Lúdico, divertido, agridoce...
por Alexandre César
(Originalmente postada em 03/ 02/ 2020)
Taika Waititi e o ridículo do Nazi-Fascismo
Alemanha, Segunda Guerra Mundial. Os Aliados já fizeram o desembarque na Normandia e a Itália já capitulou. Apesar disso, a máquina nazista de propaganda segue, convencendo os jovens e as crianças a não esperarem menos do que a vitória, dado o brilhantismo de seu líder infalível, o fuhrer, capaz de enfrentar e vencer qualquer adversário, mostrando a superioridade da raça ariana e portanto, não poderia haver maior aspiração para um menino do que tornar-se soldado e ir para a guerra contribuindo para a construção do “Reich de mil anos”. Como poderia ser diferente?
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"Adolph" e "Jojo" decidem provar o seu valor para os outros do acampamento, de forma desastrada
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Johanes Betzler, ou simplesmente “Jojo”
(Roman Griffin Davis, ótimo) como é chamado carinhosamente por Rosie
(Scarlett Johansson sutil e cativante) sua mãe, que o cria sózinho em
casa já que o marido está no front “defendendo a pátria”, é uma menino sonhador de dez anos, que tem como seu inseparável (e estúpido) amigo imaginário “Adolph” (Taika Waititi, divertidamente ridículo) e está no acampamento da Jungwolk, grupo da juventude hitlerista (similar a um grupo de escoteiros) onde sonha poder ingressar na guarda pessoal de Adolph Hitler.
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O destrambelhado Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell) promete para Rosie arranjar uma função que não sobrecarregue o convalescente "Jojo"
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O "perigo do outro": Elza Korr (Thomasin McKenzie) a garota judia acobertada por Rosie
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Após um acidente no acampamento, Jojo fica de repouso em casa, e durante a sua recuperação ele descobre (para desespero dele e de “Adolph” ) que sua mãe ajuda Elza Korr, uma garota judia (Thomasin McKenzie alternando fragilidade, inteligência e segurança) escondendo-a num cômodo secreto no sótão sua casa, o que o leva a tentar enfrentar a inimiga e, após ser pateticamente derrotado por ela, estabelecer um pacto de convivência para garantir a sobrevivência de todos, pois a Gestapo ronda as ruas em busca de fugitivos e de quem os ajuda, e neste processo a sua visão de mundo vira de cabeça para baixo...
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O perigo da SS: O caricato Capitão Deertz (Stephen Merchant ao centro) e seus sequazes mostram que a ameaça ronda à solta
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Menino Maluqunho: A convivênccia com Elza vai abalando as convicções de "Jojo", para horror de "Adolph"
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Dirgido e escrito por Taika Waititi (Thor: Ragnarok), baseado no livro “Caging Skies” de Christine Leunens Jojo Rabbit (2019)
é uma fábula divertida e agridoce que de forma lúdica expõe o ridículo
do nazi-fascismo, e por tabela, da extrema-direita, que tanto mal tem
feito ao mundo nestes últimos tempos com sua xenofobia, manipulação da
verdade e o culto à uma masculinidade tóxica regada a fundamentalismo
religioso. Waititi traz seu estilo de humor para um gênero do cinema
mais conhecido como coming-of-age (algo como “amadurecimento”),
que se caracteriza por trazer um recorte na vida do protagonista,
centrado em acontecimentos determinantes na formação de seu caráter, que
quando são bem contadas, tais histórias criam enorme empatia, não
importando o quão específicas possam ser as circunstâncias que cercam os
personagens — como os vividos, respectivamente, por Christian Bale em Império do Sol (1987) de Steven Spielberg, Gael García Bernal em Diários de Motocicleta (2004) de Walter Salles e Saoirse Ronan em Lady Bird: A Hora de Voar (2017) de Greta Gerwig.
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O desenho de produção, a direção de arte e os figurinos criam um mundo colorido e cheio de detalhes, ressaltando o caráter lúdico da narrativa ...
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Waititi acaba por vezes ecoando Amarcord (1973) de Federico Fellini, Esperança e Glória (1987) John Boorman, Filhos da Guerra (1990) de Agnieszka Holland, e A Vida é Bela (1997)
de Roberto Benigni emulando uma versão menos pitoresca da estética de
Wes Anderson, como se essa fosse uma versão nazista e menos hipster,
especialmente ao usar maneirismos como as montagens ao som de canções
indie, coisa que a trilha musical de Michael Giacchino (Star Trek) ao usar versões “alternativas” de clássicos do rock (como os Beatles em alemão), arremata a atmosfera cool (que na abertura mostra que Hitler era o “popstar” do
nazismo). Em outras ocasiões, ele recorre, sem sarcasmo, a chavões, como a
camera-lenta em uma passagem dramática e, reafirmando sua personalidade,
ao inserir uma inesperada sequência fundamentada nas convenções do
terror e do drama, como a ênfase dada aos sapatos de Rosie, que acaba
sendo uma citação indireta aos desenhos clássicos de Tom & Jerry, e a Bambi (1942) de James Algar e Samuel Armstrong, um clássico imortal da Disney.
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Na derrocada do regime, Finkel (Alfie Allen) e Klenzendorf "rodam a baiana" para enfrentar o exército vermelho
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O
roteiro de Waititi, não concentra as atenções em si mesmo, sendo bem
generoso com os outros personagens como o Capitão Klenzendorf (Sam
Rockwell totalmente qualquer coisa), e “seu” suboficial Finkel (Alfie Allen de Game of Thrones), a Fraulein Rahm (Rebel Wilson como... “Rebel Wilson brincando de nazista”),
ou o sinistro Capitão Deertz (Stephen Merchant deliciosamente caricato)
e mesmo se focando no seu núcleo jovem — Elsa Korr e Jojo Betzler,
todos tem espaços de destaque, resultando em boas risadas e momentos de
ternura, com destaque para Yorki (Archie Yates) o amigo gordinho e nerd do protagonista.
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Com o tempo o garoto que adora suásticas passa a sentir "borboletas no estômago" pela sarcástica refugiada
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O desenho de produção de Ra Vincent (O que Fazemos nas Sombras), a direção de arte de Radek Hanák (Operação Antropoid), Ondrej Lipensky (Carnival Row) e a decoração de sets de Nora Sopkova (O Amante da Rainha) aliados aos figurinos de Mayes C. Rubeo (Thor: Ragnarok) contribuem para dar ao filme um gracioso “quê” de
livro infantil, com detalhes que enfatizam a visão lúdica desse universo
perverso mas colorido, coisa que a fotografia de Mihai Malaimare Jr. (O Mestre) aliada ao ritmo da edição de Tom Eagles (Ash vs. Evil Dead) contribuem para fugir ao clichê acinzentado da Alemanha Nazista.
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Filmado na República Tcheca, o estilo arquitetônico das locações passa um clima de cidade interiorana, menos cosmopolita
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Ao final o menino aprende que tudo era uma ilusão, que custou a vida de muitos
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Ao
final o filme se segura por sua leveza, mesmo nos momentos mais tensos,
e a despeito de um gosto agridoce em seu ato final, apostando que a
inocência do olhar de uma criança ainda pode superar toda uma série de
dificuldades e perdas, permitindo a seus protagonistas seguirem a sua
jornada em direção ao sol e a horizontes mais amplos.
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