Por Alexandre César

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Em preto e branco,Warren William,Raymond Burr e Monte Markham, encarnações anteriores do personagem, agora interpretado por Matthew Rhys (em cores) num aproach mais humano e falho... |
Criado por Rolin Jones (Boardwalk Empire) Ron Fitzgerald (Weeds) para a HBO tendo entre os produtores Robert Downey Jr. (Doolittle) e sua esposa Susan Downey (Beijos e Tiros) e dirigido por Tim Van Patten (O Pacífico) e Deniz Gamze Ergüven (O Conto da Aia) Perry Mason traz de volta, repaginado, o futuro advogado, dando-nos a oportunidade de acompanhar a sua origem, como um detetive (destoando da imagem glamourosa de detetive noir) bem distante do advogado a que o grande público está acostumado.
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O "saber olhar": Mason vai procurando na investigação as conecções dos fatos, sejam elas visíveis ou não... |
Ambientado na Los Angeles de 1932, aqui no auge da Grande Depressão, Mason (Matthew Rhys de Um Lindo Dia na Vizinhança) é o último de sua família, agarrando-se como pode para manter a propriedade que outrora produzia leite, assombrado pelos fantasmas e suas experiências de stress pós-traumático na Primeira Guerra Mundial, e traumatizado pelo fim de seu casamento, vivendo subempregado e fazendo com seu amigo Pete Strickland ( Shea Whingham de Marvel´s Agent Carter) biscates de dar flagrantes em celebridades (e muitas vezes levando surras neste processo) sendo considerado um vagabundo maltrapilho pelos policiais, enquanto dribla (entre bebedeiras e sexo) as investidas de sua amante Lupe Gibbs (Veronica Falcón de A Rainha do Sul) que quer comprar a sua propriedade. Mason trabalha para o advogado idoso E. B. Jonathan (John Lithgow de Planeta dos Macacos: A Origem numa performance comovente) que já viu dias melhores em sua carreira, estando em declínio, e contando basicamente com Mason e Della Street (Juliet Rylance de McMafia) sua secretária e braço-direito para ainda se manter no ramo.
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E. B. Jonathan (John Lithgow) e Della Street (Juliet Rylance) são os empregadores de Mason na investigação... |
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Irmã Alice McKeegan (Tatiana Maslany): Quase uma "Femme Fatale de Deus"... |
Jonathan é contratado para defender o casal Matthew (Nate Corddry de O Círculo) e Emily Rankin (GLOW!) acusados de forjar o sequestro que resultou na morte de seu bebê, sendo eles devotos da Radiante Assembléia de Deus, igreja liderada pela Irmã Alice McKeegan (Tatiana Maslany de Orphan Black) que é submetida a uma rotina sufocante de cultos e louvores por parte dos diáconos (afinal são só negócios...) e demais membros da cúpula da igreja, levando-a ao esgotamento nervoso, ao encarar os seus fantasmas do passado, alguns deles remetendo à abusos na infância.
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As descrições vagas dos romances de Erle Stanley Gardner serviram para a composição de ambientes, como o futuro escritório de Mason e Street, com riqueza de detalhes, situando a época... |
Ao longo de seus oito episódios de uma hora, a um um custo de produção de 74,3 milhões de dólares, a série bem em sintonia com os tempos atuais, repagina igualmente personagens conhecidos dos livros, mudando etnia e sexualidade*3, mostrando o quanto a realidade daqueles anos é mais similar à atual do que pensamos, deixando evidente o racismo, a homofobia, a corrupção disfarçada de moralismo direitista, quando as engrenagens do sistema esmagam os desassistidos de acordo com a sua conveniência, como o promotor Maynard Barnes (Stephen Root de O Homem do Castelo Alto) que para alavancar sua reeleição decide acusar Emily da responsabilidade do sequestro, forçando interrogatórios ilegais e outros estratagemas, como coagir o policial Paul Drake (Chris Chalk de Olhos que Condenam) a mudar o seu relatório de uma cena de crime.
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Emily Dodson é amparada pela Irmã Alice McKeegan, e por Birdy McKeegan (Lili Taylor) a "mãe" da evangelista... |
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As cenas da greja mostram o poder da palavra da Irmã Alice McKeegan, que fervorosa, começa a acreditar nas próprias "profecias"... |
Mason, sempre com seu chapéu fedora e um cigarro na boca além de sua pequena máquina fotográfica, vai a despeito de seus modos e visual encardido, vai usando o seu faro para cavar a verdade, enquanto troca a sua gravata manchada de mostarda por outra de um defunto do necrotério (“- ele não vai pecisar mesmo...”) ou levando uma surra de algum desafeto, e além de expor as falcatruas de Barnes, vai sacando as jogadas do clero da igreja de McKeegan, que além de explorá-la planejam descartá-la por conveniências financeiras, e em suas ações muito pouco ortodoxas é que (em meio aos seu desmazelo) vai aflorando a sua força moral nos permitindo sentir o defensor que futuramente irá se tornar.
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A acusação do Promotor Maynard Barnes (Stephen Root) contra Emily Dodson é totalmente circunstancial e moralista... |
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O julgamento é uma verdaeira arena onde a manipulação do poder luta pela narrativa da história... |
Na metade da temporada uma tragédia pessoal, aliada à capacidade de Della de pensar rápido, mais a sua rede de conhecimentos e sua compreensão de que fazer o certo (e não exatamente o que a lei manda) é realmente o caminho a seguir, se encarregam de jogá-lo à posição de ter de assumir a defesa de Emily Rankin, e graças ao apoio de Della Street, ele vai se reinventando de detetive maltrapilho à advogado de respeito, mostrando ao longo da série que todas as qualidades e características do personagem literário já estavam lá, só que dispersas, precisando de um empurrão para Mason assumir, e abraçar, entre os vários tropeços, os rumos de sua vida. Mostrando saber a diferença entre o certo e o “legal” e assim iniciando o seu processo de redenção e posterior desapego à sua vida pregressa.
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Mulher de negócios: Lupe Gibbs (Veronica Falcón) a amante de Mason quer comprar a sua propriedade para ampliar o seucampo de pouso... |
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Legado: A propriedade familiar de Mason está largada e decadente por causa de sua miséria financeira... |
Visualmente o desenho de produção de John P. Goldsmith (The OA), aliado à direção de arte de Chris Farmer (Logan), Robert Joseph e Anthony D. Parrillo e à decoração de sets de Halina Siwolop (Pokémon: Detetive Pikachu) criam espaços que refletem tanto as posições sócio-econômicas e seus personagens, como seus estados mentais e emocionais, como o sítio mal cuidado e em desordem de Mason ou a grandiosidade brega do salão da Igreja da Irmã, McKeegan, cujos figurinos de Emma Potter (True Detective) refletem bem o ridículo dos “cidadãos de bem” que se colocam como baluartes da moralidade mas realmente só se importam com a arrecadação de dízimos dos fiéis.
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Mason, por força das circunstâncias, se prepara, à toque de caixa para assumir a defesa, pois mais de 50 advogados foram consultados, e não quiseram o caso... |
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Apesar de muitos carros nas ruas, não faltam filas (iniciadas no dia anterior) nas agências de empregos... |
Os efeitos visuais das empresas Pixomondo, Craft Apes, Teamworks Digital e Digital Domain 3.0 supervisionados por Justin Ball (Scream Queens) recriam bem as paisagens da Los Angeles da era da depressão, onde apesar da pobreza geral, as indústrias do cinema e do petróleo despontavam, além das ótimas sequências da guerra de trincheiras das lembranças pós-traumáticas de Mason ou os delírios da Irmã McKeegan.
Terminando de forma agridoce no melhor estilo noir Perry Mason aponta nesta história de origem os rumos que seus personagens levarão mais adiante nas suas vidas até se cristalizarem nos personagens delineados por Erle Stanley Gardner em seus livros, mas não em suas encarnações televisivas e cinematográficas anteriores, transmitindo assim a mensagem de que seja a força de um distintivo policial, ou o alcance de um discurso religioso ou ainda os acalorados argumentos proferidos em um tribunal, não devemos nunca deixar de questionar a honestidade das voz que ecoa em nossa consciência, nossos ouvidos e no coração, e neste processo vemos a caminhada de personagens reais, com suas bagagens de solidão, fracassos e incertezas, mas tirando disso a força para seguir em frente e tentar fazer o que é certo enquanto sobrevivem no dia a dia, aprendendo e aceitando que nem todas as respostas serão encontradas, mas seguindo em frente, celebrando não o herói, mas a grandeza do humano imperfeito.
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Aimee McPherson: A primeira grande evangelista midiática norte-americana. Depois dela todos seguiram seus passos na construção de grandes shows de catarse... |
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