Marvel joga com todas as armas para conquistar o mercado chinês
#Oscar 2022
A Disney tem uma antiga obsessão de conquistar o lucrativo mercado asiático de entretenimento. Principalmente a China. O país de maior população do mundo pode, sozinho, garantir o sucesso de qualquer produto se este cair em suasgraças e não tiver implicância de seu governo. A empresa já produziu algumas tentativas fracassadas (que até foram sucesso em outras partes do mundo), mas agora parece que a coisa vai. Chegou aos cinemas de todo mundo o mais novo filme do Universo CinematográficoMarvel (UCM): Shang-Chi e a Lenda dos 10 Anéis.
A nova aposta da Marvel: Agora a coisa é séria
O filme nos trás as aventuras e os conflitos de Shang-Chi (Simu Liu, de The Expanse), jovem chinês treinado desde a infância para ser um assassino letal e assim tornar-se perfeito para substituir seu pai, Xu Wenwu (Tony Leung, de Amor à Flor da Pele,O Grande Mestre), um criminoso tão milenar como sua própria organização, chamada de Os Dez Anéis, mencionada pela primeira vez em Homem deFerro (2008),o primeiro filme do UCM. Ele, porém, foge de seu destino e migra clandestinamente para os Estados Unidos, onde procura levar uma vida pacata de manobrista de carros ao lado de sua melhor amiga, Katy (Awkwafina, deA Despedida). Mas o destino vai ao seu encontro, levando-o a confrontar seu passado e a conturbada relação com seu pai.
Romance
Chinês: Katy (Awkwafina) e Shang-Chi (Simu Liu) são mais parceiros do que
namorados no sentido convencional
Dirigido e co-roteirizado por Destin Daniel Cretton (Luta Por Justiça), um premiado cineasta de ascendência asiática, o longa-metragem foi pensado em ser uma mescla dos típicos filmes de super-herói da Marvel com vários elementos da cultura chinesa - tanto a popular quanto a tradicional -, procurando ter o máximo respeito por elas. Os elementos ligados a artes marciais, por exemplo, evocam tanto os filmes épicos com confrontos de exércitos na China antiga (chamados de Wuxia), como os que popularizaram o gênero no mundo todo a partir dos anos 70, que se passam na atualidade. Também temos referências ao outro gênero consagrado do cinema chinês: os filmes policiais, com seu ritmo frenético e típica coreografia nas brigas.
Os dez anéis: artefatos com poder para conquistar o mundo
Em relação a tradição, temos presentes: a cidade mística perdida, o mal primordial que devemos impedir que retorne e criaturas lendárias, como o dragão e as raposas de sete caudas. Outros cuidados foram o fato de boa parte do filme ser falado em mandarim, a língua oficial da China, e a escolha para papéis importantes de atores chineses consagrados - como os premiados Tony Leung e Michele Yeoh (O Tigre e o Dragão e Star Trek: Discovery). Mais um detalhe importante: o romance no filme não inclui beijos quentes e é demonstrado mais pelo carinho e pelos olhares dos casais, refletindo o pudor das produções do cinema chinês.
Fúria de Titãs?: não espere muito da briga de Wong (Benedict Wong) com o Abominável
Como é dito sobre Shang-Chi em uma passagem do filme por sua tia, Jiang Nen (Michelle Yeoh), “você é um produto de tudo que veio antes de você”. O filme é a prova disso. Ele não trás nada de absolutamente novo - tudo que está ali você já viu (ou poderia ver) em produções do cinema chinês -, mas é apresentado aqui numa excelente roupagem: é bem dirigido, tem um roteiro coeso e equilibrado no que se esperar de uma produção chinesa e da Marvel, possui ótimos efeitos especiais e competentes atuações. Há, porém, ressalvas. Os fãs de filmes de ação ficarão sonolentos na segunda parte do filme, que se estende mais em discutir as relações dos personagens. Recheados de plot twists, alguns deles precisariam ser trabalhados para tornarem-se convincentes. O mais difícil deles de engolir envolve o vilão Wenwu, que deveria estar tomado muito pela loucura para ser verossímil. E, para quem viu os trailers e acompanha de perto o UCM, não espere muito do tão falado confronto entre o Abominável e Wong (Benedict Wong de Vingadores: Guerra Infinita), o parceiro do Dr. Estranho.
E eis ele! Fu Man...Wenwu!!! (Tony Leung): ele quer o filho do seu lado no Império
A escolha de Shang-Chi para protagonizar um filme que alcançasse o público chinês foi perfeita. Mas algumas grandes concessões ao material original dos quadrinhos da Marvel precisaram ser feitas para isso acontecer. Surgido nos anos 70 do século passado no rastro dos filmes marciais de Hong Kong popularizados no Ocidente pelo astro Bruce Lee, Shang-Chi, chamado então de o Mestre do Kung Fu foi um produto totalmente original da editora. Para seu background, a editora adquiriu os direitos dos livros de Fu Manchu, um personagem protagonista de diversos livros do inglês Sax Rohmer, que fora muito popular no passado, quando foi adaptado inúmeras vezes para cinema, TV, teatro e quadrinhos.
Shang-Chi nas páginas das revistas da Marvel
Se tivessem tido mais cuidado ao escolher o material em que se basear seu personagem, a Marvel provavelmente não teria escolhido Fu Manchu. O personagem tinha um viés claramente racista, se apresentando como uma visão estereotipada dos orientais em seu visual, sua indumentária e na sua personalidade. Ele foi um elemento importante para difundir a ideia do “perigo chinês”, com sua fixação em dominação mundial, pretensa superioridade da China em relação aos outros povos e na ideia de que os orientais são maus por definição. Após um longo período, a Marvel não renovou a concessão que tinha dos direitos da obra de Sax Rohmer, eliminando as referências ao material em suas HQs e reduzindo vários dos elementos estereotipados e racistas que haviam nas histórias. Shang-Chi deixou de ter revista própria e passou a aparecer apenas como convidado em outras publicações, chegando pnclusive a ter uma passagem como integrante dos Vingadores.
"A Máscara de Fu Manchu", 1932: personagem era interpretado por Boris Karloff
Assim como Shang-Chi, seu pai mudou o visual, fugindo de estereótipos. Além disso, trocou de nome - passou a se chamar Zheng Zu. Com a desculpa de que ele foi conhecido por muitos nomes desde a antiguidade (o personagem tinha o dom de viver bem mais que os comuns mortais), ele passou a usar um novo nome e o antigo nunca mais foi mencionado.
Mas as concessões feitas para adaptar Shang-Chi ao cinema, não são referentes a isso. Como dito, estas mudanças já o ocorreram nos quadrinhos. Os fãs das antigas devem ficar possessos pelo personagem agora lidar com super artefatos - ele era conhecido nos bons tempos como uma arma viva, que dependia quase sempre apenas de sua agilidade, força e treinamento para vencer o inimigo (ok, ele já tinha ganho superpoderes mais recentemente nos quadrinhos, mas diga isso para os fãs das antigas...). Além disso, no cinema ele nunca lidou com o serviço secreto inglês ou com espionagem internacional (deixemos isso para James Bond...). Eu sou fã das antigas, mas não desgosto com concessões feitas pela Marvel para adaptar seus personagens para o cinema. Basta ver as excelentes escolhas do estúdio para as adaptações de Homem de Ferro e Guardiões da Galáxia, por exemplo.
Shang-Chi: agora com lasers
E, apesar do filme poder ser apreciado por quem não acompanha os filmes da Marvel, ele é um ótimo acréscimo ao UCM. Há alguns easter eggs no decorrer do longa demonstrando que o filme se passa no UCM e as cenas pós-créditos (são duas) preparam o terreno para associar ainda mais os elementos presentes neste filme com o que vai rolar nessa Fase 4 do estúdio. Como um dos questionamentos não respondidos, eu deixo uma dúvida: porque os artefatos usados por Wenwu são chamados de “anéis” que de tão grandes são usados como pulseiras?
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