Bons e Velhos Tempos que não voltam...
por Alexandre César
(Originalmente postado em 16/ 08/ 2019)
Tarantino e a sua agridoce fábula de História Alternativa
-- ATENÇÃO. CONTÉM SPOILLERS!!! --

Uma fábula de história alternativa, num universo similar ao nosso
Era uma vez um nerd aficionado em cinema apaixonado por filmes trash, blaxploiation, western spagheti, kung-fu e muita nouvelle vague entre outras vertentes as mais conflitantes possíveis que, aproveitando o emprego de balconista na Video Archives, locadora de vídeo na Manhattan Beach
dos anos 1980 procurou ver tudo o que podia por as mãos do catálogo da
loja, sendo capaz de em pouquíssimo tempo indicar aos clientes os filmes
que por ventura estivessem procurando. Paralelo a isso, ia escrevendo
na sua velha máquina de escrever roteiros, reciclando, reinventando e
cruzando as referências do que via no vídeo da locadora e nas telas dos
cineclubes e grindhouses*1
que frequentava na periferia da cidade. Casualmente, de tanto conversar
sobre filmes, ficou amigo de um colega da locadora, que viria a se
tornar importante produtor, e colaborador. Ao longo dos anos tentou a
carreira de ator e estudou teatro na James Best Theatre Company e depois na Allen Garfield's Actors' Shelter ,
mas continuou escrevendo até, conseguir vender dois roteiros e chamou
logo a atenção dos profissionais do meio e graças a indicação da esposa
de um ator consagrado, que o conhecia e, a seus roteiros, ajudou-o a
levantar fundos, para se aventurar num filme de baixo orçamento que lhe
rendeu fama, reconhecimento e um lugar único na história do cinema. O
colega da locadora era o futuro produtor e roteirista Roger Avery, os
roteiros vendidos eram os de Amor à Queima-Roupa (1993) de Tony Scott e Assassinos Por Natureza (1994) de Oliver Stone, o ator, era Harvey Keitel, o filme era Cães de Aluguel (1992), e o nerd promissor era Quentin Tarantino.

Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) já foi um astro, mas agora só faz participações especiais em seriados, geralmente como o vilão, que o herói acaba matando...
Agora,
com uma carreira promissora, tendo vários prêmios conquistados em
inúmeros festivais, sendo disputado por vários astros, aliado a um bom
retorno de bilheteria, o que lhe permite vôos ousados, sempre
reinventando o imaginário pop de acordo com a sua visão única, agora ele nos entrega a sua elegia, ao cinema dos tempos de sua infância e juventude, o fim da Era de Ouro
do cinema norte-americano, no final da década de 1960, quando o sistema
de grandes estúdios declinou, dando o lugar aos conglomerados
corporativos, o auge da contracultura, do flower power, e da Guerra do Vietnã, quando os EUA, para sua surpresa e angústia, perceberam que eram humanos, e falíveis...

Ao longo do filme, sempre cruzamos com algum cinema passando algum filme emblemático do período,seja de qualquer gênero
-- ATENÇÃO. CONTÉM SPOILLERS!!! --
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Uma fábula de história alternativa, num universo similar ao nosso
|
Era uma vez um nerd aficionado em cinema apaixonado por filmes trash, blaxploiation, western spagheti, kung-fu e muita nouvelle vague entre outras vertentes as mais conflitantes possíveis que, aproveitando o emprego de balconista na Video Archives, locadora de vídeo na Manhattan Beach
dos anos 1980 procurou ver tudo o que podia por as mãos do catálogo da
loja, sendo capaz de em pouquíssimo tempo indicar aos clientes os filmes
que por ventura estivessem procurando. Paralelo a isso, ia escrevendo
na sua velha máquina de escrever roteiros, reciclando, reinventando e
cruzando as referências do que via no vídeo da locadora e nas telas dos
cineclubes e grindhouses*1
que frequentava na periferia da cidade. Casualmente, de tanto conversar
sobre filmes, ficou amigo de um colega da locadora, que viria a se
tornar importante produtor, e colaborador. Ao longo dos anos tentou a
carreira de ator e estudou teatro na James Best Theatre Company e depois na Allen Garfield's Actors' Shelter ,
mas continuou escrevendo até, conseguir vender dois roteiros e chamou
logo a atenção dos profissionais do meio e graças a indicação da esposa
de um ator consagrado, que o conhecia e, a seus roteiros, ajudou-o a
levantar fundos, para se aventurar num filme de baixo orçamento que lhe
rendeu fama, reconhecimento e um lugar único na história do cinema. O
colega da locadora era o futuro produtor e roteirista Roger Avery, os
roteiros vendidos eram os de Amor à Queima-Roupa (1993) de Tony Scott e Assassinos Por Natureza (1994) de Oliver Stone, o ator, era Harvey Keitel, o filme era Cães de Aluguel (1992), e o nerd promissor era Quentin Tarantino.
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Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) já foi um astro, mas agora só faz participações especiais em seriados, geralmente como o vilão, que o herói acaba matando...
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Agora,
com uma carreira promissora, tendo vários prêmios conquistados em
inúmeros festivais, sendo disputado por vários astros, aliado a um bom
retorno de bilheteria, o que lhe permite vôos ousados, sempre
reinventando o imaginário pop de acordo com a sua visão única, agora ele nos entrega a sua elegia, ao cinema dos tempos de sua infância e juventude, o fim da Era de Ouro
do cinema norte-americano, no final da década de 1960, quando o sistema
de grandes estúdios declinou, dando o lugar aos conglomerados
corporativos, o auge da contracultura, do flower power, e da Guerra do Vietnã, quando os EUA, para sua surpresa e angústia, perceberam que eram humanos, e falíveis...
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Ao longo do filme, sempre cruzamos com algum cinema passando algum filme emblemático do período,seja de qualquer gênero
|
Era Uma Vez...em Hollywood! (2019) é a nova empreitada de Tarantino, com a sua marca ao mesmo tempo irônica, satírica, poética e qualquer-coisa,
tão pessoal como só ele costuma saber fazer, carregando toneladas de
referências a filmes, músicas e artistas que lhe são caros. Eu percebi
muita coisa, mas foi só um fração do volume total! Acreditem é uma
avalanche, embora o pescar ou não todas as citações e easter-eggs não prejudica a fruição do filme como um todo, mas que enriquece, enriquece...

Clif Booth (Brad Pitt), o dublê e amigo de Dalton, encara qualquer estrela, como Bruce Lee (Mike Moh)
O
filme acompanha a dupla dinâmica Rick Dalton (Leonardo DiCaprio, ótimo)
ator decadente, que agora faz participações em seriados, e Cliff Booth
(Brad Pitt numa atuação precisa e na medida) dublê de Dalton (e melhor
amigo) que dirige seu o carro após um acidente que o traumatizou.

Sharon Tate (Margot Robbie) a "Uber Musa" cuja presença luminosa reflete uma visão colorida e otimista do cinema e do mundo
A
dupla reflete o quanto as relações de amizade são simbióticas e
complementares, pois Dalton, que nos anos 50 foi uma estrela, na última
década foi vendo a sua carreira declinar (ele é Inspirado em atores como
Tab Hunter, Edd Byrnes e até, Burt Reynolds) tendo como seu fiel
escudeiro o amigo dublê, que é “bonito demais para ser dublê”,
e talentoso o suficiente para encarar lendas sem se intimidar, com um
passado a lá Robert Wagner (que teria sido o responsável pela morte de
sua mulher Natalie Wood, mas nunca foi provado), e que em agradecimento à
guarida do amigo, sempre lhe levanta o astral. Booth é inspirado em Tom
Laughlin, o Billy Jack (1971) outra figura deixada de lado pelo show bussines.

Roubada: Booth cruza o caminho com a bela Pussycat (Margaret Qualley) que faz parte da "Família" de Charles Mason
A casa luxuosa de Dalton fica ao lado da de um casal icônico: Roman Polanski (Rafal Zawierucha) diretor de O Bebê de Rosemary (1966) e Sharon Tate (Margot Robbie, luminosa como a diva que está se tornando) atriz em ascensão, revelada em O Vale das Bonecas (1967) de Mark Robson e A Dança dos Vampiros (1968) de Polanski, quando se casaram.
No nosso mundo, ela e os amigos Jay Sebring (Emile Hirsch de Na Natureza Selvagem e Speed Racer) esteticista e cabeleireiro, e o casal Voytek Frykowski (Costa Ronin) Abigail Folger (Samantha Robinson de The Love Witch) foram mortos (ela grávida) pelos membros do culto de Charles Mason (Damon Herriman, que fez Mason na série Caçador de Mentes) que causou uma onda de terror na época, e servindo para reforçar o preconceito da sociedade americana contra os hippies
e seu modo de vida (coisa que permeia o filme ao longo de suas duas
horas e quarenta e um minutos de duração), e cujo medo de invasão
domiciliar serviu de inspiração para Aniversário Macabro (1972) de Wes Craven.
Ao
longo do filme acompanhamos o cotidiano de Booth levando Dalton aos
estúdios, onde faz participações especiais em seriados como F.B.I., Combate,
entre vários outros, até que num encontro com o produtor Marvin Schwarz
(Al Pacino, divertido) lhe aconselha que ao invés de ir decaindo de
participação especial em participação especial (“- Em qual próxima série você vai apanhar do astro principal?” pergunta ele - “Batman!? SOC! PUNCH! ZUMP!!!” ) sugere a Dalton reinventar-se, indo à Itália trabalhar com o “segundo melhor diretor de western spagheti” Sergio
Corbutti, coisa que mais tarde Dalton fará tal qual no nosso universo,
um certo ator televisivo chamado Clint Eastwood fêz com Sergio Leone, o melhor diretor de western spagheti!!!

Os cinemas "grindhouse", de filmes pornô e de formatos diferentes de projeção tal qual o "Cinerama" e o "3ª Dimensão" ilustram a paisagem da Los Angeles sessentista, com seus outdoors em neon
Paralelo à isto Booth faz contato com a bela Pussycat (Margaret Qualley de The Leftovers) e lhe dá carona para um rancho que no passado serviu de locação para inúmeros westerns clássicos,
pertencente a George Spahn (Bruce Dern) um conhecido, e constata que o
rancho à a base de uma comunidade estranha ( a "Família” de Charles Mason), saindo logo da “roubada” sem saber do risco que corria... além de Pussycat, como integrantes do culto temos Gypsy/ Catherine Share (Lena Dunham), Flower Child (Maya Hawke de Stranger Things)
e Squeaky Fromme (Dakota Fanning) que mais tarde tentaria matar o
presidente Gerald Ford em 1975 (condenada a prisão perpétua, foi solta
em 2009) e outros membros reponsáveis pelo massacre que ficaria
conhecido como "Helter Skelter" (título de uma canção dos Beatles). São eles Tex (Austin Butler), Susan Atkins (Mikey Madison) e Patricia Krenwinkel/ Katie (Madisen
Beaty) que ao final cruzam os caminhos de Booth e Dalton seis meses
depois, na fatídica noite com resultados inusitados...

Charles Mason (Damon Herriman) a presença do mal que paira sobre a ensolarada paisagem californiana
A
avalanche de personagens que vão cruzando os caminhos da dupla de
protagonistas, vai revelando o dilema de Dalton de ainda se manter no
mapa das estrelas incluem ao filmar uma participação no piloto do
seriado Lancer, e relaciona-se com James Stacy (Timothy Oliphant de Justified), Wayne Maunder (o falecido Luke Perry de Riverdalle) e Trudi (Julia Butters) a atriz-mirim, inspirada em Jodie Foster, dirigido por Sam Wanamaker*2 (Nicholas Hammond o Homem-Aranha da TV dos anos 70), diretor de Simbad Contra o Olho do Tigre (1977) entre outros, que o escalou como vilão por saber que ele “é mais do que apenas mais um outro cowboy!”

Numa festa na Mansão Playboy Sharon interage com o "Quem - é - Quem" da indústria cinematográfica do período
Booth
pelo seu lado amarga as lembranças de seu passado, que o marcaram
profissionalmente como quando Randy (Kurt Russel) coordenador de dublês,
o demitiu após a sua luta com Bruce Lee (Mike Moh) o astro de O Besouro Verdee treinador de Tate em A Arma Secreta Contra Mat Helm,
filme que é referendado diretamente quando a própria Tate vai assistir ao
filme num grande momento metalinguístico, pois tanto ela quanto Dalton,
cada um do seu jeito reflete a questão do como um ator se vê e como
quer ser visto e, como o vêem de fato as pessoas de fora.

Habilidade: Dalton, ao longo de sua carreira, se revela um bom usuário do lança-chamas
Sharon
Tate aqui aqui é a encarnação do sonho, de uma visão de mundo mais
colorida, viva e até mesmo inocente, como na cena da Festa na Mansão Playboy onde entre outros ícones cruza com Michelle Phillips (Rebecca Rittenhouse), vocalista do grupo The Mamas & The Papas e o astro Steve McQueen (Damian Lewis de Homeland)
que reflete sobre o seu modelo de masculinidade, que já começava a
ceder espaço para um modelo menos viril, agressivo e mais
cooperativo. Temos ainda pontas de Michael Madsen (de Cães de Aluguel), James Remar, Brenda Vaccaro entre outros. Ufa!!!
Ao
final, quando Dalton e Booth retornam da Itália, tendo o astro casado
com a italiana Francesca Capucci (Lorenza Izzo) fica-de patente a
mudança dos personagens em seus rumos e, nos seus visuais, reflexo da
moda nos trajes e penteados e ao cruzarem com os membros da “Família Mason”
Tarantino se permite voltar a ser o Tarantino hiperbólico que
conhecemos mais popularmente com sua estética ousada, plena de violência
e humor, fazendo uma ruptura curiosa.
A seleção musical inclui hits da época como Straight Shooter hit de 1966 do grupo The Mamas & The Papas, Brother Love’s Girl, You'll Be a Woman Soon de
Neil Diamond entre muitas outras, de músicas cantadas a temas de
seriados, desenhos animados, e vinhetas de rádio, aumentando a imersão
na atmosfera desse período, e como Tarantino a interpreta.

A filha de Bruce Lee protestou pela forma que ele foi retratado nas telas, como alguém marrento e arrogante
Quanto
à reconstituição de época, o filme é impecável, o desenho de produção
de Barbara Ling, a direção de arte John Dexter e Jann K. Engel e a
decoração de cenários de Nancy Haigh recriam a Los Angeles da virada da
década de 1960 para 70 de maneira sóbria e impactante ao mesmo tempo, em
que cada filme em cartaz, remete a algum gênero ou referência Pop do
imaginário tarantinesco,
bem como aos próprios formatos de tela e projeção experimentados ao
longo da história do cinema, bem como a massiva presença da televisão,
presente nos seriados anunciados nos ônibus, bancos de ponto, revistas
nas mesas, posters, etc...Tal trabalho se completa junto com os
figurinos de Arianne Phillips, fora o trabalho da equipe de maquiagem,
cabelos e acessórios criam um mosaico fiel e fabulesco dessa Hollywood
da visão do diretor, cuja montagem de Fred Raskin, recria em muitas
cenas o ritmo da edição dos filmes e seriados da época, cristalizada
pela fotografia em 35 mm de Robert Richardson que resgata a granulação fotográfica do período, fora a inserção de Di Caprio em filmes clássicos como Fugindo do Inferno (1956) de John Sturges , cujo papel ele teria conseguido (havia vencido a concorrência dos “3 Georges” *3 ) se McQueen não voltasse atrás na decisão ou, dos western spagheti de Sergio Corbutti e similares. O cheiro de Oscar é forte...

Festa estranha com gente esquisita: Booth não imagina do que os "Hippies" de Mason são capazes
Tal qual em Bastardos Inglórios (2009) que reescreve a Segunda Guerra Mundial, Era Uma Vez...em Hollywood! é no fundo uma fábula do gênero história alternativa, enfatizando o universo tarantinesco,
pois se no filme citado Hitler e seus asseclas foi logo detonado (e
deduzimos que o conflito tenha terminado antes de deixar um saldo de
mais de 60 milhões de mortos...) aqui percebemos ao final que ele quer
nos deixar, de forma difusa, com a esperança de que nesta realidade, a
nossa doce Sharon, agora grávida e seus amigos, não cruzaram no caminho
de Charles Mason e sua"família"...

Recriação e o original: Acima, a cena com Dalton, abaixo as cenas do episódio em que Tarantino se baseou
Sonhar é preciso, estejamos ou não chapados!

Os dois amigos curtem ver as participações de Dalton nos seriados, e como ele morre ou apanha neles...
Notas: *1: Cinemas decadentes que passavam filmes em programa duplo, tipo um filme de kung-fu com um western spagheti ou com um filme épico, de terror, de blacksploiation ou qualquer tipo de filme de baixo orçamento.

Ao final, Dalton se insere no universo de anti-heróis do "Western Spagheti"
*2:
Wanamaker, paralelo a sua carreira no cinema, teatro e TV ainda chefiou
por quase vinte anos um projeto de levantamento de fundos para a
reconstrução do Globe Theatre em Londres, onde William Shakespeare apresentou as suas peças originalmente.

Melhor seria se ele trabalhasse com Sergio Leone...
*3 : George Maharis (1928) mais conhecido pelo seriado Rota 66, e cuja carreira desandou ao revelar-se gay. Trabalhou em filmes, séries e shows, estando hoje aposentado.
George Chakiris (1934) mais conhecido por Amor Sublime Amor (1961) de Robert Wise (Globo de Ouro de
Melhor Ator Coadjuvante) tendo participado de vários filmes e séries,
além de se apresentar em cassinos, até tornar-se designer de jóias em
2002.
Era Uma Vez...em Hollywood! (2019) é a nova empreitada de Tarantino, com a sua marca ao mesmo tempo irônica, satírica, poética e qualquer-coisa,
tão pessoal como só ele costuma saber fazer, carregando toneladas de
referências a filmes, músicas e artistas que lhe são caros. Eu percebi
muita coisa, mas foi só um fração do volume total! Acreditem é uma
avalanche, embora o pescar ou não todas as citações e easter-eggs não prejudica a fruição do filme como um todo, mas que enriquece, enriquece...
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Clif Booth (Brad Pitt), o dublê e amigo de Dalton, encara qualquer estrela, como Bruce Lee (Mike Moh)
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O
filme acompanha a dupla dinâmica Rick Dalton (Leonardo DiCaprio, ótimo)
ator decadente, que agora faz participações em seriados, e Cliff Booth
(Brad Pitt numa atuação precisa e na medida) dublê de Dalton (e melhor
amigo) que dirige seu o carro após um acidente que o traumatizou.
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Sharon Tate (Margot Robbie) a "Uber Musa" cuja presença luminosa reflete uma visão colorida e otimista do cinema e do mundo
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A
dupla reflete o quanto as relações de amizade são simbióticas e
complementares, pois Dalton, que nos anos 50 foi uma estrela, na última
década foi vendo a sua carreira declinar (ele é Inspirado em atores como
Tab Hunter, Edd Byrnes e até, Burt Reynolds) tendo como seu fiel
escudeiro o amigo dublê, que é “bonito demais para ser dublê”,
e talentoso o suficiente para encarar lendas sem se intimidar, com um
passado a lá Robert Wagner (que teria sido o responsável pela morte de
sua mulher Natalie Wood, mas nunca foi provado), e que em agradecimento à
guarida do amigo, sempre lhe levanta o astral. Booth é inspirado em Tom
Laughlin, o Billy Jack (1971) outra figura deixada de lado pelo show bussines.
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Roubada: Booth cruza o caminho com a bela Pussycat (Margaret Qualley) que faz parte da "Família" de Charles Mason
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A casa luxuosa de Dalton fica ao lado da de um casal icônico: Roman Polanski (Rafal Zawierucha) diretor de O Bebê de Rosemary (1966) e Sharon Tate (Margot Robbie, luminosa como a diva que está se tornando) atriz em ascensão, revelada em O Vale das Bonecas (1967) de Mark Robson e A Dança dos Vampiros (1968) de Polanski, quando se casaram.
No nosso mundo, ela e os amigos Jay Sebring (Emile Hirsch de Na Natureza Selvagem e Speed Racer) esteticista e cabeleireiro, e o casal Voytek Frykowski (Costa Ronin) Abigail Folger (Samantha Robinson de The Love Witch) foram mortos (ela grávida) pelos membros do culto de Charles Mason (Damon Herriman, que fez Mason na série Caçador de Mentes) que causou uma onda de terror na época, e servindo para reforçar o preconceito da sociedade americana contra os hippies
e seu modo de vida (coisa que permeia o filme ao longo de suas duas
horas e quarenta e um minutos de duração), e cujo medo de invasão
domiciliar serviu de inspiração para Aniversário Macabro (1972) de Wes Craven.
Ao
longo do filme acompanhamos o cotidiano de Booth levando Dalton aos
estúdios, onde faz participações especiais em seriados como F.B.I., Combate,
entre vários outros, até que num encontro com o produtor Marvin Schwarz
(Al Pacino, divertido) lhe aconselha que ao invés de ir decaindo de
participação especial em participação especial (“- Em qual próxima série você vai apanhar do astro principal?” pergunta ele - “Batman!? SOC! PUNCH! ZUMP!!!” ) sugere a Dalton reinventar-se, indo à Itália trabalhar com o “segundo melhor diretor de western spagheti” Sergio
Corbutti, coisa que mais tarde Dalton fará tal qual no nosso universo,
um certo ator televisivo chamado Clint Eastwood fêz com Sergio Leone, o melhor diretor de western spagheti!!!
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Os cinemas "grindhouse", de filmes pornô e de formatos diferentes de projeção tal qual o "Cinerama" e o "3ª Dimensão" ilustram a paisagem da Los Angeles sessentista, com seus outdoors em neon
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Paralelo à isto Booth faz contato com a bela Pussycat (Margaret Qualley de The Leftovers) e lhe dá carona para um rancho que no passado serviu de locação para inúmeros westerns clássicos,
pertencente a George Spahn (Bruce Dern) um conhecido, e constata que o
rancho à a base de uma comunidade estranha ( a "Família” de Charles Mason), saindo logo da “roubada” sem saber do risco que corria... além de Pussycat, como integrantes do culto temos Gypsy/ Catherine Share (Lena Dunham), Flower Child (Maya Hawke de Stranger Things)
e Squeaky Fromme (Dakota Fanning) que mais tarde tentaria matar o
presidente Gerald Ford em 1975 (condenada a prisão perpétua, foi solta
em 2009) e outros membros reponsáveis pelo massacre que ficaria
conhecido como "Helter Skelter" (título de uma canção dos Beatles). São eles Tex (Austin Butler), Susan Atkins (Mikey Madison) e Patricia Krenwinkel/ Katie (Madisen
Beaty) que ao final cruzam os caminhos de Booth e Dalton seis meses
depois, na fatídica noite com resultados inusitados...
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Charles Mason (Damon Herriman) a presença do mal que paira sobre a ensolarada paisagem californiana
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A
avalanche de personagens que vão cruzando os caminhos da dupla de
protagonistas, vai revelando o dilema de Dalton de ainda se manter no
mapa das estrelas incluem ao filmar uma participação no piloto do
seriado Lancer, e relaciona-se com James Stacy (Timothy Oliphant de Justified), Wayne Maunder (o falecido Luke Perry de Riverdalle) e Trudi (Julia Butters) a atriz-mirim, inspirada em Jodie Foster, dirigido por Sam Wanamaker*2 (Nicholas Hammond o Homem-Aranha da TV dos anos 70), diretor de Simbad Contra o Olho do Tigre (1977) entre outros, que o escalou como vilão por saber que ele “é mais do que apenas mais um outro cowboy!”
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Numa festa na Mansão Playboy Sharon interage com o "Quem - é - Quem" da indústria cinematográfica do período
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Booth
pelo seu lado amarga as lembranças de seu passado, que o marcaram
profissionalmente como quando Randy (Kurt Russel) coordenador de dublês,
o demitiu após a sua luta com Bruce Lee (Mike Moh) o astro de O Besouro Verde
e treinador de Tate em A Arma Secreta Contra Mat Helm,
filme que é referendado diretamente quando a própria Tate vai assistir ao
filme num grande momento metalinguístico, pois tanto ela quanto Dalton,
cada um do seu jeito reflete a questão do como um ator se vê e como
quer ser visto e, como o vêem de fato as pessoas de fora.
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Habilidade: Dalton, ao longo de sua carreira, se revela um bom usuário do lança-chamas
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Sharon
Tate aqui aqui é a encarnação do sonho, de uma visão de mundo mais
colorida, viva e até mesmo inocente, como na cena da Festa na Mansão Playboy onde entre outros ícones cruza com Michelle Phillips (Rebecca Rittenhouse), vocalista do grupo The Mamas & The Papas e o astro Steve McQueen (Damian Lewis de Homeland)
que reflete sobre o seu modelo de masculinidade, que já começava a
ceder espaço para um modelo menos viril, agressivo e mais
cooperativo. Temos ainda pontas de Michael Madsen (de Cães de Aluguel), James Remar, Brenda Vaccaro entre outros. Ufa!!!
Ao
final, quando Dalton e Booth retornam da Itália, tendo o astro casado
com a italiana Francesca Capucci (Lorenza Izzo) fica-de patente a
mudança dos personagens em seus rumos e, nos seus visuais, reflexo da
moda nos trajes e penteados e ao cruzarem com os membros da “Família Mason”
Tarantino se permite voltar a ser o Tarantino hiperbólico que
conhecemos mais popularmente com sua estética ousada, plena de violência
e humor, fazendo uma ruptura curiosa.
A seleção musical inclui hits da época como Straight Shooter hit de 1966 do grupo The Mamas & The Papas, Brother Love’s Girl, You'll Be a Woman Soon de
Neil Diamond entre muitas outras, de músicas cantadas a temas de
seriados, desenhos animados, e vinhetas de rádio, aumentando a imersão
na atmosfera desse período, e como Tarantino a interpreta.
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A filha de Bruce Lee protestou pela forma que ele foi retratado nas telas, como alguém marrento e arrogante
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Quanto
à reconstituição de época, o filme é impecável, o desenho de produção
de Barbara Ling, a direção de arte John Dexter e Jann K. Engel e a
decoração de cenários de Nancy Haigh recriam a Los Angeles da virada da
década de 1960 para 70 de maneira sóbria e impactante ao mesmo tempo, em
que cada filme em cartaz, remete a algum gênero ou referência Pop do
imaginário tarantinesco,
bem como aos próprios formatos de tela e projeção experimentados ao
longo da história do cinema, bem como a massiva presença da televisão,
presente nos seriados anunciados nos ônibus, bancos de ponto, revistas
nas mesas, posters, etc...Tal trabalho se completa junto com os
figurinos de Arianne Phillips, fora o trabalho da equipe de maquiagem,
cabelos e acessórios criam um mosaico fiel e fabulesco dessa Hollywood
da visão do diretor, cuja montagem de Fred Raskin, recria em muitas
cenas o ritmo da edição dos filmes e seriados da época, cristalizada
pela fotografia em 35 mm de Robert Richardson que resgata a granulação fotográfica do período, fora a inserção de Di Caprio em filmes clássicos como Fugindo do Inferno (1956) de John Sturges , cujo papel ele teria conseguido (havia vencido a concorrência dos “3 Georges” *3 ) se McQueen não voltasse atrás na decisão ou, dos western spagheti de Sergio Corbutti e similares. O cheiro de Oscar é forte...
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Festa estranha com gente esquisita: Booth não imagina do que os "Hippies" de Mason são capazes
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Tal qual em Bastardos Inglórios (2009) que reescreve a Segunda Guerra Mundial, Era Uma Vez...em Hollywood! é no fundo uma fábula do gênero história alternativa, enfatizando o universo tarantinesco,
pois se no filme citado Hitler e seus asseclas foi logo detonado (e
deduzimos que o conflito tenha terminado antes de deixar um saldo de
mais de 60 milhões de mortos...) aqui percebemos ao final que ele quer
nos deixar, de forma difusa, com a esperança de que nesta realidade, a
nossa doce Sharon, agora grávida e seus amigos, não cruzaram no caminho
de Charles Mason e sua"família"...
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Recriação e o original: Acima, a cena com Dalton, abaixo as cenas do episódio em que Tarantino se baseou
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Sonhar é preciso, estejamos ou não chapados!
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Os dois amigos curtem ver as participações de Dalton nos seriados, e como ele morre ou apanha neles...
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Notas:
*1: Cinemas decadentes que passavam filmes em programa duplo, tipo um filme de kung-fu com um western spagheti ou com um filme épico, de terror, de blacksploiation ou qualquer tipo de filme de baixo orçamento.
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Ao final, Dalton se insere no universo de anti-heróis do "Western Spagheti"
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*2:
Wanamaker, paralelo a sua carreira no cinema, teatro e TV ainda chefiou
por quase vinte anos um projeto de levantamento de fundos para a
reconstrução do Globe Theatre em Londres, onde William Shakespeare apresentou as suas peças originalmente.
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Melhor seria se ele trabalhasse com Sergio Leone... |
*3 : George Maharis (1928) mais conhecido pelo seriado Rota 66, e cuja carreira desandou ao revelar-se gay. Trabalhou em filmes, séries e shows, estando hoje aposentado.
George Chakiris (1934) mais conhecido por Amor Sublime Amor (1961) de Robert Wise (Globo de Ouro de
Melhor Ator Coadjuvante) tendo participado de vários filmes e séries,
além de se apresentar em cassinos, até tornar-se designer de jóias em
2002.
George Peppard (1928 - 1994) mais conhecido por filmes como Bonequinha de Luxo (1961), Os Insaciáveis (1964), Crepúsculo das Águias (1966), Herança Nuclear (1977) e Mercenários das Galáxias (1984) e na TV pelos seriados Banaceck e Esquadrão Classe A, como o Comandante John “Hannibal” Smith.

"- Por enquanto é só pessoal!!! Estejam conosco semana que vem na mesma hora e no mesmo canal..."
George Peppard (1928 - 1994) mais conhecido por filmes como Bonequinha de Luxo (1961), Os Insaciáveis (1964), Crepúsculo das Águias (1966), Herança Nuclear (1977) e Mercenários das Galáxias (1984) e na TV pelos seriados Banaceck e Esquadrão Classe A, como o Comandante John “Hannibal” Smith.
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"- Por enquanto é só pessoal!!! Estejam conosco semana que vem na mesma hora e no mesmo canal..."
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