terça-feira, 28 de setembro de 2021

E a aventura continua... - Crítica - Séries: Perdidos no Espaço - 2ª Temporada

  

Crescendo e aparecendo

por Alexandre César

(Originalmente postado em 06/ 01/ 2020)


Temporada supera expectativas e aponta novos rumos


Passados sete meses encalhados num belo planeta de atmosfera tóxica

 

Como exemplo de programa para toda a família, neste Natal de 2019 a Netflix disponibilizou a 2ª temporada de Perdidos no Espaço, que aqui, cresce e aparece após o teste de fogo da 1ª temporada (que dividiu opiniões apesar do sucesso) fincando de vez os seus pés não só na série original de 1965 criada pelo lendário Irwin Allen como se lançando na estrutura narrativa atual, não negando seus vínculos com Arquivo X e Lost, sendo dinâmica, divertida e até audaciosa do seu jeito próprio.


Don West (Ignacio Serricchio) no fundo agora se sente um "Robinson"


Após o final acelerado da temporada anterior, avançamos sete meses no futuro, onde encontramos a Júpiter 2 pousada na praia de um planeta com um vasto oceano e uma atmosfera tóxica (em incríveis locações na Islândia), e os Robinsons criaram uma estufa para cultivar alimento, usando plástico, fita silver tape e módulos de armação no melhor estilo do filme Perdido em Marte (2015) de Ridley Scott, mas aqui atualizando o conceito do jardim hidropônico, que na série clássica eram umas ridículas mesas de alumínio com umas plantinhas miúdas, e que nunca convenceram como fonte produtora de alimentos...


Morra de inveja Kevin Costner...


A travessia marítima remonta a um episódio da série clássica de 1965


Encontramos o dilema entre o casal Maureen (Molly Parker) e John Robinson (Toby Stephens) pois ela já determinou os ciclos das tempestades elétricas do planeta e inspirada nos experimentos de Benjamin Franklin bolou uma forma de captar os raios para fazer uma “ligação direta” nos motores da nave, que dará partida para saírem do planeta. Ele, mais cauteloso acha que devem esperar mais pois já estão numa situação estável, conseguindo reciclar a água, o ar e tendo comida.
 

Os jovens Robinsons: Will (Maxwell Jenkins), Judy (Taylor Russel) e Penny (Mina Sunwall). União à toda prova


John Robinson (Toby Stephens) e a pequena Judy (Ella Simone Tabu): Laços de amor, e não de sangue, que fazem realmente uma família


Ela, como toda mãe, percebe que aquele quadro estável na verdade caminha para a estagnação e se eles não fizerem logo, perderão a janela do ciclo de tempestades e terão de esperar mais um ano, o que será desgastante para os jovens Judy (Taylor Russel), Penny (Mina Sunwall) e Will Robinson (Maxwell Jenkins, que esticou). Um providencial acidente rompendo a estufa e reduzindo a reserva de alimentos os força a usar de criatividade, transformando a nave num catamarã e rumando para o auto mar para atrair os raios, tendo aqui sequências espetaculares que resgatam momentos da série clássica e lembrando o mundo aquático de Interestelar (2014) de Christopher Nolan, dando inclusive espaço para que a (até o momento confinada) “Dra.” Smith (Parker Posey) mostre os seus talentos como navegadora, numa sequência de grande impacto, valorizada pela música de Christopher Lennertz (The Boys). Após superar este problema e de quebra descobrir pistas sobre as origens do Robô (Brian Steele, muito mais expressivo) os Robinsons reencontram a Resolute, sua nave-mãe que estava orbitando um mundo vizinho. Isto só no episódio inicial...

Família: Judy, Will, Penny, Maureen (Molly Parker) e John Robinson se preparam para o "Ou vai ou Racha"


Aqui os showrunners Matt Sazama, Burk Sharpless (Deuses do Egito de 2016, Power Rangers de 2017) ao vincular os Robinsons aos outros colonos fizeram a grande ruptura com a série clássica original e conseguiram dar perfil diferenciado a esta versão, afinal o título original em inglês é Lost in Space e poderíamos dizer que a narrativa dos percalços dos colonos de Alpha Centauri vai caminhando para se tornar (no bom sentido até agora) um LOST ... in space” pois a interação do núcleo central de personagens, de forma semelhante aos sobreviventes do vôo da Oceanic 815 se dá com humanos como eles, pois não ficaria convincente no contexto da série o mesmo esquema de atores convidados usando máscaras de borracha ou papier-maché ou então, pintados de dourado ou prata como nos anos 1960.

OS Robeinsons e a Dra. Smith (Parker Posey) "navegam por mares nunca dantes navegados"...

Descobre-se uma misteriosa estrutura, que provoca as tempestades elétricas, que se relaciona às origens do "povo" do robô

 
As dinâmicas entre os personagens amadureceu, tendo destaque a de John com Judy, que é filha do primeiro casamento de Maureen, e é legal ver o amor e o acolhimento de um homem que torna sua filha, uma criança que não é biologicamente sua, criando uma laço afetivo que é tão forte quanto um de sangue, mostrando que meios-irmãos que se amam são irmãos inteiros. Vemos Maureen se tornar uma líder incontestável, e John, um colaborador fiel para qualquer circunstância, sem por isso se ver diminuído em sua masculinidade, enquanto Don West (Ignacio Serricchio) não se sente mais um “desgarrado” mostrando um vínculo de afeto e lealdade inquebrantável para a família que o acolheu e vice-versa.

Ligação direta: Após encalhar num local apropriado, é só esperar a descarga elétrica que acionará os motores

 
 West inclusive serve de guia para mostrar a diferença de classe sociais existente dentro da Resolute entre os colonos e tripulantes (a elite) e os mecânicos e técnicos que fazem as atividades cotidianas da nave acontecerem, pois estes só podem se estabelecer na colônia de Alpha Centauri após cada um fazer 10 viagens de ida e volta da Terra até lá. Existe uma luta de classes no espaço, como em qualquer lugar para o qual o homem vá...

Os Robinsons reencontram a Resolute, a nave-mãe dos colonos, tão perdida quanto eles

Hastings (Douglas Hodge) o intragável "Perigo Real e Imediato"...

 Will após muitos percursos reencontra o Robô, que vai amadurecendo a relação ao questionar a amizade como uma via de mão dupla ao mostrar que os animais também tem direito a um tratamento digno e não só uma posição de submissão, levando o cientista da nave Ben Adler (JJ Feild de Centurião) repensar a forma que lidou com o “espantalho”, um outro robô danificado, usado como navegador da nave, repetindo o papel de exploração que vimos na 1ª temporada de Star Trek: Discovery quanto ao tardígrado e o motor de esporos. Adler se reconhece em Will e se redime, deixando de seguir as diretrizes de Hastings (Douglas Hodge de Operação Red Sparrow) o real vilão da temporada, um burocrata que não aceitará ter a sua posição questionada, usando de métodos sujos para não perder o poder tentando mais de uma vez descartar os Robinsons, que revelam-se duros na queda.

Não faltam sequências espaciais sensacionais, como quando Maureen comanda a Resolute dentro da atmosfera de um planeta gasoso


Ben Adler (JJ Feild):Uma versão adulta de Will que  revê as suas posições graças ao jovem Robinson

Penny se revela a grande surpresa da temporada, ao encontrar o seu lugar no mundo das decisões, pois como todo filho do meio, se sentia perdida entre a liderança de Judy e o intelecto e a engenhosidade de Will, aqui, além de tomar para si a função de escrever as aventuras da família, desenvolve inicialmente com Smith uma relação quase que de “mestre-aprendiz” (similar a que havia na série clássica entre Will e Smith) e descobre o dom de induzir as pessoas a fazerem coisas, como com o seu crush Vijay (Ajay Friese de Riverdale) filho de Victor Dhar (Raza Jaffrey de Homeland) o líder dos colonos, que tem uma dificuldade grande de lhe dizer não. Penny consegue inclusive num momento crucial, fazer com que a Dra. Smith faça o bem, e goste de atuar de forma não interesseira e egoísta. Quem diria...
 

O "povo" do Robô dá as caras, com nenhuma intenção de dialogar...

Smith tem após muitas intrigas e golpes tem o seu "momento redentor", se é que isto é possível...

  e Smith... continuou sendo “Smith”, aqui conseguindo apagar o seu passado dos registros, demonstrando uma habilidade digna de um hacker, embora não consiga apagar de sua própria memória o fato de ser a tranbiqueira June Harris, havendo inclusive flashbacks de sua infância e juventude, sempre competindo com a sua irmã bem-sucedida Jessica (Selma Blair de Hellboy) em agradar a sua mãe Sheila (Angela Cartwright, a “Penny” da série original) ou conseguir olhar nos olhos da pequena Samantha (Nevis Unipan de Travelers) e sua mãe (Amanda Marier de Daughter for Sale), cujo pai ela ejetou no espaço para não ser pega (Os nossos fantasmas são nossos, e nunca nos largam) e daí em a sua necessidade de, por mais golpes que aplique, ela se sentir ligada psicológica e fisiologicamente aos Robinsons, pois afinal todo mundo se acha o herói da sua história, e os vilões, se acham mais ainda do que a grande maioria das pessoas...

Vislumbramos no gigante gasoso um criatura digna das obras de Sir Arthur C. Clarke. A ciência é bem usada na temporada, em soluções inteligentes

 
Reviravoltas não faltaram desde as descobertas de mais elementos ligados à civilização que criou o Robô (e o motor que eles usam na numa mostra de tecnologia reversa); a descoberta de um micro-organismo solúvel na água que corrói o metal da estrutura da nave; um motin liderado pelos Robinsons, para surpresa da Capitã Kamal (Sakina Jaffrey de House of Cards) no intuito de depor Hastings que prefere sacrificar os colonos e fugir face a um ataque alienígena ou até mesmo uma solução sem volta, resultando em momentos dramaticamente acelerados pela edição de Mark Hartzell (Agente Carter da Marvel), Jack Colwell (Colony), Joe Talbot Hall (Siren), Emily Streetz (O Pior Trabalho do Mundo).
 

Don e sua inseparável "Debbie" enfrentam duras provações, mas nada sem saída, pois todo latino é forte

A cada episódio, os Robinsons praticamente só podem contar com eles mesmos para resolver o problema da vez

 
A produção da série continuou impecável, tendo as locações na Islândia, na Columbia Britânica e em Alberta (Canadá) muito bem aproveitadas pela fotografia de Sam McCurdy (Abismo do Medo) e C. Kim Miles (Bem-vindos à Marwen) que valorizou o desenho de produção de Frank Walsh de Carnival Row (substituindo Ross Dempster) que junto com a direção de arte de John Alvarez (Serpentes à Bordo), Roger Fires (Timeless) e a decoração de sets de Kate Marshall (Desventuras em Série da Netflix) enriqueceram e personalizaram os espaços físicos habitados por esses personagens dizendo coisas sutis sobre eles, que se refletem nos figurinos de Christine Thomson de O Regresso (substituindo Angus Strathie) ou até mesmo em seus trajes espaciais, criados pela empresa de efeitos especiais FBFX .

"Corra Judy!!! Corra!!!"

As paisagens desoladas e semi-desérticas remetem ao planeta da primeira temporada da série clássica, mas fêz falta o cíclope gigante

 
 Aliás os efeitos visuais das empresas Big Hug FX, Image Engine Design, Important Looking Pirates (ILPvfx), International SPFX Group, SSVFX, e Digital Domain fizeram valer cada centavo gasto, criando cenas memoráveis como a tempestade oceânica em que a Júpiter 2 convertida em barco resgata uma sequência da série clássica em sua primeira temporada, da mesma forma como as cenas espetaculares dentro de um planeta gasoso cujas “baleias” remetem às obras de Arthur C.Clarke, com direito numa sequência em que a Resolute adentra na atmosfera mais profunda deste planeta, para abastecer-se de amônia, cabendo ao Robô fazer o papel de droide astro-mecânico similar a uma certa unidade R2 de uma “galáxia muito, muito distante”, reforçando as partes da estrutura que se abalam com a pressão, ou quando John e Maureen usam módulos de atividades extra-veiculares para acessar a Resolute pelo lado externo, ou ainda os predadores similares a velociraptors, que perseguem Judy num planeta. Agora, foi sentida a falta de recriar seres clássicos da série como o cíclope gigante, que a tecnologia atual permitiria atualizar facilmente. Fica para a próxima.
 

O Robô (Briam Stele) demonstra grande carga expressiva, carregando em suas atitudes o questionamento sobre como tratar o diferente

A "Fortuna", nave perdida do supostamente falecido pai de Judy e gancho para a próxima temporada. Os mistérios continuam

Ao seu término, Perdidos no Espaço cresceu e apareceu bem, tornando-se referenciada às suas origens e, independente delas, deixando ganchos para possíveis rupturas com o cânone mas ainda sim ligados às idéias originais de Irwin Allen e Shimon Wincelberg, que foram sendo descartadas ao longo da série da série clássica em função do tom camp que foi se impondo.

"- Não, Will Robinson!"

As apostas estão abertas. Não perca o próximo episódio...

"- Vista bonita, não Maureen?"

 

 

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