sábado, 18 de junho de 2022

Um vôo mais alto e além... Crítica - Filmes: Top Gun: Maverick (2022)

 


Voar, voar... subir subir...

por Alexandre César

Tom Cruise e a superior continuação do filme de 

1986









“Os aviões são belos, o problema é que eles matam pessoas!”

Lembro deste comentário, da autoria do jornalista Paulo Francis por ocasião do lançamento de Top Gun – Ases Indomáveis (1986) de Tony Scott (falecido em 2012 e a quem o segundo filme é dedicado em memória) no longínquo ano de 1986, época em que os F-14 Tomcats eram o “State of Art” da tecnologia bélica, e embora tenha curtido o filme, guardadas as suas limitações, nunca o encarei como mais do que uma peça representativa de sua época e momento sócio-político, os anos Reagan, quando a guerra fria sofreu um aquecimento e os Yuppies e o neo-liberalismo começou a estender as suas garras pelo mundo.

A rivalidade entre Iceman (Val Kilmer) e Maverick (Tom Cruise) observado por Goose (Anthony Edwards ao fundo) é a tônica do filme de 1986



O filme consagrou como astros Tom Cruise e Val Kilmer, que já vinham escalando seus merecidos lugares ao sol hollywoodiano e colocou no mapa Meg Ryan e Kelly McGillis, transformou em sucessos canções como ”Danger Zone”, de Kenny Loggins; o instrumental “Top Gun Anthem”, de Harold Faltermeyer além de imortalizar o tema “Take my Breathe Away” da banda Berlin do xaroposo romance dos protagonistas nas paradas de sucesso, aparecendo na Billboard Hot 100 e foi vencedor do Oscar de melhor canção original. Algo legal, mas apenas um clássico da Sessão da Tarde. Ou não? 

 

O "Darkstar" é um hipotético avião experimental que Maverick testa e... destrói.

 


Passados 36 anos, estando pronto desde o ano passado e esperando a reabertura maior dos cinemas (por conta da pandemia de COVID-19) para ser lançado adequadamente na tela grande (como foi concebido) Top Gun: Maverick (2022) dirigido por Joseph Kosinski (Oblivion) consegue a façanha de ser uma continuação tardia de um filme que era (sejamos sinceros) apenas ok, em algo realmente bom, e (apesar de seus defeitos congênitos) superando em muito o filme matriz. 

 

Se dependesse do Contra-Almirante Chester ’Hammer’ Cain (Ed Harris) Maverick seria chutado da Marinha por destruir o caro protótipo

 


Reencontramos o Capitão Pete ‘Maverick’ Mitchell (Tom Cruise de Missão: Impossível – Efeito Fallout em ótima forma e seguro no personagem) que após um mal-fadado vôo de testes de um avião experimental, contrariando as orientações do Contra-Almirante Chester ’Hammer’ Cain (Ed Harris de Westworld sempre ótimo), fica a um passo de ser chutado da Marinha, por ter perdido a cara aeronave, e por sua natureza rebelde. 

 

De volta à casa: Maverick retorna à Escola de Caça da Marinha dos Estados Unidos, a "Top Gun", onde não havia permanecido por muito tempo

 


Graças à sua boa estrela (e a um “padrinho” maior ainda...) Maverick é redesignado para a Escola de Armas de Caça da Marinha dos Estados Unidos, a “Top Gun”*1, e chegando a base, ele é instruído pelos Almirantes Beau ’Cyclone’ Simpson (Jon Hamm de Mad Men) e Solomon ‘Warlock’ Bates (Chales Parnell de Grand Crew) do objetivo de sua difícil missão ultra secreta: preparar uma equipe de 12 pilotos para uma missão arriscada e potencialmente suicida, para a destruição de uma instalação de enriquecimento de urânio num país “pária” (???) não nomeado – lembremos que missões similares foram realizadas pela Força Aérea de Israel, ao destruir um reator nuclear no Iraque, em 1981 (Operação Opera), e um reator nuclear na Síria, em 2007 (Operação Orchard). Para a missão eles utilizarão caças Boeing F/A-18 Super Hornet, aeronave embarcada destinada à caça e ataque, e que Maverick domina. O peso desta responsabilidade o levará a encarar seus fantasmas pessoais e a reavaliar muitas das suas escolhas de vida.

 

Na nova missão eles utilizarão caças Boeing F/A-18 Super Hornet,a estrela do momento




O roteiro de Ehren Kruger (Dumbo), Eric Warren Singer (Trapaça) & Chistopher McQuarrie (Missão: Impossível – Efeito Fallout) a partir de uma história e Peter Craig (O Batman) e Justin Marks (Mogli - O Menino Lobo) baseado nos personagens criados por Jim Cash e Jak Epps Jr. tem o mérito de conseguir dosar a nostalgia, mas sem torná-la uma muleta, tornar ‘Maverick’ Mitchell um personagem consistente, com conflitos internos decorrentes de ainda sentir-se culpado pela morte de seu amigo “Goose” e de ter e encarar o seu filho, o Ten. Bradley ’Rooster’ Bradshaw (Miles Teller de Whiplash: Em Busca da Perfeição) um dos 12 jovens pilotos escalados para a missão.

Na "Top Gun", Maverick encara o Almirante Beau ’Cyclone’ Simpson (Jon Hamm)


Em contraste, temos também o reconhecimento por parte de Maverick da necessidade de seguir em frente, aceitando o ritmo inevitável da vida, pois ele nunca avançou em sua carreira (já poderia ser almirante) para poder continuar pilotando, e que pela natureza de seu trabalho nunca se permitiu longos relacionamentos, mas aqui reencontra Penny Benjamin (Jennifer Connelly de Expresso do Amanhã), mãe separada e dona de um bar, filha de um almirante*2, e que havia sido mencionada em uma conversa entre Maverick e Goose, no primeiro filme. 

 

Maverick reencontra Penny Benjamin (Jennifer Connelly) a "filha do almirante"



Dos demais personagens, temos poucas informações, apenas o necessário para o filme andar sendo Wo-1. Bernie ‘Hondo’ Coleman (Bashir Salahuddin de GLOW) o fiel suporte da missão em terra, e dos pilotos, os que tem um breve tempo de tela são o Tenente Jake ‘Hangman’ Seresin (Glen Powell de 10 Days) cuja rivalidade com ‘Rooster’, espelha a relação ‘Iceman’-‘Maverick’, as Tenentes Natasha ‘Phoenix’ Trace (Monica Barbaro de Stumptown) e Callie ‘Halo’ Bassett (Kara Wang de Good Trouble) mostram a presença feminina em situação de igualdade e os Tenentes Robert ‘Payback’ Floyd (Lewis Pullman de Outer Range) e Mickey ‘Fanboy’ Garcia (Danny Ramirez de Falcão e o Soldado Invernal) mostram a inclusão dos negros e latinos na aviação naval americana. Inclusão esta refletida na cena de futebol americano na praia, espelhando a cena do volêi de praia do filme de 1986. 

 

Emoção: O reencontro de Maverick com o Almirante "Iceman" Kazanski (Val Kilmer) é o ponto alto do filme, em funçaõ da condição do ator



A bela fotografia de Claudio Miranda (Oblivion) já na sua abertura mostra a conexão muito profunda entre os dois filmes, nas cenas filmadas no porta-aviões nuclear USS Abraham Lincoln, adornadas pela música de Hans Zimmer (Duna), Harold Faltermeyer (Tiras em Apuros) e Lorne Balfe (Viúva-Negra) que resgatam os temas, “Danger Zone” e “Top Gun Anthem”, apostando no sentimento nostálgico, tendo ainda a boa canção-tema por Lady Gaga, “Hold My Hand”, que também merece destaque. 

 

Maverick não dá mole no treinamento dos candidatos para a missão



A ótima edição de Eddie Hamilton (Kingsman: O Círculo Dourado) consegue a façanha de manter a orientação do espectador nas cenas de vôo, que por mais acrobáticas e cinéticas que sejam, não deixam o real entendimento do que está acontecendo em cena se perder, com cortes precisos nas externas, internas e de outros pontos de vista, dando toda a informação necessária para acompanharmos a missão da equipe. 

 

Conflito: O Ten. Bradley ’Rooster’ Bradshaw (Miles Teller) filho de "Goose"



Os figurinos de Marlene Stewart (Uncharted – Fora do Mapa) define de forma correta Maverick, com sua icônica jaqueta e óculos de aviador e da mesma forma os demais personagens em seus uniformes de vôo, tendo seus capacetes personalizados como elementos que os destacam na multidão, contrastando com os adversários, cujos trajes e capacetes negros com vidros escuros espelhados são a perfeita tradução de uma força desumanizante, que torna os homens máquinas, e assim não nos importamos com seus destinos*3

 

Dos menbros da equipe, os Tenentes Robert ‘Payback’ Floyd (Lewis Pullman) e Natasha ‘Phoenix’ Trace (Monica Barbaro) são os poucos com um mínimo desenvolvimento no roteiro




O desenho de produção de Jeremy Hindle (Ruptura) auxiliado pelas equipes de direção de arte chefiadas por Clint Wallace (Homem-Aranha: Sem Volta para Casa); Paul Laugier (Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore); Andrew Bennett (007 – Sem Tempo Para Morrer); David Meyer (Westworld); Jared Patrick Gerbig (Não Olhe Para Cima); A. Todd Holland Perrine (Ghostbusters: Mais Além) e Aja Kai Rowley (Morbius) criam ambientes espartanamente regrados como as instalações da base, que contrastam com o hangar em que Maverick guarda seu North American P-51D Mustang e sua moto Kawasaki, sendo um verdadeiro museu de sua persona, e ambientes acolhedores como o bar de Penny, ou o escritório do Alm. Tom ‘Iceman’ Kazansky (Val Kilmer de The Doors) que a decoração de sets de Andrew McCarthy (Krypton) e Jan Pascale (Mank) capricha em detalhes que remetem ao passado dos dois amigos, numa cena pungente de seu reencontro. 

Às vésperas da missão ocorre uma grande perda para a equipe

 

 
Os efeitos visuais de Inteligent Species, Moving Picture Company (MPC); Method Studios, Lola Visual Effects, Proof, Blind e Gentle Giant Studios, supervisionados por Ryan Tudhope (Ad Astra: Rumo às Estrelas), Yoshi DeHerrera (
Morbius) e Set Hill (Loki) criam de forma competente todo o ambiente que não foi filmado in loco em caças reais, complementando as cenas de forma orgânica, Destaque à parte é o caça experimental (fictício) “DarkStar” da cena inicial, uma bela evolução do clássico SR71-Blackbird, avião de espionagem que serviu de inspiração para o avião dos X-Men

 

 A rivalidade entre "Rooster" e o Tenente Jake ‘Hangman’ Seresin (Glen Powell) espelha a relação Maverick-Iceman

 


Ao final, à despeito da patriotada (típica de uma potência hegemônica) que reflete a visão americana de mundo*4, (pois, levando em conta o seu passado intervencionista, quem são os Estados Unidos para dizer que nações são “párias”???) Top Gun: Maverick é um filme muito superior ao original, atestando o amadurecimento dramático de Tom Cruise fazendo um drama envolvente, mostrando a evolução de um personagem que se sintetiza na famosa frase do primeiro filme, que é repetida no segundo: “Eu sinto a necessidade... a necessidade de velocidade!” 

 

Maverick acaba chefiando a missão numa "Nação Pária"


Esperemos que esta necessidade não leve o astro (que insiste em fazer cenas perigosas dispensando dublês) a se esborrachar feio num futuro Missão: Impossível... 

 

A missão: As filmagens usaram o máximo de efeitos práticos possíveis, usando o CGI apenas onde era necessário






Notas:




*1: A escola conhecida como TOP GUN surgiu após as recorrentes falhas dos mísseis ar-ar empregados pelas aeronaves dos Estados Unidos ​​em combate nos céus do Vietnã do Norte. Durante a Operação Rolling Thunder, que durou de 2 de março de 1965 a 1.º de novembro de 1968, quase 1 mil aeronaves norte-americanas foram perdidas em cerca de 1 milhão de missões realizadas. 

 


A Força Aérea entendeu que suas perdas aéreas se deviam principalmente a um problema de tecnologia, e com isso, instalaram canhões na principal aeronave de caça empregada pela Força Aérea (o icônico McDonnell Douglas F-4 Phantom II), desenvolveram sistemas de radar aprimorados e trabalharam para resolver os problemas de direcionamento dos mísseis ar-ar. Já a Marinha concluiu que o problema decorreu do treinamento inadequado dos pilotos em combate aéreo. Com isso, foi recomendada a fundação da Escola de Armas de Caça na Estação Aérea Naval de Miramar, também conhecida como “Fightertown USA”, para reviver e disseminar a experiência de combate na aviação embarcada que havia ganho renome para a Marinha durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coreia.




*2: Levando-se em conta a diferença de idade entre Cruise e Connelly, deduzimos que na época do filme original, o envolvimento dos dois deve ter-se dado quando Penny seria uma menina de uns 15, 16 anos, enquanto Maverick estaria entre seus 20, 21 anos, o que hoje em dia seria considerado pedofilia, ainda mais sendo ela a filha de um Almirante, um superior hierárquico.




*3: Desde Alexander Nevsky (1938) de Serguei Eiseinstein que a retratação de um oponente como uma força desumana (os oponentes das forças russas eram o Sacro Império Germãnico, servindo de alegoria das forças do 3° Reich alemão) com os soldados e cavaleiros usando elmos que cobriam seus rostos, fazendo-os parecerem robôs, máquinas sem humanidade, e assim não nos importamos com as suas mortes. O mesmo expediente foi usado em Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977) em que os pilotos dos caças TIE , do Império Galáctico, usam trajes e capacetes negros com máscaras que lhe dão aspecto desumano, em contraste com os pilotos da Aliança Rebelde, todos com seus rostos bem identificáveis. Top Gun – Ases Indomáveis (1986) e o filme atual, usam do mesmo expediente para contrastar os jovens americanos, sorridentes e honrados com seus capacetes coloridos plenos de identidade em contraste com os adversários, indivíduos sem rosto.


*4: No filme, os inimigos são representados explicitamente por equipamento russo, como o helicóptero de ataque e transporte Mil Mi-24 “Hind”, muito empregado na guerra soviética no Afeganistão, e caças de quinta geração, como o Sukhoi Su-57 “Felon”, que está sendo empregado pela Rússia em ataques na Síria e na Ucrânia. 





"- Escolha o seu caça, e bom game!!!"



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