Nascido para ser o "Homem Mau"
Por Ronald Lima
(Originalmente postado em 14/ 12/ 2016)
De monstro de Frankenstein da Hammer à idolo das criancinhas inglesas e, Darth Vader...
(Originalmente postado em 14/ 12/ 2016)
De monstro de Frankenstein da Hammer à idolo das criancinhas inglesas e, Darth Vader...
(Originalmente postado em 14/ 12/ 2016)
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Antes de ser o cara mior mau do universo David Prowse (1935 - 2020) era conhecido como o "Green Cross Code Man" na tv inglesa |
Star Wars Episódio VII - O Despertar da Força gerou no público mais jovem de hoje uma reação em que os filmes I, II e III da franquia... não conseguiram, pronto. Este impacto eu senti em 1978. Star Wars - que, mais tarde, seria chamado de episódio IV (calma, que mais à frente eu explico) - foi o primeiro filme sério e adulto que eu meu irmão fomos ver no cinema. Foi assim que nós o avaliamos naquela época, não é um filme tão sério e adulto assim né? Éramos crianças. Nosso pai nos levou para vê-lo nas férias. Mas foi uma verdadeira novela até conseguirmos ver aquele filme.
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Nos ensaios, com Geoge Lucas, Peter Cushing e Carrie Fisher. Por causa de seu acentuado sotaque escocês, nos bastidores era chamado de "Darth Farmer" ("Darth Fazendeiro") |
Em uma visita à minha tia, que morava na cidade do Rio de Janeiro, eu e meu irmão vimos pela primeira vez o hoje famoso cartaz com Luke Skywalker bem no centro, apontando para cada um que passava diante dele, com a Princesa Leia do seu lado esquerdo e Han Solo a sua direita. Todos em posição que remetiam aos clássicos cowboys do Velho Oeste – só que tinham armas de lasers no lugar das velhas armas de fogo. E, no fundo da cena, havia um cavaleiro de armadura negra que parecia manejar laser com as próprias mãos - Como pode isso?? O nome do filme: Guerra nas Estrelas! Ninguém imaginava naquela época que Star Wars se tornaria a marca milionária de hoje em dia. A distribuidora traduziu o nome do longa.
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Num intervalo das filmagens (de óculos) com Harrison Ford, Carrie Fisher, Peter Mayhew (Chewbacca, o mais alto) e Mark Hamill |
E onde estava a novela? Bom, minha mãe não tinha interesse de nos levar para ver aquele filme. Nem tempo: voltaríamos para nossa cidade naquele mesmo dia. Na época morávamos em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos no interior do Estado do Rio de Janeiro. Quando vivíamos lá, a cidade não tinha NADA! Até a televisão mal conseguia sintonizar os canais em que passavam os desenhos animados mais legais. Era de chorar de tanta frustração. Como convencer meu pai a fazer quatro horas de viagem para ir ao cinema? Pois é, não teve jeito. Apesar de nossa insistência, só tivemos a chance de ir ao cinema em nossas férias, quase um ano depois, quando meu pai nos levou ao Rio de Janeiro.
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Como o monstro de Frankenstein na Hammer. Prowse também fêz monstros em vários seriados da TV inglesa como "Doctor Who" entre outros |
Fomos ao Art Méier, que ficava no subúrbio do Rio. E aí a surpresa: nos aguardando lá estava Star Wars! Era comum na época que filmes que saiam de circuito das salas principais passassem para cinemas menores e menos badalados. Assim os filmes com maior audiência ficavam muito mais tempo em cartaz. Desse modo, meu irmão e eu finalmente entramos e assistimos a Star Wars.
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Foi por "Laranja Mecânica" (1971) que Lucas tomou conhecimento de Prowse e decidiu que ele era o homem certo para dar corpo à Darth Vader |
Star Wars começa com a frase mestre: “Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante...” (Um "Era uma vez" me parece implícito). Vem a impactante e maravilhosa trilha sonora de John Williams que entra direto no sangue e na alma que estabelece em você a magia do cinema em seu mais alto grau. Segue então a descrição da história, escrita em letras inclinadas em perspectiva, seguindo para o infinito. A seguir surge um planeta e uma nave voando rápido em fuga seguida por uma espaçonave tão gigantesca que parecia não ter fim. Talvez pela expectativa alcançada, esse início de filme é para mim o momento mais marcante de Star Wars. Esse momento e o seu vilão.
O filme prossegue. Soldados nervosos se preparam para uma abordagem – uma cena inspirada em diversos filmes de guerra e faroeste. Mas por que ali a sensação era diferente? Os filmes de espaço sideral, que até então eu tinha visto na TV, eram muito bons, mas sem ações de verdadeiro impacto visual e ação vertiginosa, curioso hoje o acharem meio paradinho (a “vertigem” aumentou na verdade). Então os soldados - Stormtroopers – atacam (a ideia de que eles eram robôs durou anos...) e surge aquele Cavaleiro de Negro do cartaz, altivo e insensível ao que passa. Ele segue com sua respiração forte procurando uma princesa, que logo é capturada. E é ela que diz o nome da imponente e sinistra figura: Darth Vader!
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À despeito de sua voz ser dublada (por James Earl Jones) a presença cênica de Prowse foi fundamental, fazendo de Vader um mix de Drácula com monstro de Frankenstein |
Como disse antes, naquela época Star Wars Episódio IV – Uma Nova Esperança era chamado por nós, brasileiros, de Guerra nas Estrelas. E ainda não havia a classificação de Episódio IV. Apesar de deixar pontas soltas, o filme funcionava bem sozinho, sem continuações. Elas vieram devido ao enorme e surpreendente sucesso que o filme alcançou. Sem os outros filmes, Guerra nas Estrelas seria lembrado somente por sujeitos como eu, que o viu no cinema ainda criança e naquela época – um marco inquestionável de uma infância sem referências tão marcantes do entretenimento. O filme tem um bom roteiro, diálogos simples e eficientes, heróis, uma princesa, o bem contra o mal, conceitos novos e instigantes (a Força, Cavaleiros Jedi)... E tem Darth Vader, claro. O homem assustador que nos foi apresentado por aquela princesa e que marcou o cinema e a cultura pop como nenhum outro.
Seu visual foi, sem dúvida, um fator determinante para isso: um cavaleiro medieval de capa, com uma armadura negra brilhante. Seu elmo, que cobre todo o seu rosto, lembra uma caveira. E tinha também sua voz metálica, sua respiração ofegante e pesada. Tão intimidadora que exerce domínio sobre os que o cercam. Alguém teve dúvida quando ele surgiu em cena se seria ou não o cara mau do filme?
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Nos anos 60 como Bodybuilder. Após o primeiro "Star Wars" Prowse foi o preparador físico de Christopher Reeve em "Superman - O Filme" (1978) |
Apesar disso, o Darth Vader do Star Wars de 1978 marcou a memória da criança que eu era pela sua forma de agir. Há limitações para um ator se expressar quando não podemos ver seu rosto, mas um Vader fazendo caras e bocas não funcionaria, não causaria o medo que ele de fato representa. Seus atos demonstram total desprezo a aliados e inimigos. Dá as costas ou silencia o interlocutor quando o assunto não lhe interessa. Não é persuasivo com as palavras, vai direto ao ponto, sem perder tempo. Tortura, bate, exige, mata. Um sujeito duro e violento que enfatiza o que diz com gestos que denotam poder – punhos cerrados, dedo em riste. São ações e gestos que poderiam ser ridículos em outra situação, mas não em Vader, que naquele filme é um enigma. Não sabemos direito de seu passado, nunca vimos quem está por trás da máscara. Mas é óbvio que seu passado deve ser tão sombrio quanto seu rosto.
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4 em 1: Em "O Retorno de Jedi" Vader virou o somatório de : Da esq. para a dir. James Earl Jones (voz),David Prowse (atuação), Bob Anderson (dublê de lutas) e Sebastian Shaw (Ankin Skywalker) |
Isso explica muito das inseguranças e da falta de comando de Kylo Ren, o vilão da vez em Star Wars VII – O Despertar da Força. Apesar da armadura negra e da voz soturna que o capacete lhe dá, seus comandados sabem como é o rosto quase imberbe que existe por trás daquele uniforme. Sabem de seu passado de leite com pera e Ovomaltine ao lado de seus pais amorosos. Sabem da indecisão em seus atos que pode ser percebida em seu olhar. Não é à toa que ele tem uma devoção tão grande pelo vilão: Vader é tudo o que ele queria ser.
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Em 2015, o documentário "I Am Your Father" de Toni Bestard e Marcos Cabotá cobriu a carreira de Prowse, e sua relação com Darth Vader |
A importância do vilão é tamanha que a segunda trilogia da franquia – cronologicamente os episódios I, II e III – é estruturada para contar basicamente a história de como ele se tornou o homem que conhecemos em 1978. E depois da trilogia original – episódios IV, V e VI – e de uma rápida aparição no final do episódio III, finalmente teremos o maior vilão do cinema de volta agora em Rogue One: Uma História de Star Wars. O filme se passa imediatamente antes daquela aventura que tanto batalhei para ver no cinema em 1978 – e que perdi a conta de quantas vezes vi depois disso.
Certamente ele é uma das figuras mais conhecidas da cultura pop: presente em brinquedos, quadrinhos, memes, obras de arte e estampando ou inspirando os mais variados objetos que o dinheiro pode comprar – de meias a chocolate. Podemos dizer que Darth Vader já está inserido em nosso inconsciente coletivo. Mas será que ele ainda é relevante hoje em dia? Vê-lo de novo em ação não vai reduzir o seu significado para as novas gerações? A expectativa em torno de sua volta às telas prova o quanto o público anseia por sua volta. E, justamente por ser uma figura coberta da cabeça aos pés, sem o rosto de alguém para associarmos a ele, esta volta é possível – por que não? Agora, se esta expectativa será plenamente realizada, só podermos afirmar após a estreia de Rogue One.
A criança que fui em 1978 aguarda ansioso por isso.
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