sábado, 25 de setembro de 2021

E os "manos" dão o troco... - What if...? - 6º episódio - 1ª Temporada

 




Que "bwana" que nada, branquelo!!!

por Ronald Lima


 Dessa vez a Gênese do UCM é reimaginado
 

O "início" do UCM:Tony Stark e um soldado no Afeganistão

E What If...?, chega ao seu sexto episódio no Disney+, apostando em tramas mas disruptivas, saindo do terreno seguro e fugindo de soluções fáceis e finais felizes; nas histórias em quadrinhos do título, costumava se dar a esse luxo em não poupar seus protagonistas de finais trágicos ou inusitados e a versão cartoon segue essa característica, aqui com um final que, como o episódio anterior, pede uma continuação. Porém ao contrário de outros finais que podem extrapolar a realidade em que foi concebido, esse ainda estará dentro de seu mesmo Universo, logo a possibilidade de alguma continuação tão somente se um roteiro seguinte permitir algo além.

 

Killmonger: "- É comigo???"

 
Dessa vez temos como base o filme do Homem de Ferro de 2008, produção que deu origem do que agora conhecemos como MCU (Universo Cinematográfico Marvel) e Pantera Negra de 2018. Nesse episódio tudo se inverte na história do Homem de Ferro o que praticamente zera a premissa original e no filme Pantera Negra a mudança é significativa porém não anula tudo que foi apresentado. Como personagem principal temos Erik Killmonger (Michael B. Jordan) que certamente irá rivalizar o título de mestre estrategista com Helmut Zemo (que não aparece no episódio ok? Você pode vê-lo em Falcão e o Soldado Invernal). Killmonger em boa parte o roteiro contracena com Tony Stark (Mick Wingert), justamente por ter conseguido impedir seu sequestro planejado pelos Dez Anéis (Mandarim). Killmonger é um personagem que desperta controvérsias, essas controvérsias surgem porque conceberam o personagem como vilão (ou super vilão se desejar), nos quadrinhos desejava uma Wakanda livre da influência colonizadora, com ele no trono é claro, atualmente seu desejo ampliou e sua motivação é contestar e lutar contra o domínio e exploração de nações de maior poderio militar e econômico sobre outras e para realizar esse propósito almeja o trono de Wakanda para tornar a sua nação a liderança dessa luta por liberdade, um revolucionário porém retratado como terrorista. Não é no mínimo suspeito coloca-lo como vilão? Abro aqui um termo de comparação com outra produção: Em Rogue One: Uma História Star Wars de 2016, A Aliança Rebelde chegou a planejar o assassinato de Galen Walton Erso (um dos principais engenheiros envolvidos na construção da Estrela Morte) e ali tudo bem, afinal o Império é mau "pra dedéu" forçando ocupação militar onde os recursos lhe interessam e impondo um sistema financeiro a seu favor. Enfim, produções distintas e planejamentos distintos, quero demonstrar que é possível criar personagens com os mesmos objetivos porém o discurso que está acima da criação de roteiros é que permite decidir quem são os heróis e os vilões.  

Por conta desse pano de fundo acredito que citar alguns fatos históricos sejam necessários e depois seguimos com o episódio.


Em 1919 o jornalista norte americano Ralph Pulitzer*1 criou durante a Conferência de Paris*2 o termo Triângulo de Ferro para designar o que chamou de Paz Sinistra. A tríplice combinação entre Políticos Liberais, Empresários e Militares, essa combinação sem a participação popular segundo ele não poderia assegurar por muito tempo a tão prometida paz extremamente desejada após o fim da Grande Guerra*3, porque permitiria uma adaptação,criação ou exclusão de leis conforme o interesse de uma dessas 3 partes envolvidas, Pulitzer estava criticando a Europa como um todo... E ele estava certo.
 

Einsenhower em pronunciamento a Nação dando uma de isentão...



Passamos para 1961 quando em seu discurso final o ainda presidente dos E.U.A. Dwight D. Eisenhower*4, após dois mandatos, fez um alerta em cadeia nacional para o que denominou de Complexo Militar/ Industrial

"Um imenso poderio militar e uma grande indústria armamentista são novos na experiência americana. A sua total influência econômica política e até espiritual pode ser sentida em cada cidade e em cada estado.
O potencial para o desastre desse poder caso seja mal usado existe e vai persistir. Nós não devemos deixar o peso dessas combinações por em perigo nossas liberdades e processos democráticos."

O Triângulo de Ferro denunciado por Pulitzer dessa vez brota em solo norte americano 42 anos depois. Eisenhower ajudou a criar a versão norte americana do Triângulo de Ferro por temer que os Estados Unidos da América do Norte fosse pego mais uma vez de calças curtas em uma possível guerra global como ocorreu em 1917 e 1941. Mas pelo visto bateu em Ike um "complexo de Victor Frankenstein"*5. Se você jogou Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots, encontrará trechos desse discurso, no YouTube você igualmente poderá ver e ouvir o discurso.

Em 1963 é criado o personagem Homem de Ferro. Tony Stark é o “gênio, bilionário playboy e filantropo", a MARVEL capta o ambiente e cria um personagem que usa sua indústria particular para vender equipamento bélico para as forças armadas, o alerta de Einsenhower ficou para trás. Tony Stark nos quadrinhos possuía uma personalidade séria e fechada, Stan Lee imaginou criar um super herói que de início seria odiado pelo leitor mas com o tempo passaria a ser amado e respeitado. Nesse período foi o personagem da MARVEL mais imerso no clima de Guerra Fria, com vilões explicitamente inspirados no "Perigo Vermelho"Mandarim, Homem de Titânio, Dínamo Escarlate, Chicote Negro e a Viúva Negra, sim, ela era uma vilã que aliou-se ao Gavião Arqueiro (também vilão) contra Tony Stark... Os saudosos tempos de gibi. A partir de meados dos anos 80 seus inimigos se tornam empresários mal intencionados até que finalmente nos anos 90 a partir do arco de histórias que ficou conhecido como a Guerra das Armaduras*6 Tony Stark abandona a indústria bélica.


Esse período reflete com o Fim da Guerra Fria*7 em 1989 e implementação do conceito de Globalização; Países que resistiram a esse conceito, enxergando uma nova forma de colonização passaram a ser vistos com maus olhos e entre esses estavam diversos Estados de religião Muçulmana. Não foi tanta coincidência que em 1991 estoura a posteriormente chamada: Guerra do Golfo. Os novos inimigos dos E.U.A. são agora seus antigos aliados: Saddam Hussein no Iraque e Osama Bin Laden pelo Afeganistão.

Após os atentados de 11 de setembro é criado o Patriot Act, sancionado pelo presidente George W. Bush onde os E.U.A. podiam recorrer a quaisquer medidas para o combate contra o terrorismo e nem pretendo aqui resumir alguma das medidas que fazem uso ainda. É qualquer medida mesmo!! Basta alegar combate ao Terrorismo. Em 2015, durante o governo de Barack Obama, novas medidas foram acrescentadas e rebatizado como USA Freedom Act, é o começo da chamada Guerra Híbrida*8.

E vamos ao desenho animado? Ufa...!

Temos um texto onde Killmonger consegue evitar o sequestro de Tony Stark. A personalidade cativante de Tony Stark recriada em 2008 pelo excelente ator Robert Downey Jr. está toda ali porém esse Stark não se arrepende em ser dono de uma indústria bélica, muito pelo contrário, sente-se estimulado por ter sobrevivido. Killmonger em uma tacada de mestre contra Obadiah Stane (Kiff VandenHeuvel) fecha de vez a possibilidade de existir um Homem de Ferro nessa realidade e talvez (talvez) por tabela os Vingadores. Somente Pepper Pots (Beth Hoyt) e Happy Hogan (Jon Favreau) desconfiam de Killmonger, mas não passa disso, reclamam e reclamam mas nada de efetivo fazem. Killmonger aproveita o ímpeto de Tony por inovação e apresenta seu projeto de armadura (ou quase isso vamos dizer). Aqui como nos quadrinhos Killmonger tem formação PhD em tecnologia; Stark se empenha tanto no projeto que aceita o risco de roubar uma carga vibranium contrabandeada de Wakanda por Ulysses Klaue (Andy Serkis)mais uma vez não o veremos como o vilão Garra Sônica. Para realizar o roubo de vibranium, Stark aciona seu homem de confiança nas Forças Armadas, o Coronel da Força Aérea, James Rodhes (Don Cheadle)olha o Triângulo de Ferro em ação (viu só?).
 

- Ora, gosto de anime... Algum problema?


AVISO DE SPOILER

É a partir dessa tentativa de roubo que a revelação do plano de Killmonger se mostra mais claramente para o público. O roubo dá errado e resulta na morte de James Rhodes. Uma intervenção do Pantera Negra (Chadwick Boseman) poderia render uma boa luta mas não é o que ocorre, e gostaria que esta cena pudesse ter sido alterada na pós -produção para respeitar a memória de Chadwick Boseman.

Killmonger parte para cima de seu mentor, Tony Stark e aqui sim ao menos uma morte com um bom diálogo, ótima luta e boa trama. O enredo de história mais inusitado chega agora, quando os Estados Unidos da América do Norte declaram guerra a Wakanda e Thaddeus Ross (Mike McGill) sai para jogar invocando o Patriot Act assumindo o controle das Indústrias Stark e utilizando os Drones Libertadores (Libertadores de quem cara pálida?). Mesmo com o Ato Patriota e toda a história do Triângulo de Ferro será que nessa realidade não existe a O.N.U.? Nenhuma outra nação sequer reclama? Devem existir somente o Afeganistão, E.U.A. e Wakanda (e quem sabe a Latvéria no Planeta Terra dessa realidade...), só pode. Atacar alegando terrorismo somente por causa da morte de um oficial e em uma missão ilegal? Sem contar que os militares não podem sozinhos sair declarando guerra.

Ah! Pepper Pots reclama, beleza... Tá bom então.

Esmagar! Matar! Destruir!... Esmagar! Matar! Destruir!

Killmonger matreiramente se apresenta aos seus tios T'Chaka (John Kani) e Ramonda (Angela Bassett) como um aliado de Wakanda para conter o ataque americano Gundam, restando apenas Shuri (Ozioma Akagha) para levantar uma suspeita de seus verdadeiros motivos.

Sua emocionante descida ao campo de batalha enquanto os guerreiros de Wakanda seguem para a luta é realizada em alto estilo de animação, a qualidade das lutas e combates em What... If? é o ponto alto da técnica de animação Cell Shading, sempre impactantes e sem necessidade de splatter, até mesmo com os zumbis isso ocorreu.

Rainha Ramonda se emociona ao ouvir o icônico brado "Wakanda Forever" agora vindo de seu ex-renegado sobrinho. O momento mais comovente vem em seguida ao gritar em lágrimas o nome seu filho T'Challa e dedicar a esse nome a vitória conquistada. Acabou? Não, claro que não.

Os Estados Unidos da América do Norte estão mordidos e se preparam para um confronto maior

A Rainha - Mãe mostra que não é apenas "Uma Tia"...

Nas Histórias em Quadrinhos a jovem de Wakanda, Shuri é um gênio da tecnologia com real possibilidade de se assumir a armadura de Tony Stark e nesse episódio deixa um final que não é diferente. Killmonger estabelece um diálogo com seu primo T'Chala no Reino Espiritual e aqui entra a pergunta: haverá continuação? Mas tudo isso como eu disse acima ocorrerá nesse Universo, a não ser que em uma possível sequência a ação indique algo mais abrangente É o final mais aberto de todos até aqui.


"as mina pá!!"

Se o personagem Erik Killmonger fosse concebido como um herói desde 1973 quando fez sua estréia nos gibis tudo poderia ser encarado de modo diferente não é mesmo? Mas ele é um vilão e em 3 momentos seu personagem é confrontado sobre os métodos que se utilizou para atingir seus propósitos. A primeira por James Rhodes com uma justificativa fraca: "para mudar o sistema tem que fazer parte dele." - E não foi exatamente isso que Killmonger fez durante todo episódio? E para mudar um sistema terá que necessariamente criar um outro e esse outro não será criado sem que alguém não tenha uma convicção muito forte em mente do que ele será. A argumentação de Tony Stark é mais íntima e mais forte: "Pensei que fossemos nós dois contra o Mundo, dois órfãos entusiastas tentando fazer o certo pelos nossos pais." - Essa é difícil, ambos nasceram em berço de ouro porém o que aconteceu com Killmonger foi o abandono e desprezo gerando vingança, aqui também entra um forte discurso do que significa ser descendente de um povo escravizado durante séculos. Claro que Killmonger lamenta o que terá que fazer... E infelizmente faz! E temos o confronto ético final com seu primo no Mundo Espiritual onde a pergunta é certeira e a resposta dura: "Valeu a pena? A cura para o sofrimento é mais sofrimento?" - A resposta dada é: Sim! Valeu a pena. O poder é a cura para o sofrimento... Vejamos, se Killmonger conseguir liderar Wakanda e libertar outras nações do jugo de nações opressoras e essas de fato se tornarem livres e soberanas eu sou obrigado a concordar que valeu sim a pena lutar por essa liberdade, como sabemos que isso não ocorrerá visto que seu personagem como todo vilão irá cometer algum erro moral para invalidar tudo que realizou fico com uma sensação de vazio aqui, pois gostaria de ver algo mais ousado, mas é pedir muito agora, quem sabe daqui a uns 15 anos a MARVEL possa rever alguns conceitos como já fez ao longo da trajetória.
 
"Vim, Vi e Venci."

 
Notas:
 
*1: Ralph Pulitzer - Filho do magnata da imprensa norte americana Joseph Pulitzer, criador do famoso prêmio para jornalistas que leva seu sobrenome. Ralph acompanhou de perto toda a 1ª Guerra Mundial antes mesmo dos E.U.A. entrarem no conflito.

*2: Conferência de Paris - Realizada em 1919 após o fim da 1ª Guerra Mundial para decidir os termos de Paz. Contudo tomou um caminho revanchista que culminou no Tratado de Versalhes cobrando pesadas indenizações da Alemanha e inclusive fragmentando seu território, anos mais tarde os humilhantes termos desse Tratado serviram de base para os discursos de vingança do Partido Nazista Alemão.  
 
*3: Grande Guerra - Obviamente a 1ª Guerra Mundial não teve essa alcunha por parte de seus contemporâneos, foi nomeada na época como a Grande Guerra após 1917 quando o conflito se estendeu a várias partes do Mundo. 
O termo "1ª Guerra Mundial" veio bem depois do fim do segundo conflito global.
 
*4: Dwight D. Eisenhower - Foi o 34º Presidente dos E.U.A. durante dois mandatos. Antes da Presidência foi o Comandante Supremo dos Exércitos Aliados na Europa durante a 2ª Guerra Mundial a partir de 1943. Seu governo foi um período de grande prosperidade e crescimento econômico e não a toa os anos 50 na América do Norte são encarados com muito saudosismo. Seu governo promoveu um golpe de estado no Irã, dando origem a um conflito com repercussões até hoje. Ao final do mandato procurou a União Soviética para um acordo de paz que fracassou antes de começar por conta da derrubada de um avião espião U2 norte americano sobre o território Russo.

*5: Victor Frankenstein - Personagem fictício criado em 1818 por Mary Shelley no conto: Frankenstein, O Moderno Prometeu. o Dr. Victor Frankenstein estudioso da alquimia se torna obcecado em criar vida através de matéria inanimada. Mas o sucesso de sua experiência tem consequências terríveis e assim seu personagem se torna o protótipo e também o estereótipo do cientista louco que se arrepende. 

*6: Guerra das Armaduras - Tony Stark descobre que a tecnologia da Amadura do Homem de Ferro estava sendo usada em equipamentos de diversos vilões. O super vilão conhecido como Espião Mestre vendeu diversos segredos das Indústrias Stark a Justin Hammer, um inescrupuloso homem de negócios, Hammer revendeu essa tecnologia. Roteiro de David Michelinie e Bob Layton com desenhos e arte final de Mark Brigth e Barry Windsor Smith.
 
*7: Fim da Guerra Fria - É marcado por dois momentos históricos, a queda do Muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991/1992. 
 
*8: Guerra HíbridaEstratégia civil/ militar que mescla táticas de guerra política e guerra convencional, guerra irregular, intromissão ilícita na mídia e em redes de computação causando desinformação, intervenção eleitoral externa, interferência externa no campo jurídico de outros Países. Um vale tudo para oprimir e subjugar uma nação considerada inimiga, ainda que sequer a nação sob alvo se reconheça como inimiga de quem promova tudo isso.



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