domingo, 13 de dezembro de 2020

Mídia, sangue & discursos de ódio, MUITO ÓDIO - The Boys - 2ª Temporada



O catecismo da extrema-direita

por Alexandre César


Série amadurece seu discurso iconoclasta 

Obs: alguns spoilers

Aparências nada mais: Homelander / Capitão-Pátria (Antony Star) faz uma elegia ao falecido Translúcido, que na verdade não está no caixão...


E seguimos agora com a nova temporada de The Boys, série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis (Preacher, O Justiceiro) e Darick Robertson (Transmetropolitan) publicados pela Dynamite Entertainment entre 2006 e 2008, que tornou-se a mais bem-sucedida aposta da Amazon Prime Video, principal rival no streaming da Netflix, que promete revidar lançando ano que vem a adaptação de O Legado de Júpiter de Mark Millar e Frank Quitely que por outro viés aposta na máxima de: “Imagine um Universo onde super-heróis (e super-vilões...) existem de verdade...” e daí vindo as consequências do convívio de seres poderosos com os “reles” seres humanos, pois “a corda sempre rompe...”
 
 
Vida dura: Francês (Tomer Capon), Hughie Campbell (Jack Quaid), Billy Butcher/ Blly Bruto (Karl Urban) e Milk Mother /Leitinho (Laz Alonso) tiveram de aprender a viver na clandestinidade, com meio mundo na sua cola...

 
 
Os produtores Seth Rogen e Evan Goldberg (Preacher) e Eric Kripke (Supernatural) seguiram em frente mantendo o tom e o ritmo da temporada anterior, ampliando o universo narrativo da obra e mantendo a coerência interna da história original, investindo na crítica ao mundo corporativo, na manipulação midiática e na difusão de discursos de ódio pelos grupos conservadores, que tudo relativiza para atingir suas metas.
 
 
Abalando as estruturas: Storm Front / Tempesta (Aya Cash) chega para preencher a vaga nos Sete e revela seu grande poder midiático...

 
 
Retornamos ao grupo, agora desgarrado de Billy Butcher/ Blly Bruto (Karl Urban da cinesérie Star Trek, em modo visceral), que havia sido levado por Homelander/ Capitão-Pátria (Antony Starr de Banshee, o “sonho molhado” dos supremacistas) o ”Superman” da série para mostrar-lhe a sua esposa Becca (Shantel VanSanten de O Atirador), e Ryan (Cameron Crovetti de Teachers) o filho que ele fêz (via estupro) nela, só não perdendo a vida por causa de um acordo que ela faz com o super-poderoso para que ele participe da criação do menino, que se mostra uma criança com potencial para o bem, diferente de seu super-pai... 
 
 
Amor proibido:  Hughie Campbell e Annie January, a Starlight / Luz-Estrela (Erin Moriarty) mantém o relacionamento,se encontrando às escondidas de seus respectivos grupos...

 
 
Enquanto isso, Hughie Campbell (Jack Quaid de Star Trek: Lower Decks) amadurece enquanto personagem, se tornando mais despachado e mantendo o seu relacionamento secreto com Annie January, a Starlight/ Luz-Estrela (Erin Moriarty de Berserk) a Supergirl/ Mary Marvel da série) que aprende a lidar com a sua equipe Os Sete (o equivalente à Liga da Justiça desse universo), mantendo uma persona de fachada para lidar com a tirania corporativa da Vought International, que cuida do merchandising, filmes, séries de TV, brinquedos e toda a sorte de colecionáveis e gerenciando cada super equipe e super-seres (via redes sociais, de olho em quem é popular, quem está nos trending topics, qual a demografia de likes de cada um) e quando necessário, troca o seu uniforme mais recatado pelo modelito padrão “heroínas da Image Comics”, mais sexualizado. Hughie cresce em importância tanto para Butcher/ Bruto quanto para Starlight/ Luz-Estrela pois ele é o elo que os liga ao resto da humanidade. ainda no grupo cresce e ganha espaço a relação do Francês (Tomer Capon de 7 Dias em Entebbe), o especialista em armas e traquitanas, com a Fêmea (Karen Fukuhara de Esquadrão Suicida), a “Wolverine” da equipe, que reencontra o seu irmão num contexto trágico; Milk Mother /Leitinho (Laz Alonso de Armed) o “pau-para-toda-obra” do grupo ainda sonha em retomar a sua vida conjugal, tornando-se o “irmãozão” de todos. 
 
 
Stan Edgar (Giancarlo Esposito no alto à esquerda) gerencia Os Sete, e o legado eugenista da Vought...

 
 
Há um paralelismo na questão de legados de sangue. Starlight/ Luz-Estrela acerta as suas arestas com sua mãe Donna January (Ann Cusack de Stigmata) que sonhava ter uma filha heroína/ celebridade, da mesma forma que temos mais conhecimento do passado de Butcher/Bruto ao conhecer sua mãe Connie (Leslie Nicol de Downton Abbey) e seu brutal pai Sam (John Noble de Fringe) com tem contas a ajustar, contrastando com Hughie, que resgata a ligação com seu pai (Simon Pegg de Missão: Impossível - Efeito Fallout); e paralelo a isto, o grupo tenta negociar apoio com a sua antiga chefe, a Agente do FBI Susan Raynor (Jennifer Esposito de Mob Town) a lhes dar suporte, sem muito sucesso.
 
 
Amor bandido: Homelander/ Capitão-Pátria e Storm Front / Tempesta inicialmente se "bicam", mas acabam se tornando um super-poderoso casal fascista...

 
 
Retomando as rédeas da sua “jóia da coroa” corporativa, a Vought International remaneja a formação dos Os Sete que continua com Homelander/ Capitão-Pátria; Black Noir (Nathan Mitchell de Scorched Earth) o “Batman” (do qual descobrimos a sua vulnerabilidade, mas que continua sendo o enigmático “Boba Feet” do grupo); Rainha Maeve (Dominique McElligott de Houde of Cards) a “Mulher-Maravilha”, que cresce em dimensão; A-Train/ Tren-Bala, (Jessie T. Usher de Mentiras Perigosas) o ”Flash”, que se encontra debilitado; e Starlight/ Luz-Estrela. O conglomerado orquestra um “funeral” do Translúcido, o “Homem-Invisível” do grupo (que na temporada anterior foi morto por Hughie) que é puro nonsense, já que vemos uma cerimônia com um caixão de vidro vazio (mas toda a audiência acredita ter em seu interior um “homem-invisível”) e como The Deep/ Profundo (Chace Crawford de Casual), o “Aquaman”, continua “de molho” (suspenso devido ao seu assédio sobre Starlight/ Luz-Estrela que vazou na mídia) sendo então convocada para o grupo Storm Front/ Tempesta (Aya Cash de Fosse/Verdon) que abala as estruturas do grupo, com sua incrível desenvoltura midiática e capacidade de induzir as massas com discursos de ódio, sabendo lidar melhor que seu líder com as redes sociais e o que “as pessoas gostam de ouvir”...
 
 
Bônus: Temos uma rápida aparição (num vídeo pornô) de Jack de Júpiter (Anthony Lake) que originalmente nos quadrinhos ocupava o lugar de Translúcido...


 
 Ashley Barret (Colby Minifie de Jessica Jones) substitui a calculista Madelyn Stillwell (Elisabeth Shue em rápida participação) que foi morta por Homelander/ Capitão-Pátria, como executiva-chefe da Vought, mas não se equipara a ela no quesito de driblar os egos dilatados dos supers, cabendo ao todo-poderoso Stan Edgar (Giancarlo Esposito de O Mandaloriano, estiloso) CEO da Vought numa cena exemplar, dar um “cala boca” no prepotente, poderoso e imaturo Homelander/ Capitão-Pátria, que aprende que o verdadeiro poder é bem mais complexo do que chacinar os adversários. E momentos gore não faltam à temporada...
 
 
Outra rápida participação de um personagem original dos quadrinhos é a de Vazz, o Salsicha do Amor (Andrew Jackson)...

 
Insólito: aqui vemos o "poder da salsicha"...

 
The Deep/ Profundo é cooptado através de Arqueiro Águia (Langston Kerman de Insecure) por Alastair Adana (Goran Visnjic de Plantão Médico) o líder da Igreja da Coletividade (uma paródia da Cientologia*1) que é fabricante do refrigerante Fresca (que foi lançado, mas não devidamente explicado) que propõe ajudá-lo a retornar aos Sete, ganhando a adesão de A-Train/ Tren-Bala, ameaçado por Homelander/ Capitão-Pátria e Storm Front/ Tempesta, que passado o atrito inicial, se tornam um casal, representando a união de conservadores reacionários com o fascismo midiático.
 
 
Becca (Shantel Van Santen) a esposa de Butcher / Bruto faz um acordo com a Vought para poupá-lo...

 
Temos um desenvolvimento da relação de Elena (Nicola Correia-Damude de Caçadores de Sombras) com a Rainha Maeve, que é “arrancada do armário” por Homelander/ Capitão-Pátria num programa de entrevistas, e num momento questiona os executivos da Vought, que para faturar em cima do mercado LGBT tentam padronizá-las como um casal “lesbian-chic”, porque “o mercado aceita melhor quando os padrões ativo-passivo são bem definidos”
 
 
"Girl Power"? Storm Front / Tempesta, Starlight / Luz-Estrela e Rainha Maeve (Dominique McElligot) em frente às câmeras são só amizade, mas a recém-chegada ao grupo só destila veneno para suas "companheiras"...

 
 
Conhecemos Facho de Luz (Shawn Ashmore da cinesérie X-Men), que protagonizou um evento do passado envolvendo o Francês, sua amante Cherie (Jordana Lajoine de Zoe), um amigo, e Grace Mallory (Laila Robins de Lista Negra) que trouxe consequências trágicas para o grupo; e enquanto traumas são trabalhados, a Senadora Victoria Newman (Claudia Doumit de Cadê Você, Bernadette?) lidera uma ação contra a Vought visando regular seus atos e experiências ilegais com o “Composto V”, a droga que transforma humanos em supers (que está sendo pirateada por terroristas), levando a depor no senado o Dr. Jonah Vogelbaum (John Doman de Gothan) responsável pela maioria parte dos experimentos com supers (que considera o Capitão Pátria “o seu maior fracasso...”).
 
 

Empatia: Butcher / Bruto se dá conta do quanto Hughie é importante para ele por resgatar a sua humanidade...
 
Mantendo o espírito iconoclasta dos quadrinhos, temos participações rápidas, surtadas e pontuais de personagens como Jack de Júpiter (Anthony Lake de The Strain), que na série foi substituído pelo Translúcido, e Vazz, o "Salsicha do Amor" (Andrew Jackson de Lobo do Mar) em momentos para lá de hilários.
Antony Starr continua impressionante nas mudanças de ânimo instantâneas de seu personagem, num tom de voz ou um olhar, cujo sorriso luminoso, esconde o desprezo por toda a humanidade ou por outros supers, como na cena em que ele descarta um candidato a substituir Translúcido (uma paródia do Demolidor da Marvel) de forma vilenta, ou quando Storm Front/ Tempesta caça um inimigo invadindo um conjunto de apartamentos e “detonando” qualquer pessoa no caminho, pois a assessoria dirá que elas foram mortas pelo ”terrorista”...
 
 
Discutindo a relação: Francês e Fêmea (Karen Fukuhara) acertam o seu relacionamento...

 
O Desenho de Produção de Arvinder Grewal (Cosmópolis),a direção de arte de David Best (Waco) expande esse mundo colorido, hightech mas palpável, não devendo nada a muita série ou filme calcado no Universo Cinematográfico Marvel, ou DC, da mesma forma que as figurinistas Laura Jean Shannon (Stargirl), autora dos supertrajes, e Rebecca Gregg (Raio Negro) continuam fazendo um trabalho competente, valorizado pela fotografia de Dylan Macleod (Cardinal) e Dan Stoloff (Ray Donovan) complementado pelos efeitos visuais das empresas Rhythn & Hues Studios, Rising Sun Pictures, Rocket Science VFX, Rodeo FX, Soho VFX, Studio8 FX que continuam tornando críveis as extrapolações dos supers, e a edição de Nona Khodai (Chiefs), Cedric Nairn-Smith (Bates Motel), David Kaldor (Mad Dogs), Jonathan Chibnall (Jessica Jones) e William W. Rubenstein (False) que mantém o ritmo narrativo ora frenético, ora mais compassado, sendo acompanhado e bem sublinhado pela seleção musical da trilha de Christopher Lennertz (Perdidos no Espaço) que inclui Hits de Billy Joel, Aerosmith, entre outros.
 
 
Trágico: Conhecemos Facho de Luz (Shawn Ashmore) e seus tormentos pessoais...

 
 
Ao final, a nova temporada de The Boys cumpre o esperado de forma mais do que satisfatória, abrindo novos desdobramentos na sua trama de limites borrados entre o certo e o errado e mostrando alegoricamente que como disse Bertold Brecht “a cadela do fascismo está sempre no cio” e ela está por aí instigando o medo para chegar ao poder, travestida de toda a sorte de valores morais, religiosos e patrióticos...
 
 
A Senadora Victoria Newman (Claudia Doumi) lança um programa para monitorar as atividades dos supers e da Vought, sendo um personagem de peso...

 
 
 
Notas:

*1: Conjunto de crenças e práticas criadas por L. Ron Hubbard (1911- 1986) autor de ficção científica que em 1952 começou com um sistema de auto-ajuda chamado Dianética, tendo caracterizado Cientologia como religião em 1953 quando fundou a sua Igreja em Camden, Nova Jersey. Elapreconiza que os seres humanos são seres imortais que se esqueceram de sua verdadeira natureza, que pode ser restaurada através dos seus métodos de reabilitação psiquiátrica espiritual (Auditoria) cujos materiais são disponibilizados aos menbros em troca de doações, tendo status de religião nos EUA, Austrália, Africa do Sul, Suécia, Nova Zelândia,Portugal e Espanha, sendo considerada apenas uma seita no restante da Europa, sendo monitorada na Alemanha pelo Bundesamt für Verfassungsschutz (BfV) (Escritório Federal para Proteção a Constituição) e tendo sido condenada efinitivamente na França em 2013 por fraude e formação de quadrilha, uma vez que foi conprovado que as duas entidades do país contavam com uma estrutura destinada a extorquir pessoas vulneráveis. É de amplo conhecimento a prática da Cientologia em usar o litígio contra os seus críticos, gastando milhões de dólares com advogados e detetives particulares para espionar e desacreditar qualquer um que ameace os seus negócios, sendo sua agressividade condenada como assédio. sendo por isso considerada um dos mais controversos movimentos religiosos surgidos no século XX.

 

"E para vocês fãs de 'supers', que apoiam Trump, e outros 'mitos', aqui para vocês ó!!!"
 

0 comentários:

Postar um comentário