domingo, 4 de junho de 2023

Adeus, queridos amigos - Crítica - Filmes: Guardiões da Galáxia Vol. 3

 


Amizade e franquia

por Alexandre César


E a série conclui o arco de James Gunn na Marvel







Desconhecidos do grande público, os Guardiões da Galáxia (2014) lançados como protagonistas em um filme foram uma aposta arriscada para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Acabou se tornando o grande trampolim para o estrelato do diretor/roteirista James Gunn, com sua visão irônica e predileção por personagens obscuros, de 3⁰e até 5⁰escalão, perfeitos para ele recriar à sua vontade e poder “dar o seu recado”. O sucesso estrondoso fez a trupe de heróis/anti-heróis cair no gosto popular, apresentando ao grande público o universo cósmico da Casa das Idéias, e tornou seus integrantes tão conhecidos quanto medalhões como, Capitão América, Thor ou Homem de Ferro.

 

Peter Quill/ Senhor das Estrelas (Chris Pratt) ainda não aceita que Gamora (Zoe Saldana) não é "a sua Gamora"
Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji) é o vilão da vez, sendo capaz de inflingir toda a sorte de sofrimento a suas cobaias em sua busca por perfeição


O grupo seguiu em frente, participando de outros filmes que compunham a grande saga de combate de todos os heróis do MCU contra Thanos, o Titã Louco, e ganhando uma continuação em 2017 (Guardiões da Galáxia - Volume 2). Embora bem sucedido, esse segundo longa-metragem possuía uma dosagem menos equilibrada da fórmula ação-humor-desenvolvimento de personagens na sua abordagem de questões como paternidade e pertencimento.

O tempo passou e, por conta de destaques dados a Twittes seus do passado, James Gunn foi demitido da Marvel Studios, numa decisão precipitada*1. Então ele foi chamado pela “distinta concorrência” (a DC) para exercer seus dotes narrativos em O Esquadrão Suicida (2021) e em seu spin-off, o seriado Pacificador. O bom resultado levou a sua contratação para “rearrumar” o Universo DC, em parceria com Peter Safran.

 

Nebulosa (Karen Gillan) Peter Quill e Drax (Dave Bautista) partem para uma missão arriscada


Graças à solidariedade do elenco e de parte dos fãs, nenhum outro diretor acabou sendo escalado para concluir a trilogia dos Guardiões e, após negociações, Gunn retornou para fechar o arco antes se assumir de vez a DC Studios. Guardiões da Galáxia - Volume 3 (2023) é a despedida alegre e emocionada de James Gunn deste grupo de personagens disfuncionais a que muito nos afeiçoamos por refletir a nossa natural busca pela “nossa turma“... 

Peter Quill/ Senhor das Estrelas (Chris Pratt, de Jurassic World Domínio) aqui mantém o protagonismo apenas formalmente, permanecendo apenas como diferencial nas cenas de ação. Apesar de uma ou outra ponta solta, seu arco havia sido concluído de forma satisfatória com o que foi apresentado no longa anterior e mais um pitaco no média-metragem Guardiões da Galáxia: Especial de Natal (2022, também de Gunn), que foi lançado diretamente na Disney+.

 

Conhecemos o passado de Rocket Racoon, quando ele era um mero guaxinim...

...até tornar-se o personagem que conhecemos (voz de Bradley Cooper)

 No início da trama, Quill ainda não se conforma que a atual Gamora que cruza o seu caminho (Zoe Saldana, de Avatar: O Caminho da Água) é uma versão de outra realidade daquela mulher que amou e que morreu em Vingadores: Guerra Infinita (2018). Alguém com quem ele tem pouco em comum e que encontrou um vínculo familiar com Stakar Ogord (Sylvester Stallone, de Tulsa King) e Os Saqueadores, grupo de outsiders que o Senhor das Estrelas integrou no passado e que abriga vários dos Guardiões originais dos quadrinhos. É a dificuldade de saber abrir mão…

A maioria dos demais integrantes não apresenta uma grande evolução, se levarmos em conta só os filmes principais da franquia. Gamora e Nebulosa (Karen Gillan, de Selfie) tiveram mais espaço no já citado filme dos Vingadores. Mantis (Pom Klementieff, de Thor: Amor e Trovão) só surge no segundo filme dos Guardiões. Ela teve maior desenvolvimento no Especial de Natal, onde foi o centro das atenções e se aproximou mais de Quill, e agora procura um rumo em sua vida, que lhe traga maturidade e crescimento emocional. Drax (Dave Bautista, de Batem à Porta) tinha um peso moderado nos filmes anteriores, destacando-se só a partir da relação que manteve com Mantis desde que esta surge. O guerreiro assume uma atitude paternal, indo além do perfil de “bronco e gente boa”, herói das criancinhas. 

 

Adam Warlock (Will Poulter) e sua "mãe" Ayesha (Elizabeth Debicki). O personagem aparece em sua fase inicial, enquanto a raça dos "Soberanos" é superficial



O popular Groot (voz de Vin Diesel, de Velozes & Furiosos 10), agora um adolescente, atinge agora no seu clímax um visual mais próximo de suas primeiras aparições nos quadrinhos, em "Tales to Astonish" #13 (Novembro de 1960) quando, no traço de Jack Kirby, era apenas mais um dos diversos monstros que surgiam mensalmente nas revistas a Marvel para atacar a humanidade, antes da editora se dedicar a publicar HQs de super-heróis. Nebulosa, depois de sua participação em Vingadores: Guerra Infinita, passa a aceitar seu afeto pela equipe e torna-se uma espécie de cuidadora dos Guardiões, seu grupo familiar/comunitário. Mas continua naturalmente rabugenta...

O cão-astronauta russo Cosmo (voz de Maria Bakalova, de Morte, Morte, Morte) amadurece em cena devido a sua dinâmica com Kraglin (Sean Gunn, de
O Esquadrão Suicida), que também muda de patamar, deixando de ser o mero irmão trapalhão de Yondu (Michael Rooker), aprendendo a lidar com sua herança. 

 

A Orgo Corp (empresa do Alto Evolucionário) é uma estação espacial de "casco" orgânico...

... sendo um achado dos efeitos visuais e da direção de arte, criando uma ambientação única


Ainda temos participações pontuais de Nathan Fillion, Daniela Melchior, Michael Rosenbaum, Jennifer Holand e Greg Henry, entre outros parças de Gunn, que sempre participam de suas produções, em graus variados.

Agora, falemos de Rocket (voz de Bradley Cooper, de O Beco do Pesadelo), o verdadeiro coração da película. Em flashbacks, acompanhamos sua trágica origem, fruto das experiências de manipulação genética do Alto Evolucionário*2 (Chukwudi Iwuji, de Pacificador), um vilão histriônico e de perfil diferenciado de sua matriz das HQs. Obcecado com a criação de formas de vida perfeitas segundo a sua visão, ele não se importa com o grau de sofrimento que possa causar em suas cobaias em sua busca. Em sua trajetória sofrida - junto a de seus amigos Lylla (voz de Linda Cardellini, a esposa do Gavião Arqueiro - Jeremy Renner - no MCU), Dentes (voz de Asim Chaudhry) e Chão (voz de Mikaela Hoover) - vemos grandes paralelos com a maneira como são tratados os animais pela indústria alimentícia, farmacêutica e estética. 

 

Quill e Gamora, ajudam Drax, ferido ao proteger Mantis (Pom Klementieff) durante a missão


 Aguardo ansiosamente pelos fãs dos quadrinhos da Marvel, Adam Warlock (Will Poulter, de Midsommar: O Mal Não Espera a Noite) finalmente surge no MCU. Só que temos aqui um personagem que não é baseado em sua fase clássica nas HQs, protagonizando as aventuras escritas e desenhadas por Jim Starlin, mas na sua fase inicial, quando era basicamente uma criança no corpo de um semideus *3. Sua relação com Ayesha (Elizabeth Debicki, de TENƎT) é explorada de forma superficial, e o seu povo, os Soberanos, que prometiam muito no filme anterior, é reduzido a simples capachos do Alto Evolucionário

 

A ''Contra-Terra" é uma paródia do nosso mundo habitada pelas criações do Alto Evolucionário

Na Contra-Terra, o  Alto Evolucionário encontra Phyla (Kai Zen) uma espécimemais do que promissora


A música de John Murphy (O Esquadrão Suicida) acompanha e sublinha a jornada emocional de Rocket e de Quill em sua busca de lugar no universo, acompanhada – como sempre – de diversos hits do passado. A diferença é que desta vez a lista não está restrita aos anos 70, pois Peter Quill ampliou sua coleção musical após seu retorno a Terra nos filmes dos Vingadores. Assim temos clássicos como “Creep”, na versão acústica de Jonny Greenwood (Radiohead), “Crazy OnYou” por Ann Wilson (Heart), “In The Meantime” por Royston Langdon (Spacehog) e “Reasons” por Philip Bailey (Earth, Wind & Fire). A edição de Greg DÁuria (Velozes & Furiosos 9) e Fred Raskin (Era Uma Vez Em... Hollywood) mantém o foco narrativo tanto nas sequências de ação, bem coreografadas, quanto nos momentos mais emotivos, apresentando cortes precisos, e sem perder o foco dos personagens em seus momentos de dor ou de ira. 

 

A Bowie, a nova nave dos Guardiões, é maior do que a antiga Milano

 

Os variados figurinos de Judianna Makovsky (Vingadores: Ultimato) são ricos e coloridos, refletindo as influências setentistas dos quadrinhos de Jack Kirby, Jim Starlin e tantos outros criadores das sagas cósmicas dos quadrinhos Marvel. O inspirado desenho de produção de Beth Mickle (O Esquadrão Suicida) mescla influências de O Quinto Elemento, Brazil - O Filme, Doctor Who. A direção de arte e a decoração de sets utiliza tudo isso numa criação variada de mundos e cenários, como a destacada Contra-Terra, o já familiar e plural Lugarnenhum, a firma Orgo Corp - de matriz orgânica e leves toques lovecraftianos - e a base do Alto Evolucionário de aspecto tecnicista. Esta diversidade é ampliada pelos ótimos efeitos visuais de Framestore, Jam Filled Toronto, BUF, The Third Floor, Perception, Industrial Light & Magic (ILM), RISE Visual Effects Studios, Sony Pictures Imageworks (SPI), Stereo D, Legacy Effects, Wëtä FX que expande este recorte do rico universo cósmico da Marvel

 

Kraglin (Sean Gunn) cresce e amadurece em sua posição como protetor de "Lugarnenhum"...
... e seus habitantes, como o cão-astronauta russo Cosmo (voz de Maria Bakalova)


Ao final, alguns destinos são traçados e renovações são feitas, abrindo espaço para novas etapas. Certos personagens deverão voltar no MCU e outros provavelmente não veremos de novo. Tal como ocorre na vida, quando concluímos o ensino médio ou a universidade, mudamos de emprego ou de cidade, amigos queridos se separam. Mas isso não impede necessariamente que muitos deles se revejam sob novos contextos. Quem sabe? Assim é a grande aventura da vida.

Obrigado James Gunn e boa sorte com a DC Studios!

 

Uma grande despedida de amigos queridos

 



Notas:

1: James Gunn sempre criticou Donald Trump e muitos perfis conservadores, apoiadores do ex-presidente apresentaram em suas redes sociais diversos tweets antigos do cineasta com piadas sobre temas sensíveis, como estupro e identidade de gênero, com a intenção de desprestigiá-lo. Gunn respondeu a provocação na época dizendo que havia amadurecido, que aquelas postagens já não o representavam e inclusive já havia pedido desculpas por elas anteriormente. Mesmo assim a Disney o demitiu na ocasião. 

 


*2: Tendo surgido nos quadrinhos em The Might Thor (Vol. I)  #136 (1966), o Alto Evolucionário (mais uma criação da dupla Stan Lee & Jack Kirby) também era um cientista que tinha como foco de trabalho a aceleração evolutiva de animais, buscando criar seres puros e perfeitos – mas ele era terrestre: o inglês Herbert Wyndham. Só que ele se envolvia emocionalmente com suas criações, se afeiçoando a eles, ao contrário de sua versão cinematográfica. Nos quadrinhos ele também cria sua Contra-Terra, que é muito mais próxima do nosso planeta do que vemos no filme, e usa seu processo evolucionário em si mesmo, tornando-se um semi-deus ainda mais poderoso do que a do filme. Mais tarde o processo acabou gerando nele sérios problemas de instabilidade mental. 

 


*3: Adam Warlock, também concebido por Lee & Kirby, surgiu nos quadrinhos como mais uma poderosa entidade combatida pelo Quarteto Fantástico. em  Fantastic Four #66 (1967) Assim como o Alto Evolucionário, seus criadores eram cientistas que queriam desenvolver um ser perfeito, que fosse o futuro da evolução. Estes cientistas, porém, eram membros de uma organização criminosa e sua criação era um ser totalmente artificial. Ao despertar, já na forma adulta, ele agia como uma criança e acabou por eliminar seus criadores. Apesar de sua inteligência latente, não tinha conhecimento de absolutamente nada, muito menos do certo e do errado. Nem nome ele tinha: era chamado apenas de “Ele”. Só mais tarde, ao ganhar suas próprias histórias escritas por Roy Thomas, ele se encontra com o Alto Evolucionário, que lhe dá o seu nome e um propósito: cuidar da recém-criada Contra-Terra, que não era a perfeição que o semi-deus imaginava ser. A fase áurea do personagem ocorre só depois, quando suas histórias passam a ser escrita e desenhadas por Jim Starlin. Ele deixa a Contra-Terra e se torna o protagonista de uma mais das maiores sagas cósmicas dos quadrinhos, lutando contra sua contraparte maligna e contra a mais conhecida criação de Starlin: Thanos, o titâ louco.


Finais e recomeços

 

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