quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Carcaça recauchutada - Crítica - Filmes: O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (2019)

 

O futuro imitando o passado

por Alexandre César  

(Originalmente postado em 02/ 11/ 2019)


James Cameron e Tim Miller em retcon ambicioso, e só


Primórdios: um filme "B" de 1984, foi o início de tudo

 Em 1984, o mundo foi inesperadamente tomado de assalto por um filme “B” de BOM (isto para não dizer ÓTIMO) mesclando criatividade nos efeitos visuais, roteiro, direção e interpretações no ponto certo de maneira enxuta fazendo da melhor forma o barato (orçamento de 6,4 milhões de dólares) parecer caro, e criando uma legião de fãs pelo globo (a Terra não é plana, apesar de opiniões contrárias) afora. Aliando muita ação e humor a conceitos sobre a viagem no tempo e as suas possibilidades de mudança no continuum da linha temporal, criando um modo perpétuo em que  o-futuro-alimenta-o-passado-que-vai-criar-aquele-futuro-que-vai- alimentar-o-passado tornou familiar ao grande público tópicos como  “O Paradoxo do Avô *1 e manteve o filme no imaginário popular nos últimos 35 anos.
 

Kyle Reese (Michael Biehn) vem do futuro para proteger  Sarah Connor (Linda Hamlton) que gerará o líder que no futuro salvará a humanidade contra as máquinas
 
 
 O Exterminador do Futuro foi a confluência de forças de estrelas ascendentes, começando pelo astro Arnold Schwarzenegger que na pele e endo-esqueleto do minimalista T-800 mostrou que podia ser mais do que apenas Conan, O Bárbaro(1982), Linda Hamilton, egressa da série A Bela e A Fera, que com a sua meiga e forte Sarah Connor, a futura mãe do líder da resistência contra as máquinas John Connor, mostrou ser o improvável modelo da mulher empoderada, mas humana sem artifícios e falsos glamours (tal qual Ellen Ripley de Alien) passando pelo técnico e supervisor de efeitos visuais, maquiagem e animatrônicos Stan Winston ( ✰ 1946 – 2008) , que junto com a Fantasy II Film Effects se articularam em produzir visuais de ponta dentro de seu orçamento espartano, fora o produtor, diretor e roteirista James Cameron que a partir deste filme rapidamente se tornou uma estrela de primeira grandeza, podendo se dar ao luxo de ser o diretor que mais vezes estourou o orçamento e se tornou o responsável pelo   “filme mais caro da história do cinema” (pelo menos umas três ou quatro vezes) e a julgar pelas continuações vindouras de Avatar não deverá deixar o cetro tão cedo...
 

Arnold Schwarzenegger fIcou tão bom como vilão que a solução para a continuação foi torná-lo o herói

 
O sucesso tornou as continuações inevitáveis, como O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991) trouxe Cameron, Hamilton e Schwarzenegger de volta e além de estourar a bilheteria tornou o T-800, agora reprogramado, num herói inesquecível e Sarah Connor agora uma BADASS à toda prova, contra o quase invencível T-1000 (Robert Patrick).



T-1000 (Robert Patrick), o nêmesis aprimorado, garantiu o Oscar de efeitos visuais

 
A despeito dos incríveis avanços tecnológicos (as sequências em CGI do T-1000 garantiram o Oscar de Efeitos visuais) o filme se apoia na química do jovem John Connor (Edward Furlong) com o Exterminador (que garoto de 10 anos que não iria querer ter um robozão às suas ordens, no melhor estilo Frankenstein Jr.???) e deste com Hamilton, criando uma unidade familiar insólita que fechou com a célebre frase: “- Se até um exterminador aprendeu o valor da vida humana, quem sabe nós também não sejamos capazes de aprender?” Leva a pensar não?
 
 

"A Família do Futuro"? T-800 (uma versão reprogramada para o bem), Sarah Connor, e John (Edward Furlong)


O avanço da tecnologia: T-X (Kristanna Loken), com suas habilidades miméticas e de acionar remotamente outras máquinas deu muito trabalho ao agora obsoleto T-800


O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas   (2003) de Jonathan Mostow foi um bom mais do mesmo” com um jovem John Connor (Nick Stahl) junto com sua companheira Kate Brewster (Claire Danes) juntando forças a um novo T-800 (Schwarzenegger) contra a implacável Exterminatrix T-X (Kristanna Loken) e tem um dos melhores finais da franquia ao mostrar que o apocalipse do Julgamento Final era adiável mas inevitável, criando um clima fatalista de destino...
 


Destino: Kate Brewster (Claire Danes), John Connor (Nick Stahl) e  o T-800. A linha temporal pode ser mudada em parte, mas não eliminada

Agora era o dia-a-dia pós-Julgamento Final...

 
O Exterminador do Futuro: A Salvação (2009) de McG trouxe um vislumbre do mundo pós-apocalipse nuclear com John Connor (Christian Bale) se firmando como líder da resistência e mostrando a ascensão do Modelo T-800 como top de linha de montagem, com um modelo digital de Schwarzenegger no lugar do ator. 
 


John Connor (Christian Bale) e Marcus Whright (Sam Wortington) e a definição do que é "ser humano"

 
Dividindo o protagonismo do filme havia Marcus Whright (Sam Wortington de Avatar) um ciborgue, híbrido de humano e máquina, suscitando os questionamentos sobre o que define "ser humano” quanto a capacidade de amar e de sentir empatia por aqueles à sua volta.
 
 

Batendo pino: Apesar de algumas boas idéias, a franquia já estava desgastada
 
 
Apesar de ser um filme melhor do que o anterior, a sua performance apenas razoável nas bilheterias levou a se fazer um reboot da franquia em O Exterminador do Futuro : Gênesis (2015) de Alan Taylor com Schwarzenegger retornando e lutando com a sua versão jovem em CGI e numa reviravolta, tornar John Connor (Jason Clarke de A Maldição da Casa Winchester) um hospedeiro de uma nova forma híbrida de Exterminador, tornando o T-800 o mentor de uma jovem Sarah Connor (Emilia Clarke de Game of Thrones), fazendo vários saltos temporais para o futuro, dando a oportunidade de vermos o T-800 envelhecer e ao final sofrer um upgrade para o padrão T-1000. 

O T-800, de caçador, passou a ser o mentor da jovem Sarah Connor (Emilia Clarke)

 
A mais baixa bilheteria da franquia mostrou que alguma coisa havia se perdido, necessitando se resgatar os valores da origem e abrir novos rumos para o futuro, pois como diz a música, “o tempo não para...” mas o que fazer?
 


Um novo começo, retcon, e por aí afora...

Trazendo novamente para a franquia na produção e na História (em parceria com Charles H. Eglee, Josh Friedman, David S. Goyer e Justin Rhodes) James Cameron e dirigido por Tim Miller (Deadpool),  O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (2019) restabelece a narrativa a partir do segundo filme de 1991 e em seus primeiros cinco minutos apagando tudo o que veio depois (esqueça o terceiro, quarto e quinto filmes...) de forma contundente, com a delicadeza típica de um T-800 do filme original, e ao mesmo tempo criando uma nova linha do tempo que, se a performance nas bilheterias permitir, poderá dar alguma sobrevida à franquia, mesmo que acabe sendo a despedida de seus astros originais, pois o tempo não para, como na música já citada acima...


"- Siga-me se quer viver!" Grace (Mackenzie Davis) a guerreira aprimorada do futuro vem salvar Dani Ramos (Natalia Reves) a donzela em perigo da vez


Rev-9 (Gabriel Luna) e seu endo esqueleto drone:Modelo de infiltração padrão mexicano


Remetendo ao início do primeiro filme mas mudando o cenário, vamos de Los Angeles para o México, onde duas figuras chegam em horários e lugares diferentes, ao nosso tempo numa esfera de energia vindos de um futuro pós apocalíptico em que as máquinas resolveram eliminar os humanos (em virtude do que estamos fazendo com o planeta, talvez não estejam tão erradas...) e no nosso tempo terão um embate épico: De um lado a bela Grace (Mackenzie Davis de Blade Runner 2049, Perdido em Marte, Black Mirror) humana aprimorada (tem implantes cibernéticos que he dão força, velocidade e capacidade de se logar com dispositivos de comunicação) que cai nua num terreno baldio entre um casal que puxava um fuminho, e após nocautear uma dupla de guardas abusados, rouba as roupas do rapaz e a viatura dos guardas. 



" - Quem poderá nos salvar?" não será o Chapollin Colorado...

Horas depois, em outro lado da cidade, chega Rev-9 (Gabriel Luna que já foi o Motorista Fantasma na ótima 4ª temporada de Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.) um exterminador com habilidades similares ao do T-1000 e da T-X, sendo capaz de se dividir em dois, deixando o seu endo esqueleto para trás como um drone e usando a sua liga metálica para assumir qualquer forma ou acessar todo e qualquer dispositivo, tal qual uma central de comunicações e dados. Ambos estão atrás de Dani Ramos (Natalia Reyes), ele para exterminá-la e ela para protegê-la. Dani é uma operária numa fábrica de automóveis cuja automação vai colocar na rua seu irmão Diego (Diego Boneta), que sonha ser cantor, e outros 300 trabalhadores mexicanos, mostrando que a eliminação dos humanos pelas máquinas já vinha em outra frente, pela própria estrutura do mercado de trabalho.
 
 

... mas ela, Sarah Connor (Linda Hamilton) a "Tiazona da P#rr@!!!"

 
Após o confronto inicial Dani e Grace numa fuga desabalada são auxiliadas por nada mais nada menos do que uma Sarah Connor (Linda Hamilton, ótima e sarcástica, curtida pelo tempo) mais casca-grossa do que nunca, que nos últimos anos esteve caçando exterminadores. Após o estranhamento inicial entre Grace e Sarah, ambas unem esforços para proteger Dani, pois embora no filme de 1991 John, Sarah e o segundo T-800 tenham destruído a Skynet, isto não significa que a inevitável tendência da tecnologia em criar uma inteligência artificial iria ser eliminada, e assim da mesma forma que se Colombo tivesse morrido cedo, outro navegador teria descoberto a América, ou sem o Projeto Manhattan, outro grupo desenvolveria a bomba atômica, embora não exista mais a Skynet, agora nesta nova linha temporal surgirá Legião, a inteligência artificial que resolveu dar cabo dos humanos.
 
 

Confllito de gerações: "- Escuta aqui comprida, eu já detonava robôs desde antes de você sequer existir, tá sabendo???"

 
Mais adiante o trio encontra Carl, um aliado oculto que se revela sendo nada mais nada menos que o T-800 (Arnold Schwarzenegger, na medida certa, com ótimo timing para o hilário e o lado filosófico que o personagem permite) com quem Sarah tem uma rixa pessoal e juntos, unem esforços para proteger Dani, que futuramente será a líder da resistência humana, pois tal qual as correntes de um rio, se vai existir uma, “Skynet”, vai existir uma “Sarah” ou um “John Connor” independente do sexo ou etnia que for. São as confluências...
 
 

As forças que movem o rio: A Skynet não existe mais nesta linha temporal, mas agora temos a Legião
 
Tudo soa isto soa muito bonito, mas de boas intenções o inferno e o cinema estão cheios, e apesar de bons personagens como Grace, que pedia maior espaço, o roteiro de David S. Goyer Justin Rhodes e Billy Ray apresenta problemas quanto ao encadeamento lógico dos elementos da narrativa faltando algo que O Julgamento Final conseguiu expandir de forma engenhosa da trama original, como no caso do braço mecânico remanescente do primeiro T-800 como origem da tecnologia que possibilitou o surgimento da Skynet além de um grande desenvolvimento dos personagens, como a evolução de Sarah Connor de dama em apuros a heroína badass, coisa que falta à Dani Ramos, justamente a pretendente a substituir Sarah Connor que deixa a desejar todos os tópicos, o seu potencial, com diálogos quase risíveis e motivações mal fundamentadas, apesar do grande esforço a atriz.


A "escadinha" desalinhada...
 
 
Em grupo, um verdadeiro triunvirato Girl Power, a química de Dani com Grace e Sarah é boa (sendo divertido ver a “escadinha” da altura dela para Linda Hamilton e para a Mackezie Davis, parecendo uma versão sci-fi das Irmãs Cajazeiras da clássica novela O Bem Amado) pois Sarah seria o que ela deverá se tornar, e Grace cumprindo o papel de “Kyle Reese” sendo ela uma verdadeira Valquíria digna da Marvel (desculpe Tessa Thompson, mas ela é que deveria ter ficado com o personagem...) ficando Carl, o velho T-800 (que na busca por um objetivo ao longo dos anos desenvolveu um tipo de consciência sobre o valor da vida) como um tipo de patriarca ou “tiozão” que acompanha as garotas na hora de “causar”...
 
 

Alianças de ocasião: "Carl", um T-800 (Arnold Schwarzenneger) que encontrou um objetivo para si, une forças com o grupo, apesar do rancor de Sarah

 
Quanto aos valores de produção,todos estão fazendo jus à cada centavo gasto, apesar de pouco “saírem da casinha”, do seguro no gênero, como a música de Junkie XL (Alita, Anjo de Combate, Máquinas Mortais, Mad Max: Estrada da Fúria) que embala a trama de forma eficiente mas não memorável, remasterizando em alguns momentos o score clássico de Brad Fiedel, ou os figurinos de Ngila Dickson (Trilogia O Senhor dos Anéis, O Último Samurai) que veste Davis e Hamilton com trajes práticos para o combate, em contraste com as roupas mais mulherzinha de Reyes, além de resgatar o jaquetão de couro preto do Exterminado


Carl divide o seu tempo entre instalar cortinas, criar uma "família" e reunir um arsenal para o fim da civilização


Na mesma linha, o desenho de produção de Sonja Klaus (Love, Death + Robots, Missão Babilônia, Um Bom Ano) que contrasta os ambientes frios e impessoais das fábricas e campos de prisioneiros de fronteira com a modéstia e o colorido das casas de bairro dos mexicanos com a sobriedade da casa de Carl, o T-800 que esconde um senhor arsenal pois como ele diz:  “- Com ou sem uma Inteligência Artificial, a tendência da civilização é decair para a barbárie, e aqui, é o Texas!“
 
 

Forças conflitantes: REV-9 leva vantagem sobre o obsoleto e pesado T-800, mas nunca subestime a "velha guarda"
 
 
No final, o mais memorável no filme, que acaba sendo um outro “mais do mesmo” (só que turbinado...) se traduz na união dos talentos de Cameron e de Tim Miller, traduzida na união da tecnologia e direção de cenas de ação, seja no prólogo em Bogotá, recriando os corpos jovens do T-800, de Sarah e John Connor às cenas de ação, atestando a competência das equipes os efeitos visuais das empresas Blur Studio, Capital T, Digital Domain, Industrial light & Magic (ILM), Mammal Studios, Method Studios, Proof, Scanline VFX, Stereo D, Universal Production Partners (UPP), Weta Digital que misturam efeitos digitais e práticos, num grande espetáculo de ação que honra a franquia, com a ação fluindo que é uma beleza, graças à montagem de Julian Clarke (Chappie, Distrito 9, Elysium) mantendo o pique da narrativa e resgatando aquele senso de urgência de “um mal que nunca se cansa”, ao contrário dos humanos (aperfeiçoados ou não) cuja palheta de cores da fotografia de Ken Seng (Deadpool, Os Desconectados) delimita bem os elementos de cena, permitindo que seja em cenas claras ou escuras (poucas), agitadas ou mais lentas não deixemos de identificar quem é quem, dando aquele ar áspero da atmosfera do deserto na fronteira dos EUA com o México, identificando visualmente as áreas de exclusão com um toque documental de subtexto crítico à política de Trump, ao machismo e à corrida armamentista pois nesta nova linha temporal, a esperança é mulher, e é latina, reforçando como Miller e Cameron com ironia atualizaram a franquia dando a premissa de não serem as nórdicas Sarah ou Grace as salvadoras, mas sim Dani, uma baixinha mexicana comum como a perseguida pelo novo futuro (que não aconteceu como o previsto em 1984), por ser ela o fator de reerguimento da espécie humana face a este novo porvir, que aponta para o mesmo “destino sombrio”, que é a soma de todos os avanços tecnológicos desordenados do homem, tenha ou não um T-800 para dar uma ajuda...
 
 

A donzela, o exterminador, os protetores: Quatro contra um é uma boa equação


"É, desta vez a manicure tirou um "bife". Acho que não tem jeito. Eu terei de mudar de salão..."

Notas:
 
*1: O Paradoxo do Avô: Se você volta no tempo e mata o seu avô, antes dele conhecer o seu avô antes dele conhecer a sua avó, seu pai, ou sua mãe não nascerão e você nunca terá existido. Mas, se você nunca existiu, como pôde voltar no tempo e ter matado o seu avô???

"- Nada melhor do que um sorriso "Old School" para alegrar o dia não?"

 

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