domingo, 27 de dezembro de 2020

E Steven volta a ser Spielberg. Que continue assim! - Jogador N˚ 1 (2018)

  


A bolha do universo pop

por Alexandre César

(originalmente publicado em 28/ 03/ 2018 )


Adaptação do livro é um deleite visual de cultura pop

 


Neo-favelas: ambiente cyberpunk



Em 2045, num futuro distópico (para variar...), a dureza da realidade se impôs, com uma nova ordem mundial que acentuou ainda mais as distâncias da pirâmide social, tragando e desestruturando famílias. A grande maioria da população é reduzida a uma massa de subempregados endividados que vendem a sua força de trabalho, sem garantias, nem perspectivas, de poder viver em um ambiente urbano que não seja o dos trailers empilhados, formando “neo-favelas“. Nesta realidade, em face ao inevitável colapso dos recursos naturais do planeta, boa parte das pessoas se refugia das frustrações do mundo real jogando em um ambiente virtual chamado OASIS, criado pelo gênio da computação James Halliday (Mark Rylance). Este, ao morrer, deixa a sua imensa fortuna para o primeiro jogador que encontrar um easter egg oculto por ele mesmo no ambiente do seu jogo, gerando uma caça ao tesouro global.

 

Wade Watts (Tye Sheridan): cavaleiro arturiano


Dirigido por Steven Spielberg e baseado no livro de mesmo nome de Ernest Cline (um dos roteiristas do filme), Jogador N˚1 (2018) nos apresenta o jovem Wade Watts (o ótimo Tye Sheridan, que continua usando um visor como seu Cíclope em X-Men: Apocalipse). Ele é um dos jogadores do OASIS, onde usa o avatar Parzival. Ele é nosso herói improvável, aparentemente apenas mais um na multidão (se bem que nem tanto, já que o seu nome e o sobrenome têm a mesma consoante inicial, que é um indicativo de herói...).

 

Nolan Sorrento (Ben Mendolsohn) o vilão corporativo que quer monopolizar o OASIS

 

Wade se lança com seus amigos Art3mis (Olivia Cooke) e Aech (Lena Waithe), entre outros, nesta disputa alucinada onde a realidade é mutável de acordo com as táticas dos jogadores e com a própria dinâmica do jogo. Sua admiração pelo criador do OASIS, que dá alento a sua vida sem perspectivas, o move na busca para vencer a competição definitiva. A escolha do nome de seu avatar nos remete também a sua condição de “escolhido”: nas lendárias aventuras da corte do Rei Arthur, Parzival é o único dos Cavaleiros da Távola Redonda que consegue achar o Santo Graal. 

 

F’nale Zandor (Hannah John-Kamen): chefe de fase no caminho de Parzival


 

Para incrementar esta aventura, temos as ações de Nolan Sorrento (Ben Mendolsohn, o vilão imperial de Rogue One: Uma História Star Wars), um típico vilão corporativo. Ele é CEO da IOI, uma megacorporação que visa monopolizar o OASIS, usando para isso de táticas que vão do escravagismo por dívida a eliminação física de opositores pelas mão de sua capanga F’nale Zandor (Hannah John-Kamen), ou, no meio virtual, recorrendo a i-R0k (T. J. Miller), um meganha cibernético. O jogo de Sorrento é pesado, diferente de Odgen Morrow (Simon Pegg, o engenheiro-chefe da espaçonave Enterprise nos novos filmes de Star Trek ), amigo e ex-sócio de Halliday que observa tudo à distância.

 

Parzival encontra uma versão digital de James Halliday (Mark Rylance) no OASIS


 

Aqui o veterano Spielberg, que parecia ter entrado no ocaso da sua vida (compreensível para qualquer um maior de 60 anos) e se firmado como um autor de filmes sérios, chuta o pau da barraca com um vigor que há zilhões de anos não fazia. Se ele morresse amanhã, este filme poderia ser o seu canto de despedida em grande estilo. O roteiro, rico e enxuto de Zak Penn e Ernest Cline, tem diálogos espertos e bons personagens e cumpre a risca o compromisso de jogar para a platéia. Para isso ele usa tudo que mostra na tela de forma enxuta, mas fazendo fan service de uma forma que é ao mesmo tempo natural, orgânica e avassaladora, com uma inundação de referências - tantas citações à cultura pop por metro quadrado como nunca vista antes. 

 

Corrida Maluca: Quantos veículos icônicos você consegue distinguir???

 

Será um filme para se assistir no blue-ray quadro a quadro, várias e várias vezes, para poder identificar cada elemento (e personagem) que aparece em todos os cantos da tela - de game, filme, seriado, quadrinho, animação, música etc. Embalados pela música de Alan Silvestri, estes ícones surgem em inserções pontuais, dando o tempo preciso para que registremos na memória. Curiosamente, nesta avalanche, há bons momentos de respiro, quando o diretor diminui a marcha, permitindo que possamos conhecer melhor os personagens do filme, como quando Wade reflete o quanto o mundo real é mais “devagar”, em contraste com a adrenalina contínua do mundo virtual. São momentos que dão a alma e a substância ao filme (aprenda Michael Bay!).

 

Desafio: Quantos personagens de games, filmes etc... você identifica???

  

Os efeitos visuais, fruto de elaborado trabalho de CGI e captura de performance de atores, compõem muito bem este cenário cyberpunk e elevam ao limite os avatares e seus mundos imersivos on-line. O desenho de produção de Adam Stockhausen e o figurino de Kasia Walicka-Maimone caracterizam bem os ambientes neon-shopping-center da elite corporativa e a pobreza-com tecnologia-de-segunda-mão do proletariado de uma forma crível e seca, sem apelações fáceis.

 

O Gigante de Aço no meio da avalanche de referências à cultura pop

 

O resultado é para lá de bom, mostrando o grande e velho Spielberg que aprendemos a amar, com algumas sutis reflexões sociais embutidas no subtexto do filme, que, como ocorre com as boas fábulas, nos fazem sonhar enquanto sugerem indagações que, se ousarmos responder, poderão nos ajudar a moldar o amanhã.

 

Jogador N°1: Pazival e seu DeLorean em OASIS


 

 



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