sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Jogando batalha naval!!! - Crítica - Filmes: Midway: Batalha em Alto-Mar (2019)

 

 

Os dois lados da moeda


por Alexandre César
(Originalmente postado em 21/ 11/ 2019)

E Roland Emmerich faz o seu melhor filme

 


Charlton Heston e Henry Fonda entre vários outros no filme de 1976...

 
Em 1970 a 20th Century Fox lançou a superprodução Tora! Tora! Tora! mostrando o ataque japonês à base naval de Pearl Harbor de forma realista e humana ao não estereotipar os japoneses como orientais cruéis e sinistros, típicos dos seriados da matinês de cinema dos anos 30-40 muito disso vindo do fato do filme ter sido dirigido por três diretores: O americano Richard Fleischer (20.000 Léguas Submarinas) que fêz as cenas do elenco americano, e Kinji Fukasaku (A Batalha Real) e Toshio Masuda (Uchû senkan Yamato) que fizeram as cenas do elenco japonês. 
 


Prólogo: O ataque à Pearl Harbor é mostrado no início de forma mais sucinta e eficaz do que no filme de Michael Bay


Confesso que quando vi o filme pela primeira vez, não era difícil torcer pela turma do sol nascente, uma vez que a retratação daquele grupo de aviadores e marinheiros que se irmanavam com um espírito quase juvenil naquele objetivo comum de vencer o inimigo,com quem demonstravam uma atitude até respeitosa contrastando com a atitude severa e circunspecta de seus comandantes que sabiam estar diante de um desafio monstruoso, gerava mais simpatia do que ver do outro lado, os ianques naquela tranquilidade de se sentirem senhores de tudo.
 


Morte anunciada: Edwin Lawton (Patrick Wilson) havia previsto a possibilidade do ataque, mas seus superiores não lhe deram ouvidos


Bem mais tarde Michael Bay, com seu estilo “todo próprio” em Pearl Harbor (2001) reduziu o conflito a um grandioso pano de fundo da disputa de dois rapazes pelo coração de uma garota, superficializando os fatos históricos em função de um ritmo narrativo de videogame à lá Star Wars.


Pearl Harbor pegou a frota americana com "as calças na mão". Se os porta-aviões estivessem lá na ocasião, a guerra no Pacífico teria sido vencida ali...


Agora, Roland Emmerich (Independence Day, a versão de Godzilla de 1998, 2012) vem com um filme de guerra que mescla a fórmula narrativa do primeiro e ilustra de forma sucinta e eficaz os elementos principais do segundo, apenas para ilustrar o contexto de sua última obra, um evento crucial na guerra do pacífico, entre tantos outros.


O bombardeio de Tóquio por Jimmy Doolittle (Aaron Eckhart) também é mostrado, e melhor do que no filme de Michael Bay

Midway - Batalha em Alto Mar (2019) se revela, não o melhor filme de guerra, mas com certeza o melhor filme de Roland Emmerich, que aqui equilibra bem a narrativa e a direção de atores num bom espetáculo de ritmo ágil e que dá um bom espaço para os dois lados mostrarem as suas motivações, embora como todo filme hollywoodiano, ele não teria sido feito se os americanos não tivessem ganhado a batalha.
 
 

O uso do CGI é apurado, equilibrando o realismo e a boa visualização dos elementos da imagem

O conflito já havia rendido um documentário de John Ford (A Batalha de Midway de 1942), que estava na ocasião na base e filmou cenas do ataque japonês (coisa que o filme mostra de forma genial) que foi narrado por Henry Fonda, que estrelou junto com Charlton Heston a superprodução Midway (1976) de Jack Smight, filme morno que tinha em seu elenco, Glenn Ford, Robert Mitchum, Toshiro Mifune, James Coburn, Robert Wagner, Edward Albert entre outros, apostando no sistema Sensurround, que na época a Universal usava como chamariz para atrair o público, com uma suposta imersão do espectador, mas que aqui, pela péssima qualidade de audio de nossas salas, virava apenas uma barulheira que não permitia definir os sons do que se passava na tela.
 
 

O Almirante Chester W. Nimitz (Wood Harrelson): Boa atuação no tipo de papel que não costumamos associar ao ator


As semelhanças com "Star Wars" não é casual já que George Lucas se baseou em filmagens de combates aeronavais como guia para as suas batalhas espaciais

 
 
O filme em seus minutos iniciais mostra na embaixada americana em Tóquio, um breve diálogo de despedida entre o adido militar Edwin Lawton (Patrick Wilson de Watchmen, Invocação do Mal e Aquaman) e o Almirante Isoroku Yamamoto (Etsushi Toyokawa) deixando claro as razões que colocaram os dois países em guerra entre si, para logo depois de maneira rápida, dramática e resumida mostrar o ataque da Marinha Imperial Japonesa à Pearl Harbor (coisa que poderia ter sido evitada se os superiores de Lawton lhe tivessem dado ouvidos....). 
 
 

Tensão: Almirante Tamon Yamaguchi (Tadanobu Asano) e o viver sobre o fio da navalha...
 
 
Mais adiante mostra a resposta americana do bombardeio à Tóquio comandada por Jimmy Doolittle (Aaron Eckhart de Batman: O Cavaleiro das Trevas) que liderou um esquadrão de bombardeiros do exército americano que decolou do porta aviões Enterprise tendo apenas as bombas e o combustível suficiente para bombardear a capital japonesa e voar até acabar o combustível, quando os tripulantes saltaram de para-quedas sobre a China ocupada. Emmerich consegue de forma eficiente no bojo de seu filme contar o essencial da história do filme de Bay, e de forma melhor, mostrando que um bom roteiro acima de tudo conta uma história, ou mais de uma!
 
 

Por uma questão de narrativa visual, os navios aparecem mais próximos uns dos outros para ficar mais ilustrativo do que seria uma batalha


Aviadores: James Murray (Keean Johnson) e o seu superior Dick Best (Ed Skrein)

Outros personagens de destaque são, do lado dos combatentes, o talentoso mas marrento piloto Dick Best (Ed Skrein de Malévola: Dona do Mal), que tem uma certa birra com o tenente Wade McClusky (Luke Evans) líder de esquadrão, que mais adiante lhe ensina sobre as responsabilidades de ter que levar pilotos e tentar trazer o máximo deles de volta numa missão (e ter de viver com o fato de que nem todos voltarão...) além de Clarence Dickinson (Luke Kleintank de O Homem do Castelo Alto), Bruno Gaido (Nick Jonas), Eugene Lindsey (Darren Criss) e James Murray (Keean Johnson), e do lado do oficiais temos o lendário Almirante Chester W. Nimitz (Wood Harrelson super contido num papel inesperado), o Alm. William “Bull” Halsey (Dennis Quaid) que contra a sua vontade é mandado para o hospital durante os preparativos (ele pensava estar com urticária, mas na verdade estava com herpes) e para mostrar o lado das famílias dos indivíduos envolvidos no conflito temos Ann Best (Mandy Moore) a esposa de Dick e Dagne Layton (Rachel Perrell Fosket) a esposa de Edwin e Marie Pearce (Sarah Halford) a viúva de Roy, um amigo dos Best morto em Pearl Harbor, embora elas tenham pouco tempo em cena para não desacelerar a narrativa.
 
 

Um momento genial (e real) é que durante a operação, o lendário John Ford, estava rodando um documentário na ilha e registrou o ataque (e ganhou um Oscar)...


O Alm. William "Bull" Halsey (Dennis Quaid) foi afastado durante os preparativos por questões de saúde

Ainda que de forma econômica, o roteiro de Wes Tooke (Colony, Jean-Claude Van Johnson) mostra do lado japonês a tensão constante a que Yamamoto estava submetido, por estar sempre batendo de frente com o Primeiro-Ministro, o General Tojo (Hiromoto Ida) do Exército Imperial, além de suas discordâncias na marinha com o Almirante Nagumo (Jun Kunimura) cuja inflexibilidade impedia seus oficiais de ajudarem-no melhor na batalha. 


Dick & Ann Best (Mandy Moore): Amor nos tempos de tiro, porrada e bomba...

 
É particularmente muito boa a cena que mostra o afundamento do porta-avões Hiryū, quando o Almirante Tamon Yamaguchi (Tadanobu Asano) assume a responsabilidade pela derrota (e por isso afundará com o navio) e exorta os seus oficiais a continuarem defendendo o Japão apesar disso, levando os marujos e jovens oficiais às lágrimas. mas em contraste, o filme também mostra o outro lado da moeda na forma como o Exercito Imperial massacrou os chineses durante a sua ocupação, ou na cena em que um piloto americano capturado pela Marinha Imperial é lançado ao mar amarrado com uma âncora.
 


Comparando com o filme de 1976, vemos a vantagem do uso do CGI para recriar os modelos dos aviões e navios envlvidos, coisa que antes dependia do material de arquivo disponível


O pota-aviões Enterprise: Uma perfeita reconstituição de como era o navio, e não uma filmagem feita anos depois, com as alterações que recebeu ao longo do tempo

 
A produção é impecável, destacando-se a fotografia de , o desenho de produção de Kirk M. Petruccelli (Tempestade: Planeta em Fúria) e a direção de arte de Page Buckner (Django Livre), Carolyne de Bellefeuille (Pays) e Isabelle Guay (O Regresso) que recriam os espaços funcionais das bases, bares e dos navios de guerra com seus dormitórios, hospitais galpões, escritórios e salas de instrução e estratégia; em contraste com os ambientes residenciais de suas casas, onde tentam viver, nas poucas horas de que dispoem para o convívio familiar, coisa que o figurino de Mario Davignon (A Chegada) reflete bem nas fardas de uso cotidiano, que tanto as de oficiais quanto as de subalternos, têm sutilmente um aspecto gasto e amarrotado, em contraste com os uniformes de gala, usados nos bailes da USO*, onde a música de Harald Kloser (2012) e Thomas Wanker (O Ataque) resgata em breves momentos o glamour lírico das canções românticas do período.
 


Almirantes Yamamoto e Tamon Yamaguchi (Tadanobu Asano): As pressões do comando


Nas cenas de ataque vemos o quanto se gastava de munição para cada projétil que acertava o alvo

 
A fotografia de Robby Baumgartner (Ponto Cego) e a edição de Adam Wolfe (Independence Day: O Retorno) auxiliados pelo trabalho das equipes de efeitos visuais das companhias MELS, Scanline VFX, Zero VFX reconstroem elementos chaves da narrativa como os navios de ambas as frotas e as batalhas aéreas, com uma fidelidade ao design de navios, aviões, aliada a uma qualidade de imagem do CGI que equilibra bem o realismo e a necessidade de ter imagens nítidas definidas e, ilustrativas para que a audiência possa acompanhar a narrativa sem se perder, ficando equilibradamente na linha divisória entre um Videogame de alta resolução e um filme realista.
 
 

O tenente Wade McClusky (Luke Evans) e Dick Best: O experientee ponderado e o "marrento" talentoso

Ao final, esta produção independente de grande porte (U$100 milhões de dólares), dos estúdios Centropolis Entertainment (de Emmerich), AGC Studios, Entertainment One, Street Enterteinment e da Starlight Culture Entertainment Group e RuYi Media (China) acerta ao procurar mostrar a guerra como algo dramático e grandioso, em que todos dão o melhor de si, superando as suas próprias limitações, mas acima de tudo como algo que se deve procurar evitar, pois todas as promoções e medalhas ganhas em combate não substituem as sequelas, e as vidas que se perdem neste processo.
 
E tolo é aquele que pensa o contrário...


"♪♫ - No peito um coração não há, ♪♫ mas duas medalhas siimmm... ♪♫"

Notas:
 
*1: United Service Organizations: Organizações de suporte do corpo militar americano, que promovem toda a área de entretenimento das tropas em serviço, promovendo shows, bailes e espetáculos para manter elevado o moral dos soldados em missão longe de seus lares.

 

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