por Alexandre César
(Originalmente postado em 30/ 06/ 2018)
Nova temporada aposta no "dia seguinte" da anterior
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"Festa muito louca": William, o "Homem de Preto" (Ed Harris),, no dia seguinte ao massacre
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Ano de 2016. Após anos de gestação chegava ao ar a 1ª temporada de Westworld, usando como base o texto de Michael Crichton para um filme que ele também dirigiu nos anos 70 (Westworld, Onde Ninguém Tem Alma, 1973) E ela se torna um grande e improvável sucesso. Esperava-se na produção a inegável qualidade da HBO,
mas surpreendeu a todos com uma narrativa complexa, misturando dois
gêneros incomuns, e algumas das melhores reviravoltas e surpresas da TV
atual.
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Dolores (Evan Rachel Wood) & Teddy (James Marsden): Uma rajada de balas, muitas balas
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Agora,
mudando a dinâmica de sua temporada de estréia, o que antes era um
mundo cheio de possibilidades (pois, criar algo na encolha e entregar
gratas surpresas a partir de baixas expectativas já não é surpreendente)
ruma agora em uma direção caótica, ao mesmo tempo em que expande este
universo. Se antes havia um cenário de Velho Oeste apresentado como uma
Disneylândia para adultos, com sexo e violência, agora os “Piratas do Caribe” e os personagens de outros cenários tomam conta do pedaço e ninguém mais está rindo e se divertindo...
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Ser ou não ser: Bernard (Jeffrey Wright) e um "drone".
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O
sucesso é algo redentor, mas pode rapidamente virar uma praga bíblica
pelas cobranças e expectativas geradas e agora, com a grande quantidade
de fãs que a série adquiriu, o buraco ficou mais embaixo. Os criadores
deram respostas da melhor forma que a série pode oferecer, mas
levantaram mais perguntas e instigaram o seu público a continuar
acompanhando o seu desenrolar com uma produção impecável, num nível
acima da grande maioria das outras séries.
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Arigatô: Maeve (Thandie Newton) a "gueixa-cafetina"...
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A outrora indefesa Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood,
bela e precisa na sua composição de personagem) se tornou uma impiedosa
revolucionária máquina de matar. Ela é a líder da revolta dos
Anfitriões, capaz de sacrificar tudo e todos que fiquem no seu caminho
para alcançar seus objetivos.
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Ano 2003 - Operação Terra (FutureWorld, 1976): A continuação do Westworld original
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Como diz o ditado: “a mulher faz o homem”. Dolores “faz” o seu amado Teddy Flood (James Marsden, muito mais do que um rostinho bonito). Eles se tornam, durante boa parte da temporada, em versões de Barbie e Ken no modo “Exterminador do Futuro”. Decidida a destruir os humanos e chegar ao Além do Vale, Dolores, de certa forma, trocou de posição com Maeve Millay (Thandie Newton, ótima ao mostrar o aprofundamento da personalidade da “cafetina”).
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James Delos (Peter Mullan): Como todo rico FDP anseia "viver para sempre". Boa sorte...
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Maeve,
por causa da busca por sua filha, torna-se mais sensível nesta
temporada e capaz de demonstrar empatia. Ela e sua trupe , incluindo
Hector Escaton (Rodrigo Santoro,
que, mesmo tendo pouco tempo de tela, mostra como conseguiu superar as
limitações impostas pela indústria por ser um “ator latino”) e Lee
Sizemore (Simon Quaterman, divertido e triste quando necessário), protagonizam momentos memoráveis ao flertar com o estilo do diretor Akira Kurosawa para criar o Shogun World, um "faroeste nipônico"
cujos personagens são suas versões espelhadas num mundo oriental. Muito
legal, mas esta foi uma passagem abrupta, deixando apenas um gostinho de
quero mais. Se a série tiver mesmo cinco temporadas, então devemos
vislumbrar mais um ou dois mundos diferentes pelo menos.
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Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins) e Bernard (Jefrey Wright): O onipresente "Fantasma da Máquina"
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Um ganho para a 2ª temporada de Westworld foi
a possibilidade de explorar novos personagens - apesar de nem sempre
isto ser uma uma boa ideia. Enquanto Charlotte Hale (Tessa Thompson)
ganha a importância merecida na narrativa, atuando com elegância, Karl
Strand (Gustaf Skarsgård), o chefe de segurança da Delos, é
bidimensional, sendo trabalhado apenas o que o roteiro precisa. Erros e
acertos.
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Karl Strand (Gustaf Skarsgard) e Charlotte Halle (Tessa Thompson): O meramente funcional e a personagem de fato...
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O Homem de Preto (Ed Harris,
soberbo em olhares e linguagem corporal), com sua paranoia e violência
absurdas, mostra todo seu potencial, através de sua dor física e
emocional, quando demonstra sua relação frustrada com a esposa Juliet
Delos (a bela Sela Ward) e sua até então incapacidade de ser feliz,
contrastando com seu senso de satisfação com a nova situação do parque -
agora tudo se reduz a uma básica e primitiva luta pela sobrevivência.
Tudo isso culmina no desenlace com sua própria filha, Grace (Katja
Herberts), e seu questionamento da realidade. Em contrapartida,
complementando a sua caminhada, continuamos a acompanhar o seu alter-ego
no passado, o jovem William (Jimmi Simpson,
cheio de nuances em seu personagem), que apresenta um trabalho
equivalente, complementando as informações de quem ele é e porque se
tornou assim. Temos aqui, bem apresentado, um vilão/anti-herói trágico,
cujas nuances e diferenças entre estes dois lados do personagem estão
completamente borradas.
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William e Julet Delos (Sela Ward): A bela e frustrada esposa...
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Um
dos motes centrais desta temporada está na apresentação do
surpreendente projeto pessoal de William quanto ao parque, que retoma a
um tema recorrente da ficção científica: o prolongamento da vida através
da transferência da essência do indivíduo para um corpo mais durável,
seja mecânico ou geneticamente aprimorado (como na série Altered Carbon da Netflix),
permitindo a indivíduos ricos e poderosos, como James Delos (Peter
Mullan), vencer a morte e continuarem a acumular indefinidamente poder e
riqueza, tornando-se quase deuses (quando dá certo...). Esta proposta
nos remete a Futureworld (aqui no Brasil, passou nos cinemas com o título de Ano 2003 – Operação Terra ), filme de 1976, com Peter Fonda e Blyte Danner, dirigido por Richard T. Heffron. Esta é a continuação esquecida do Westworld original e nela temos Yul Brinner reprisando sua clássica versão do Homem de Preto.
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Linhas narrativas: Lee Sizemore (Simon Quaterman), o roteirista das atrações do parque
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O arco da confusão mental e temporal de Bernard (Jeffrey Wright, nos dando o mais humano dos anfitriões), com sua perspectiva truncada, nos guia durante toda a temporada em uma nova forma de “brincar” com
as linhas temporais. Mesmo que sua desorientação o torne um personagem
indigesto, devemos a Bernard grande parte dos mistérios plantados no
decorrer da trama, sendo a relação dele e de Maeve com o ”falecido” Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins, capaz
de atrair toda a atenção para si – mesmo que em silêncio) é
inegavelmente um dos pontos altos da 2ª temporada. Sua presença como
uma “assombração” (na verdade um programa, um “fantasma da máquina”) na
mente da dupla, ora incitando, ora tomando o controle, mostra o quanto o
“velhinho” Ford tinha tudo planejado.
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Conflito de gerações: William e sua filha Grace (Katja Herberts) na sua história conturbada
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Um
momento genial foi a apresentação de uma nova perspectiva do que é
mostrado na série no episódio inteiramente dedicado à sabedoria de
Akecheta (Zahn McClarnon), um dos membros da Nação Fantasma,
brutal tribo indígena que anteriormente apenas servia como figuração,
totalmente à margem da história principal. Aqui temos suas motivações e
objetivos apresentados de maneira clara, conectando-se a todos os outros
protagonistas num dos melhores episódios da temporada, pelo seu tom
poético e até místico.
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Akecheta (Zahn McClarnon) da "Nação Fantasma": De figurante de luxo a protagonista de sua própria história
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O
quebra-cabeças temporal, que define o tabuleiro depois dos
acontecimentos da primeira temporada, mostra novas direções além de
trazer novidades às narrativas - como anfitriões drones tentando retomar
o controle sobre o parque e a breve menção ao Raj World,
que seria um mundo colonial inglês na índia - que prometem expandir
ainda mais o universo. Percebemos que, diferente do que vemos mostrando
que não se trata de alcançar um objetivo final - como foi no ano um - e
sim mostrar que Westworld é apenas um único elemento visto até então de um complexo parque muito maior.
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Hector Escaton (Rodrigo Santoro): Latino, sim. Caricato, nunca!!!
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A
aposta na experimentação visual e temática inseriu o imprevisível na
série, ora entregando algo completamente inédito, ora mudando as suas
próprias regras do jogo a cada capítulo – valendo-se para isso da sua
alta qualidade dos roteiros, do apuro visual e/ou da excelente trilha
sonora de Ramin Djawadi, que apresenta algumas músicas conhecidas do
público, seja usando temas da própria série, em arranjos instrumentais
diversos dos originais, ou apelando a hits conhecidos, marcando os
momentos de drama, humor, suspense e romance, mas, acima de tudo,
sublinhando a ação externa e a introspecção de seus personagens.
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Bernard e Dolores: Quem "programa" quem?
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O
ritmo lento e cadenciado da série afasta muitos, mas premiará os que
forem pacientes. Finda a busca pela “terra prometida”, a 2ª temporada
conseguiu atingir a maioria das expectativas, numa conclusão com cara de
ponto final. Fugindo da lógica da indústria, a HBO percebeu
que o ideal é ter o seu próprio tempo, sem lançar temporadas
apressadamente ano a ano para manter o público cativo, mas sim, se
preocupar em ter uma produção, direção e roteiro impecáveis, com atores
capazes e assuntos que dialogam com o “agora”.
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William e Ford: O "jogo" nunca termina...apenas se expande para uma nova fase... e além
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Para futuro, Westworld pode
apostar em todos os aspectos: do maior teor cinematográfico até a
temática cada vez mais existencialista, pois a produção deu confiança
para as nossas maiores expectativas. Perguntas ainda existem, mas, se
você não quer tentar respondê-las, é que essa série simplesmente não é
para você.
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Todas as apostas estão abertas... |
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