quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Teoricamente tudo funcionaria, mas... - Artemis Fowl: O Mundo Secreto (2020)


Tentando ser "descolado" e só...

 por Alexandre César 

(Originalmente postado em 26/ 08/ 2020)


Branagh e Disney erram feio ao adaptar a série

 

"O Filme": 125 milhões de dólares direto para o streaming...


Desde que um certo bruxinho pôs os pés numa escola de magia na Inglaterra, ganhando uma legião de fãs e, o mundo, graças a sua mais do que bem sucedida transição para a tela grande, que os estúdios estão mais do que avidamente caçando séries literárias juvenis que tenham potencial para tornarem-se rentáveis franquias, e assim tornarem-se possuidores do “Novo Harry Potter”. Não é necessário dizer na grande maioria das vezes eles deram com os burros n´água por optarem por “caminhos fáceis” que frequentemente descaracterizavam as obras que tinham em mãos criando um “mais-do-mesmo” que não agradava aos fãs do original e sem um diferencial que atraia o espectador ocasional de cinema.

 

"Só pagando o aluguel": Artemis Fowl pai (Colin Farrel) e filho (Ferdia Shaw)...

 

Agora, a “bola da vez” é Artemis Fowl, um garoto de 12 anos, único herdeiro da família Fowl, que não tem uma boa personalidade: com um QI altíssimo (o maior da Europa) e uma frieza perceptível, que utiliza seu conhecimento e habilidades para interesses próprios e muito pouco nobres, sendo que a sua descoberta de um mundo totalmente novo, o Mundo das Fadas, o colocando-o em rota de colisão com Opala Koboi, uma duende muito inteligente e perigosa, além de haver nos livros códigos e criptogramas variados que desafiam o pequeno gênio e instigam o leitor a acompanhar a trama, num misto de policial, ação e fantasia. Ou seja: tinham tudo para fazer um filme que daria certo... ou não?

Domovoi Butler (Nonso Anozie), o guarda-costas dos Fowl (e sua caracterização "exótica")...

Baseado na série de livros de Eoin Colfer e dirigido por Kenneth Branagh (Assassinato no Expresso do Oriente) Artemis Fowl: O Mundo Secreto (2020) é provavelmente o seu pior filme, tendo sido sua produção um verdadeiro trem desgovernado, começando em 2001 pela Miramax, com Harvey Weinstein na chefia e Lawrence Guterman (Como Cães e Gatos e O Filho do Máscara) e terminando na Disney, num resultado genérico e pouco atrativo enquanto aventura, com um enorme potencial de valores de produção desperdiçado, sendo um filme que foi claramente produzido e idealizado para ir ao cinema, mas muito provavelmente por causa do coronavirus ele foi lançado diretamente no Disney+ o serviço de streaming da Disney.

A misteriosa Opal, a arqui-inimiga de Artemis Fowl...


O roteiro de Conor McPherson (Paula) e Hamish McColl (As Aventuras de Paddington) tenta adaptar os dois primeiros volumes da série de livros, colocando-nos na vida de Artemis Fowl (o iniciante Ferdia Shaw, que faz o que pode, mas “não segura a onda”), um garoto de 12 anos extremamente inteligente que descobre um grande segredo de seu pai Artemis Fowl Senior (Collin Farrel de Magnatas do Crime no “piloto automático”), que foi capturado pela sombria Opal (Charlie Cameron de Poppy Cat) que lhe oferece a liberdade do pai em troca do “aculos”, um artefato místico de grande poder, pertencente ao Mundo das Fadas, sendo assim “jogado” num mundo que ele imaginava existir apenas na imaginação e nas histórias que ouviu durante toda a sua infância, contando apenas com o suporte de Domovoi Butler (Nonso Anozie de Cinderela numa caracterização para lá de “qualquer-coisa”) o guarda-costas da família e de sua sobrinha, também de 12 anos, Juliet (Tamara Smart de O Pior Dia das Bruxas).

 

Na prisão, Mulch Diggums (Josh Gad) o anão (gigante)-escavador, tem de lidar com o Chefe goblin (Adrian Scarborough). A maquiagem dos personagens fantásticos é bem feita ...

Os problemas começam pelo fato de Shaw não ter o talento e o carisma necessário para sustentar uma franquia de sucesso, não revelando para o espectador a complexa personalidade de Artemis Fowl Jr.(que saudades do jovem Daniel Radcliffe...) além de o roteiro também não dar oportunidades para que Fowl se mostre como algo mais do que um menino mimado com acesso a tecnologia de ponta. Para quem conhece pelo menos o subtítulo da série de livros ("O Menino Prodígio do Crime") é decepcionante a demora de surgir alguma demonstração mais notável das artes criminosas do garoto e, quando acontece, não é suficiente para justificar tudo aquilo que o texto havia mostrado em relação ao garoto.

 
Logo, a fada Holly Short (Lara McDonnel) e o anão (gigante)-escavador se unem a Butler e Fowl, para enfrentar as ameaças...
 
 
Dos personagens do Mundo das Fadas, merecem destaque Mulch Diggums (Josh Gad de A Bela e a Fera) o anão (gigante) escavador que inicialmente soa bastante artificial, colocando-o como alívio cômico, com o desenrolar da trama , surpreendentemente, se tornou o mais complexo e profundo dos personagens, com diversas nuances. Da mesma forma, a agente Holly Short (Lara McDonnel de Simplesmente Acontece) da LEP (Liga de Elite da Polícia) se revela um personagem interessante que não pôde ser desenvolvido, por falta de espaço no roteiro para tal.
 
Uma atriz de verdade: Comandante Root (Judi Dench) chefia o exército das Fadas, dando seriedade a um personagem que em mãos menos hábeis cairia no ridículo...

 
Já a Comandante Root (Judi Dench de Assassinato no Expresso do Oriente) por outro lado, transmite uma austeridade e seriedade que transforma automaticamente o Mundo das Fadas em algo crível dando inclusive a seriedade necessária para os figurinos de Sammy Sheldon (Homem-Formiga), que passam próximos do ridículo, tornem-se, graças à intérprete, em algo com a seriedade necessária para a trama.
 
O desenho de produção, a direção de arte e os efeitos visuais são os grandes trunfos do filme criando um mundo fantástico e com uma lógica própria...
  
 
Além do roteiro a edição de Matthew Tucker (Patrick) está de tal forma retalhada que torna a trama confusa e desinteressante, dando a impressão de que o filme ficou incompleto em sua pós-produção e de não ter havido uma revisão do roteiro, dadas as falhas óbvias de lógica de narrativa e de coerência interna, com personagens que aparecem sem terem sido apresentados, e acabam não fazendo nada, ou aparecendo em lugares onde não estavam ou objetos se movendo de um lugar para o outro sem motivo aparente, ou ainda cenas que parecem não possuir conexão nenhuma entre si e, em outros casos, claramente estão faltando cenas que conectam momentos. sendo um erro primário para um filme com o orçamento de 125 milhões de dólares (e ainda falam mal dos filmes baratos do Roger Corman...).
 
 
O troll gigante (Taylor James): A fusão maquiagem com CGI dos personagens fantásticos é muito bem coordenada...

 
Visualmente o filme é até muito bonito, com a fotografia de Haris Zambarloukos (Assassinato no Expresso do Oriente) trabalhando em sintonia com os efeitos visuais da MPC, Framestore, Industrial Light & Magic, Buf, Rise, Exceptional Minds, The Third Floor com soluções interessantes, sendo de longe uma das melhores coisas do filme. já o desenho de produção de Jim Clay (Assassinato no Expresso do Oriente), a direção de arte de Andrew Ackland-Snow (cinesérie Harry Potter), Dominic Masters (Mulher-Maravilha), Oliver Carroll (Han Solo: Uma História Star Wars) entre outros e a decoração de sets de Celia Bobak (The Crown) criando um Mundo das Fadas em que a “magia” é apenas uma forma de tecnologia diferente da nossa, mas extremamente crível, em alguns momentos até lembrando Star Wars, mostrando a coexistência dos dois mundos que, são postos em guerra pela posse de um artefato que pode mudar a realidade como a conhecemos.
 
Figurino: Não fosse a seriedade de Judi Dench, e estaríamos achando que são "Lumpa-Lumpas verdes" ...

O diferencial quanto à boa construção de mundo desta obra está como em Uma Dobra No Tempo, Máquinas Mortais e A Bússola Dourada (outros exemplos de filmes com potencial de boas histórias desperdiçado) e a meio caminho de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, mas ainda sim o roteiro de Luc Besson traça uma linha narrativa contando uma história que chega (aos tropeços) em algum lugar, o que não é o caso por aqui, pois mal conseguimos partir do ponto de origem, com o roteiro insistindo demasiadamente em exposições. A música de Patrick Doyle (Thor) é funcional, sublinhando a ação e os momentos mais reflexivos, mas não é memorável.
 
Juliet (Tamara Smart) a sobrinha de Butler, de 12 anos também é um prodígio nas artes do combate e da informática...

Ao final, a Disney acabou tomando a decisão correta ao estrear Artemis Fowl: O Mundo Secreto diretamente no streaming, não aguardando o retorno dos cinemas para o lançamento pois a adaptação é bonita o suficiente para entreter às crianças pequenas, mas tem um roteiro tão fraco, que dificilmente conseguiria sustentá-lo em cartaz por mais de uma ou duas semanas. Talvez até se optarem por reformatar as aventuras de Fowl para uma série, tal qual a HBO fez com His Dark Materials/ Fronteiras do Universo eles finalmente encontrem um caminho adequado para o jovem gênio do crime...      
 
 
- "Diga AAHHH!!!"


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