Deu a louca...
por Alexandre César
(Originalmente postado em 29/ 01/ 2020)
Boa produção naufraga em roteiro fraco

Página da primeira edição, em capítulos na Collier´s Weekly em 1898.

Página da primeira edição, em capítulos na Collier´s Weekly em 1898.
Originalmente publicado entre 27 de janeiro a 16 de abril de 1898 na revista inglesa Collier´s Weekly a novela A Outra Volta do Parafuso de Henry James (1843-1916) tornou-se um clássico da Literatura Gótica, no subgênero Histórias de Fantasmas, ao narrar de forma detalhada e ambígua a trama de uma governanta que cuidando de Miles e Flora, duas crianças na Mansão Bly,
uma antiga residência, num lugar remoto de Essex, na Inglaterra, e ela
começa a perceber que aquela habitação é assombrada pelo espírito de Ms.
Jessel, sua predecessora e o de Peter Quint, um empregado, indivíduo
rude e de índole perversa, com quem aparentemente ela tinha um
relacionamento abusivo.
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"Os Inocentes" (1961) de Jack Clayton: Ms.Giddens (Deborah Kerr) com Milles (Martin Stephens) e Flora (Pamela Franklin)
|
A obra tornou-se, pela forma como é narrada, marco de estudos acadêmicos
por permitir diferentes interpretações (um bom número delas
auto-excludentes) quanto a real natureza do mal que cerca a mansão e
seus habitantes, insinuando ora uma origem sobrenatural, ora o fruto da
confusão mental de sua protagonista.

Ms. Jessel (Stephanie Beacham) e Quint (Marlon Brando) e seu relacionamento sadomasoquista no prequel "Os que Chegam com a Noite" (1971) de Michael Winner
Adaptada para o teatro (por Harold Pinter na Broadway em
1950 e por Rebecca Lenkiewicz em 2013), ópera (por Benjamin Britten em
1954), balé (por Luigi Zaninelli em 1980 e por Will Tucket do Royal Ballet em
1999) TV (uma adaptação por John Frankenheimer em 1959 entre inúmeras
nos Eua e europa) e é claro o cinema, sendo as mais conhecidas, entre as
várias versões, Os Inocentes (1961) de Jack Clayton com Deborah Kerr como a governanta Ms. Giddens E Michael Redgrave como o tio das crianças e Os que Chegam com a Noite (1971) de Michael Winner (o Desejo de Matar original) com Marlon Brando como Quint e Stephanie Beacham como Ms. Jessel, mostrando o que seria sido um prequel da trama da obra de James, onde vemos o relacionamento doentio dos dois e sua influência sobre as crianças.

A versão de 2020: Produção conturbada...

Miles (Fin Wofhard) e Flora (Broklynn Price) Fairchild e a professora Kate Mandell (Mackenzie Davis): O trio da vez...
Os Órfãos (2020) é aquele típico exemplo de filme “assombrado”, tendo começado a sua produção em 2014 no Maine sob o título de Os Assombrados, sob a direção de Juan Carlos Fresnadillo (Extermínio 2) parando logo em seguida, cinco semanas depois por ordem do produtor Steven Spielberg (Jogador N°1) entrando por um hiato até serem retomadas as filmagens, agora na Irlanda em 2018 dirigido agora por Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock) ficando na geladeira por um bom tempo e só agora sendo lançado mas nunca atingindo o seu pleno potencial por alguma “misteriosa” razão de bastidores que normalmente sabota diretores promissores do cinema independente quando tentam a sorte no cinema mainstream hollywoodiano, resultando em obras genéricas que trabalham no seguro, e quando a película naufraga o cineasta leva a culpa...

A governanta Ms. Grose (Barbara Marten) parece saída de um filme da Hammer
A
trama é ambientada nos anos 1990, pouco após a morte do músico Kurt
Cobain, fato usado para situar a trama no tempo, e conhecemos a bela
professora Kate Mandell (Mackenzie Davis de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio)
que indicada pelo colégio em que trabalha, vai dar aulas na casa da
fofa Flora Fairchild (Broklynn Price) e do cínico e agressivo Miles
Fairchild (Finn Wolfhard de Stranger Things), órfãos que vivem sózinhos na Mansão Bly junto com a governanta Ms. Grose (Barbara Marten de Sanctuary) e mantendo comunicação com o mundo exterior apenas através das ligações telefônicas com a sua amiga Rose (Kim Adis de Krypton)
ela começa a ter vislumbres de presenças que vai descobrindo se tratar
da sua antecessora, a fantasmagórica Jessel (Denna Thomsen de Euphoria) e do sinistro Quint (Niall Greig Fulton de Legítimo Rei) e gradativamente ela vai sendo afetada por aquele ambiente “carregado” e questionando suas percepções.

Miles toca guitarra e bateria, além de ser fã de Kurt Cobain, outro "menino perdido"

a fofa Flora é um achado, com o seu carisma e desenvoltura
O roteiro dos irmãos Chad e Carey W. Hayes (Invocação do Mal)
faz bem em situar a trama numa época moderna, mas não a atual, pois o
acesso a celulares e à internet destruiriam o sentimento de isolamento
tão necessário a uma trama de casa mal-assombrada para sentirmos o
despertencimento da protagonista, que carrega o temor pessoal da
condição de sua mãe Darla Mandell (Joely Richardson de Operação Red Sparrow)
que vive internada numa clínica psiquiátrica pintando quadros e
desenhando compulsivamente com carvão, temas inquietantes para Kate,
temerosa de que a condição da sua mãe possa ser hereditária, mas
desenvolve pouco os personagens, que só não afundam na
bidimensionalidade por obra e graça da diretora e do elenco esforçado,
que defendem seus papéis da melhor forma possível.

Gradativamente a auto centrada Kate vai sentindo-se desnorteada sobre a realidade à sua volta

A fotografia e o design de produção reproduzem todos os elementos de uma narrativa gótica
A
direção de Sigismondi é até boa, embora não genial, dando uma narrativa
que, apesar dos tropeços, gradualmente vai mergulhando a segura Kate em
incertezas gerados pelo ambiente em que vultos podem ser apenas ilusões
de ótica, ou coisas misteriosas e perigosas de fato, cuja fotografia
granulada e às vezes escura de David Ungaro (Prece ao Nascer do Dia) mergulham nessa “zona do crespúsculo” onde todos os gatos são pretos ou não, auxiliada pela edição de Dwayne Dunham (Twin Peaks) e Glen Garland (As Senhoras de Salem) que até dosam essa sensação de “- Quem têm problemas? O ambiente em que estou, ou eu mesmo?” com cortes que alternam cenas tensas e contemplativas com os inevitáveis sustos, sublinhados pela música de Nathan Barr (Carnival Row)
que cria uma boa atmosfera que acompanha os vastos jardins, e seu
labirinto, além de elementos típicos que toda mansão mal-assombrada
precisa, e que o desenho de produção de Paki Smith (Mary Shelley), a direção de arte de Nigel Pollock (Z: A Cidade Perdida) e a decoração de sets de Justine Wright (Sweetness in the Belly)
enchem as paredes e cômodos de espelhos, manequins, bonecas de
porcelana, móveis cobertos com lençóis, lagos com carpas, árvores
retorcidas nos bosques, etc... todo o conhecido vocabulário formal de
uma trama gótica, coisa que contrasta com os figurinos de Leonie
Prendergast (A Peregrinação)
que coloca Kate vestindo um casaco vermelho, com vestido e trajes
laranjas e roxos destacando-a dos habitantes da mansão, ou dando a
Milles um suéter castanho de lã de gosto convencional, pertencente a
Quint, refletindo a influência obsessora deste sobre o menino.

Cena deletada de provavelmente uma das várias cenas de pesadelo ou delírio que permeiam o filme
Ao final de seus 94 min. Os Órfãos se
perde num roteiro pouco desenvolvido e que ousa pouco e o pouco que
ousa, o faz de maneira equivocada, levando a crer que como toda produção
que se arrasta demais, devem ter havida muitas alterações de roteiro,
troca de profissionais, cortes e pressão do estúdio para se fazer um
filme o mais comercial possível, eliminando toda e qualquer possibilidade de fazer algo realmente marcante...

"- Filha, se eu estou escrevendo essa carta para você ler, é porque eu sou louca...
mas, se você está lendo essa carta que eu lhe escrevi, é porque VOCÊ É LOUCA!!!"
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Ms. Jessel (Stephanie Beacham) e Quint (Marlon Brando) e seu relacionamento sadomasoquista no prequel "Os que Chegam com a Noite" (1971) de Michael Winner
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Adaptada para o teatro (por Harold Pinter na Broadway em
1950 e por Rebecca Lenkiewicz em 2013), ópera (por Benjamin Britten em
1954), balé (por Luigi Zaninelli em 1980 e por Will Tucket do Royal Ballet em
1999) TV (uma adaptação por John Frankenheimer em 1959 entre inúmeras
nos Eua e europa) e é claro o cinema, sendo as mais conhecidas, entre as
várias versões, Os Inocentes (1961) de Jack Clayton com Deborah Kerr como a governanta Ms. Giddens E Michael Redgrave como o tio das crianças e Os que Chegam com a Noite (1971) de Michael Winner (o Desejo de Matar original) com Marlon Brando como Quint e Stephanie Beacham como Ms. Jessel, mostrando o que seria sido um prequel da trama da obra de James, onde vemos o relacionamento doentio dos dois e sua influência sobre as crianças.
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A versão de 2020: Produção conturbada...
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Os Órfãos (2020) é aquele típico exemplo de filme “assombrado”, tendo começado a sua produção em 2014 no Maine sob o título de Os Assombrados, sob a direção de Juan Carlos Fresnadillo (Extermínio 2) parando logo em seguida, cinco semanas depois por ordem do produtor Steven Spielberg (Jogador N°1) entrando por um hiato até serem retomadas as filmagens, agora na Irlanda em 2018 dirigido agora por Floria Sigismondi (The Runaways: Garotas do Rock) ficando na geladeira por um bom tempo e só agora sendo lançado mas nunca atingindo o seu pleno potencial por alguma “misteriosa” razão de bastidores que normalmente sabota diretores promissores do cinema independente quando tentam a sorte no cinema mainstream hollywoodiano, resultando em obras genéricas que trabalham no seguro, e quando a película naufraga o cineasta leva a culpa...
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trama é ambientada nos anos 1990, pouco após a morte do músico Kurt
Cobain, fato usado para situar a trama no tempo, e conhecemos a bela
professora Kate Mandell (Mackenzie Davis de Exterminador do Futuro: Destino Sombrio)
que indicada pelo colégio em que trabalha, vai dar aulas na casa da
fofa Flora Fairchild (Broklynn Price) e do cínico e agressivo Miles
Fairchild (Finn Wolfhard de Stranger Things), órfãos que vivem sózinhos na Mansão Bly junto com a governanta Ms. Grose (Barbara Marten de Sanctuary) e mantendo comunicação com o mundo exterior apenas através das ligações telefônicas com a sua amiga Rose (Kim Adis de Krypton)
ela começa a ter vislumbres de presenças que vai descobrindo se tratar
da sua antecessora, a fantasmagórica Jessel (Denna Thomsen de Euphoria) e do sinistro Quint (Niall Greig Fulton de Legítimo Rei) e gradativamente ela vai sendo afetada por aquele ambiente “carregado” e questionando suas percepções.
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O roteiro dos irmãos Chad e Carey W. Hayes (Invocação do Mal)
faz bem em situar a trama numa época moderna, mas não a atual, pois o
acesso a celulares e à internet destruiriam o sentimento de isolamento
tão necessário a uma trama de casa mal-assombrada para sentirmos o
despertencimento da protagonista, que carrega o temor pessoal da
condição de sua mãe Darla Mandell (Joely Richardson de Operação Red Sparrow)
que vive internada numa clínica psiquiátrica pintando quadros e
desenhando compulsivamente com carvão, temas inquietantes para Kate,
temerosa de que a condição da sua mãe possa ser hereditária, mas
desenvolve pouco os personagens, que só não afundam na
bidimensionalidade por obra e graça da diretora e do elenco esforçado,
que defendem seus papéis da melhor forma possível.
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Gradativamente a auto centrada Kate vai sentindo-se desnorteada sobre a realidade à sua volta
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A fotografia e o design de produção reproduzem todos os elementos de uma narrativa gótica
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A
direção de Sigismondi é até boa, embora não genial, dando uma narrativa
que, apesar dos tropeços, gradualmente vai mergulhando a segura Kate em
incertezas gerados pelo ambiente em que vultos podem ser apenas ilusões
de ótica, ou coisas misteriosas e perigosas de fato, cuja fotografia
granulada e às vezes escura de David Ungaro (Prece ao Nascer do Dia) mergulham nessa “zona do crespúsculo” onde todos os gatos são pretos ou não, auxiliada pela edição de Dwayne Dunham (Twin Peaks) e Glen Garland (As Senhoras de Salem) que até dosam essa sensação de “- Quem têm problemas? O ambiente em que estou, ou eu mesmo?” com cortes que alternam cenas tensas e contemplativas com os inevitáveis sustos, sublinhados pela música de Nathan Barr (Carnival Row)
que cria uma boa atmosfera que acompanha os vastos jardins, e seu
labirinto, além de elementos típicos que toda mansão mal-assombrada
precisa, e que o desenho de produção de Paki Smith (Mary Shelley), a direção de arte de Nigel Pollock (Z: A Cidade Perdida) e a decoração de sets de Justine Wright (Sweetness in the Belly)
enchem as paredes e cômodos de espelhos, manequins, bonecas de
porcelana, móveis cobertos com lençóis, lagos com carpas, árvores
retorcidas nos bosques, etc... todo o conhecido vocabulário formal de
uma trama gótica, coisa que contrasta com os figurinos de Leonie
Prendergast (A Peregrinação)
que coloca Kate vestindo um casaco vermelho, com vestido e trajes
laranjas e roxos destacando-a dos habitantes da mansão, ou dando a
Milles um suéter castanho de lã de gosto convencional, pertencente a
Quint, refletindo a influência obsessora deste sobre o menino.
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Cena deletada de provavelmente uma das várias cenas de pesadelo ou delírio que permeiam o filme
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Ao final de seus 94 min. Os Órfãos se
perde num roteiro pouco desenvolvido e que ousa pouco e o pouco que
ousa, o faz de maneira equivocada, levando a crer que como toda produção
que se arrasta demais, devem ter havida muitas alterações de roteiro,
troca de profissionais, cortes e pressão do estúdio para se fazer um
filme o mais comercial possível, eliminando toda e qualquer possibilidade de fazer algo realmente marcante...
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"- Filha, se eu estou escrevendo essa carta para você ler, é porque eu sou louca...
mas, se você está lendo essa carta que eu lhe escrevi, é porque VOCÊ É LOUCA!!!"
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