O Rolo Compressor da Marvel
O Rolo Compressor da Marvel
por Alexandre César
(Originalmente postado em 28 /04/ 2018)
Primeira parte de mega-evento diverte e surpreende
Há cerca de vinte e cinco anos atrás a Marvel era um riquíssimo universo ficcional que não acertava nas telas, por não ser veiculada a um estúdio forte (como a sua rival DC que pertence ao conglomerado Warner)
que a promovesse nos cinemas. A editora deu entrada em um processo de
falência na segunda metade dos anos 90 - período em que a bolha do
mercado de quadrinhos explodiu - e, para resolver esse problema de
caixa, vendeu a vários estúdios os direitos de adaptação cinematográfica
de seus personagens. Seus personagens chegaram aos cinemas com Blade, o Caçador de Vampiros (1998, de Stephen Norrington) - um personagem de pouca expressão nos quadrinhos, um mero coadjuvante na revista do Drácula. E a partir daí começou a chamar a atenção do chamado “público civil”
- os que não conhecem os personagens dos quadrinhos. De certa forma,
essa dispersão entre produtoras começou a polinizar o cinema com os
esporos da Marvel, servindo de prelúdio para o que viria a seguir.
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Peter Parker (Tom Holland), Tony Stark (Robert Downey Jr.), Drax (Dave Bautista), Peter Quill (Chris Pratt) e Mantis (Pom Klementieff): Estratégia improvisada |
As adaptações, com variados graus de sucesso e fidelidade, pavimentaram o caminho para um plano ambicioso e arriscado, digno do Dr. Destino, o vilão do Quarteto Fantástico. Tendo feito para isso um colossal empréstimo, surgia a Marvel Studios -
a produtora de cinema da própria editora, adaptando inicialmente os
personagens que não estavam comprometidos com os concorrentes. Tendo
iniciado a empreitada há cerca de dez anos com Homem de Ferro (2008, de Jon Favreau), e dividindo o seu ambicioso projeto em fases, o Universo Cinematográfico da empresa - o MCU - tem à frente o marqueteiro e gerenciador megalômano Kevin Feige,
que fez o necessário para realizar produções boas o suficiente (em
receita) para continuar com o plano. E com isso construiu um universo
cinematográfico baseado na habilidade de reciclar, adaptar e modificar
seus personagens criados nos quadrinhos.
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T´chala (Chadwick Boseman), Steve Rogers (Chris Evans), Nathasha Romanof (Scarlet Johansson) e Buck Barnes (Sebastian Stan): Batalha de Wakanda |
Fazer essas necessárias alterações na mitologia - inventada por Stan Lee, Jack Kirby
e tantos outros autores de quadrinhos - para realizar sua versão
cinematográfica sem que se perdesse sua essência no processo, talvez
tenha sido o ingrediente mágico na receita que hoje norteia Hollywood e
agora atinge o seu ápice em Vingadores: Guerra Infinita (2008), de Anthony e Joe Russo (Capitão América: O Soldado Invernal, de 2014 e Capitão América: Guerra Civil, de 2016).
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Thor (Crist Hemsworth), Senhor das Estrelas (Chris Pratt) e Gamora (Zoë Saldaña): Guardiões com Thor a tiracolo |
No
filme, pela primeira vez se reúnem os vários grupos e heróis
apresentados nesta década, que já contabilizavam 18 filmes, tendo a
batalha contra Thanos (Josh Brolin, inspiradíssimo) como ponto de convergência para todos eles. A equipe dos Vingadores permanece fraturada, como vimos no final de Capitão América: Guerra Civil, com
Tony Stark (Robert Downey Jr.) deixando a vida lhe levar e abandonado
por quase todos os membros de sua velha equipe. Enquanto isso, Steve
Rogers (Chris Evans) ainda está foragido, sem seu escudo e ao lado de
seus amigos fugitivos, abandonando a máscara e alterando seu uniforme -
de forma mais sutil e improvisada do que vemos em situação semelhante
ocorrida nos quadrinhos, quando ele largou a alcunha de Capitão América para continuar vivendo de acordo com seus ideais. Os Guardiões da Galáxia, destrambelhados como sempre, agora tem a tiracolo Thor, o Deus do Trovão (Chris Hemsworth), após este sofrer o primeiro ataque de Thanos no filme, ao lado do que sobrara de seu povo no final de Thor: Ragnarok (2017, de Taika Waititi). Também alvo desse ataque, Bruce Banner (Mark Ruffalo) vai parar na Mansão do Dr. Estranho (Benedict Cumberbatch), enquanto Visão (Paul Bettany) e Wanda, a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) se acertam e tentam viver a própria vida longe de tudo e de todos.
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Stephen Strange (Benedict Cumberbatch), Tony Stark (Robert Downey Jr), Bruce Banner (Mark Rufallo) e Wong (Benedict Wong): Luta em Nova York |
A
disposição das peças no tabuleiro gera novas dinâmicas e parcerias,
além de criar diversas frentes de ação que se desenrolam ao mesmo tempo
sem conhecimento uma da outra, aguçando com isso a curiosidade e a
tensão do telespectador. Muitos estão se conhecendo pela primeira vez, o
que naturalmente cria atritos, principalmente porque as novas relações
se estabelecem enquanto o circo está pegando fogo. O universo está
ameaçado por Thanos, que já tem algumas Joias do Infinito e está
prestes a pegar as restantes para que possa alcançar o seu nefasto
objetivo (que, por sua vez, ele julga ser bastante nobre): eliminar, com
um estalar de dedos, metade da vida em toda a existência. Isto, aliado
ao fato do vilão ser alguém de quem a maioria deles não sabe
absolutamente nada, cria nos heróis um tom de desespero e - por que não?
- desesperança, obrigando-os a improvisar durante quase todo o tempo
diante de uma ameaça que parece ser bem maior do que a soma de seus
poderes.
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Homem-Aranha (Tom Holland): novo uniforme que remete a controversa mudança nos quadrinhos |
O impacto terrestre é sentido inicialmente em Nova York, pelo grupo que contém, entre outros, o Homem de Ferro e Doutor Estranho.
Estes dois, mal se conhecem e já saltam faíscas pelo atrito que causam
ao constantemente se confrontarem. Afinal, ambos compartilham um passado
de egocentrismo, que volta e meia vem a tona, mostrando que o velho
sentimento não está de todo superado. Temos aqui um interessante
desenvolvimento de personagens, com destaque para a relação do Homem de Ferro com o Homem-Aranha (Tom Holland), em que o sentimento paternal/filial que se estabelece entre eles desde Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017, de John Watts), ganha novas camadas e se torna capaz de arrancar lágrimas e suspiros do mais duro dos corações.
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Buck (Sebastian Stan), T´Chala (Chadwick Boseman), James Rhodes (Don Cheadle) e Nebulosa (Karen Gillan): Menor destaque |
Tal ritmo de desenvolvimento de personagens não é acompanhado por Capitão América e Cia. Estes se envolvem em grandes cenas de ação na Escócia e - principalmente - em Wakanda, cuja batalha nos remete a outras semelhantes do cinema, como a que envolve as amazonas em Liga da Justiça (2017, de Joss Whedon e Zach Snyder). A relação entre Feiticeira Escarlate (Elisabeth Olsen) e Visão (Paul
Bethany) funciona, mas o roteiro tira todo o peso de Steve Rogers,
Bruce Banner (Mark Ruffalo) - e mesmo de T'Challa (Chadwick Boseman) e
todos os seus companheiros de Wakanda. Também pudera: a
quantidade de heróis presente no filme deve ser um novo recorde. Em uma
única cena temos cerca de 30 personagens relevantes em ação. Não há como
desenvolver tantos deles em um mesmo filme - é preciso escolher quem
terá mais espaço para um maior aprofundamento. E os irmãos Russo não
tiveram pudor em suas escolhas.
O
roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely une água e óleo,
mesclando na medida certa, humor, drama e tensão. Eles fazem a transição
ideal entre momentos épicos de ação - tão primorosos que conseguem
elevar o status deste gênero a outro nível - com outros intimistas e
doces, entre cenas com diálogos hilários e outras com um clima vigente
de desesperança. Entendemos inclusive porque os chamados “heróis
urbanos” da Marvel, além do agente Coulson da S.H.I.E.L.D. e seus subalternos (em sumo, os protagonistas da Marvel dos seriados para TV e serviços de streaming)
não participam da ação - a sequência de Nova York é muito rápida e a
maior parte dos acontecimentos se dão fora dos E.U.A. E a comentada
ausência do Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) e Homem - Formiga (Paul Rudd) também é explicada.
Ao contrário do que poderia se esperar de boa parte do público - mesmo entre os aficionados pelos quadrinhos da Marvel -, Thanos é
um vilão (ou seria anti-herói?) que executa suas ações sem hesitar, mas
com pesar. Em sua loucura (sistemática, mas, ainda assim, loucura) ele
persegue com unhas e dentes a realização do que considera um bem maior
para o Universo, um bem trágico e sofrido: reunir, a todo o custo, as
Joias do Infinito, que lhe darão poder total sobre todas as coisas.
Nessa procura, sua persona apresenta
sucessivas facetas, principalmente a partir das relações que tem com
suas filhas Gamora e Nebulosa (Karen Gillan). Este foi um grande ponto
positivo da Marvel, que, novamente acerta em cheio na construção emocional de um vilão - isto já havia ocorrido com Mordo em Dr. Estranho (2016, de Scott Derrickson) e Killmonger em Pantera Negra (2018,
de Ryan Coogler). Aqui, porém, este acerto se destaca ainda mais pelo
vilão ser visualmente construído em sua totalidade através de computação
gráfica e captura de movimentos de seu intérprete, Josh Brolin. Os
sentimentos e a humanização do personagem são apresentados com diálogos
simples, sem dar lugar à pieguice. Sua motivação, suas atitudes e seu
sofrimento são mesclados a um desempenho certeiro do Brolin, criando um
melancólico vilão e cativando a audiência.
Essa,
porém, não é a maior surpresa do longa. Os rumores já falavam há tempos
sobre o possível destino trágico de vários personagens no filme - e
eles começam a morrer desde a primeira cena. Mas ninguém estava
preparado para a verdadeira tragédia que ocorre na reta final da
história. Para quem ainda não viu, preparem os seus corações. E tudo se
conclui em um cliffhanger gigantesco que deixará fãs e nerds ao redor do mundo numa crise de nervos até a estreia de sua sequência.
E agora DC? O próximo movimento é seu...
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