Qual é o tamanho da sua gaiola?
por Alexandre César
(Originalmente postado em 06/ 05/ 2020)
Trocando o Western pela Sci-fi distópica, série se expande

Na temporada anterior Dolores Abernathy (Evan Rachel wood) descobriu na "Biblioteca" que tanto humanos quanto "anfitriões"são prisioneiros de um destino programado...
“- Você é muito
parecido comigo, pois eles previram e traçaram todo o rumo da sua vida e
aí o colocaram numa gaiola, assim como me colocaram!”

Falta
de perspectivas: Chaleb Nichols (Aaron Paul) e seu"colega de trabalho"
na obra. Ele complementa a renda com pequenos crimes que negocia num
aplicativo mas sua vida é árida e vazia...

Francis (Scott Mescudi) e Chaleb tem um passado em comum no Exército e além...
Assim Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood de No Escuro da Floresta dominando plenamente o papel de “Exército de Uma Mulher Só”) explica de forma bem contundente a Chaleb Nichols (Aaron Paul de Breaking Bad, a
nova peça do tabuleiro) a crua realidade do mundo ordenado pelas
corporações que com suas Inteligências Artificiais cruzam todos os seus
dados de compras, despesas, acessos na internet, etc... e aí levantam o
seu “perfil” prevendo como provavelmente será a sua vida e se nesta
projeção você for considerado pouco relevante, será conduzido um loop infinito
de oportunidades profissionais sem possibilidades de crescimento, sem
chances de crescimento econômico numa eterna posição secundária, até
descartá-lo, confirmando esta previsão, ao invés de criar mecanismos que
permitam romper com essas amarras, tornando os seres humanos tão
prisioneiros desta programação quanto... um robô!
Esta é a premissa da terceira temporada de Westworld, a premiada série da HBO qcriada por Joanthan Nolan (Pessoa de Interesse) e Lisa Joy (Pushing Daisies) baseada no filme de 1973 escrito e dirigido por Michael Crichton (autor de Parque dos Dinossauros, livro que inspirou a franquia de filmes Jurassic Park/ World )
que agora aposta em mostrar o mundo exterior, real, onde vivem os seres
humanos, numa trama que mescla a espionagem industrial, lutas
corporativas e a manipulação da nossa noção de liberdade pelo capital,
mostra que o mundo foi transformado num grande parque temático pelos
mega plutocratas e sua corporações, onde os homens são tão prisioneiros
de suas “programações” quanto os anfitriões, que nos parques da Delos
eternamente repetem a mesma rotina de ações programadas, e de forma
similar, como foi mostrado na temporada anterior (quando um anfitrião revela que os seres humanos não são seres complexos,
podendo a sua essência ser condensada num livro) não é muito difícil
para uma avançada Inteligência Artificial traçar progressões que levem
as pessoas a cumprirem suas metas, levando as suas vidas para onde ela
julgar mais adequado. Visto isso, as aspirações à liberdade individual e
à autodeterminação se tornam questões acadêmicas...

Ao longo dos episódios vemos as projeções e os gráficos do Sistema ROBOHAN sobre a situação global e eus prognósticos futuros...

O logo da Incite mostra um labirinto em escala global...
Além de Chaleb, temos uma outra peça no tabuleiro: Engerraund Serac (Vincent Cassel de Ameaça Profunda) CEO da Incite Inc. e o grande vilão desta temporada. Definido pelo prório Cassel como “um fascista legal”.
Serac é a personificação da visão do indivíduo que tem um sonho e na
criação desse sonho não hesita em gerenciar o pesadelo em escala global
para concretizar a sua visão, sempre achando que está fazendo a coisa
certa, e aí de quem fica no seu caminho...
Agora no mundo exterior Dolores, auxiliada por Chaleb, se aproxima de Liam Dempsey Jr. (John Gallagher Jr. de NYPD Blue) playboy , filho do sócio fundador da Incite para ter acesso aos dados do ROBOHAN*, mega inteligência artificial, o “Deus” desenvolvido por Serac, que prevendo as sua ações, traz Maeve Milay (Thandie Newton de Han Solo: Uma História Star Wars) com o objetivo de combater Dolores, vivenciando no 2º episódio (Como escapar de uma prisão invisível) um verdadeiro “tour de force”das suas habilidades para sair de uma prisão virtual do Nazi World, um parque temático da 2ª Guerra Mundial, compartilhado com versões simuladas de seu amor Hector Escaton (Rodrigo Santoro de Turma da Mônica: Laços) e Lee Sizemore (Simon Quaterman de Distante) que haviam perecido na temporada anterior.
Serac faz a Maeve
uma proposta de que ela o auxilie contra Dolores em troca de poder
reunir-se com a sua filha, que no final da temporada anterior, junto com
muitos outros anfitriões haviam
tido as suas consciências levadas para um ambiente virtual fora do
alcance humano. Mas devemos ter em mente que Maeve não é uma “pessoa”
que deve ser vencida mas sim, convencida para que ela faça o que se espera dela. Argumentos furados não colam.
Dolores usa as “pérolas” (consciências de anfitriões) em versões sintéticas de humanos que ela eliminou tais como Charlotte Hale (Tessa Thompson de Vingadores: Ultimato); que posteriormente torna-se uma “Dolores rebelde” (discordando do plano original e dando uma senhora virada); Martin Connely (Tommy Flanagan de Guardiões da Galáxia Volume 2) “consertador” das M* de Liam Jr. e Musashi (Hiroyuki Sanada de Speed Racer) o “Hector” do Shogun World, sendo os dois, os únicos a seguir à risca o plano, não importando as consequências...

"Se quer uma coisa bem feita faça-a você mesmo!": Musashi (Hiroyuki Sanada),Dolores, Martin Connely (Tommy Flanagan) e Charlotte Hale (Tessa Thompson) encarnam a frase literalmente.
Usado como bode expiatório pelo massacre no parque, Bernard Lowe (Jeffrey Wright de Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 numa performance
contida, servindo de guia para o espectador nos meandros da trama)
procura descobrir os planos de Dolores, e acaba criando uma ótima e
divertida dinâmica com Ashley Stubbs (Luke Hemsworth de Crypto em ótimo timing humorístico)
que no final da última temporada, descobrimos ser um anfitrião
infiltrado entre os empregados do parque, tendo inclusive numa cena
dentro de um laboratório do parque, uma divertida brincadeira com o
último carro-chefe da HBO, a amada e odiada Game of Thrones*2.

Aliança de ocasião: Maeve faz um trato com Serac para deter Dolores.
Bernard ao final
cresce em importância quando resolve o seu vínculo com o finado Arnold e
descobrimos a parte que lhe é reservada no plano de Dolores,
tornando-se ao final super importante para a (já confirmada) temporada
seguinte.
No 5° episódio (Quebrando os ciclos) vemos o jovem Serac (Alexandre Bar de Swipe Right) e seu irmão Jean Mi (Paul Cooper de The Gifted) associarem-se a Liam Dempsey Sr. (Jefferson Mays de Lista Negra) CEO da Incite, financiador da criação de ROBOHAN, inclusive no episódio ele tem uma cena bastante significativa quando “enquadra” o Presidente Filo do Brasil (Al Coronel de Lúcifer) numa sutil crítica à situação política atual*3.
No 7° episódio (Um novo líder)
temos revelações sobre o passado de Chaleb, e seu passado no exército, a
operário da construção civil que complementa a renda com “trampos” via aplicativo de celular *4 e sua relação com Francis (Scott Mescudi de Need for Speed: O Filme)
passando da posição de peão a pedra angular do plano de Dolores, quando
fica evidente que mais do que as suas habilidades como soldado, são as
suas qualidades de empatia e solidariedade que fazem a diferença para
assumir um papel de liderança e realmente fazer a diferença.

Na sede da Delos, novas tecnologias...

...como este drone de controle de multidões...
E para grande surpresa William, agora o Homem de Branco (Ed Harris de Tempestade: Planeta em Fúria como
sempre, fantástico) que parecia terminar o seu arco no início da
temporada retorna após uma inusitada terapia em que confronta suas
principais forças motivadoras com uma nova motivação: Salvar o mundo!
reinventando-se de forma a gerar novos desdobramentos na série pois se
antes ele passou os últimos 35 anos trucidando robôs, por desprezar a
humanidade, agora para salvar a humanidade ele irá... trucidar robôs!
Nada como um paciente que respondeu bem ao tratamento! E de qualquer
forma na cena pós-créditos do último episódio temos a ligação com a cena
final da temporada anterior (também pós-créditos) e o gancho para a
próxima temporada, que de certa forma faz uma ponte com a icônica
construção de personagem de Yul Brynner no filme de 1973, além de se
aproximar da sequência de 1976*5.

Hector Escaton (Rodrigo Santoro) tem os seus momentos de brilho junto a sua amada Maeve

A vila de Besalu na Catalunha forneceu a locação do "NaziWorld", ambientado na Segunda Guerra Mundial
Ainda temos uma rápida aparição de Clementine Pennyfeather (Angela Sarafyan de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal ) e Hanaryo (Tao Okamoto de Wolverine: Imortal) em Jacarta, numa típica cena de Girl Power para matar as saudades das atrizes e uma breve ponta de Lawrence (Clifton Colins Jr. de Capote) mas nunca curvando-se ao fanservice.

A sede da Delos foi filmada na Cidade das Artes e Ciências de Calatrava (La Fabrica) em Valencia, Espanha. No alto, um drone de transporte

Os drones cresceram em tamanho e segurança, tomando o lugar dos helicópteros no serviço de táxi-aéreo
A música de Ramin Djawadi (Game of Thrones) alterna temas compostos aliados à uma seleção de obras conhecidas bem disfarçadas como fundo incidental, indo de Space Odity de David Bowie, A Cavalgada das Walkírias de Richard Wagner, a introdução do tema de O Iluminado de Wendy Carlos, Brain damage do Pink Floyd ou até mesmo o tema de Love Story de Francis Lai, bem conectada com o pique narrativo da edição de Andrew Seklir (Fargo) e Stephen Semel (Pessoa de Interesse) que de acordo com a necessidade do texto é contemplativa ou então picotada e dinâmica.

Hanaryo (Tao Okamoto) e Clementine Pennyfeather (Angela Sarafyan) tem o seu momento "Girl Power"

A direção de arte optou por um futuro clean e elegantena superfície e distópico em seu interior
O desenho de produção de Howard Cummings (Minha Vida com Liberace) e Jonathan Carlos cria o mundo exterior com as instalações da Delos com o seu aspecto “Museu do Amanhã” auxiliados pela direção de arte de Jonathan Carlos (Hotel Artemis), James Bolenbaugh (A Lavanderia), Aja Kai Rowley (O Chamado da Floresta), Chris DiLeo (A Justiceira), David Meyer (Vice), Rebekah Scheys, Leslie Ewe (Podres de Ricos), Rachel Rockstroh (Artista do Desastre) e Alejandro Fernàndez (O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio) foge ao lugar comum da maioria das séries e filmes de ficção científica, porém, esse não é um mundo distópico clássico, à lá Blade Runner,
poluído, chuvoso e decadente, optando por um futurismo fundamentado nas
tendências da arquitetura atual: Clean, arejada, luminosa e sintética,
numa estética que mistura locações em vários países além dos EUA.

Singapura, com seus tetos verdes e jardins suspensos forneceu uma ótima paisagem de fundo, complementada pelo CGI
Atuando em conjunto com a direcão de arte, a fotografia de John Grillo (The Leftovers), Paul Cameron (Crime sem Saída), Zoe White (O Conto da Aia) e Matt Flannery (Apóstolo) que valoriza as locações incríveis como a Ponte Helix de Cingapura e seus telhados verdes e jardins verticais ou a Cidade das Artes e Ciências de Calatrava (La Fabrica) em Valencia, na Espanha para a sede da Delos, e que também forneceu a vila de Besalu no nordeste da Catalunha para o Nazi World, auxiliada pela decoração de sets de Julie Ochipinti (O Grande Truque) e Federico del Cerro (Balada do Amor e do Ódio)
ilumina com painéis grandes de LED nas paredes e peças personalizadas
no mobiliário e acessórios, mantendo a linguagem visual e atmosfera das
temporadas anteriores neste mundo em expansão, mesclando aquie e ali um
interessante mix Industrial-pós-moderna-gótico, coisa que os efeitos
visuais da CoSA VFX, Important Looking Pirates (ILPvfx), Shade VFX,Chicken Bone Effects colaboram
para detalhar neste mundo em que drones substituíram os helicópteros,
cadeados tem combinações digitais e táxis elétricos atendem remotamente
além dos provadores de roupa serem virtuais, podendo o cliente ver no
espelho uma simulção de como o traje ficará nele, além de nos permitir
ver a “nudez” de Dolores quando ela inicialmente desmontada vai se
recompondo aos olhos de Chaleb, vestindo as partes de sua pele por sobre
o seu esqueleto metálico.

Chaleb e Dolores: O herói relutante e a mentora destemida...
Os figurinos de Shay Cunlife (2012) e Jo Kissack (Nothing Left to Fear) criam modelitos elegantes como o branco e Maeve ao acordar no mundo real e o vermelho usado no Nazi World ou os trajes de ar executivo de Charlote e os sexys mas contidos modelos de Dolores, com destaque para o seu pretinho básico
que numa festa, ao ela puxar um elemento, se torna majestosamente um
longo vestido dourado, mostrando que ela é uma Rainha, coisa evidente
nos trajes de combate que ela e Maeve usam quando lutam diretamente,
enfatizando a equivalência delas, que são duas Abelhas-Rainhas, embora não necessariamente oponentes...

Uma Rainha não anda, ela desfila, e em grande estilo...
Ao final Westworld se renova e continua desafiador em seus questionamentos sobre livre-arbítrio, identidade, trans-humanismo e sobre o que é “real” não
subestimando a inteligência do espectador e desafiando-o a trilhar o
labirinto, não explicando tudo o que se vê mas deixando pistas para
montemos o quebra-cabeças num mundo obcecado por controle em que os
seres humanos são os anfitriões presos em seus próprios loops determinados por classe social, educação, cultura e normas sociais. Familiar não???

"- Eu me desnudo para você totalmente. Agora, mostre serviço rapaz!!!"
*1: Roboão ou Reoboão,
filho do Rei Salomão (I Reis 11:43) filho de Salomão e de Naamá, a
amonita, tendo subido ao trono aos 41 anos, logo após a morte de seu
pai, quando ocorreu um cisma e o Reino de Israel foi dividido em dois
reinos. Roboão tornou-se Rei do Israel Meridional (tribo de Judá e
Benjamin), passando a ser chamado Reino de Judá. No site da Incite (www.inciteink.com) há a explicação à Rehoboam, cujo design esférico “é
um lembrete da responsabilidade coletiva que temos um com o outro neste
planeta, um comprometimento à força e a melhoria por meio da computação
objetiva e do machine learning sofisticado.” A representação esférica (ou melhor, circular) é um elemento recorrente, servindo como quebra de blocos e mudança de cenário a cada episódio da série.
*2: Na cena do 2° episódio (Como escapar de uma prisão invisível) menciona-se um futuro parque na Costa Rica, onde em Jurassic Park (outra história criada por Michael Crichton) se localizavam as ilhas Nublar e Sorna, cuja temática é medieval, onde vemos David Benioff e D. B.Weiss, os criadores de Game of Thrones, numa ponta como técnicos testando as atrações do parque e entre elas, um dragão semelhante a Drogon o mascote número um de Daenerys Targaryen.

Os"técnicos" Davic Benioff e D.B. Weiss, os "pais"
da saga de Westeros na TV...
*3: Muita
gente criticou a cena pela imagem estereotipada apresentada do Brasil,
tendo uma tenda numa floresta com uma estrada aberta onde o avião de
Serac está pousado, parecendo a Transamazônica dos
anos 1970 (só faltava o Amaral Neto, repórter puxa-saco da ditadura)
mas sejamos sinceros: A maneira como a cena é montada temos um
mega-empresário manipulador que conhece mais o país (e os membros do
governo) melhor do que o próprio presidente, que ele colocou no poder e,
pode removê-lo se não se sentir satisfeito (e inclusive fala o português melhor do que o próprio presidente...)
e levando-se em conta a imagem que o país foi ganhando com a guinada
para a extrema-direita desde o golpe parlamentar de 2016, culminando nas
eleições de 2018 foi ficando cristalizada no exterior a imagem de que: “o Brasil voltou a ser uma 'República das Bananas' dos anos 1970” portanto nada mais lógico do que representá-lo como tal... Doloroso, é verdade, mas inquestionável.

"- Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo..."
*4: RICO é um app de freelances, só que com pegada de deep web.
Serviços como redistribuição de justiça, corrida compartilhada, roubo
de carros e até ser babá estão ao seu dispor. Se soa familiar é porque
ele claramente foi inspirado em games de mundo aberto baseados em
missões, como no GTA Voc em
que você recebe uma ligação, assalta um banco e missão cumprida, tal
Caleb e seus amigos criminosos Giggles (Marshawn Lynch de Same Energy) e Ash James (Lena White de Jogador Nº1) em “trampos” do aplicativo
*5: Mundo Futuro: Ano 2003, Operação Terra de Richard T. Heffron com Peter Fonda, Blythe Danner, Arthur Hill, Stuart Margolin e Yul Brynner.
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Na temporada anterior Dolores Abernathy (Evan Rachel wood) descobriu na "Biblioteca" que tanto humanos quanto "anfitriões"são prisioneiros de um destino programado... |
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Falta de perspectivas: Chaleb Nichols (Aaron Paul) e seu"colega de trabalho" na obra. Ele complementa a renda com pequenos crimes que negocia num aplicativo mas sua vida é árida e vazia... |
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Francis (Scott Mescudi) e Chaleb tem um passado em comum no Exército e além... |
Assim Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood de No Escuro da Floresta dominando plenamente o papel de “Exército de Uma Mulher Só”) explica de forma bem contundente a Chaleb Nichols (Aaron Paul de Breaking Bad, a
nova peça do tabuleiro) a crua realidade do mundo ordenado pelas
corporações que com suas Inteligências Artificiais cruzam todos os seus
dados de compras, despesas, acessos na internet, etc... e aí levantam o
seu “perfil” prevendo como provavelmente será a sua vida e se nesta
projeção você for considerado pouco relevante, será conduzido um loop infinito
de oportunidades profissionais sem possibilidades de crescimento, sem
chances de crescimento econômico numa eterna posição secundária, até
descartá-lo, confirmando esta previsão, ao invés de criar mecanismos que
permitam romper com essas amarras, tornando os seres humanos tão
prisioneiros desta programação quanto... um robô!
Esta é a premissa da terceira temporada de Westworld, a premiada série da HBO qcriada por Joanthan Nolan (Pessoa de Interesse) e Lisa Joy (Pushing Daisies) baseada no filme de 1973 escrito e dirigido por Michael Crichton (autor de Parque dos Dinossauros, livro que inspirou a franquia de filmes Jurassic Park/ World )
que agora aposta em mostrar o mundo exterior, real, onde vivem os seres
humanos, numa trama que mescla a espionagem industrial, lutas
corporativas e a manipulação da nossa noção de liberdade pelo capital,
mostra que o mundo foi transformado num grande parque temático pelos
mega plutocratas e sua corporações, onde os homens são tão prisioneiros
de suas “programações” quanto os anfitriões, que nos parques da Delos
eternamente repetem a mesma rotina de ações programadas, e de forma
similar, como foi mostrado na temporada anterior (quando um anfitrião revela que os seres humanos não são seres complexos,
podendo a sua essência ser condensada num livro) não é muito difícil
para uma avançada Inteligência Artificial traçar progressões que levem
as pessoas a cumprirem suas metas, levando as suas vidas para onde ela
julgar mais adequado. Visto isso, as aspirações à liberdade individual e
à autodeterminação se tornam questões acadêmicas...
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Ao longo dos episódios vemos as projeções e os gráficos do Sistema ROBOHAN sobre a situação global e eus prognósticos futuros... |
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O logo da Incite mostra um labirinto em escala global...
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Além de Chaleb, temos uma outra peça no tabuleiro: Engerraund Serac (Vincent Cassel de Ameaça Profunda) CEO da Incite Inc. e o grande vilão desta temporada. Definido pelo prório Cassel como “um fascista legal”.
Serac é a personificação da visão do indivíduo que tem um sonho e na
criação desse sonho não hesita em gerenciar o pesadelo em escala global
para concretizar a sua visão, sempre achando que está fazendo a coisa
certa, e aí de quem fica no seu caminho...
Agora no mundo exterior Dolores, auxiliada por Chaleb, se aproxima de Liam Dempsey Jr. (John Gallagher Jr. de NYPD Blue) playboy , filho do sócio fundador da Incite para ter acesso aos dados do ROBOHAN*, mega inteligência artificial, o “Deus” desenvolvido por Serac, que prevendo as sua ações, traz Maeve Milay (Thandie Newton de Han Solo: Uma História Star Wars) com o objetivo de combater Dolores, vivenciando no 2º episódio (Como escapar de uma prisão invisível) um verdadeiro “tour de force”das suas habilidades para sair de uma prisão virtual do Nazi World, um parque temático da 2ª Guerra Mundial, compartilhado com versões simuladas de seu amor Hector Escaton (Rodrigo Santoro de Turma da Mônica: Laços) e Lee Sizemore (Simon Quaterman de Distante) que haviam perecido na temporada anterior.
Serac faz a Maeve
uma proposta de que ela o auxilie contra Dolores em troca de poder
reunir-se com a sua filha, que no final da temporada anterior, junto com
muitos outros anfitriões haviam
tido as suas consciências levadas para um ambiente virtual fora do
alcance humano. Mas devemos ter em mente que Maeve não é uma “pessoa”
que deve ser vencida mas sim, convencida para que ela faça o que se espera dela. Argumentos furados não colam.
Dolores usa as “pérolas” (consciências de anfitriões) em versões sintéticas de humanos que ela eliminou tais como Charlotte Hale (Tessa Thompson de Vingadores: Ultimato); que posteriormente torna-se uma “Dolores rebelde” (discordando do plano original e dando uma senhora virada); Martin Connely (Tommy Flanagan de Guardiões da Galáxia Volume 2) “consertador” das M* de Liam Jr. e Musashi (Hiroyuki Sanada de Speed Racer) o “Hector” do Shogun World, sendo os dois, os únicos a seguir à risca o plano, não importando as consequências...
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"Se quer uma coisa bem feita faça-a você mesmo!": Musashi (Hiroyuki Sanada),Dolores, Martin Connely (Tommy Flanagan) e Charlotte Hale (Tessa Thompson) encarnam a frase literalmente. |
Usado como bode expiatório pelo massacre no parque, Bernard Lowe (Jeffrey Wright de Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 numa performance
contida, servindo de guia para o espectador nos meandros da trama)
procura descobrir os planos de Dolores, e acaba criando uma ótima e
divertida dinâmica com Ashley Stubbs (Luke Hemsworth de Crypto em ótimo timing humorístico)
que no final da última temporada, descobrimos ser um anfitrião
infiltrado entre os empregados do parque, tendo inclusive numa cena
dentro de um laboratório do parque, uma divertida brincadeira com o
último carro-chefe da HBO, a amada e odiada Game of Thrones*2.
Bernard ao final cresce em importância quando resolve o seu vínculo com o finado Arnold e descobrimos a parte que lhe é reservada no plano de Dolores, tornando-se ao final super importante para a (já confirmada) temporada seguinte.
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Aliança de ocasião: Maeve faz um trato com Serac para deter Dolores.
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Bernard ao final cresce em importância quando resolve o seu vínculo com o finado Arnold e descobrimos a parte que lhe é reservada no plano de Dolores, tornando-se ao final super importante para a (já confirmada) temporada seguinte.
No 5° episódio (Quebrando os ciclos) vemos o jovem Serac (Alexandre Bar de Swipe Right) e seu irmão Jean Mi (Paul Cooper de The Gifted) associarem-se a Liam Dempsey Sr. (Jefferson Mays de Lista Negra) CEO da Incite, financiador da criação de ROBOHAN, inclusive no episódio ele tem uma cena bastante significativa quando “enquadra” o Presidente Filo do Brasil (Al Coronel de Lúcifer) numa sutil crítica à situação política atual*3.
No 7° episódio (Um novo líder) temos revelações sobre o passado de Chaleb, e seu passado no exército, a operário da construção civil que complementa a renda com “trampos” via aplicativo de celular *4 e sua relação com Francis (Scott Mescudi de Need for Speed: O Filme) passando da posição de peão a pedra angular do plano de Dolores, quando fica evidente que mais do que as suas habilidades como soldado, são as suas qualidades de empatia e solidariedade que fazem a diferença para assumir um papel de liderança e realmente fazer a diferença.
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Na sede da Delos, novas tecnologias...
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...como este drone de controle de multidões...
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E para grande surpresa William, agora o Homem de Branco (Ed Harris de Tempestade: Planeta em Fúria como sempre, fantástico) que parecia terminar o seu arco no início da temporada retorna após uma inusitada terapia em que confronta suas principais forças motivadoras com uma nova motivação: Salvar o mundo! reinventando-se de forma a gerar novos desdobramentos na série pois se antes ele passou os últimos 35 anos trucidando robôs, por desprezar a humanidade, agora para salvar a humanidade ele irá... trucidar robôs! Nada como um paciente que respondeu bem ao tratamento! E de qualquer forma na cena pós-créditos do último episódio temos a ligação com a cena final da temporada anterior (também pós-créditos) e o gancho para a próxima temporada, que de certa forma faz uma ponte com a icônica construção de personagem de Yul Brynner no filme de 1973, além de se aproximar da sequência de 1976*5.
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Hector Escaton (Rodrigo Santoro) tem os seus momentos de brilho junto a sua amada Maeve
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A vila de Besalu na Catalunha forneceu a locação do "NaziWorld", ambientado na Segunda Guerra Mundial
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Ainda temos uma rápida aparição de Clementine Pennyfeather (Angela Sarafyan de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal ) e Hanaryo (Tao Okamoto de Wolverine: Imortal) em Jacarta, numa típica cena de Girl Power para matar as saudades das atrizes e uma breve ponta de Lawrence (Clifton Colins Jr. de Capote) mas nunca curvando-se ao fanservice.
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A sede da Delos foi filmada na Cidade das Artes e Ciências de Calatrava (La Fabrica) em Valencia, Espanha. No alto, um drone de transporte
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Os drones cresceram em tamanho e segurança, tomando o lugar dos helicópteros no serviço de táxi-aéreo
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A música de Ramin Djawadi (Game of Thrones) alterna temas compostos aliados à uma seleção de obras conhecidas bem disfarçadas como fundo incidental, indo de Space Odity de David Bowie, A Cavalgada das Walkírias de Richard Wagner, a introdução do tema de O Iluminado de Wendy Carlos, Brain damage do Pink Floyd ou até mesmo o tema de Love Story de Francis Lai, bem conectada com o pique narrativo da edição de Andrew Seklir (Fargo) e Stephen Semel (Pessoa de Interesse) que de acordo com a necessidade do texto é contemplativa ou então picotada e dinâmica.
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Hanaryo (Tao Okamoto) e Clementine Pennyfeather (Angela Sarafyan) tem o seu momento "Girl Power"
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A direção de arte optou por um futuro clean e elegantena superfície e distópico em seu interior
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O desenho de produção de Howard Cummings (Minha Vida com Liberace) e Jonathan Carlos cria o mundo exterior com as instalações da Delos com o seu aspecto “Museu do Amanhã” auxiliados pela direção de arte de Jonathan Carlos (Hotel Artemis), James Bolenbaugh (A Lavanderia), Aja Kai Rowley (O Chamado da Floresta), Chris DiLeo (A Justiceira), David Meyer (Vice), Rebekah Scheys, Leslie Ewe (Podres de Ricos), Rachel Rockstroh (Artista do Desastre) e Alejandro Fernàndez (O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio) foge ao lugar comum da maioria das séries e filmes de ficção científica, porém, esse não é um mundo distópico clássico, à lá Blade Runner, poluído, chuvoso e decadente, optando por um futurismo fundamentado nas tendências da arquitetura atual: Clean, arejada, luminosa e sintética, numa estética que mistura locações em vários países além dos EUA.
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Singapura, com seus tetos verdes e jardins suspensos forneceu uma ótima paisagem de fundo, complementada pelo CGI
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Atuando em conjunto com a direcão de arte, a fotografia de John Grillo (The Leftovers), Paul Cameron (Crime sem Saída), Zoe White (O Conto da Aia) e Matt Flannery (Apóstolo) que valoriza as locações incríveis como a Ponte Helix de Cingapura e seus telhados verdes e jardins verticais ou a Cidade das Artes e Ciências de Calatrava (La Fabrica) em Valencia, na Espanha para a sede da Delos, e que também forneceu a vila de Besalu no nordeste da Catalunha para o Nazi World, auxiliada pela decoração de sets de Julie Ochipinti (O Grande Truque) e Federico del Cerro (Balada do Amor e do Ódio)
ilumina com painéis grandes de LED nas paredes e peças personalizadas
no mobiliário e acessórios, mantendo a linguagem visual e atmosfera das
temporadas anteriores neste mundo em expansão, mesclando aquie e ali um
interessante mix Industrial-pós-moderna-gótico, coisa que os efeitos
visuais da CoSA VFX, Important Looking Pirates (ILPvfx), Shade VFX,Chicken Bone Effects colaboram
para detalhar neste mundo em que drones substituíram os helicópteros,
cadeados tem combinações digitais e táxis elétricos atendem remotamente
além dos provadores de roupa serem virtuais, podendo o cliente ver no
espelho uma simulção de como o traje ficará nele, além de nos permitir
ver a “nudez” de Dolores quando ela inicialmente desmontada vai se
recompondo aos olhos de Chaleb, vestindo as partes de sua pele por sobre
o seu esqueleto metálico.
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Chaleb e Dolores: O herói relutante e a mentora destemida...
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Os figurinos de Shay Cunlife (2012) e Jo Kissack (Nothing Left to Fear) criam modelitos elegantes como o branco e Maeve ao acordar no mundo real e o vermelho usado no Nazi World ou os trajes de ar executivo de Charlote e os sexys mas contidos modelos de Dolores, com destaque para o seu pretinho básico que numa festa, ao ela puxar um elemento, se torna majestosamente um longo vestido dourado, mostrando que ela é uma Rainha, coisa evidente nos trajes de combate que ela e Maeve usam quando lutam diretamente, enfatizando a equivalência delas, que são duas Abelhas-Rainhas, embora não necessariamente oponentes...
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Uma Rainha não anda, ela desfila, e em grande estilo...
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Ao final Westworld se renova e continua desafiador em seus questionamentos sobre livre-arbítrio, identidade, trans-humanismo e sobre o que é “real” não
subestimando a inteligência do espectador e desafiando-o a trilhar o
labirinto, não explicando tudo o que se vê mas deixando pistas para
montemos o quebra-cabeças num mundo obcecado por controle em que os
seres humanos são os anfitriões presos em seus próprios loops determinados por classe social, educação, cultura e normas sociais. Familiar não???
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"- Eu me desnudo para você totalmente. Agora, mostre serviço rapaz!!!"
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*1: Roboão ou Reoboão,
filho do Rei Salomão (I Reis 11:43) filho de Salomão e de Naamá, a
amonita, tendo subido ao trono aos 41 anos, logo após a morte de seu
pai, quando ocorreu um cisma e o Reino de Israel foi dividido em dois
reinos. Roboão tornou-se Rei do Israel Meridional (tribo de Judá e
Benjamin), passando a ser chamado Reino de Judá. No site da Incite (www.inciteink.com) há a explicação à Rehoboam, cujo design esférico “é
um lembrete da responsabilidade coletiva que temos um com o outro neste
planeta, um comprometimento à força e a melhoria por meio da computação
objetiva e do machine learning sofisticado.” A representação esférica (ou melhor, circular) é um elemento recorrente, servindo como quebra de blocos e mudança de cenário a cada episódio da série.
*2: Na cena do 2° episódio (Como escapar de uma prisão invisível) menciona-se um futuro parque na Costa Rica, onde em Jurassic Park (outra história criada por Michael Crichton) se localizavam as ilhas Nublar e Sorna, cuja temática é medieval, onde vemos David Benioff e D. B.Weiss, os criadores de Game of Thrones, numa ponta como técnicos testando as atrações do parque e entre elas, um dragão semelhante a Drogon o mascote número um de Daenerys Targaryen.
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Os"técnicos" Davic Benioff e D.B. Weiss, os "pais"
da saga de Westeros na TV...
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*3: Muita
gente criticou a cena pela imagem estereotipada apresentada do Brasil,
tendo uma tenda numa floresta com uma estrada aberta onde o avião de
Serac está pousado, parecendo a Transamazônica dos
anos 1970 (só faltava o Amaral Neto, repórter puxa-saco da ditadura)
mas sejamos sinceros: A maneira como a cena é montada temos um
mega-empresário manipulador que conhece mais o país (e os membros do
governo) melhor do que o próprio presidente, que ele colocou no poder e,
pode removê-lo se não se sentir satisfeito (e inclusive fala o português melhor do que o próprio presidente...)
e levando-se em conta a imagem que o país foi ganhando com a guinada
para a extrema-direita desde o golpe parlamentar de 2016, culminando nas
eleições de 2018 foi ficando cristalizada no exterior a imagem de que: “o Brasil voltou a ser uma 'República das Bananas' dos anos 1970” portanto nada mais lógico do que representá-lo como tal... Doloroso, é verdade, mas inquestionável.
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"- Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo..."
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*4: RICO é um app de freelances, só que com pegada de deep web.
Serviços como redistribuição de justiça, corrida compartilhada, roubo
de carros e até ser babá estão ao seu dispor. Se soa familiar é porque
ele claramente foi inspirado em games de mundo aberto baseados em
missões, como no GTA Voc em
que você recebe uma ligação, assalta um banco e missão cumprida, tal
Caleb e seus amigos criminosos Giggles (Marshawn Lynch de Same Energy) e Ash James (Lena White de Jogador Nº1) em “trampos” do aplicativo
*5: Mundo Futuro: Ano 2003, Operação Terra de Richard T. Heffron com Peter Fonda, Blythe Danner, Arthur Hill, Stuart Margolin e Yul Brynner.
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