terça-feira, 10 de março de 2020

A "ELITE" da elite - Críticas - Séries: The Boys - 1ª Temporada

 

 

 Collants, raios, sangue & porrada 

por Alexandre César

(Originalmente postado em 05/ 08/ 2019)


Série da Amazon demole o conceito dos "Supers" 


Semelhanças icônicas: "Os Sete": A novata Luz Estrela (Erin Moriarty), Profundo (Chace Crawford) Translúcido (Alex Hassell), Rainha Maeve, (Dominique McElligott), Black Noir (Nathan Mitchell), Tren-Bala (Jessie T. Usher) e o poderoso Capitão-Pátria (Antony Starr) o líder. Lembra alguma coisa???

Watchmen de Allan Moore & Dave Gibbons, Marshal Law de Pat Mills & Kevin O´Neil, O Procurado de Mark Millar & J. G. Jones... cada qual ao seu jeito partiram de uma ideia comum: “Imagine um Universo onde super-heróis (e super-vilões...) existem de verdade...” daí vindo formas distintas de contextualizar quais seriam as consequências do convívio de seres poderosos com os meros seres humanos, ora pela alegoria e a crítica social, ora pela descarada paródia iconoclasta ou a mais apelativa e sanguinolenta sucessão de cenas que destilam a baixaria nerd (misoginia, homofobia, racismo, etc...) no final das contas a conclusão acaba sempre sendo, de uma forma ou de outra, a mesma: “Se grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, como diria o bom e velho tio Bem Parker do Homem-Aranha, a falta de um senso moral faz com que o poder corrompa, e aqui, de forma exponencial...


O alucinado Billy Butcher / Bruto (Karl Urban) convoca o reprimido Hughie Campbell (Jack Quaid) para a sua "vendeta" contra os super-poderosos


Baseada nos quadrinhos de Garth Ennis (Preacher, O Justiceiro) e Darick Robertson (Transmetropolitan) The Boys é a nova aposta da Amazon Prime Video que já nos rendeu obras como O Homem do Castelo Alto, American Gods, Good Omens, sendo ela, uma das principais rivais da gigante do streaming Netflix, cujo volume e catálogo de produções é muito maior, mas de qualidade bem variável...


Aparências nada mais: Rainha Maeve (Dominique McElligott) & Hmelander/ Capitão Pátria (Anthony Starr) são os "Deuses que caminham entre os reles mortais"...


Os produtores Seth Rogen e Evan Goldberg aprenderam durante a série Preacher, que adaptar Garth Ennis não é uma tarefa fácil. Mesmo assim, o desejo de explorar o catálogo do autor foi maior, e unidos a Eric Kripke, o criador de Supernatural, precisaram tomar algumas liberdades narrativas, mudando muito em tom e ritmo para comportar uma fração da história original, mas mantendo a coerência interna. E olhe, valeu a pena.


O grupo disfuncional se compõe de Billy, o Francês (Tomer Capon abaixado), Milk Mother/ Leitinho (Laz Alonso, atrás) e Hughie, que de "Zé-Mané", logo evolui como agente de campo


Neste universo ficcional, os heróis são controlados por uma corporação, a Vought International, que cuida do merchandising, filmes, séries de TV, brinquedos e toda a sorte de colecionáveis, ainda microgerenciando cada super equipe e carreiras individuais via redes sociais, de olho em quem é popular, quem está nos trending topics, qual a demografia de likes de cada um. Afinal, os heróis são produtos corporativos, sendo interessante a cena de uma reunião de acionistas que não deixa de lembrar as cenas que rolam nos palcos da San Diego Comic-Con anunciando a nova fase do Universo Cinematográfico Marvel...


Madelyn Stillwell (Elisabeth Shue) apresenta aos acionistas da Vought. The Deep/ Profundo (Chace Crawford) e a novata Starlight/ Luz-strela (Erin Moriarty), a idealista Annie January, que descobre que "AJOELHOU, TEM QUE REZAR!"


Tendo os quadrinhos sido publicados pela Dynamite Entertainment entre 2006 e 2008, a trama acompanha Hughie Campbell (Jack Quaid), um jovem que perde Robin (Jess Salgueiro) sua namorada em um brutal acidente envolvendo A-Train/ Trem-Bala na versão dublada (Jessie T. Usher) o herói velocista do grupo Os Sete (o equivalente à Liga da Justiça desse universo). Após perceber que existe todo um sistema pensado para inocentar os superpoderosos, com um exército de advogados, relações públicas e toda sorte de obstáculos corporativos, Hughie entende que sua única esperança de encontrar justiça é com a ajuda de um misterioso estranho chamado de Billy Butcher/ Billy Bruto (Karl Urban da cine série Star Trek, surtado e deliciosamente caricato), que lhe aborda oferecendo uma chance de vingança.


Profundo alterna uma masculinidade tóxica, fruto de uma personalidade perturbada por ser "o cara que fala com os peixes" do grupo e não conseguir superar suas próprias amarras

 
O grupo principal, a jóia da coroa da Vought International são Os Sete que compoem-se de Homelander/ Capitão-Pátria (Antony Starr de Banshee, ótimo como um psicopata hedonista) o ”Superman”do grupo, Black Noir (Nathan Mitchell) o “Batman”, Rainha Maeve (Dominique McElligott de House of Cards) a “Mulher-Maravilha”, A-Train/ Tren-Bala, o ”Flash”, The Deep/ Profundo (Chace Crawford), o “Aquaman”,Translúcido (Alex Hassell), um “Homem-Invisível” (no original, este personagem não existia, mas sim,um alienígena parodiando do “Caçador de Marte”) e Starlight/ Luz-Estrela (Erin Moriarty) a novata do grupo, que substitui Facho de Luz, um membro que se “retirou” do grupo, tendo um visual que remete à Mary Marvel, sendo ela a jovem inocente Annie January, jovem de formação cristã criada pela mãe Donna (Ann Cusack) que sonhava ter uma filha heroína/ celebridade, levando-a desde criança à concursos de heroísmo e afins. Ela então, descobre amargamente que seus ídolos não passam de seres amorais, egoístas, que por trás dos sorrisos em público não se importam ao cumprir as suas missões, com o dano colateral de inocentes que estejam nas proximidades. Ela logo de cara descobre que para permanecer no grupo tem que fazer o “teste do sofá”com um dos supers e descobre toda a sorte aberrações sexuais, abuso, hipocrisia e masculinidade tóxica que emanam dos membros da comunidade heroica.
 


O sorriso luminoso das "selfies" esconde um profundo desprezo pela humanidade

 
Para lidar com esses super-heróis corruptos que usam seu status para se promoverem ainda mais, colocando em risco a própria população, uma equipe do FBI foi preparada no passado para cuidar desses casos. Conhecidos como "os meninos" (daí o título The Boys), esses agentes tinham a missão de vigiar o trabalho dessas personalidades, assim como controlar o surgimento de novos heróis. Billy chefiava essa seção que posteriormente foi desativada devido às pressões da Vought, tendo desejo de vingança contra o Homelander/ Capitão Pátria, que teria se envolvido e estuprado Becca (Shantel VanSanten), a sua esposa, com consequências desastrosas.
 


Hughie e Annie se conhecem e começam um relacionamento que ajudará a menter-se firme em seus valores

O grupo reunido por Billy para retomar as atividades é composto por Francês (Tomer Capon), o cara das traquitanas, armas e explosivos, Milk Mother /Leitinho (Laz Alonso) um “pau-para-toda-obra” que tenta retomar a sua vida conjugal, longe de Billy e seu desejo de vingança (mas acaba voltando ao grupo pois como diz Billy:  “- Nós somos como as F@# das Spice Girls: Juntos somos Os Caras , separados somos uns M3R%@S!!!” ) tendo a adesão da Fêmea (Karen Fukuhara) uma vítima de experiências ilegais com o “Composto V” uma droga que (tal qual a talidomida ´nos anos de 1960 foi ministrada a mulheres grávidas gerando deformidades nos fetos) transforma humanos em supers, e que está sendo pirateado por terroristas. Billy tenta convencer a sua antiga chefe a Agente Susan Raynor (Jennifer Esposito) a dar suporte ao grupo,mas só consegue um apoio parcial sem garantias pelas implicações políticas.
 


Sangue e tripas não faltam em momentos-chave...

O principal diferencial da série nesta era dos super-heróis no audiovisual é um enorme desprezo por eles e pela cultura ao seu redor sendo aqui, ao contrário dos gloriosos representantes da humanidade, os superpoderosos são seres secretamente desprezíveis, fabricados por grandes corporações que querem vender bonecos, filmes, quadrinhos e videogames - com olhos para conquistar mais e mais poder, dinheiro e influência, tendo esta sátira ácida e cínica, muito a dizer não só sobre o nosso culto aos heróis, mas também dos políticos, empresários e celebridades que se mantêm em seus pedestais enquanto deixam as controvérsias embaixo do tapete (estes,os poderosos do mundo real...), aqui representada por Madelyn Stillwell (Elisabeth Shue, inspiradíssima), a calculista executiva da Vought que controla com voz suave e mão de ferro tudo e todos à sua volta, com uma atitude sedutora de mãe ora amorosa, ora incestuosa para com o Homelander/ Capitão Pátria (ele mesmo um poço de dualidade perversa) sendo uma figura que poderia estar em qualquer ramo de atuação, o que revela o quão assustador pode ser o meio corporativo....


Rainha Maeve: "Empoderada" presa na gaiola corporativa que a sufoca e a impede deser ela mesma

O rico universo da série ainda inclui personagens do lado humano como o pai de Hughie (Simon Pegg de Star Trek e Missão: Impossível - Efeito Fallout) como easter egguma vez que originalmente ator serviu de modelo para o personagem da HQ; Cherie (Jordana Lajoine) amante do Francês e amiga nos momentos difíceis; e o Dr. Jonah Vogelbaum (John Doman de Gothan) responsável por boa parte dos supers (que considera o Capitão Pátria “o seu maior fracasso...”) e do lado super, Popclaw/ Lâmina (Brittany Allen) heroína Sex Symbol decadente, e amante de Trem-Bala, Mesmer (Haley Joel Osment de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal) herói mentalista de segundo escalão procurando uma chance de voltar ao estrelato, e Ezekiel (Shaun Benson), o herói gospel neopentecostal, pregador da “cura gay” mas na realidade homossexual enrustido e hipócrita.


Profundo e Capitão-Pátria: O líder paternalista que comanda com sorrisos amigáveis e mão-de-ferro os membros da equipe e "ai" de quem o questiona...

Um dos elementos chave é o alto nível do elenco, que raramente deixando a desejar nas atuações. o Billy Butcher/ Blly Bruto de Karl Urban abraça a intensidade caricata das HQs acertando no espírito doentio da história de Ennis, Erin Moriarty convence na complexidade de Starlight/ Luz-Estrela, uma garota que acaba batendo de frente com a cruel realidade, como quando a corporação a obriga a trocar o seu uniforme mais recatado por um modelito que remete aos das heroínas da Image Comics, que eram o supra-sumo da objetificação feminina (parabéns às figurinistas Laura Jean Shannon, autora dos super-trajes, e Joyce Schure) contrastando com a Rainha Maeve, que embora seja a “empoderada” tal a nossa Princesa Amazona, na realidade se mostra como mais uma mulher oprimida numa gaiola de ouro, tiranizada pelo líder da equipe. Dominique McElligott surpreende como uma heroína cujo olhar triste revela a angústia de ter “ser” o que não se é de fato. Coisa similar a muitas Pop Stars símbolos do“empoderamento feminino” mas cujos modelitos das roupas da sua grife são fruto de costureiras exploradas em regime de precarização semiescrava. Antony Starr com seu Homelander/ Capitão-Pátria impressiona nas mudanças de ânimo instantâneas de seu personagem, seja num tom de voz ou um olhar, fielmente retratando sua essência, cujo sorriso luminoso, esconde o desprezo por toda a humanidade, lembrando certos líderes políticos populistas que no momento atual pululam pelo mundo.


Annie/ Luz-Estrela acaba se revelando mais complexa do que o seu visual de "loirinha de família" aparenta

No cômputo geral The Boys é uma série de gente ruim se livrando de gente ainda pior, ninguém se salva na história, pegando a essência distorcida do humor negro de Ennis e contextualizando-a numa ótima estrutura narrativa, a série se preocupa em avançar sua trama e evoluir seus personagens, ao invés de manter o espectador fisgado pelo absurdo. Assim, arcos como o crescimento de Hughie (que mesmo sendo um covarde reclamão, acaba tendo que sujar as mãos) ou a relação do Francês com a Fêmea ganham mais espaço, diluindo e remodelando eventos chocantes dos quadrinhos para casar com essa versão mais humana da trama. Mas isso não quer dizer que seja uma série leve, pois há há bastante violência, tanto visual quanto temática, mostrando gore, abuso sexual desde seu início, mas ainda assim esses elementos são mostrados de forma controlada, raramente soando gratuitos - embora claramente inseridos para causar impacto. O Desenho de Produção de David Blass acerta aoa recriar esse mundo colorido high-tech mas fincando um pé na realidade,não devendo nada a muita série ou filme calcado nos universos Marvel ou DC, da mesma forma que os bons efeitos visuais, além das citações metalinguísticas à Matrix entre outros elementos pop, como a seleção musical na trilha de Christopher Lennertz (Perdidos no Espaço) que inclui Hits de Spice Girls, The Runaways, Simon & Garfunkel, e vários outros.


Relação ambígua: Madelyn e Capitão-Pátria ora parecem mãe e filho, ora amantes, numa alternância incrível

Embora seja recheada de momentos violentos, sangrentos, palavrões, tudo é para fazer uma crítica sobre o mundo atual onde vivemos, ambientado no universo dos quadrinhos, com os mesmo tipo de personagens e de trama, fizeram algo bem raro: a história é... diferente, tendo sequência insólitas, ora hilárias como a que Milk Mother/ Leitinho e Billy, encurralados, usam um bebê que solta lasers como arma; outras chocantes como um resgate de um avião tomado por terroristas que termina tragicamente. De quebra, ela mostra a formação dos Boys além de muitos detalhes do lado dos Supers que não é mostrado nos quadrinhos, sendo a revelação do último episódio uma grande surpresa, criando um gancho explosivo para a segunda temporada, onde descobriremos o que Billy fará com a descoberta, e como isso implicará em sua vingança contra o Homelander/ Capitão Pátria e, como o super-herói sem empatia e escrúpulos (e sem identidade secreta) irá lidar com essa situação, além também dos eventuais desenvolvimentos de personagens enigmáticos como Black Noir (até agora, o “Boba Feet” do grupo), ou Stan Edgar (Giancarlo Esposito de Maze Runner: A Cura Mortal) o todo poderoso da Vought que promete ser mais do que aparenta... as apostas estão feitas!  
 
 

"-Capricha bem na aquarela Alex Ross, se tu sabe o que é bom para você..."

 

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