E a “galáxia muito, muito distante” volta a encantar
por Alexandre César
Nova temporada segue, inova e amplia o universo
Obs: Contém spoilers
Seguindo a bem sucedida trilha de Mando, ou Din Dijarim (Pedro Pascal de Mulher-Maravilha 1984, revelando grande sutileza em linguagem corporal e uso da voz), a segunda temporada de O Mandaloriano seguiu firme, de forma sólida e envolvente, ao retratar a “galáxia muito, muito distante” com uma habilidade ímpar. A série é fruto da união dos esforços de Jon Favreau (Homem de Ferro,O Rei Leão), Dave Filoni (Clone Wars, Rebels) e um grupo de cineastas independentes que souberam abraçar o lado nostálgico da cultura pop, mas dosando de forma crítica ao contar uma trama que, apesar de simples, levanta reflexões profundas sobre o caçador de recompensas que descobre na paternidade, ainda que adotada, o resgate de sua própria humanidade, oculta quase sempre por uma máscara, elemento recorrente na franquia Star Wars.
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Mando (Pedro Pascal) e o delegado Cobb Vanth (Thimoty Olyphan): uma boa adição à galeria de personagens da série |
Nesta caminhada, o herói solitário continua criando alianças com personagens que conhece ao longo de seu trajeto e se revelam de grande importância na sua missão de devolver o “Baby Yoda” (um incrível e carismático marionete animatrônico) a sua família. Acontece que, ao longo da temporada, o mercenário espacial vai se dando conta de que ele agora é a sua família. Assim ele vai revendo os seus rígidos conceitos, fruto de sua educação pelo “credo” fundamentalista mandaloriano.
A importância que as animações e elementos do “universo expandido” (que a Disney afirmou que seriam desconsiderados a partir da fase de J. J. Abrams no cinema) assumem aqui é avassaladora, resgatando personagens e conceitos muito queridos por parte dos fãs que não se identificaram com a trilogia cinematográfica sequel da original.
Nesta temporada - além do retorno de personagens já estabelecidos anteriormente que dão prosseguimento à seus arcos narrativos - surgem outros rostos novos, muitos inclusive já estabelecidos no cânone da franquia, que servem para enriquecer a narrativa. Assim, Greef Karga (Carl Weathers, da cine série Rocky, Um Lutador) e Cara Dune (Gina Carano, de Deadpool), tornam-se indivíduos responsáveis pela comunidade em que vivem (ele, um administrador, ela uma delegada da Nova República). A mecânica Peli Motto (Amy Sedaris, de The Umbrekable Jimmy Schmidt) continua sendo aquela que tem os contatos que alavancam a história. E até temos a redenção de Mayfield (Bill Burr, de New Girl), o mercenário e ex-stormtrooper, mostrando grandes questionamentos quanto às relações de poder - sejam do Império, sejam da Nova República - na visão das pessoas simples que vivem nos setores remotos da galáxia e que, dos dois lados, existem pessoas que acreditam realmente estar fazendo a coisa certa. Afinal, quantos Mariners e Rangers não mataram (e morreram) no Iraque, Afeganistão, etc achando que estavam "livrando o mundo do terrorrismo", se vendo como a Aliança Rebelde quando na verdade eram agentes do Império Galáctico???
Logo no primeiro episódio - "O Sherife" - temos a adição à galeria de personagens da série de Cobb Vanth (Thimoty Olyphant, de Deadwood). Ele é o delegado de Mos Pelgo, uma cidadezinha miserável de Tatooine, que está de posse da armadura do mandaloriano Boba Fett - algo que nosso protagonista considera uma abominação. Cobb lhe propõe devolver a armadura em troca de que ele o auxilie a matar um verme gigante (na verdade, um dragão Krayr). Essa operação os leva a forjar uma aliança com os tusken raiders, o Povo da Areia, que sempre foram retratados na franquia como seres brutos e irracionais, mas se mostram aqui capazes de negociar a solução de um problema comum a todos.
"-Encosta aí!!!" : A "Razor Crest" é abordada por "X-Wings" que pedem esclarecimentos à Mando sobre uma certa invasão a um transporte da "Nova Republica"
Já no segundo episódio - “A Passageira" -, Mando conhece, através de Peli Motto, a "Dona Sapo"(Misty Rosas, de Word Party), que precisa levar seus ovos (e garantir uma nova geração de sua linhagem) para Trask, um planeta aquático. Em troca da sua passagem, ela lhe dará uma informação sobre o paradeiro dos mandalorianos, que devem ajudar nosso protagonista em sua missão. Mando faz o transporte (em velocidade sub-luz para não matar os ovos) com sua Razor Crest e, após um mal-entendido com X-Wings batedores da Nova República, cai num planeta glacial que sinistramente remete a cine série "Alien".
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Direção de arte 1: Trask é um mundo aquático, onde muitos equipamentos bélicos imperiais são reciclados para uso cotidiano, como este "AT-AT guindaste" |
No terceiro episódio - "A Herdeira" -, ao conseguir chegar ao planeta e entregar “Dona Sapo” a seu destino, Mando encontra Bo KaTan Kryze (Katee Sackhoff, de Batllestar Gallactica), mandaloriana que surgiu no seriado animado Clone Wars. Ela é a legítima herdeira da posse do darksaber mostrado no final da temporada anterior e a líder de uma facção que não segue o “credo”, e nem por isso seus seguidores se julgam menos mandalorianos por isso Junto a ela estão Koska Reeves (a wrestler Sasha Banks) e Axe Woves (Simon Kassianides, de Suits). Juntos, roubam um carregamento de armas imperiais para a guerrilha. Boa KaTan lhe passa a informação de onde Mando poderia encontrar um Jedi.
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Mandalorianos não fundamentalistas: Koska Reeves (Sasha Banks), a líder Bo KaTan Kryze (Katee Sackhoff) e Axe Woves (Simon Kassianides) ajudam Mando |
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Bo KaTan Kryze (Katee Sackhoff) faz uma aliança com Mando em troca de ajuda numa operação contra forças imperiais |
Já no episódio quatro - "O Cerco" -, Mando retorna a Nevarro, o mundo que libertou no final da temporada anterior, e
constata como ele está prosperando. Em troca dos consertos na Razor Crest ele
se junta a Greef Karga e Cara Dune numa missão para invadir e destruir a última instalação imperial no planeta. Lá, Mando descobre os planos de usarem o sangue de "Baby Yoda", rico em Midichlorians (sim, os tão odiados Midichlorians!!!), para experimentos de clonagem (que deverão futuramente descambar nos clones de Snooke e Palpatine da Trilogia Sequel...). Cara Dune é convocada
para ser delegada da Nova República. Destaque para ótimas sequências de
perseguição com as tão queridas speederbikes.
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Direção de arte 2: Base imperial em Nevarro remete a muitas instalações alemãs da Segunda Guerra Mundial |
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E as "speederbikes" voltam a dar as caras... |
No quinto episódio - "A Jedi" - chegamos ao planeta Corvus, onde - para a alegria dos fãs - ressurge Ahsoka Tano (Rosario Dawson, de Luke Cage e Demollidor), a ex-padawan de Anakim Skywalker em Clone Wars. Juntos, eles enfrentam a senhora da
guerra Morgan Elsbeth (a artista marcial Diana Lee Inosanto), que, junto com seu
capanga Lang (Michael Biehn, de O Exterminador do Futuro), dominam despoticamente a cidade de Calodan. Este episódio, além de revelar o passado e o verdadeiro nome do “Baby Yoda”, mostra fatos e personagens da trama que ainda deverão ser exploradas nas próximas temporadas (ou séries da franquia). A direção, montagem, fotografia e ambientação do episódio emulam o clássico estilo do cineasta Akira
Kurosawa.
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A atmosfera desse episódio é predominantemente escura e enevoada... |
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...o que realça o brilho dos sabres de luz de Ahsoka |
No sexto episódio - " A Tragédia" -, Mando leva "Baby Yoda" ao planeta Tython para contatar um Jedi num Templo da Força... e surge Boba Fett (Temunera Morrison, de Aquaman) com sua parceira Fennec Stand (Ming-Na Wen, de Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.). Aqui vemos pela primeiríssima vez em um obra da cronologia oficial de Star Wars a notória agressividade de Fett, tão explorada no antigo Universo Expandido. Moff Guideon (Giancarlo Esposito, de The Boys e Breaking Bad) sequestra "Baby Yoda" e destrói a Razor Crest. Este é um momento doloroso, pois a nave de Mando já havia conquistado o coração dos fãs, numa posição equivalente a da Millennium Falcon...
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Os "Dark Troopers": dróides de combate dão as caras |
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Boba Fett (Temuera Morrison) faz juz à sua fama de guerreiro brutal |
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Pecado mortal: Como não deixar escapar uma lágrima nesse momento??? |
A grande virada ocorre no episódio sete - "O Crente" -, quando Mando, através dos contatos da agora delegada Cara Dune, convoca o prisioneiro Mayfield para se infiltrar numa refinaria de rhydonium e no planeta Morak, para poder acessar um terminal de computador que lhes permita localizar o lightcruiser de Guideon.
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Fennec Stand (Ming-Na Wen), Mando, Cara Dune, Mayfield (Bill Burr) e Boba Fett planejam um ataque à uma instalação imperial... |
Aqui Mando quebra o código do seu credo, expondo o seu rosto para poder encontrar "Baby Yoda", num trama que homenageia O Salário do Medo (1953) - filme de Henri-Georges Clouzot com Yves Montand, refilmado em 1977 por
William Friedkin com Roy Scheider. Mando e Mayfield dirigem um
caminhão blindado em baixa velocidade carregado de rhydonium, um composto altamente volátil, tendo vários obstáculos e adversários no caminho.
E, no episódio final da temporada - "O Resgate" -, Mando, Cara Dune, Fenec Stand e Boba Fett capturam o Dr. Pershing (Omid Abtahi, de American Gods) e se unem a Bo KaTan e Koska Reeves (após uma discussão entre elas e Fett revelando as rixas entre os mandalorianos e o preconceito contra os clones). O objetivo do grupo é invadir o lightcruiser de Guideon. Mando vence Guideon em combate, ganhando a posse da darksaber. Quando tudo parecia perdido, com grupo enfrentando um pelotão de Dark Troopers (poderosos dróides altamente blindados), eis que surge um poderoso Jedi que salva a todos, se prontificando a proteger e treinar "Baby Yoda". A bela música de Ludwig Göransson (Tenet) acrescenta um brilho a mais neste momento, reinterpretando o tema do personagem, além de outros temas conhecidos dos fãs.
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Nostalgia: O "lightcruiser" de Moff Guideon remete aos colossos da trilogia clássica |
Com incríveis valores de produção, que seriam inviáveis dez anos atrás, vemos a ambientação da galáxia muito, muito distante transposta para contextos do cotidiano, com o Desenho de Produção de Andrew L. Jones (As Aventuras de Tintin) e Doug Chiang (A Lenda de Beowulf), juntamente com a Direção de Arte de Vlad Bina (O Chamada da Floresta) e John B. Josselyn (Supergirl). Tudo isso. aliado a decoração de sets de Amanda Moss Serino (Godzilla II: Rei dos Monstros) dão um senso de realidade a este universo fantasioso, como ao vermos a carne do dragão Krayt sendo assada no calor de uma turbina da oficina de Peli Motto - inclusive usando Treadwell, um dróide de manutenção que era da fazenda de Owen Lars (tio de Luke Skywalker) em Star Wars: Uma Nova Esperança. Ou quando, no planeta Trask, a danificada Razor Crest é “pescada” por um guindaste que nada mais é que um velho andador imperial AT-AT convertido para esta função - equipamento que também é usado no ferro-velho da prisão, onde encontramos Mayfield reciclando componentes de Tie Fighters sucateados. Ou a arquitetura na cidade de Calodan, bem SciFi, mas de inspiração nitidamente japonesa medieval. Auxiliados pelos efeitos visuais das empresas Industrial Light & Magic, Image Engine Design, Hybride Technologies, Base FX, e BOT VFX supervisionados por Richard Bluff (Doutor Estranho), tudo contribui para nos arrebatar visualmente todo o quadro deste “universo” vasto, plural e familiar que é Star Wars.
Os Figurinos de Shawna Trpcic (Torchwood) primam pela funcionalidade, realçada pela fotografia de Barry Baz Idoine (Bald), Matthew Jensen (Mulher-Maravilha 1984) e David Klein (Deadwood). A direção faz um bom uso de tons ora frios, como no planeta glacial, ora quentes e coloridos nas selvas de Morak, de aspecto bem equatorial. A atmosfera esfumaçada e terrosa de Corvus realça o brilho dos sabres de luz de Ahsoka, cuja luta com Elsbeth é valorizada pela edição de Andrew S. Eisen (Pleasant Canyon),Jeff Seibenick (Cobra Kai), Adam Gerstel (O Rei Leão) e Dylan Firshein (Ths Is Happening), que dão o tom certo de dinamismo e urgência. Isso também é visto quando Mando luta com piratas sobre o blindado carregado de rhydonium. Por mais que ele vença um grupo, sempre vem outros para tomar o lugar.
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Mais nostalgia ainda: Voltamos ao palácio de um falecido Barão do Crime... |
Com este emocionante último capítulo em que Mando e o pequenino se despedem, encerra-se esta fase da série, que deverá agora acompanhar Mando ou melhor, Din Djarim, na sua posição de ter se tornado (contra a sua vontade) o possuidor do símbolo de unificação dos clãs mandalorianos. Isso lhe trará conflito com os demais chefes de clãs e com Bo KaTan, no melhor estilo Game of Thrones - o que é uma contradição, pois o combate em venceu Guideon de forma justa, não foi por poder ou honra, mas por amor à uma criança. Este é o caminho...
Obs: temos ao encerramento do episódio uma cena pós-créditos que acena para uma nova série derivada deste rico universo expandido.
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- " Quem manda agora nessa P#%%@!!! sou eu!!!" |
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