terça-feira, 8 de junho de 2021

Fome de streaming - Crítica – Filmes: Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (2021)

 

Voltando às origens

 
por Alexandre César


Snyder cimenta o primeiro tijolo de seu próprio universo

 
 

Origens: "Madrugada dos Mortos" (2004)

 

Após o traumático fim da sua trajetória de sua estadia na Warner Bros cuidando do Universo Cinematográfico DC, Zack Snyder (Watchmen) resolveu voltar às suas origens após finalizar a pós-produção do seu polêmico Liga da Justiça de Zack Snyder, e então, sob o guarda-chuvas da Netflix resolveu revisitar o gênero que lhe deu visibilidade: O universo zumbi, que graças à Madrugada dos Mortos (2004) a bem sucedida refilmagem de Despertar dos Mortos (1978) do mestre George A. Romero (e sua estréia na direção de longa metragens) que ao custo de cerca de U$ 26 milhões, rendeu mundo afora mais de U$ 102 milhões, colocando o seu nome no mapa dos estúdios, lhe abrindo as portas para consagrar em 300 (2006) a sua marca autoral e estilismo visual.
 
 
Um novo começo, com a Netflix

 
Army of the Dead: Invasão de Las Vegas (2021) se propõe a ser o início de um universo narrativo próprio de sua autoria e, a julgar por seu sucesso em andamento, sua parceria com a gigante do streaming deverá ir longe, já que ele deve ter percebido que melhor do que fazer filmes de sucesso em franquias já consagradas (DC, Marvel, Star Wars, etc...) mas nunca ser de fato “o dono da bola”, melhor é criar as suas próprias franquias e ter de fato o controle criativo. E ainda que não seja o seu melhor filme (longe disso), ele assegura o primeiro passo neste rumo com um divertido filme-pipoca descerebrado, bom para curtir com os amigos.
 
 
Foi para o saco: A infestação zumbi toma Las Vegas em velocidade absurda

 
Snyder, além de dirigir, escreve o roteiro, em parceria com Shay Hatten (John Wick 3 - Parabellum) e Joby Harold (Rei Arthur: A Lenda da Espada) à partir de seu argumento, também produz e assina a fotografia, imprimindo a sua marca autoral em cada fotograma (seja para o bem, seja para o mal) não deixando dúvidas de que ele basicamente fez um filme para se divertir e, abrir sem muitas complexidades, novas frentes de trabalho.
 
 
A cidae é bombardeada e colocada em quarentena

Até o Elvis dançou

 
Num ótimo início vemos numa estrada no oeste americano, um comboio militar levando uma “carga secreta” (indo aparentemente para a Área 51*1) acidentalmente acaba se chocando com um carro de recém casados, pois a noiva estava fazendo um “trabalhinho” no noivo, o que o fez perder a direção (fica a dica galera: se forem “brincar”, parem o carro primeiro!) chocando-se com o transporte, que avariado solta o Zeus, o Zumbi-Alpha (Richard Cetrone de Máquina Mortífera) e rapidamente mata e zumbifica os soldados e assim, avançam para a cidade mais próxima na desértica paisagem: Las Vegas
 
 
A mecânica Maria Cruz (Ana de la Reguera é convocada por Scott Ward (Dave Bautista) para um "lance" que renderá uma boa grana (se sobreviverem...)

 
A partir daí temos a abertura cuja energia cinética, com ótimo pique narrativo mostra a tomada da capital do jogo por toda a sorte de mortos-vivos, de strippers, coristas até um sósia de Elvis Presley, e a ação dos protagonistas, na já conhecida técnica de câmera lenta de Snyder (lembrando muito a abertura de sua versão de Watchmen de 2009) salvando a quem podem, enquanto fogem detonando zumbis e o exército baixa um cerco de contenção em torno da cidade, isolando-a; tudo isto tendo ao fundo uma versão de “Viva Las Vegas” cantada por Richard Cheese e Allison Crowe,  cortesia da seleção musical da trilha de Tom Holkenborg (Godzilla versus Kong) que aliada à edição de Dody Dorn (Liga da Justiça de Zack Syder) transpira fina ironia, deixando claro a descartabilidade latente dos personagens do filme. Coisa que se mostrará prejudicial para as futuras tentativas de investir em dramas pessoais mais adiante.
 
 
Dieter (Matthias Schweighöfer) o nerd arrombador de cofres é figura-chave para a operação, o que leva Ward a ficar atento com a sua segurança

 

Um dado inovador no roteiro é que ao invés de um mundo devastado, distópico, vemos uma praga isolada e o resto do mundo seguindo em frente. Assim, após cerca de seis anos, o governo está evacuando os campos circundantes à cidade sitiada, pois planeja bombardeá-la com uma ogiva nuclear de pequeno alcance e eliminar de vez a infestação zumbi. O veterano da evacuação da cidade (e ganhador de honrosas condecorações) Scott Ward (Dave Bautista de Guardiões da Galáxia em boa performance) está estagnado profissionalmente, trabalhando numa lanchonete (fritando hambúrgeres) quando é convocado pelo bilionário Bly Tanaka (Hiroyuki Sanada de Mortal Kombat), para reunir um grupo e retornar à Las Vegas e recuperar no cofre de um cassino a quantia de U$ 250 milhões (que a seguradora já lhe ressarciu) ficando 50 milhões para ele e quem resolver acompanhá-lo na empreitada. 
 
 
Girl Power: Chambers (Samantha Win) e Maria Cruz não perdem para nenhum homem na hora de "sentar o dedo" e metralhar zumbis

 
Correndo contra o relógio, pois a evacuação da área em volta da cidade está em curso e em quatro dias a bomba será detonada, Ward, no melhor estilo filme de assalto, vai “reunindo a banda”, dos colegas veteranos. Maria Cruz (Ana de la Reguera de Nacho Libre), bela parceira (com quem tem sentimentos não-consumados); Vanderohe (Omari Hardwick de Power), cuja habilidade no combate contrasta com sua formação em filosofia; a alucinada piloto de helicóptero Marianne Peters (Tig Notaro de Star Trek: Discovery, que numa ótima cena destrincha quem da equipe é descartável); e para fechar a equipe, recruta Dieter (Matthias Schweighöfer de Kursk – A Última Missão) o alemão arrombador de cofres (e bom alívio cômico); Mikey Guzman (Raúl Castillo de Entre Facas e Segredos) um alucinado pistoleiro e sua parceira Chambers (Samantha Win de Liga da Justiça de Zack Snyder); além de Martin (Garret Dilahunt de Fear the Walking Dead) o traiçoeiro capanga de Tanaka.
 
 
Macho Man: Zeus, o Zumbi-Alpha (Richard Cetrone) é bem mais forte e ágil do que se espera da média dos zumbis
 
 

Os figurinos de Stephanie Portnoy Porter (Snow Steam Iron), apostam na definição da funcionalidade de cada personagem no roteiro, marcando seu estereótipo, de forma que nos ajuda a perceber (sem sombra de dúvida,) o grau de descartabilidade de cada um (com poucas surpresas).
Chegando ao campo de refugiados Ward faz um acordo com Lilly, a “coiote” (Nora Arnezeder de Riviera) que os guiará pela “terra de ninguém” que se converteu a cidade, e tenta se reconectar com sua filha Ella Purnell (Kate Ward de O Lar das Crianças Peculiares numa performance que não convence) com quem tem uma relação fragilizada. Aqui é onde o filme falha por insistir na relação de pai-e-filha numa construção que prejudica a fluidez da narrativa (parecendo uma recorrência do trauma psicológico de Snyder*2). Ella se une ao grupo para tentar resgatar a sua amiga Geeta (Huma Qureshi de O Último Vice-Rei) que se perdeu nas ruínas da cidade (tentando roubar um cassino para criar os filhos pequenos), junto com Burt Cummings (Theo Rossi de Luke Cage) um inspetor mau-caráter do campo de refugiados que vende o acesso ao grupo.
 
 
Mikey Guzman (Raúl Castillo), Maria Cruz e Vanderohe (Omar Hardwick ao fundo) passam mau-bocados junto com o resto da equipe


 
A partir daí a contagem de corpos começa, e algumas boas idéias são lançadas, como a zona de quarentena onde são mantidos os refugiados de Las Vegas serem basicamente campos de exclusão de imigrantes latinos (algo apenas sugerido), além das castas dos mortos-vivos, pois além do Líder dos  Alpha-zumbis temos uma Rainha Alpha-zumbi (Athena Perample de Mythic Quest: Raven´s Banquet) e outros do tipo "soldados", mais ágeis e os "trôpegos" zumbis mais convencionais (a "ralé") que hibernam quando falta alimento. Idéias boas mas que carecem de um melhor desenvolvimento pois, se a Rainha é importante como numa colméia, não deveria equivocadamente estar numa posição de risco desnecessária como acontece, ou uma vez estabelecido no roteiro, o que desperta os zumbis hibernantes, isto ser em seguida desobedecido apenas para um facilitação da ação, além dos "soldados" e os "trôpegos" na hora do “pega-pra-capar” não apresentarem realmente diferenças significativas na hora de serem mortos pelos mercenários. 
 
 
A química entre o filosófico Vanderohe e o atrapalhado Dieter rendem momentos divertidos

 
A fotografia de Snyder trabalha plasticamente os ambientes, na maioria da vezes com um colorido árido, com tons escuros, alternando o acinzentado ou o arenoso, enfatizando no desenho de produção de Julie Berghoff (O Conto da Aia) que junto com a direção de arte de Gregory S. Hooper (Passageiros), Geoffrey S.Grimsman (The Resident), Darshanumar Joshi (O Homem Invisível) e Brett McKenzie (Inacreditável) e a decoração de sets de Sophie Neudorfer (Invocação do Mal) mostram de forma eficiente, a ambientação de um mundo apenas funcional e sem graça, nos cenários da casa e da lanchonete onde Ward trabalha, tal qual os locais onde encontra seus associados, no campo dos refugiados, e até na própria Las Vegas devastada, aqui desprovida aquela vitalidade cafona (que na maioria dos filmes, a transforma num personagem), reduzida à um pano de fundo não muito diferente de filmes distópicos onde os personagens transitam uma “terra de ninguém” em ruínas, pouco reconhecível das imagens que temos no nosso imaginário daquele local. Coisa que a guerra costuma fazer com as cidades...
 
 
"- Gatinho fofinho, gatinho lindinho, miau miau miauu..."

 
A trilha musical inclui hits do "Rei" Elvis Presley  como "Night life", "Suspicious minds" , além de outros como "Zombie" por The Cramberries, "Do you really want to hurt me" do Culture Club, além de trechos de "Siegfrieds traudermarch" ("A marcha funerária de Siegfried") da ópera "Der ring des Nibelungen" ("O Anel dos Nibelungos") de Richard Wagner quando Dieter descobre a combinação e abre o cofre, chamado de"Gotterdämmerung" ("O Crepúsculo dos Deuses"), que é uma brinacdeira com o filme favorito de Snyder*3.
 
"Amar é nunca ter de dizer que você é feio" : Zeus e a sua Rainha Alpha-zumbi (Athena Perample) revelam uma estrutura social enre os mortos-vivos
 
 
 
Os efeitos visuais das empresas Framestore, Crafty Apes, Mammal Studios, Instinctual VFX, Cedarleaf VFX, Industrial Pixel VFX, The Scan Truck e SuperAlloy Interactive, supervisionados por Marcus Taormina (Birdbox) recriam (e destroem) a cidade de Las Vegas na medida que o roteiro pede, criando personagens como o tigre e o cavalo-zumbi do Alpha, como complementando a maquiagem de efeitos da Fractured FX supervisionada por Ozzy Alvarez (Aquamane das criações do designer de maquiagem Justin Raleigh (Westworld) e  do designer de criaturas Gabe Bartalos (O Duende Perverso) que são de um grau de realismo altíssimo, com ótima mescla de efeitos práticos e CGI.
 
 
Rodado no méxico, o filme faz bom uso do CGI para recriar a paisagem de uma Las Vegas devastada, com alguns elementos icônicos visíveis para manter a identidade
Usou-se muito entulho real  de obras para se criar os cenários devastados



Ainda que seja desigual (e muito) Army of the Dead: Invasão de Las Vegas consegue cumprir a sua missão de divertir despretensiosamente, deixando um bom número de ganchos para dar o início de um universo narrativo próprio na Netflix, seja através de filmes, séries ou até animações vindouras, que deverão ainda por um bom tempo deixar o nome de Zack Snyder no horizonte do entretenimento de massa, havendo ou não, a chance de um dia a Warner chamá-lo de volta para acordar uma volta do Snyderverse...
 
 
Zumbis de todos os tipos, cores, tamanhos e extratos sociais

 


Notas:
 
 

*1: Área 51 é uma instalação de máxima segurança da Força Aérea Americana na qual, segundo as teorias conspiratórias, seriam testados veículos com tecnologia alienígena oriunda de OVNIs capturados, como o do incidente em Roswell, Novo México, em 1947.
 
*2: A sua filha Autumn Snyder de 20 anos havia se suicidado em 12 de março de 2017, levando Syder a declarar: - “Quando se tornou óbvio que eu preciso fazer pausa, eu sabia que haveria narrativas criadas na internet. Eles vão fazer o que eles fazem. A verdade é que… Eu me importo sobre esse tipo de coisa agora”. E assim ele se afastou do projeto do filme Liga da Justiça.
 
*3: Excalibur (1981) de John Boorman é o filme favorito de Zack Snyder, que justamente usa estes mesmos trechos na sua trilha sonora, tendo algumas cenas deste filme servido de inspiração para Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016).


"- Somos descolados, estilosos e mortais, não???"

 

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