sábado, 8 de agosto de 2020

Depois da "festa de arromba"... - Crítica - Séries: Westworld - 2ª Temporada

 

Livre-arbítrio, identidade e o Fantasma da Máquina

por Alexandre César
(Originalmente postado em 30/ 06/ 2018)

Nova temporada aposta no "dia seguinte" da anterior
 

"Festa muito louca": William, o "Homem de Preto"  (Ed Harris),, no dia seguinte ao massacre

  
Ano de 2016. Após anos de gestação chegava ao ar a 1ª temporada de Westworld, usando como base o texto de Michael Crichton para um filme que ele também dirigiu nos anos 70 (Westworld, Onde Ninguém Tem Alma, 1973) E ela se torna um grande e improvável sucesso. Esperava-se na produção a inegável qualidade da HBO, mas surpreendeu a todos com uma narrativa complexa, misturando dois gêneros incomuns, e algumas das melhores reviravoltas e surpresas da TV atual. 
 

Dolores (Evan Rachel Wood) & Teddy (James Marsden): Uma rajada de balas, muitas balas

 
Agora, mudando a dinâmica de sua temporada de estréia, o que antes era um mundo cheio de possibilidades (pois, criar algo na encolha e entregar gratas surpresas a partir de baixas expectativas já não é surpreendente) ruma agora em uma direção caótica, ao mesmo tempo em que expande este universo. Se antes havia um cenário de Velho Oeste apresentado como uma Disneylândia para adultos, com sexo e violência, agora os “Piratas do Caribe” e os personagens de outros cenários tomam conta do pedaço e ninguém mais está rindo e se divertindo...
 

Ser ou não ser: Bernard (Jeffrey Wright) e um "drone".

 
O sucesso é algo redentor, mas pode rapidamente virar uma praga bíblica pelas cobranças e expectativas geradas e agora, com a grande quantidade de fãs que a série adquiriu, o buraco ficou mais embaixo. Os criadores deram respostas da melhor forma que a série pode oferecer, mas levantaram mais perguntas e instigaram o seu público a continuar acompanhando o seu desenrolar com uma produção impecável, num nível acima da grande maioria das outras séries. 
 

Arigatô: Maeve (Thandie Newton) a "gueixa-cafetina"...

 
A outrora indefesa Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood, bela e precisa na sua composição de personagem) se tornou uma impiedosa revolucionária máquina de matar. Ela é a líder da revolta dos Anfitriões, capaz de sacrificar tudo e todos que fiquem no seu caminho para alcançar seus objetivos. 
 

Ano 2003 - Operação Terra (FutureWorld, 1976): A continuação do Westworld original

 
Como diz o ditado: “a mulher faz o homem. Dolores “faz” o seu amado Teddy Flood (James Marsden, muito mais do que um rostinho bonito). Eles se tornam, durante boa parte da temporada, em versões de Barbie e Ken no modo Exterminador do Futuro. Decidida a destruir os humanos e chegar ao Além do Vale, Dolores, de certa forma, trocou de posição com Maeve Millay (Thandie Newton, ótima ao mostrar o aprofundamento da personalidade da “cafetina”). 
 

James Delos (Peter Mullan): Como todo rico FDP anseia "viver para sempre". Boa sorte...

 
Maeve, por causa da busca por sua filha, torna-se mais sensível nesta temporada e capaz de demonstrar empatia. Ela e sua trupe , incluindo Hector Escaton (Rodrigo Santoro, que, mesmo tendo pouco tempo de tela, mostra como conseguiu superar as limitações impostas pela indústria por ser um “ator latino”) e Lee Sizemore (Simon Quaterman, divertido e triste quando necessário), protagonizam momentos memoráveis ao flertar com o estilo do diretor Akira Kurosawa para criar o Shogun World, um "faroeste nipônico" cujos personagens são suas versões espelhadas num mundo oriental. Muito legal, mas esta foi uma passagem abrupta, deixando apenas um gostinho de quero mais. Se a série tiver mesmo cinco temporadas, então devemos vislumbrar mais um ou dois mundos diferentes pelo menos.
 

Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins) e Bernard (Jefrey Wright): O onipresente "Fantasma da Máquina"

 
Um ganho para a 2ª temporada de Westworld foi a possibilidade de explorar novos personagens - apesar de nem sempre isto ser uma uma boa ideia. Enquanto Charlotte Hale (Tessa Thompson) ganha a importância merecida na narrativa, atuando com elegância, Karl Strand (Gustaf Skarsgård), o chefe de segurança da Delos, é bidimensional, sendo trabalhado apenas o que o roteiro precisa. Erros e acertos.
 

Karl Strand (Gustaf Skarsgard) e Charlotte Halle (Tessa Thompson): O meramente funcional e a personagem de fato...

 
O Homem de Preto (Ed Harris, soberbo em olhares e linguagem corporal), com sua paranoia e violência absurdas, mostra todo seu potencial, através de sua dor física e emocional, quando demonstra sua relação frustrada com a esposa Juliet Delos (a bela Sela Ward) e sua até então incapacidade de ser feliz, contrastando com seu senso de satisfação com a nova situação do parque - agora tudo se reduz a uma básica e primitiva luta pela sobrevivência. Tudo isso culmina no desenlace com sua própria filha, Grace (Katja Herberts), e seu questionamento da realidade. Em contrapartida, complementando a sua caminhada, continuamos a acompanhar o seu alter-ego no passado, o jovem William (Jimmi Simpson, cheio de nuances em seu personagem), que apresenta um trabalho equivalente, complementando as informações de quem ele é e porque se tornou assim. Temos aqui, bem apresentado, um vilão/anti-herói trágico, cujas nuances e diferenças entre estes dois lados do personagem estão completamente borradas.
 

William e Julet Delos (Sela Ward): A bela e frustrada esposa...

 
Um dos motes centrais desta temporada está na apresentação do surpreendente projeto pessoal de William quanto ao parque, que retoma a um tema recorrente da ficção científica: o prolongamento da vida através da transferência da essência do indivíduo para um corpo mais durável, seja mecânico ou geneticamente aprimorado (como na série Altered Carbon da Netflix), permitindo a indivíduos ricos e poderosos, como James Delos (Peter Mullan), vencer a morte e continuarem a acumular indefinidamente poder e riqueza, tornando-se quase deuses (quando dá certo...). Esta proposta nos remete a Futureworld (aqui no Brasil, passou nos cinemas com o título de Ano 2003 – Operação Terra ), filme de 1976, com Peter Fonda e Blyte Danner, dirigido por Richard T. Heffron. Esta é a continuação esquecida do Westworld original e nela temos Yul Brinner reprisando sua clássica versão do Homem de Preto.
 

Linhas narrativas: Lee Sizemore (Simon Quaterman), o roteirista das atrações do parque

 
O arco da confusão mental e temporal de Bernard (Jeffrey Wright, nos dando o mais humano dos anfitriões), com sua perspectiva truncada, nos guia durante toda a temporada em uma nova forma de “brincar” com as linhas temporais. Mesmo que sua desorientação o torne um personagem indigesto, devemos a Bernard grande parte dos mistérios plantados no decorrer da trama, sendo a relação dele e de Maeve com o ”falecido” Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins, capaz de atrair toda a atenção para si – mesmo que em silêncio) é inegavelmente um dos pontos altos da 2ª temporada. Sua presença como uma “assombração” (na verdade um programa, um “fantasma da máquina”) na mente da dupla, ora incitando, ora tomando o controle, mostra o quanto o “velhinho” Ford tinha tudo planejado.
 
 
 Conflito de gerações: William e sua filha Grace (Katja Herberts) na sua história conturbada

 
Um momento genial foi a apresentação de uma nova perspectiva do que é mostrado na série no episódio inteiramente dedicado à sabedoria de Akecheta (Zahn McClarnon), um dos membros da Nação Fantasma, brutal tribo indígena que anteriormente apenas servia como figuração, totalmente à margem da história principal. Aqui temos suas motivações e objetivos apresentados de maneira clara, conectando-se a todos os outros protagonistas num dos melhores episódios da temporada, pelo seu tom poético e até místico.
 

Akecheta (Zahn McClarnon) da "Nação Fantasma": De figurante de luxo a protagonista de sua própria história

 
O quebra-cabeças temporal, que define o tabuleiro depois dos acontecimentos da primeira temporada, mostra novas direções além de trazer novidades às narrativas - como anfitriões drones tentando retomar o controle sobre o parque e a breve menção ao Raj World, que seria um mundo colonial inglês na índia - que prometem expandir ainda mais o universo. Percebemos que, diferente do que vemos mostrando que não se trata de alcançar um objetivo final - como foi no ano um - e sim mostrar que Westworld é apenas um único elemento visto até então de um complexo parque muito maior. 
 

Hector Escaton (Rodrigo Santoro): Latino, sim. Caricato, nunca!!!

 
A aposta na experimentação visual e temática inseriu o imprevisível na série, ora entregando algo completamente inédito, ora mudando as suas próprias regras do jogo a cada capítulo – valendo-se para isso da sua alta qualidade dos roteiros, do apuro visual e/ou da excelente trilha sonora de Ramin Djawadi, que apresenta algumas músicas conhecidas do público, seja usando temas da própria série, em arranjos instrumentais diversos dos originais, ou apelando a hits conhecidos, marcando os momentos de drama, humor, suspense e romance, mas, acima de tudo, sublinhando a ação externa e a introspecção de seus personagens. 
 

Bernard e Dolores: Quem "programa" quem?

 
O ritmo lento e cadenciado da série afasta muitos, mas premiará os que forem pacientes. Finda a busca pela “terra prometida”, a 2ª temporada conseguiu atingir a maioria das expectativas, numa conclusão com cara de ponto final. Fugindo da lógica da indústria, a HBO percebeu que o ideal é ter o seu próprio tempo, sem lançar temporadas apressadamente ano a ano para manter o público cativo, mas sim, se preocupar em ter uma produção, direção e roteiro impecáveis, com atores capazes e assuntos que dialogam com o “agora”. 
 


William e Ford: O "jogo" nunca termina...apenas se expande para uma nova fase... e além


Para futuro, Westworld pode apostar em todos os aspectos: do maior teor cinematográfico até a temática cada vez mais existencialista, pois a produção deu confiança para as nossas maiores expectativas. Perguntas ainda existem, mas, se você não quer tentar respondê-las, é que essa série simplesmente não é para você.


Todas as apostas estão abertas...

 

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