Aguentar o tranco, sem descuidar do baton...
por Alexandre César
(Originalmente postado em 29/ 08/ 2019)
Explorando seus personagens a série continua relevante
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Um neon na entrada do cassino "Fan-tan". De 3 meses, foram a um ano de apresentações
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“Quando eu tinha
14 anos, tive a ideia de que a única coisa que as pessoas vão notar em
mim é o meu corpo, então acho que é melhor ser perfeito”, diz Debbie Eagan (Betty Gilpin, uma verdadeira ”leoura”, merecidamente indicada ao Emmy) para Ruth Wilder (Alison Brie a própria ”complicada e perfeitinha”), assim que a amiga nota que a Liberty Bell estava
pulando algumas refeições. Elas conversam, e logo depois comem
hambúrgueres, dando risadas enquanto falam sobre a vida, e o quanto ela
apresenta diferenças para homens e mulheres, e pouco depois, Debbie vai
ao banheiro e vomita tudo, limpando o rosto para que ninguém perceba.
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Azar: Na TV comentando o vôo da Challenger, "Liberty Belle" (Beth Gilpin) e "Zoya, The Destroyer" (Allison Brie) que diz: "- Os capitalistas tinham que se explodir!!!" e eles se explodem mesmo...
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Com esta cena emblemática (uma das mais entre várias...) vemos que a terceira temporada de GLOW,
se empenhará em desafiar o espectador a entender o quão difícil é
compreender a relação traumática e muitíssimas vezes complicada da
mulher com seu corpo. O “conhece a ti mesmo” (ou melhor ainda o “aceita, e ama a ti mesmo”)
pode soar artificial, em vista do tipo de humor característico da
série, mas como tudo soa de forma tão natural, entendemos logo de cara a
situação, e entendemos porque as “belas mulheres da luta-livre” tornaram-se definitivamente uma jóia rara do catálogo da Netflix!!! A nova temporada conseguiu elevar o tom, revirar a sua dinâmica ao transportar as histórias para Las Vegas,
seguindo novos caminhos, aprofundando a sua história e desbravando
temas difíceis com bom humor, e ainda que isso se distancie de sua
proposta original, – isto foi feito de forma interessante e necessária
ao mostrar que as maiores lutas não estão dentro do ringue, mas fora
dele!

O vasto grupo, que cresce e aparece...
Se no início, a série trazia um grupo de mulheres desgarradas que
acabaram caindo em um processo de audição para um programa de
luta-livre, tal premissa foi suficiente para render uma construção
envolvente deste grupo de personagens, fornecendo espaços produtivos
para explorar suas diferentes personalidades, agora, após ter o programa
cancelado, a equipe do “GLOW” se mudou para Las Vegas, para
apresentar o show semanalmente para uma plateia ao vivo (o que logo de
cara já elimina as tramas e piadas envolvendo linhas narrativas para as
lutas) tornando cada episódio em si uma nova aventura. Estando a série
mais do que satisfeita com a sua exploração do universo da luta-livre, e
embora ainda retenha parte das características da década em evidência
para alguns de seus dramas, o grande foco desta temporada está
totalmente voltado para as evoluções das personagens neste novo
ambiente, “largando” o programa meio de lado (afinal, passamos duas temporadas vendo exaustivamente as lutas...) ficando o foco mais nas personas que
vestem as fantasias e encarnam os mais loucos personagens, e o que eles
revelam delas... Apesar de um começo irregular, a terceira temporada
ainda traz desenvolvimentos interessantes para suas personagens.

Debbie Eagan, lutando para ser mãe, mulher, produtora e ser enxergada como mais do que apenas mais uma loura gostosona
Debbie, que tem uma carreira “consolidada”, está contando os dias para que esta temporada em Vegas termine logo, para poder retornar a Los Angeles e
ficar com seu bebê, pois está perdendo os momentos do filho por causa
do trabalho. Entendemos que não importa se Debbie é bulímica ou não, mas
sim o quanto isso é devido a pressão a que ela se coloca, procurando
sempre ser enxergada, só que agora de forma centrada. Sendo frágil e
feroz, ela é uma produtora sem voz na construção do programa, e por isto
quer ser vista e ouvida, e principalmente respeitada apesar do mundo à sua volta não colaborar um minuto sequer.

Ruth Wilder, a "perdedora" que luta, se doa e até agora não deixou a sua marca
Já Ruth, que sempre deu o máximo de si para tentar gerar uma produção de
que pudesse se orgulhar, se dá conta de que realmente não sabe o que quer,
pois tem agora um trabalho e um namorado, sendo amada e com pessoas ao
seu redor mas, o sentimento de vazio permanece, para a sua surpresa.
Provavelmente, por sentir que ela ainda não deixou a sua marca (face às
circunstâncias que não a favoreceram), o que a incomoda profundamente, e
por conta disso, mais para o fim da temporada, ao perder uma
oportunidade para um papel, ela sente como se estivesse sempre fadada ao
fracasso.

Sandy Deveraux St. Clair (Geena Davis) representa os velhos tempos de glamour dos cassinos de Las Vegas
Mas, o que ambas não percebem é que ambas estão vivendo seus momentos. Apesar de GLOW não
ser o programa nem a carreira ideal, é através dele que ambas estão
crescendo e amadurecendo, buscando seu lugar na sociedade, lidando a sua
contribuição para que a mulher seja respeitada, mesmo que de uma forma
menos convencional.

Os Produtores Bash Howard (Chris Lowell), Sam Sylvia (Marc Maron) e Bettie Eagan, a "invisível"
Por causa da repetição constante, praticamente noite após noite, as
personagens passam a sentir uma certa estagnação nesta nova fase, pois o
show vai entrando no “piloto-automático” (coisa
inevitável neste caso) passando esta ideia ao espectador durante
alguns dos primeiros episódios, apesar de mostrar a capacidade do grupo
de lidar com o inesperado e o incômodo, como no primeiro episódio quando
acontece o acidente com o ônibus espacial Challenger ( que explodiu em 1986) e o show da noite tinha justamente a viagem deste e o espaço como tema!!!

A atmosfera de Vegas leva algumas integrantes a uma rotina desregrada de noitadas, coisa que Melanie Rosen (Jackie Tohn de rosa) curte muito, arrumando um "namorado" de aluguel
Por conta desse repetir o show no automático, Sam Sylvia (Marc Maron, o melhor dublê de Stan Lee no qual a Marvel
ainda não reparou...), o diretor que liderava muitos dos esforços para
fazer o espetáculo acontecer nos dois primeiros anos, acaba ficando de
lado, sem muito o que fazer neste novo cenário (e ainda assim com
dificuldades para retomar suas ambições criativas). Neste processo,
Sylvia deixou um pouco o lado canastrão e dando a oportunidade de
desbravar uma nova trama bem distante com sua filha Justine Biagi (Brit
Baron). Embora, no final, esteja interpretando ele mesmo, isto não
importa, pois seus momentos são essenciais para que a narrativa continue
fluindo, bem como seus desdobramentos no relacionamento com Ruth, a
vida e seu lugar no mundo.

O casal Cherry e Keith Bang (Sydelle Noel e Bashir Salah): O dilema entre ter um filho ou ele adiar seus planos de vida
Embora a empreitada de luta-livre esteja passando por esta estagnação,
os conflitos anteriores ainda permanecem sem solução, e a série dedica
boa parte do tempo desenvolvendo estas tramas pessoais. Bash Howard
(Chris Lowell) e Rhonda Richardson (Kate Nesh) se casaram, para ela
conseguir o greencard e
parecem estar felizes um com outro apesar do dilema de Bash com sua
sexualidade (mas ele se esforça muuito...), coisa similar com o casal
Yolanda Rivas (Shakira Barr) / Arthie Prenk (Sunita Mani) ainda não
perfeitamente confortável em sua relação, e continuando o debate sobre o
corpo feminino, a série ainda aborda o fato da mulher necessariamente
não querer ter filhos, devido as transformações e impactos que isso pode
causar nos seus planos de vida – como o caso de Cherry Bang (Sydelle
Noel) para a tristeza de seu marido Keith Bang (Bashir Salah). Ou o fato
de não se acharem sexy devido a etnia, como Arthie, que junto com Bash
serviram para o texto explorar a dúvida em relação a sexualidade,
culminando no episódio 09 em uma cena interessante, que mostra isso
tanto pelo viés masculino quanto pelo feminino (bem alternadas pela
edição de Tyler L. Cook) dando um destaque maior para estes personagens,
com cenas beem mais picantes.

O acampamento no deserto ajudou as garotas a acertarem algumas diferenças e tornarem-se um grupo mais coeso
O grande mérito desta
temporada foi dar vozes para personagens que estiveram extremamente
apagadas nas temporadas anteriores, dando grande variedade de
perspectivas e representações de diversidade. Utilizando um pouco do
esquema de Orange Is The New Black (outra série que também com Jenji Kohan nos créditos), em
que cada episódio dá um certo foco para algum nome, a série explorando
as suas histórias, sem que os capítulos fossem focados, exclusivamente,
em uma personagem mas nos fazendo perceber em determinados momentos, que
a principal história era de uma ou de outra personagem, não deixando
que nenhuma delas acabe caindo em construções previsíveis, nos dando a
oportunidade de vermos atrizes que não se encaixam no padrão hollywoodiano,
entregarem performances impactantes, o que continua sendo um mérito
válido nesta terceira temporada, ainda que mais esporádico e isolado do
que na anterior.
Gradativamente conflitos anteriores vão sendo reintroduzidos e
assentando o grupo nesta nova realidade de Vegas, apresentando novos
personagens como Bobby Barnes (Kevin Cahoon) a Drag Queen e Sandy Devereaux St. Clair (Geena Davis) a administradora do Cassino Fan-Tan para
dar uma revigorada neste universo narrativo, decolando a partir do
quinto episódio quando a série deixa e lado a frustração desse estado
engessado, e tal qual as suas personagens, retornam às brincadeiras com o
formato da luta-livre, quando as lutadoras resolvem trocar os papéis
entre si, num dos episódios mais divertido da temporada. É curioso ver
Debbie como Zoya, the Destroya (até porque, como ela é maior, a roupa fica bem mais justa...) e Ruth como Liberty Belle,
numa outra interpretação do conceito, além de outros que vão sendo
criados por fatores outros, com resultados inesperados como Sheila
(Gayle Rankin) que abandona a faceta de lobo e, mais bem-resolvida
consigo mesma, redefinir-se como atriz e como mulher.

O casal Yolanda Rivas (Shakira Barr) / Arthie Prenk (Sunita Mani): As incertezas de aceitar a própria identidade
O sexto episódio, em que elas saem para acampar no deserto, foi um
divisor de águas quando depois dessa muito bem-vinda reanimação,
confrontam-se vários dos problemas que já permeavam as histórias das
personagens desde o começo (num episódio maior duração). Sendo um dos
mais importantes até então, e as questões sobre estereótipos ofensivos
são escancaradas a ponto de poderem ficar para trás, com vários diálogos
que entregam muitas das resoluções que vinham sendo adiadas. Jenny Chey
(Ellen Wong) conta de forma emocionada como veio fugindo do Camboja
para os Estados Unidos, e os problemas de imigração que sempre
existiram, como as práticas desumanas para burlar o bloqueio no
território norte-americano a que muitas pessoas ainda são submetidas;
Melanie Rosen (Jackie Tohn) fala de sua herança judaica; Tammé Dawson
(Kia Stevens) a “Rainha da Previdência” que sofre de dores atrozes ns costas, mas aguenta tudo até o fim com o
estoicismo dos sobreviventes natos e, apesar disso tudo, as menos
definidas continuam sendo Regie Walsh (Marianna Palka), a “viking” sarada grandona do grupo e a dupla Stacey Beswick (Kimmy Gatewood) e Dawn Rivecca (Rebekka Johnson), as “velhas”.

Plumas e Paetês: Boby Barnes (Kevin Cahoon) e Sandy Deveraux St. Clair revivem os tempos do glamour no espetáculo do Cassino Rhapsody para angariar fundos e auxílio aos aidéticos
O penúltimo episódio é um dos melhores, mais contundentes e tristes da série, dando bom destaque a Bobby Barnes, que mostra o seu show Drag e
Sandy Devereaux St. Clair revive os seus tempos de glória passada como
vedete dos cassinos, cheia de plumas e paetês (destacamos aqui os
figurinos Beth Morgan e o trabalho de Hair stylist de Mishell Chandler e Valerie Jackson). Aqui, um baile no cassino Rhapsody é dado para que fundos direcionado ao combate a AIDS sejam recolhidos. numa boa e precisa exploração do mundo gay,
mostrando que na década de 1980 a homofobia era um comportamento
soberano presente em qualquer esquina e, sabiamente a série mostra o
preconceito como algo sem rosto, assumindo uma onipresença, no construto
social, ao vermos que o ódio aliado às agressões sempre existiu e
possivelmente, sempre existirá, nos levando a questionar sobre a
sociedade, e o respeito ao próximo que ela deveria estimular, coisa
muito pertinente ao momento atual, quando o comportamento fascista vai
sendo relativizado por todo lado...

O show no Rhapsody mostra a intolerância sistêmica da sociedade à comunidade LGBT
Mas para respiro geral após momentos tão tristes, temos a incrível
apresentação final, quando o grupo decide acatar a ideia da giganta (e o
coração do grupo) Carmen Wade (Britney Young) de adaptar “Um Conto de Natal” de Charles Dickens na dinâmica do show, com Ruth como Ebenezer Scrooge,
e todo grupo como os outros personagens do clássico, num ótimo uso da
luz e sombras, graças a fotografia Chris Teague, que valoriza a
recriação do espaço do palco/ ringue mostrando a competência do Desenho
de Produção de Todd Fjelsted, da direção de arte Harry E.Otto e da
decoração de sets de Cynthia Anne Slagter em resgatar as raízes teatrais
da narrativa, e da própria luta-livre...
e ao encerrar a temporada, apesar de toda a maré contrária, Debbie vai
tomando cada vez mais controle de sua situação, e graças a uma “vacilada” de J.J. “Tex” McCready
(Toby Huss) seu namorado investidor que inadvertidamente acaba lhe
mostrando uma possibilidade de negócio, ela a agarra, convencendo Bash a
segui-la, garantindo o futuro do programa numa reviravolta, resultando
num grande gancho para uma possível quarta temporada, onde ela precisará
“reunir a turma de novo”, apesar da aparente ruptura com Ruth, o que ao final nos dá um dialogo, definidor das duas amigas:

Rhonda Richardson (Kate Nesh) casou-se com Bash Howard para conseguir o "geencard", e ele se dedicou (MUITO!!!) apesar de suas reais inclinações, tornando-se um casal atípico
Ruth: “- Eu não quero uma saída! Eu ainda nem consegui uma entrada!”
Debbie“- Eu não te entendo!”
Ruth: “- Entende sim. Você é a que mais me entende!!!”
Segurança
e estabilidade versus o aventurar-se em busca de sua própria verdade e
lugar no mundo... Ying & Yang, Ruth & Debbie. Humano &
Humano... GLOW.
E que venha a próxima temporada!!!

A versão de "Um Conto de Natal" é um genial "qualquer-coisa" e mostra a criatividade da equipe

O vasto grupo, que cresce e aparece...
Se no início, a série trazia um grupo de mulheres desgarradas que
acabaram caindo em um processo de audição para um programa de
luta-livre, tal premissa foi suficiente para render uma construção
envolvente deste grupo de personagens, fornecendo espaços produtivos
para explorar suas diferentes personalidades, agora, após ter o programa
cancelado, a equipe do “GLOW” se mudou para Las Vegas, para
apresentar o show semanalmente para uma plateia ao vivo (o que logo de
cara já elimina as tramas e piadas envolvendo linhas narrativas para as
lutas) tornando cada episódio em si uma nova aventura. Estando a série
mais do que satisfeita com a sua exploração do universo da luta-livre, e
embora ainda retenha parte das características da década em evidência
para alguns de seus dramas, o grande foco desta temporada está
totalmente voltado para as evoluções das personagens neste novo
ambiente, “largando” o programa meio de lado (afinal, passamos duas temporadas vendo exaustivamente as lutas...) ficando o foco mais nas personas que
vestem as fantasias e encarnam os mais loucos personagens, e o que eles
revelam delas... Apesar de um começo irregular, a terceira temporada
ainda traz desenvolvimentos interessantes para suas personagens.
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Debbie Eagan, lutando para ser mãe, mulher, produtora e ser enxergada como mais do que apenas mais uma loura gostosona
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Debbie, que tem uma carreira “consolidada”, está contando os dias para que esta temporada em Vegas termine logo, para poder retornar a Los Angeles e
ficar com seu bebê, pois está perdendo os momentos do filho por causa
do trabalho. Entendemos que não importa se Debbie é bulímica ou não, mas
sim o quanto isso é devido a pressão a que ela se coloca, procurando
sempre ser enxergada, só que agora de forma centrada. Sendo frágil e
feroz, ela é uma produtora sem voz na construção do programa, e por isto
quer ser vista e ouvida, e principalmente respeitada apesar do mundo à sua volta não colaborar um minuto sequer.
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Ruth Wilder, a "perdedora" que luta, se doa e até agora não deixou a sua marca
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Já Ruth, que sempre deu o máximo de si para tentar gerar uma produção de
que pudesse se orgulhar, se dá conta de que realmente não sabe o que quer,
pois tem agora um trabalho e um namorado, sendo amada e com pessoas ao
seu redor mas, o sentimento de vazio permanece, para a sua surpresa.
Provavelmente, por sentir que ela ainda não deixou a sua marca (face às
circunstâncias que não a favoreceram), o que a incomoda profundamente, e
por conta disso, mais para o fim da temporada, ao perder uma
oportunidade para um papel, ela sente como se estivesse sempre fadada ao
fracasso.
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Sandy Deveraux St. Clair (Geena Davis) representa os velhos tempos de glamour dos cassinos de Las Vegas
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Mas, o que ambas não percebem é que ambas estão vivendo seus momentos. Apesar de GLOW não
ser o programa nem a carreira ideal, é através dele que ambas estão
crescendo e amadurecendo, buscando seu lugar na sociedade, lidando a sua
contribuição para que a mulher seja respeitada, mesmo que de uma forma
menos convencional.
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Os Produtores Bash Howard (Chris Lowell), Sam Sylvia (Marc Maron) e Bettie Eagan, a "invisível"
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Por causa da repetição constante, praticamente noite após noite, as
personagens passam a sentir uma certa estagnação nesta nova fase, pois o
show vai entrando no “piloto-automático” (coisa
inevitável neste caso) passando esta ideia ao espectador durante
alguns dos primeiros episódios, apesar de mostrar a capacidade do grupo
de lidar com o inesperado e o incômodo, como no primeiro episódio quando
acontece o acidente com o ônibus espacial Challenger ( que explodiu em 1986) e o show da noite tinha justamente a viagem deste e o espaço como tema!!!
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A atmosfera de Vegas leva algumas integrantes a uma rotina desregrada de noitadas, coisa que Melanie Rosen (Jackie Tohn de rosa) curte muito, arrumando um "namorado" de aluguel
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Por conta desse repetir o show no automático, Sam Sylvia (Marc Maron, o melhor dublê de Stan Lee no qual a Marvel
ainda não reparou...), o diretor que liderava muitos dos esforços para
fazer o espetáculo acontecer nos dois primeiros anos, acaba ficando de
lado, sem muito o que fazer neste novo cenário (e ainda assim com
dificuldades para retomar suas ambições criativas). Neste processo,
Sylvia deixou um pouco o lado canastrão e dando a oportunidade de
desbravar uma nova trama bem distante com sua filha Justine Biagi (Brit
Baron). Embora, no final, esteja interpretando ele mesmo, isto não
importa, pois seus momentos são essenciais para que a narrativa continue
fluindo, bem como seus desdobramentos no relacionamento com Ruth, a
vida e seu lugar no mundo.
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O casal Cherry e Keith Bang (Sydelle Noel e Bashir Salah): O dilema entre ter um filho ou ele adiar seus planos de vida
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Embora a empreitada de luta-livre esteja passando por esta estagnação,
os conflitos anteriores ainda permanecem sem solução, e a série dedica
boa parte do tempo desenvolvendo estas tramas pessoais. Bash Howard
(Chris Lowell) e Rhonda Richardson (Kate Nesh) se casaram, para ela
conseguir o greencard e
parecem estar felizes um com outro apesar do dilema de Bash com sua
sexualidade (mas ele se esforça muuito...), coisa similar com o casal
Yolanda Rivas (Shakira Barr) / Arthie Prenk (Sunita Mani) ainda não
perfeitamente confortável em sua relação, e continuando o debate sobre o
corpo feminino, a série ainda aborda o fato da mulher necessariamente
não querer ter filhos, devido as transformações e impactos que isso pode
causar nos seus planos de vida – como o caso de Cherry Bang (Sydelle
Noel) para a tristeza de seu marido Keith Bang (Bashir Salah). Ou o fato
de não se acharem sexy devido a etnia, como Arthie, que junto com Bash
serviram para o texto explorar a dúvida em relação a sexualidade,
culminando no episódio 09 em uma cena interessante, que mostra isso
tanto pelo viés masculino quanto pelo feminino (bem alternadas pela
edição de Tyler L. Cook) dando um destaque maior para estes personagens,
com cenas beem mais picantes.
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O acampamento no deserto ajudou as garotas a acertarem algumas diferenças e tornarem-se um grupo mais coeso
|
O grande mérito desta
temporada foi dar vozes para personagens que estiveram extremamente
apagadas nas temporadas anteriores, dando grande variedade de
perspectivas e representações de diversidade. Utilizando um pouco do
esquema de Orange Is The New Black (outra série que também com Jenji Kohan nos créditos), em
que cada episódio dá um certo foco para algum nome, a série explorando
as suas histórias, sem que os capítulos fossem focados, exclusivamente,
em uma personagem mas nos fazendo perceber em determinados momentos, que
a principal história era de uma ou de outra personagem, não deixando
que nenhuma delas acabe caindo em construções previsíveis, nos dando a
oportunidade de vermos atrizes que não se encaixam no padrão hollywoodiano,
entregarem performances impactantes, o que continua sendo um mérito
válido nesta terceira temporada, ainda que mais esporádico e isolado do
que na anterior.
Gradativamente conflitos anteriores vão sendo reintroduzidos e
assentando o grupo nesta nova realidade de Vegas, apresentando novos
personagens como Bobby Barnes (Kevin Cahoon) a Drag Queen e Sandy Devereaux St. Clair (Geena Davis) a administradora do Cassino Fan-Tan para
dar uma revigorada neste universo narrativo, decolando a partir do
quinto episódio quando a série deixa e lado a frustração desse estado
engessado, e tal qual as suas personagens, retornam às brincadeiras com o
formato da luta-livre, quando as lutadoras resolvem trocar os papéis
entre si, num dos episódios mais divertido da temporada. É curioso ver
Debbie como Zoya, the Destroya (até porque, como ela é maior, a roupa fica bem mais justa...) e Ruth como Liberty Belle,
numa outra interpretação do conceito, além de outros que vão sendo
criados por fatores outros, com resultados inesperados como Sheila
(Gayle Rankin) que abandona a faceta de lobo e, mais bem-resolvida
consigo mesma, redefinir-se como atriz e como mulher.
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O casal Yolanda Rivas (Shakira Barr) / Arthie Prenk (Sunita Mani): As incertezas de aceitar a própria identidade
|
O sexto episódio, em que elas saem para acampar no deserto, foi um
divisor de águas quando depois dessa muito bem-vinda reanimação,
confrontam-se vários dos problemas que já permeavam as histórias das
personagens desde o começo (num episódio maior duração). Sendo um dos
mais importantes até então, e as questões sobre estereótipos ofensivos
são escancaradas a ponto de poderem ficar para trás, com vários diálogos
que entregam muitas das resoluções que vinham sendo adiadas. Jenny Chey
(Ellen Wong) conta de forma emocionada como veio fugindo do Camboja
para os Estados Unidos, e os problemas de imigração que sempre
existiram, como as práticas desumanas para burlar o bloqueio no
território norte-americano a que muitas pessoas ainda são submetidas;
Melanie Rosen (Jackie Tohn) fala de sua herança judaica; Tammé Dawson
(Kia Stevens) a “Rainha da Previdência” que sofre de dores atrozes ns costas, mas aguenta tudo até o fim com o
estoicismo dos sobreviventes natos e, apesar disso tudo, as menos
definidas continuam sendo Regie Walsh (Marianna Palka), a “viking” sarada grandona do grupo e a dupla Stacey Beswick (Kimmy Gatewood) e Dawn Rivecca (Rebekka Johnson), as “velhas”.
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Plumas e Paetês: Boby Barnes (Kevin Cahoon) e Sandy Deveraux St. Clair revivem os tempos do glamour no espetáculo do Cassino Rhapsody para angariar fundos e auxílio aos aidéticos
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O penúltimo episódio é um dos melhores, mais contundentes e tristes da série, dando bom destaque a Bobby Barnes, que mostra o seu show Drag e
Sandy Devereaux St. Clair revive os seus tempos de glória passada como
vedete dos cassinos, cheia de plumas e paetês (destacamos aqui os
figurinos Beth Morgan e o trabalho de Hair stylist de Mishell Chandler e Valerie Jackson). Aqui, um baile no cassino Rhapsody é dado para que fundos direcionado ao combate a AIDS sejam recolhidos. numa boa e precisa exploração do mundo gay,
mostrando que na década de 1980 a homofobia era um comportamento
soberano presente em qualquer esquina e, sabiamente a série mostra o
preconceito como algo sem rosto, assumindo uma onipresença, no construto
social, ao vermos que o ódio aliado às agressões sempre existiu e
possivelmente, sempre existirá, nos levando a questionar sobre a
sociedade, e o respeito ao próximo que ela deveria estimular, coisa
muito pertinente ao momento atual, quando o comportamento fascista vai
sendo relativizado por todo lado...
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O show no Rhapsody mostra a intolerância sistêmica da sociedade à comunidade LGBT
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Mas para respiro geral após momentos tão tristes, temos a incrível
apresentação final, quando o grupo decide acatar a ideia da giganta (e o
coração do grupo) Carmen Wade (Britney Young) de adaptar “Um Conto de Natal” de Charles Dickens na dinâmica do show, com Ruth como Ebenezer Scrooge,
e todo grupo como os outros personagens do clássico, num ótimo uso da
luz e sombras, graças a fotografia Chris Teague, que valoriza a
recriação do espaço do palco/ ringue mostrando a competência do Desenho
de Produção de Todd Fjelsted, da direção de arte Harry E.Otto e da
decoração de sets de Cynthia Anne Slagter em resgatar as raízes teatrais
da narrativa, e da própria luta-livre...
e ao encerrar a temporada, apesar de toda a maré contrária, Debbie vai
tomando cada vez mais controle de sua situação, e graças a uma “vacilada” de J.J. “Tex” McCready
(Toby Huss) seu namorado investidor que inadvertidamente acaba lhe
mostrando uma possibilidade de negócio, ela a agarra, convencendo Bash a
segui-la, garantindo o futuro do programa numa reviravolta, resultando
num grande gancho para uma possível quarta temporada, onde ela precisará
“reunir a turma de novo”, apesar da aparente ruptura com Ruth, o que ao final nos dá um dialogo, definidor das duas amigas:
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Rhonda Richardson (Kate Nesh) casou-se com Bash Howard para conseguir o "geencard", e ele se dedicou (MUITO!!!) apesar de suas reais inclinações, tornando-se um casal atípico
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Ruth: “- Eu não quero uma saída! Eu ainda nem consegui uma entrada!”
Debbie“- Eu não te entendo!”
Ruth: “- Entende sim. Você é a que mais me entende!!!”
Segurança
e estabilidade versus o aventurar-se em busca de sua própria verdade e
lugar no mundo... Ying & Yang, Ruth & Debbie. Humano &
Humano... GLOW.
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A versão de "Um Conto de Natal" é um genial "qualquer-coisa" e mostra a criatividade da equipe
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