domingo, 20 de junho de 2021

PODEROSA!!! - Crítica - Séries: Catarina a Grande

 

Quem é Rainha nunca perde a Majestade

por Alexandre César

(Originalmente postado em 10 /02/ 2018)


Série é grandiosa, mas é mais inglesa do que russa

 

Catarina (Helen Mirren): Czarina, estadista, mulher


Uma mulher “raçuda”, que “aprendeu na porrada” que conquistar o poder (e mantê-lo) não é ofício para os fracos e ingênuos. Tudo isto pode ser dito a respeito de Sofia Frederica Augusta de Anhalt-Zerbst-Dornburg, uma princesa filha de um dos tantos nobres decadentes da Prússia do século 18 que aos 15 anos, convidada pela czarina Isabel para conhecer seu sobrinho, o príncipe herdeiro Pedro III, neto de Pedro, o Grande. Diferente da princesinha dócil que esperavam que ela fosse ao se casar com o futuro czar. Sofia se converteu à fé ortodoxa e passou a se chamar Yekaterina, e aprendeu o idioma russo sozinha para ser aceita. 

 

A verdadeira Catarina: Forte, determinada e "pegadora"

 

Mas o casamento logo azedou por Pedro ser imaturo e impotente (ou estéril, segundo os fofoqueiros da corte), além de ser obcecado pela disciplina prussiana, o que a fêz decidir disputar o trono sozinha, pois quando Pedro III ascendeu ao trono, em 5 de janeiro de 1762, ela sentiu que o marido a deixaria para se casar com outra, levando-a a responder com um golpe de Estado, ajudada por seu amante Grigori Orlov, membro da guarda imperial, prendendo o czar. Em 28 de junho, declarava a si própria Catarina II, soberana de todos os russos, vindo a ser conhecida nos livros de história como Catarina, a Grande, título desta séria da HBO que narra os seus anos de consolidação do poder até a sua morte em 17 de novembro de 1796, aos 67 anos, passando por todo o trajeto básico da rotina palaciana de traições, intrigas e rebeliões, seja no ocidente, seja no oriente. 

 

Amigas: A Condessa Praskoya Bruce (Gina McKee) e a Czarina (Helen Mirren) trocam  confidências e amantes de forma divertida

 

Dividida em quatro episódios de uma hora cada, dirigidos por Philip Martin (já familiarizado com temas palacianos por sua participação do seriado The Crown) e escrita por Nigel Williams (Elizabeth I)a série tem a sua frente ninguém menos do que A Rainha (filme que lhe deu um Oscar) Helen Mirren (de A Grande Mentira aqui como uma das produtoras executivas) como aquela que veio a ser a maior “déspota esclarecida” da história, partidária dos ideais iluministas, mas modernizadora na marra de uma terra atrasada, que estabilizou o reino conquistando prestígio entre os europeus, tendo conquistado terras da Turquia, coisa que nem Pedro (o outro Grande) havia feito, mostrando a sua trajetória equilibrando-se entre as suas aspirações de progresso e a necessidade de fazer concessões a seus apoiadores, coisa semelhante que a série faz aos modos e ao minimalismo inglês (embora cheio de sotaque) criando a sensação de se estar assistindo a uma série sobre a monarquia britânica em outra ambientação do que a russa.

 

O Príncipe Grigory Orlov (Richard Roxburgh) amante que Catarina logo decide descartar

Seu irmão o Conde Alexi Orlov (Kevin McNally): Aliado no golpe que deu muito trabalho a Catarina

 

O competente desenho de produção de Tom Burton (Britannia) aliado à direção de arte de Audrius Dumikas (Guerra & Paz) e a decoração de sets de Barbara Herman-Skelding (Mama Mia! O Filme) nos dizem estarmos na Rússia, com as mesas que tem elevadores nas mesas para subir os pratos dos convidados e evitar que os criados não apareçam na sala, mas o narrar britânico é palpável. Não chega a ser um absurdo uma vez que a maior parte do elenco e da equipe é britânica e isto quase que virou sinônimo de realeza. Mas que é curioso é...

 

O Tenente Grigory Potenkim (Jason Clarke) rapidamente cai nas graças da Czarina
Potenkim e a Czarina, foram um "casal" até a velhice

 

Isto se dá inclusive nas ótimas e ácidas tiradas da protagonista (“- É um erro pedir dinheiro a um rico. Como acha que ele ficou rico?” ou “- A maturidade é uma decisão que se toma”) destilando o típico humor inglês inclusive na sua amizade com a Condessa Praskoya Bruce (Gina McKee de Um Lugar Chamado Notting Hill) que trocam confidências e amantes como colegiais (dizem que ela"testava" os candidatos a amante da Czarina...), ou como ela lida para descartar Grigory Orlov (Richard Roxburgh, o Drácula de Van Helsing, o Caçador de Monstros) o seu amante que a ajudou a depor Pedro III, e seu irmão, o Conde Alexi (Kevin McNally conhecido como o Sr. Gibbs da cine-série Piratas do Caribe) ambos ávidos por uma maior participação no governo, ou como ela se aconselha e usa o Ministro Panin (Rory Kinnear, o Monstro de Frankenstein de Penny Dreadful) que manipula o seu filho, o Príncipe Paul (Joseph Quinn de Operação Overlord) jovem mimado que não quer ser tratado... como um jovem mimado. Tudo muito cortês e civilizado, muito britânico.

 

O "Iminência parda": Ministro Panin (Rory Kinnear), o conspirador-mor
O Príncipe Paul (Joseph Quinn), o filho que adorava "brincar de soldadinho" tal qual o seu finado pai

Felizmente Grigory Potemkin (o australiano Jason Clarke de Evereste e Exterminador do Futuro: Genesis) com sua persona vigorosa dilui um pouco esta verve que aproxima o tom da série mais de Windsor do que de Moscou. A química entre os dois protagonistas é boa, já tendo ambos dividido as telas no mediano A Maldição da Casa Winchester (2018) sendo interessantes como um casal apaixonado,irmanados na ambição de criar um império vasto, o que lhes transcendia a obrigatoriedade de fidelidade sexual. 

 

Dupla imbatível: Catarina e Potemkin não tinham rivais
Ela ambicionava algo e ele era o executor perfeito ao vencer as batalhas e ao assinar os tratados de paz

 

Na vida real, Potemkin posteriormente passou a selecionar os amantes de Catarina, além de convencê-la a expandir as universidades na Rússia para aumentar o número de cientistas e assim aumentar o progresso do país (precisamos de mais caras assim aqui!!!). Potemkim se revela o parceiro ideal, sendo o executor eficaz para os desafios militares e políticos, revitalizando a Rússia, que tornou-se uma das maiores potências europeias, mas se necessário reprimindo brutalmente os movimentos revolucionários como o de Emelyan Pugachev (Paul Kaye de Game of Thrones) o líder cossaco do levante camponês, que terminou esquartejado. Ele era a mão que selava um acordo ou a que empunhava uma espada... e assim o foi até a sua morte em 1791 aos 52 anos. 

 

Um "baile dos enxutos" onde mulheres se vestem de homens e vice-versa mostrando "quem é quem"
Tais bailes eram uma rotina comum dos nobres de várias monarquias, aqui, enfatizando o poder da Czarina

 

Um dos fatores que a série mais se foca é na voracidade sexual da protagonista, embora a forma como é mostrada decepcione a quem já esteja acostumado com as cenas mais picantes de outras produções da HBO como Roma, Game of Thrones ou Westworld . Mirren e McKee até convencem como mulheres maduras, sexualmente ativas e sem pruridos, mas apenas no plano interpretativo, sendo a mis-en-scene sutil e, sejamos sinceros: Ainda não estamos em nossa maioria, preparados para aceitar uma mulher sexualmente dominante fora dos padrões de fetiche estético. 

O Príncipe Paul e a sua segunda esposa, a Princesa Sophia (Antonia Clarke) deram um neto a Catarina...
... e enquanto a corte se divertia, as revoltas eram esmagadas.

 

Clarke, mesmo é também discreto, mas de qualquer forma a força da personagem se evidencia numa cena de um baile em que a czarina e demais damas se vestem como os nobres e os homens se vestem com vestidos e perucas femininas, numa curiosa inversão de papéis, sendo esplendorosos os figurinos de Maja Meschede (Corações de Ferro) e a supervisão de cabeleireiro e maquiagem de Martina Byrne ( Game of Thrones, Chernobyl) que caracterizam bem o período rococó em que a série se passa. A opção por priorizar a corte com suas intrigas, falsidades e traições, como a da Princesa Natalia (Georgina Beedle de Belly of the Buldog) a primeira (e infiel) esposa do príncipe Paul com o Conde Andrei Razumovsky (Phil Dunster de Assassinato no Expresso do Oriente) que o tolo regente sequer percebe chega a ser um lugar-comum em tramas sobre dinastias, e os personagens que as orbitam, como o “Bobo da Corte” (Clive Russel de Game of Thrones) personagem embriagado que surge em todos os episódios como um “Grilo Falante” que revela as verdadeiras intenções dos personagens, e como nada sabemos sobre ele, torna-se ferramenta narrativa bidimensional, remetendo a um clichê shakespeariano.

 

Emelyan Pugachev (Paul Kaye) ex-tenente do exército, liderou uma das principais revoltas do período...
... que Potemkim esmagou, de forma eficaz e brutal.

 

Neste aspecto poderia-se ter dado mais atenção ao protagonismo de Catarina em questões históricas, como por exemplo a Guerra Turco – Russa, sendo aqui mais sublinhada pelas cenas mostrando as grandes distâncias das estepes, onde a edição de Stuart Gazzard (Triângulo do Medo) Selina Macarthur (Black Mirror) intercalam os mensageiros se revezando para manter o fluxo da correspondência entre Catarina e Potenkim, ela escrevendo-lhe ora no palácio acompanhada ou não de um jovem amante, e ele respondendo-lhe ora numa tenda cheia de prostitutas, ora num campo de batalha coalhado de soldados russos e turcos mortos, naquela ideia de “apenas mais um dia de trabalho de um guerreiro” ou quando após fazer acordo com os líderes tártaros, anexando a Criméia (hoje tão cobiçada por Vladimir Putin) ele comenta para um subordinado sobre as cidades que fundará em homenagem a ela, sendo especialmente bela, e valorizada pela música de Rupert Gregson-Williams (Mulher-Maravilha) a sequência em que ele a recebe numa embarcação e lhe mostra ao raiar do dia, a saída para o Mar Negro e a recém-construída Sebastopol com a frota naval, num uso elegante da fotografia de Stuart Howell (The Crown) e dos efeitos visuais da Host VFX (Tomb Raider: A Origem).

 

Rumo a Criméia e a consolidação de um império
O "Bobo da Corte" (Clive Russel) é um fraco recurso narrativo...

 

Ao final a série é uma bonita tapeçaria, de encher os olhos, mas que não atinge plenamente o seu potencial por trabalhar na zona de conforto dos dramas históricos, simplificando todo um quadro geral aos seus protagonistas principais. Na realidade, morta Catarina, seu filho, Paulo I, tentou apagar seu legado, anistiou desafetos da falecida, deu ao pai Pedro III um enterro digno da realeza e proibiu o uso de chapéus redondos e ternos à francesa, buscando apagar sua herança até na moda, e assim, após ela nenhuma outra mulher assumiu o trono russo, o que talvez tenha contribuído para Rússia ter mantido o feudalismo até a época da Revolução Russa de 1917. Hoje, as atuais famílias reais da Grã-Bretanha, Dinamarca, Holanda e Espanha descendem de Catarina, a Grande. O mito permaneceu... 

Potenkim ao final, selecionava os amantes de Catarina, permanecendo o seu favorito até a sua morte...
Alexsey, o neto de Catarina era o favorito para sucedê-la, e cinco anos após a sua morte, ele tomou o trono derrubando o seu pai Paul...

 

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