sexta-feira, 9 de junho de 2023

O querer conhecer o mundo - Crítica - Filmes: A Pequena Sereia (2023)

 




Ah, a Adolescência…!!

por Ronald Lima


Adaptação da animação de 1989 tem méritos próprios 






Você está animado para A Pequena Sereia (2023) de Rob Marshall (Chicago), mais recente live-action da Disney? Ou está cético e cismado com as últimas críticas às recriações com atores das famosas animações do estúdio? Tem dúvidas quanto à qualidade dos efeitos visuais? Vamos tentar responder a essas perguntas.

Baseado na consagrada animação A Pequena Sereia (1989, de John Musker e Ron Clements), que se inspirou livremente no clássico conto de fadas de Hans Christian Andersen *1, essa nova visita ao fundo do mar amplia e atualiza alguns temas do desenho que lhe deu origem. Você talvez conheça esta história, mas não custa dar um resumo.

 

o pássaro Sabidão (voz de Awkwafina), o peixinho Linguado (voz de Jacob Tremblay e a impetuosa Ariel (Halle Bailey) colecionam "tesouros" do mundo da superfície...

... desafiando a vontade do amoroso mas severo Rei Tritão (Javier Barden), pai de Ariel, que teme contato com os seres humanos

 

Ariel (Halle Bailey, de Grow-ish) é a mais jovem e desafiadora sereia das filhas do Rei Tritão (Javier Barden, de Mãe!). Ela anseia por descobrir mais sobre o mundo que existe além do oceano. Ao mesmo tempo, próximo do reino subaquático, vive o arrojado Príncipe Eric (Jonah Hauer-King). Filho da Rainha Selina (Noma Dumezweni, de O Menino que Descobriu o Vento), o rapaz deseja que seu pequeno reino alcance plena soberania criando uma boa relação de comércio com nações vizinhas. Um acidente trágico e uma barganha arriscada reúne esses dois. A partir daí esses universos distintos começam a se aproximar.

 

Um Príncipe para chamar de seu: Eric (Jonah Hauer-King) é uma alma gêmea de Ariel, em sua gana de conhecer o mundo. O ator até que se sai bem na empreitada

Aqui Ariel e Eric possuem pontos em comum e esse é o melhor diferencial dessa produção roteirizada por Jane Goldman e David Magee em relação a sua versão anterior criada pela Disney. A vontade de conhecer e aprender coisa novas torna o relacionamento entre eles muito mais palpável do que uma simples paixão à primeira vista. Tanto que, ao se conhecerem, mesmo sem dizer uma palavra, Ariel demonstra o mesmo desejo de Eric em ter novas experiências e ele, sem notar, praticamente esqueceu por quem inicialmente havia se encantado: a misteriosa moça responsável por seu resgate em um naufrágio – que, sem que ele soubesse, era a própria Ariel. O público, acredito, também fará essa leitura. Ambos personagens querem ir em frente, além dos limites da idade e de seus reinos. Os dois colecionam tudo quanto é objeto que estimule e mantenha essa vontade à flor da pele e isso cria um laço de relacionamento muito plausível para esse casal.

 

A rebeldia de Ariel a coloca no radar de Úrsula (Melissa McCarthy) a Bruxa do Mar...

...que lhe faz uma "proposta irrecusável", que carrega uma trapaça escondida


Cada um dos dois tem um responsável extremamente zeloso e temeroso em libertar sua querida cria, inclusive os proibindo de deixar seus respectivos Reinos. Isto é evidente no relacionamento entre as duas gerações. Essa dificuldade com que Tritão procura lidar com Ariel, com o receio dele em relação ao mundo da superfície, deve encontrar eco entre os telespectadores. O mesmo vale na relação da Rainha Selina e Eric, pois ela demonstra um medo místico do mar.

O melhor contato de Ariel com o mundo dos humanos é através das informações tresloucadas do albatroz Sabidão (voz de Awkwafina, de Renfield - Dando Sangue Pelo Chefe). A jovem sereia está sempre acompanhada do medroso e fiel peixinho Linguado (voz de Jacob Tremblay, de Extraordinário) e contando com os conselhos (pouco seguidos) de seu tutor, o siri Sebastião (voz de Daveed Diggs, de Expresso do Amanhã). Eric também tem seu tutor, Sir Grimsby (Art Malik, de True Lies), que o acompanha de modo muito paterno e, ao contrário de Sebastião, chega a incentivar algumas ousadias do príncipe. Já Ariel, com falta de apoio, acaba indo buscar ajuda para realizar seus desejos aonde não devia: o covil da bruxa do mar Úrsula (Melissa McCarthy, de Missão Madrinha de Casamento).

 

Como humana, Ariel e Eric logo se unem em suas afinidades e gostos, de forma orgânica, vindo daí a afeição


Halle Bailey está ótima como Ariel. Tem voz, postura e carisma. É perceptível como ela se entregou ao papel. Também pudera: Halle está no show business desde de bem cedo. Canta e compõe desde os oito anos e é contratada da Parkwood Entertainment, produtora e gravadora da Beyoncé. Ela tem química com Jonah Hauer-King, o casal contracenando está bem natural. Eles passam bem a impressão de estarem apaixonados, mas, ô casalzinho tímido!

Os três amigos de Ariel lhe são extremamente fiéis e fazem de tudo para acompanhar sua Princesa, seja por onde ela fosse. No desenho animado Sebastião é um crustáceo com um visual indefinido, mas sua versão em CGI nesse live-action é claramente um caranguejo, numa atitude típica deste tipo de remake de deixar os animais com um visual mais realista. O Sr. Sabidão, de gaivota virou um ganso-patola, que ficou ótimo na dublagem de Awkafina. A alteração provavelmente ocorreu devido a alteração de ambientação de uma produção para outra – antes localizado na Europa, na nova versão a ação ocorre no mar do Caribe (aliás, este deslocamento do reino de Eric para uma fictícia ilha na América Central funciona bem, acrescentando representatividade a história sem apresentar um discurso forçado). Muda-se o cenário, muda-se a fauna local. De qualquer forma, ambas são aves marinhas e a troca até beneficiou o personagem, deixando Sabidão mais desengonçado e expressivo. Já a mudança de formato não ajudou Linguado. O tímido e querido peixinho continua amarelo e azul, porém nem um pouco gordinho e fofo, como era no original.

 

Os números musicais refletem sua herança da animação...

...mas perdem no quesito teatralidade por conta do viés realista da direção e arte e do CGI


Melissa McCarthy e Javier Bardem colocam bom empenho em seus personagens. Bardem demostra muito bem o amor que o Rei Tritão sente pela filha só com o olhar, apesar de não compreender a necessidade de independência dela. E é igualmente eficaz ao exprimir a raiva que sente ao perder a paciência. Melissa conquista cada segundo de seu tempo na tela ao interpretar uma Úrsula cínica, debochada, rancorosa e sexy. Ela parece que ter se divertido muito com o papel e sua cena musical é até mais impressionante que no desenho animado original da Disney.

 

A caracterização do fundo do mar por vezes peca ao usar muitas cenas escuras, para mascarar limitações dos efeitos digitais

Na realidade é perceptível a dedicação e vontade de todo o elenco e esse é um dos fatores que cativam neste filme. Temos a impressão de que todos acharam ótima a sensação de estar em um filme da Disney - no caso da Disney mesmo, da Disney clássica, dos contos de fada e castelos. Com isso, a direção de Marshall com toda certeza encontrou ótima receptividade de todos para fazer o filme que queria. O encadeamento e a interpretação das cenas musicais fluem bem e é nelas onde percebemos melhor a boa interação entre o casal principal. Os dois estudam, passeiam, dançam juntos, demonstrando se entenderem perfeitamente sem que Halle Bailey diga uma só palavra.

E quanto ao CGI (você vai perguntar)? Quer comparar com Avatar? Bem… Quanto a isso não vou contrariar sua alta expectativa, contudo lhe aconselho a ver de coração aberto porque os efeitos visuais funcionam. É bem verdade que a escuridão do fundo do mar pode esconder defeitos, e deve ter camuflado alguns mesmo. Não é a toa Ariel que quer sair daquele ambiente sombrio. Durante a canção de Sebastião as cores ganham mais brilho nas cenas, ficando bonito, alegre. Quase virando um desenho animado.

 

Um acerto da direção de arte foi caracterizar o reino de Eric numa ilha caribenha, onde a maior miscigenação populacional dilui a discussão sobre a mudança de etnia de vários personagens

Seguindo a caracterização geográfica,Sabidão (voz de Awkwafina) de gaivota, virou um ganso-patola, um pássaro mais condizente com o Caribe. Infelizmente, Sebastião e Linguado não tiveram a mesma sorte no resultado final


Particularmente eu não sou muito exigente quanto a CGI. Ao mesmo tempo que o recurso passou a ser comum, o seu uso com qualidade extrema nem sempre cabe no que o orçamento do filme permite. E relevo possíveis imperfeições, a não ser que a qualidade do trabalho seja mesmo muito fraco ou rude. Não vi isso nesse filme, a não ser em relação ao Linguado, que aqui se tornou um peixe magrinho e pouco expressivo.

Sendo este filme um musical, cabe uma olhada rápida na trilha sonora. Ela reutiliza várias das canções do premiado longa original de animação, que ganhou os Oscars de Melhor Canção e Melhor Trilha Original. Para o trabalho, a Disney contou com o mesmo Alan Menken, compositor do desenho de 1989, que para o novo filme alterou a letra de algumas das músicas. Como Howard Ashman, o letrista original, faleceu em 1991, Menken contou desta vez com o auxílio de Lin-Manuel Miranda (Encanto) para compor as quatro novas canções da trilha.

 

Ariel cativa pela sua vivacidade, o carisma da atriz em cena, logo deixa para trás qualquer dúvida sobre seu protagonismo


Os destaques musicais no filme vão para: Part of Your World, Fathoms Below, Under the Sea (a canção que levou o Oscar em 1989), Wild Uncharted Waters (é uma das novas composições e a canção tema de Eric, algo que o personagem não tinha na versão original), Poor Unfortunate Souls (o momento em que a Úrsula de Meilissa McCarthy surge plena na tela, explodindo em ironia), For the First Time, Kiss The Girl e The Scuttlebutt. Esta última é outra das novas músicas - um rap/ hip hop cantado por Sabidão e Sebastião que lembra um duelo musical entre dois repentistas. 

 

Sequências-chave da animação são reinterpretadas, sendo as melhores as que conseguem acrescentar sutilezas a seus personagens

O casal demonstra mais química em cena do que as imagens de divulgação dão a entender

A Pequena Sereia é um filme que lhe dá exatamente o que você espera ver ao assisti-lo: uma história de amor cativante e singela, com esquetes musicais de qualidade e comovente interpretação mesclado a um lado cômico, fornecido pelos três amigos de Ariel. Além de ser uma opção saudável para toda a família desintoxicar o cérebro, este longa da Disney é um musical em defesa da diversidade étnica, da multipolaridade entre as nações e de um melhor convívio entre povos, tanto entre humanos quanto entre sereias e tritões. É principalmente um incentivo as pessoas para descobrirem-se e evoluir diante de um mundo tão diverso e ao mesmo tempo tão complicado. Seja na superfície, seja no leito do oceano.

Você vai gostar.

 

Nascida para ser Drag: Melissa McCarthy se esbaldadou em sua caracterização de Úrsula

 

Nota:

 


1: No conto original de Hans Christian Andersen, a Pequena Sereia deseja obter uma alma, algo que, segundo o conto, as sereias não possuem. Ela também se encanta com o mundo dos seres humanos e se apaixona pelo príncipe. Porém esse, ao contrário da animação de 1989 e do atual live-action, não a vê com essa mesma paixão em momento algum. Curiosamente nenhum personagem na história original é nomeado pelo autor – algo bem comum aos antigos Contos de Fada. Seguindo sua já centenária tradição, a Disney costuma fornecer nomes a estes personagens em suas adaptações que logo entram no nosso imaginário coletivo. Este também foi o caso dos Sete Anões da Branca de Neve, por exemplo.  

 

O encontro de dois mundos, e de seus anseios espelhados...

 

 

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