 

No Brasil, na FIQ de 2013, parodiando com uma cosplayer sua icônica capa de "Crise nas Infinitas Terras"

Ao término da saga, as histórias de quase todos personagens da editora passaram a ser recontadas do zero. Grandes artistas ficaram responsáveis por cuidar dessa renovação, cada um cuidando de um herói. Com o sucesso da minissérie O Cavaleiro das Trevas, Frank Miller cuidou do Batman. John Byrne veio da Marvel, onde fez sucesso com seu trabalho em X-Men e Quarteto Fantástico, para trabalhar com o Superman. Coube a George Pérez revitalizar a mais conhecida das super-heroínas: a Mulher-Maravilha. 

Apesar de ser a mais conhecida super-heroína dos quadrinhos - muito devido ao popular seriado de TV dos anos 70, protagonizado por Lynda Carter -, a Mulher-Maravilha nunca tinha passado por uma fase verdadeiramente memorável nas HQs, sendo mais lembrada até então pelo que ela representava do que por suas histórias - Diana sempre foi um ícone do feminismo desde sua criação, ainda nos anos 40.

Mulher-Maravilha. Após a fase inicial da personagem, em 1941, a sua fase mais marcante é a de George Pérez

Pérez pegou uma proposta do escritor Greg Potter e reinventou a personagem-tipo , com o auxílio dos roteiristas Len Wein e Mindy Newell, deixando a Mulher-Maravilha com mais profundidade e personalidade, trabalhando sua dualidade de Guerreira e Embaixadora da Paz, lhe dando um background mais coeso e interessante, cimentando de forma mais eficaz sua relação com a mitologia grega, criando personagens secundários com os quais nos importarmos e finalmente lhe dando um elenco de vilões de primeira grandeza: Ares, o Deus da Guerra; Circe, a lendária Feiticeira Grega (que se tornou sua maior inimiga); e as revisadas e melhoradas Cisne de Prata e Mulher Leopardo

    Ares: o Deus grego se torna um dos maiores vilões da Princesa Amazona e torna-se o antagonista de seu primeiro filme  


Seu trabalho de cinco anos com a Mulher-Maravilha  reverbera até hoje, tanto nos quadrinhos quanto em outras mídias. É de longe o artista mais associado a personagem.

Nos anos 90, George deixou a DC, voltando a trabalhar para a Marvel na reinvenção do lado cósmico do universo da editora, desenhando a minissérie principal da mega saga Desafio Infinito, escrita por Jim Starlin.

Capa da primeira edição de “Desafio Infinito”: Quando as Joias do Infinito demonstram seu poder pela primeira vez nos quadrinhos 


Esta saga, onde Thanos recolhe pela primeira vez as Joias do Infinito, serviu de base para a principal trama desenvolvida nos  filmes do Universo Cinematográfico Marvel. 

Pérez também é responsável pela arte de outra minissérie chave da época. Lançada em 1992, Futuro Imperfeito é uma história do Hulk escrita por Peter David, onde Hulk era comendado pela mente do Dr. Banner, tal como é visto no filme Vingadores: Ultimato.

Hulk viaja a um futuro devastado por um evento nuclear, onde encontra Maestro, sua versão com bem mais idade, poderoso e maligno, que passou a governar o restante da raça humana onde antes existiu os EUA. Inicialmente criado apenas para aquela história, Maestro se tornou um vilão popular e rapidamente se tornou um dos grandes vilões da editora, voltando a aparecer em diversas outras ocasiões e sendo destaque em outras mídias, como vídeo games e desenhos animados.

Maestro: o vilão ocasional de “Futuro Imperfeito” veio a para ficar

Após vários projetos para editoras menores, George volta a Marvel para cuidar novamente da arte dos Vingadores, em fase elogiada pela crítica e pelo público. Os roteiros de Kurt Busiek destacavam a já conhecida capacidade de Pérez utilizar diversos personagens em uma única cena, criando cenas memoráveis e possibilitando que a equipe tenha mais membros do que o normal sem que a subtramas se percam. E então finalmente aconteceu. Marvel e DC Comics haviam retornado aos crossovers entre as editoras nos anos 90 e, em 2002, finalmente decidiram que chegara a hora de fazerem o adiado confronto entre as duas lendárias equipes das duas casas: Liga da Justiça e Vingadores. E, claro, o artista indicado para o trabalho ainda era George Pérez.

George Pérez de volta aos Vingadores: fase elogiada por crítica e público 

Durante todo esse tempo ele sempre deixara uma porta aberta para isso acontecer. Naquela época, Pérez tinha um contrato de exclusividade com uma editora menor, a CroosGen Comics. Mas em seu contrato havia uma cláusula que abria uma única exceção nesta exclusividade: desenhar o crossover da Liga da Justiça com os Vingadores. E, para melhorar, o escritor seria seu parceiro Kurt Busiek. A minissérie foi um sucesso, com um roteiro que presta uma sincera homenagem às duas equipes, dando espaço para todo mundo que havia sido membro dos dois grupos - tanto entre os vivos quanto aos mortos. Até a diferença de estilo das duas editoras e de seus universos ficcionais são destaques no roteiro. E o que não faltou foram easter eggs para os fãs de longa data, mostrando que Busiek era mesmo um profundo estudioso das HQs das duas editoras. Liga da Justiça Versus Vingadores ainda é o melhor crossover entre as duas editoras.


A primeira versão inacabada do confronto entre Vingadores e Liga da Justiça 


 

No seu estúdio de sua casa

Uma coisa interessante em George Pérez era a maneira como desenhava a figura humana referenciando o seu período histórico. A forma como delineava a anatomia: Esguia e musculosa, com boa definição, dava aos seus heróis, um físico de praticantes de aeróbica/fitness. Jack Kirby parecia ter como referencial boxeadores, levantadores de peso, quaterbacks de futebol americano e estivadores. Já John Buscema parecia ter halterofilistas e lutadores de luta livre como modelos (Buscema, em sua juventude, chegou a praticar pugilismo). De forma diferente, Neal Adams e José Garcia Lopez pareciam desenhar seus heróis como atletas olímpicos ou malabaristas... Já George Pérez desenhava corpos que pareciam saídos das academias de aeróbica de baixo impacto, ou fitness (talvez se iniciasse hoje em dia a sua carreira, seus heróis teriam um perfil mais aparentado com o crossfit). Com ele Diana Prince deixou de ser apenas uma bonitona curvilínea, para ser uma guerreira atlética, que poderia estrelar aquelas fitas de workout bem populares nos anos 80, como Jane Fonda entre outras estrelas...


Sua concepção da Mulher-Maravilha, aqui retrabalhada como uma Pin-Up


“Eu optei por deixar a natureza seguir seu rumo e eu vou aproveitar o tempo que me resta o máximo o possível com minha bela esposa de 40 anos, minha família, meus amigos e meus fãs”.  

(sobre quando descobriu ter câncer, cujo tratamento só adiaria o inevitável)

 

Mulher-Maravilha: A sua passagem serviu de base para o filme de 2017


Ao ser diagnosticado como portador de câncer pancreático no estágio 3 (e inoperável), George Pérez tencionava maximizar seu tempo restante com o máximo de lucidez possível, pois caso fizesse o tratamento com quimioterapia e a radioterapia apenas iria adiar o seu final, além de debilitar suas faculdades. Para facilitar sua interação com os seus fãs ele criou uma página no facebook, @TheGeorgePerez, para melhor receber noticias, conversar com os fãs e receber atualizações; além disso, pedir que a privacidade de sua família e da sua esposa fossem respeitadas nesse momento, permitindo que os fãs usassem a página para se conectar à ele, ao invés de outros meios.

 

Uma longa e proveitosa trajetória no mundo dos super-heróis

 

 “Espero poder coordenar uma ultima assinatura em massa para ajudar a fazer com que meu falecimento seja mais fácil. Eu também espero poder fazer uma última aparição pública na qual eu possa tirar fotos com o máximo de fãs o possível, com a condição de que eu possa abraçar cada um de vocês. Eu apenas quero dizer adeus com sorrisos, assim como com lágrimas”.

(Uma de suas últimas declarações, procurando ainda um contato mais direto com os fãs )

 
Em 2019 George anunciou a sua aposentadoria devido a diversos problemas de saúde - diabetes e doenças do coração e de visão, entre outros. Havia encerrado uma prolífica carreira que marcou mais de uma geração e deixou um legado que ainda vai reverberar por muito tempo. Com o anúncio do câncer e a eminente morte do artista, Marvel e DC Comics, que novamente tinham interrompido a parceria, anunciaram a republicação do crossover dos Vingadores com a Liga da Justiça - que estava fora de estoque há anos. George adorou a homenagem. Nestes últimos meses o artista foi elogiado e homenageado por diversão artistas e fãs por todas as alegrias e inspiração que ele lhes deu em suas vidas e carreiras.

Agora, apagadas as luzes, só podemos agradecer por termos tido a oportunidade de acompanhar a trajetória deste artista único, que nos impactou com seu talento e cuja lembrança será constante em todos nós sempre que nos referirmos ao panteão da Marvel e da DC Comics e de quem foi crucial no momento em que as suas principais superequipes se uniram. 


Obrigado por tudo, George Pérez. Sua passagem foi significante em nossas vidas.

 

Uma homenagem da DC Comics ao grande artista que tantos personagens ilustrou