sábado, 4 de abril de 2020

A expressividade de uma máscara - O Mandaloriano: 1ª Temporada

 

O estranho sem nome do espaço

 
por Alexandre César


 Série da Disney + revitaliza o universo de Star Wars


Foi em "Star Wars - Episódio V: O Império Contra-Ataca" (1980) que surgiram os caçadores de recompensas, e entre eles, Boba Feet

    Nesta época em que a Disney está lançando o seu próprio serviço de streaming (o Disney + ) e as propriedades intelectuais adquiridas por ela nos últimos anos estão indo para lá a fim de engordarem o seu portfólio. O universo da galáxia “muito, muito distante” se tornou uma joia preciosa por ter ao longo dos anos gerado lucros nos mais diversos campos, do cinema aos parques temáticos além de toda a sorte de produtos licenciados. Uma franquia alimentada por uma múltipla sequência de animações, séries e até filmes feitos diretamente para o formato da plataforma streaming, mantendo o alto padrão de qualidade e apostando no vasto fandon da criação de George Lucas. Após baixada a poeira de Star Wars: A Ascensão Skywalker, que dividiu o público e constatou-se que esta última trilogia foi bem abaixo dos padrões anteriormente estabelecidos*1, reduzindo o faturamento com os produtos licenciados somado a pandemia do Corona Virus, que manteve os mesmos parques fechados, fez império do rato perder liquidez, e diminuir o brilho desta mesma “joia”... Aguardemos os futuros desdobramentos dessa trama. Por hora há um carta boa no naipe...

 

Os mandalorianos cresceram graças ao universo expandido, criando uma sólida mitologia própria


Facetas individuais: Boba Feet, o mercenário cínico; Mando (Pedro Pascal), o caçador de recompensas com princípios e Sabine, a revolucionária

 

Originalmente surgido (em live-action) em Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca (1980) de Irwin Kershner, junto com outros caçadores de recompensas, Boba Feet, foi o primeiro mandaloriano a dar as caras na saga, granjeando uma vasta legião de fãs por seu jeito seco, lacônico e visual inspirado. A despeito do péssimo tratamento dado ao personagem no filme seguinte, livros, quadrinhos e games criaram a mítica em torno do personagem e ampliaram o enredo em torno de seu povo, os mandalorianos, povo guerreiro, adeptos do uso de armaduras de combate incrementadas. Sua melhor representação dentro da franquia foram nas animações Rebels e Clone Wars, sendo os habitantes do planeta Mandalore pouco conhecidos pelos fãs da franquia tradicional do cinema.

 

"Este é o caminho!!!" : A armeira mandaloriana (Emily Swallow) é um mix de ferreira com sacerdotisa, criando as armaduras de forma ritualística...
  

Mandalore, um planeta da Orla Exterior, foi totalmente devastado pela guerra, cuja sociedade é dividida em casas e clãs, que frequentemente lutavam entre si pelo poder ao longo dos séculos. O povo também lutou fora dos limites do planeta, tendo travado batalhas até mesmo contra os Jedi. Após vários confrontos ao longo dos séculos, a República Galática entrou em negociação com alguns clãs adeptos da paz para formar um novo governo mandaloriano, que embora não tivessem amor pela República, sabiam que não teriam nada a ganhar com uma oposição à ela.

 

O "Bom" e o "Mal": Clint Eastwood e Lee Van Cleef se sentiriam à vontade neste universo narrativo, onde os limites de certo e errado estão borrados...

 

Depois vieram as Guerras Clônicas, o Império Galático, a paz e a Primeira Ordem e os guerreiros de armadura sempre atuaram, atacando ou se defendendo daqueles que ficavam em seu caminho, pagando o seu preço em sangue e em beskar*2 “Este é o caminho” diriam eles...

 

Velho mas confiável: O Razor Crest, o veículo de Mando é uma nave robusta da época das Guerras Clônicas

Elementos conhecidos: O veículo blindado dos Jawas é um dos elementos familiares aos fãs que surgem ao longo da série...
 

Criado por Jon Favreau (O Rei Leão, Homem de Ferro) e tendo (entre outros) na produção Dave Filoni (Clone Wars, Rebels) surge agora O Mandaloriano, série ambientada no período compreendido entre a queda do Império Galático e o surgimento da Nova República, e bem antes dos eventos que posteriormente levaram ao surgimento da Primeira Ordem da última trilogia, agora encerrada com Star Wars: A Ascenção Skywalker.

 

Negócios: O "cliente" (Werner Herzog) encomenda um "serviço" à Mando
  

Abraçando as raízes do western spaghetti em que tínhamos estranhos sem nome e de moral dúbia indo do nada para o lugar nenhum vivendo um dia de cada vez, acompanhamos o caçador Mando (Pedro Pascal de Game of Thrones) membro de uma guilda de caçadores de recompensas, que atua nos mundos da Orla Exterior, mais afastada da autoridade da Nova República e também terreno fértil para velhos senhores da guerra imperiais assentarem raízes e tentar assegurar “esta parte que lhes cabe neste latifúndio” como dizia a música. Mando faz o tipo calado que não tira o seu capacete na frente de nenhum ser vivo, seu personagem refaz os passos que um certo Clint Eastwood (quando mais novo) fez ao trabalhar com Sergio Leone em clássicos como Três Homens em Conflito (1966) entre outros. Tanto ele como o eterno homem mau Lee Van Cleef estariam bem à vontade nestas terras áridas sob o calor de um sol ou dois... 

 

Amizade: Greef Karga (Carl Weathers) o chefe da guilda de mercenários encaminha a Mando os melhores serviços

 

Capturando fugitivos (devidamente “embalados” em carbonita) ele vai cumprindo contratos a mando de Greef Karga (Carl Weathers da cinesérie Rocky, um Lutador). Segue de mundo em mundo a bordo de uma Razor Crest, antiga nave militar usada para patrulhar territórios na época anterior ao Império, onde o modelo servia como transporte e alojamentos dos mandalorianos, enquanto estes também vasculhavam a Orla Exterior à procura de fugitivos. 

 

Parceria: IG-11 (voz de Taika Waititi), é um dróide mercenário que ajuda Mando, apesar da aversão deste à robôs...
  

Mando irá cumprir o contrato com um misterioso cliente, um ex-oficial imperial (o ator Werner Herzog de Jack Reacher: O Último Tiro) que lhe passou poucas instruções sobre o alvo. Seguindo sem muita informação, sua procura às cegas para realizar o objetivo lhe coloca em contato com IG-11 (voz de Taika Waititi de Jojo Rabbit e captura de performance em Rio Hackford). IG-11 é um droide assassino construído pelo antigo Clã Bancário Intergalático para as Guerras Clônicas. IG-11 é agora um caçador de recompensas também, um encontro mais calmo será com um Ugnaught chamado Kuiil (Nick Nolte e captura de performance de Misty Rosas). Kuill vive retirado após anos como trabalhador forçado do Império. Com ambos forja laços de amizade.


Entre os associados do "cliente" está o Dr. Pershing (Omid Abtahi) que faz experiências com o "trabalho" de Mando...

 
Ao final do serviço Mando descobre o alvo que deve capturar: Um filhote da espécie do famoso Mestre Yoda (num grande trabalho de animatrônicos com CGI), que revela um potencial uso da Força, que deixará o caçador de recompensas dividido. Ele entrega o prisioneiro, que sofrerá experimentos causados pelo Dr. Pershing (Omid Abtahi de American Gods) e leva o seu beskar  para que a Armeira mandaloriana (Emily Swallow de O Mentalista) reforce a sua armadura, mas numa crise de consciência volta atrás e liberta o pequenino, fugindo com ele no melhor estilo Lobo Solitário*3 sendo caçado por agentes do misterioso cliente e, por seus colegas de guilda, pois “trabalho é trabalho”e como o próprio Mando diria: “- Caçador de recompensas é uma profissão difícil...”
 
Surpresa: O "serviço" de Mando se revela algo inusitado...

 
 Assim, ao longo da temporada, Mando vai fazendo os seus “serviços”, desviando-se do fogo inimigo, e cruzando caminho com tipos variados, como Peli Motto (Amy Sedaris de The Unbreakable Kimmy Schmidt) uma velha mecânica do desértico Tatooine ou, quando no distante planeta agrário Sorgan, defende a vila de Omera (Julia Jones de Westworld) e sua filha Winta (Isla Farris de Future Man) de salteadores, junto com Cara Dune (Gina Carano de Deadpool) mercenária com quem forja uma aliança, organizando os aldeões no melhor estilo Os Sete Samurais ou, tipos mais questionáveis, como num episódio, em que divide o “serviço” com o traiçoeiro bandidinho Toro Calican (Jake Cannavale de Nurse Jackie) ao caçar a fugitiva Fennec Shand (Ming-Na Wen de Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.), ou quando num episódio se alia ao colega (e vigarista) Ranzar Malk (Mark Boone Junior de Amnésia) reunindo um bando composto de Mayfield (Bill Burr de O Favorito) um ex-Stormtrooper; Burg (Clancy Brown de Highlander) e o droide Zero (Richard Ayoade de Uma Aventura Lego 2) para assaltar um transporte prisional da República para libertar Qin (Ismael Cruz Cordova de Duas Rainhas), irmão da traiçoeira XI´an (Natalia Tena de Origin) uma ex-namorada. O caminho do mercenário é sublinhado pela música de Ludwig Göransson (Creed II) que dá o clima perfeito da série, de tom imponente, marcial, mas remetendo tanto à trilogia clássica de Star Wars quanto aos faroestes italianos cuja fotografia de Barry Baz Idoine e Greig Fraser (Vice), aliada à edição de Jeff Seibenick (Teen Wolf), Andrew S. Eisen (O Jogo da Imitação) e Dana E. Glauberman (Juno) perpassa o ritmo narrativo seco, similar aos clássicos westerns de Sergio Leone.
 
 
Surpresa: O "Bêbê Yoda" tornou-se, um hit na internet...

 
Ao final, Mando se cansa de fugir e parte para o ataque, descobrindo que o seu real empregador é Moff Gideon (Giancarlo Esposito de The Boys) um antigo Senhor da Guerra imperial e junto com sua trupe e tem de enfrentar o caudilho que se revela um perfeito nêmesis.
 
Afinidade: Mando e Kuiil, o Ugnaught (Nick Nolte) criam uma parceria contra tudo e contra todos

 
Visualmente impecável, o desenho de produção de Andrew L. Jones (As Aventuras de Tintin), a direção de arte de John Lord Booth III (Oz: Mágico e Poderoso) Sara Delucchi (Avatar 2 & 3), Michael Manson (Doutor Estranho) e Chris Farmer (Logan) recriam os espaços tão conhecidos como as cidades e planetas da Orla Esterior (similares à Tatooine entre outros) ou elementos conhecidos como o veículo blindado dos Jawas e as instalações high-tech das docas espaciais, auxiliados pela supervisão de Richard Bluff (Doutor Estranho) coordenando os efeitos visuais de Industrial Light & Magic (ILM),Image Engine Design e Hybride Technologies recriam perfeitamente a ambientação da “galáxia muito, muito distante” onde os figurinos de Joseph A. Porro (Independence Day) traduzem perfeitamente o visual dos trajes da trilogia clássica com os materiais atuais, e não destoando visualmente no conjunto.
 
A guerreira Cara Dune (Gina Carano) é uma aliada valorosa para Mando

 
Ao final, a temporada inicial de O Mandaloriano diverte em grande estilo, se mostrando acima da média, parecendo mais uma série de pequenos filmes de cinema do que uma série de TV ou de streaming, tal a qualidade e o cuidado de seus valores de produção, aliados a um roteiro bem escrito e um trabalho de direção competentíssimo, com um elenco afiado e a prova de que um personagem bem construído não precisa necessariamente mostrar a sua face a todo o mundo...
 
 
Antagonista: Moff Gideon (Giancarlo Esposito) revela-se um sério oponente para Mando

 
 Que venha a segunda temporada!!!
 

"- O servico é pago à vista, em beskar..."

 Notas:

*1: Já se cogita de se estabelecer que a última trilogia seja um “elseworld” (universo paralelo) em que os eventos e personagens dos últimos três filmes passam a não pertencer à cronologia principal da franquia.

*2: Beskar ou Aço Mandaloriano: Metal conhecido por sua alta tolerância a formas de dano, sendo durável o suficiente para resistir a um disparo direto por um blaster. É usado, basicamente, por todos os mandalorianos em várias eras de Star Wars, principalmente no período clônico.Os conjuntos de mais alta qualidade são feitos pelo beskar resistente a sabre de luz (ferro mandaloriano), mas o custo e a raridade do beskar levaram ao uso outros materiais na produção das armaduras, sendo os seus métodos de transformação do beskar em liga em segredo pelos metalúrgicos mandalorianos, mas o elemento pode ser misturado com outros metais, para criar um conjunto de armaduras altamente denso e quase indestrutível.

*3: Uma série de mangás em que um samurai e seu filho pequeno percorrem o Japão feudal, perseguidos por guerreiros de um clã inimigo. Teve uma adaptação live action para a TV, que foi veiculada no SBT na década de 80 com muito sucesso. 

 


 

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