quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Pendurando o coldre - Crítica - Filmes - 007: Sem Tempo Para Morrer (2021)

 


"Temos todo o tempo do mundo"

por Alexandre  César 


A grande despedida de Daniel Craig do icônico papel
 
 


#Oscar 2022

Desde que surgiu no longínquo ano de 1962 em O Satânico Dr. No de Terence Young, Bond, James Bond (também conhecido como 007) penetrou no imaginário coletivo do mundo ocidental e da cultura pop como Sherlock Holmes, Tarzan, Superman e outros heróis que graças ao cinema, transpuseram suas origens literárias, tornando-se referenciais icônicos de suas épocas de origem, mas capazes de se reinventar para acompanhar as novas gerações e continuarem assim pertinentes. 
 
 
Temos um prólogo revelando um episódio da infância de um personagem

O trajeto do superespião com permissão para matar, que entre um drink de vodka com martini (mexido, não batido) pegava toda e qualquer mulher disponível, cristalizou as fantasias masculinas de poder e dominação da época da guerra fria, e é claro, demandou bastante trabalho para polir ao longo dos anos esse ranço datado e sexista para que não acabasse esquecido num canto qualquer... 
 
 

Perigo no paraíso: Madeleine Swann (Léa Seydoux) e James Bond (Daniel Craig) têm problemas na sua "Lua de Mel"

 
Graças aos esforços do produtor Albert R.Brocoli (1909-1996) e de seus filhos Barbara Brocolli e Michael G. Wilson, o legado de Bond navegou por águas tortuosas, se reinventando, mas preservando a sua essência de maneira exemplar, de forma que quanto mais o personagem fincava suas raízes na obra de Ian Fleming, mais ele conseguia mostrar ser mais do que um fóssil da guerra fria. Dentro deste raciocínio, a série sofreu o seu primeiro reboot em décadas com 007: Cassino Royale (2006) de Martin Campbel, que trouxe o louro Daniel Craig como um “diamante bruto” (quase um capanga) que foi “polido” na base da porrada, aprendendo a se refinar no elegante e letal operativo de Sua Majestade, o MI-6. Não foi um aprendizado fácil...
 
 
O amigo da CIA Felix Leiter (Jeffrey Wright) e Logan Ash (Billy Magnussen ao fundo) convocam Bond para uma missão...

...em Cuba, onde Bond tem uma surpresa com um "antigo conhecido"

 
Dirigido por Cary Joji Fukunaga (True Detective) 007 – Sem Tempo Para Morrer  é o 25° filme oficial da franquia, nos brindando com a despedida de Craig do icônico papel de Bond num filme vigoroso, onde ele entrega sua mais sólida performance do agente com permissão para matar, concluindo sua participação em grande estilo, no mais corajoso filme de toda a história da franquia, que poderá revoltar os fãs mais xiitas que não aceitam um Bond menos do que super-humano. Aqui a sua fisicalidade e vulnerabilidade bruta atinge o auge, sangrando, ficando zonzo com a audição abafada pelas explosões, mas com a língua afiada e o sarcasmo cínico de sempre, que camufla seus medos mais íntimos.
 
 
Rostos conhecidos: Moneypenny (Naomie Harris), "M" (Ralph Fiennes) e o Agente Tanner (Rory Kinnear)

 
O roteiro de Fukunaga, Neal Purvis (007 Cassino Royale), Robert Wade (007 – Operação Skyfall) e Phoebe Waller Bridge (Fleabag, Han Solo: Uma História Star Wars que poliu os diálogos) a partir da história de Fukunaga, Purvis e Wade investe cuidadosamente em todos os elementos da fórmula “Fórmula de filme de James Bond”, conectando todos os filmes anteriores desde o reboot de 2006, tornando-os uma única grande história, mas sabendo aqui e ali desconstruir e remontar o personagem. Aqui, Bond se torna de fato um ser humano falível, com medos e inseguranças que rompem a carapaça de seu orgulho, mas nisso, tornando-o de fato um herói inesquecível.
 
 
Estrela da franquia: O clássico Aston-Martin DB5 retorna e brilha em sua participação

 
No prólogo vemos um momento crucial do passado de Madeleine Swann (Léa Seydoux de Kursk: A Última Missão) e os desdobramentos no seu relacionamento com James Bond (Daniel Craig de Entre Facas e Segredos) que reverberam nos anos futuros, quando reencontramos M (Ralph Fiennes da cinesérie Harry Potter) ou melhor Mallory, Q (Ben Whishaw de A Viagem), Eve Moneypenny (Naomie Harris de Rampage: Destruição Total) e o Agente Tanner (Rory Kinnear de Penny Dreadfull: Cidade dos Anjos) e a estreante Nomi (Lashana Lynch de Capitã Marvel) a nova 007, afinal, como eles mesmos dizem, “é apenas um número!"
 
 
O vilão da vez: Lyutsfer Safin (Rami Marek) arquiteta e executa um plano audacioso...

... roubando uma nano-arma de destruição em massa de um laboratório secreto do MI-6

 
Bond, aposentado e desfrutando de uma vida tranquila na Jamaica, é procurado por Felix Leiter (Jeffrey Wright de Westworld) o amigo da CIA, com Logan Ash (Billy Magnussen de A Noite do Jogo) seu auxiliar engomadinho, para uma missão de resgate em Cuba, com a iniciante e explosiva agente Paloma (Ana de Armas de Blade Runner 2049, que pedia mais tempo de tela).
 
 
Durante a missão em Cuba, Bond conta com o auxílio de Paloma (Ana de Armas)

 
Do lado dos vilões, Ernst Stavro Blofeld (Christoph Waltz de Bastardos Inglórios) chefe da SPECTRE, completa seu arco, revelando sua influência na vida e nos relacionamentos de Bond. Mas, o verdadeiro perigo real e imediato é Lyutsifer Safin (Rami Malek de Bohemian Rhapsody), um vilão intrigante, com acesso a uma senhora arma de destruição em massa, mas que ao final, apesar de sua presença impactante sente-se faltar “algo” não muito definido. Com ele temos Valdo Obruchev (David Dencik de McMafia) o cientista FDP da vez e Primo (Dali Benssalah de Chute Libre) o capanga “cíclope” (não, ele não é um mutante que solta rajadas ópticas...) prosseguindo a tradição  de Jaws e Odjobde, capangas exóticos da franquia.
 
 
Bond e Moneypenny recorrem aos serviços de "Q" (Ben Wishaw) para desvendar a natureza da nano-arma

A impecável produção (custo estimado de 250 milhões de dólares) se traduz em cada foto-grama, destacando a música de Hans Zimmer (Dunkirk) com boas variações do tema de Bond criado por Monty Norman, tendo a canção tema ”No Time To Die” de Finneas O´Connell cantada por Billie Eilish, que casa perfeitamente com os ótimos créditos de abertura de Daniel Kleinman (007: Cassino Royale) cujo trabalho rivaliza e até supera o lendário Maurice Binder, que contam boa parte da história em suas imagens simbólicas. (coisa que desde 007 contra Goldeneye de 1995 as aberturas passaram a ser mais narrativas e menos genéricas).

Direção de arte: Filme de Bond sem uma mega-estilosa base de operações do vilão, não é um filme de Bond...

... coisa que a base de Lyutsfer Safin, com silos de mísseis da época da guerra fria demonstra ser até a medula


A edição cinética de Tom Cross (Hostis) e Elliot Graham (Capitã Marvel) mantém o pique narrativo ao longo de suas 2 horas e 43 minutos, acelerando nos momentos tensos e sabendo dar espaço para momentos mais contemplativos quando necessários, nos permitindo admirar a bela fotografia (rodado em Imax) de Linus Sandgren (Trapaça) que valoriza o desenho de produção de Mark Tildesley (Trama Fantasma) e a direção de arte de Mark Harris (Star Wars: Os Últimos Jedi), Andrew Bennet (Dumbo), Neal Callow (007 Contra Spectre), Dean Clegg (Caminhos da Floresta), Tamara Marini (Tomb Raider: A Origem), Sandra Phillips (As Duas Faces de Janeiro) e Mark Scruton (Jogador N°1) que criam espaços que fazem jus à herança de Ken Adam, Peter Lamont e outros designers que tornaram Bond uma das séries mais elegantes e de bom gosto na história do cinema, coisa que a decoração de sets de Veronique Melery (Dois Papas) enfatiza nas sutilezas da casa de Bond na Jamaica (que contrasta com as ruas pobres da ilha) ou nas pinturas de parede dos prédios velhos de Cuba, ecoando a revolução castrista, ou a sala de M (com uma ótima piada sobre a mesa deste) e o salão com quadros dos antigos chefes da seção (vemos nas paredes retratos à óleo e Judi Dench, Bernard Lee e Robert Brown, os “M”s anteriores) e é claro, a mega base estilosa de aspecto brutalista do vilão (sem pelo menos uma, não seria um filme de Bond...).
 
 
a estilosa Nomi (Lashana Lynch) é a nova agente 007 do MI-6, e escolta Madeleine Swann para uma missão atípica

 
Os figurinos de Suttirat Anne Larlarb (Quem Quer Ser Um Milionário) resgatam o clássico smoking bem cortado, que contrasta com o uniforme prático de Nomi e o vestido ultra cavado de Paloma, bem como o austero quimono de Lyutsifer Safin, quando este coloca Bond numa posição de humildade, obrigando-o a despir-se de sua casca de “homem durão” face à possibilidade de perder o que lhe é realmente importante. 
 
Direção de Arte: A casa de Bond na Jamaica é um deleite à parte

 
Complementando o visual da película, temos os efeitos especiais práticos do veterano da série Chris Corbould (A Origem) que detonam carros, motos, edificações etc... à rodo além do ótimo acabamento visual de filmagem e CGI, graças aos efeitos visuais das empresas Cinesite, Framestore, Industrial Light & Magic, Lola Visual Effects, DNEG, Territory Studio, TPO VFX, Proof Inc, Outpost VFX, Clear Angle Studios, Deluxe, Double Negative, Lidar Lounge, Gentle Giant Studios, Blind LTD,
 

Como todo agente 007, Nomi dirige um Aston-Martin. Aqui, um DBS Superleggera

 
Ao final, 007 – Sem Tempo Para Morrer surpreende com a coragem de concluir arcos narrativos de personagens e preparar o terreno para a próxima encarnação do agente secreto mais longevo do cinema, e que dependendo do resultado das bilheterias (o filme ficou esperando um ano para ser lançado por conta da pandemia de COVID-19, que fechou os cinemas e só agora esboça uma tímida reabertura), só o destino dirá se continuará como sendo uma grande história, contada em vários filmes ou, se voltará a dotar o formato episódico, em que cada aventura funcionará de maneira independente, como era em suas origens. Seja como for, a única certeza é que tal qual o mítico pássaro Fênix (que renasce das próprias cinzas) Bond continuará a ser Bond, James Bond.
 

 

"- Foi um longo caminho percorrido Sr. Bond..."

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