sábado, 23 de janeiro de 2021

Somos todos poeira estelar... - Crítica - Filmes: Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019)

 

Paternidade, a Fronteira Final...

 

por Alexandre César

(Originalmente postado em 27/ 09/ 2019)


O estar só consigo mesmo e o estar só no universo... 

 


Roy Mc Bride (Brad Pitt): Astronauta que seguiu os passos do pai, mas apesar da carreira exemplar, é um homem amargurado

 

Roy McBride (Brad Pitt de Era Uma Vez... em Hollywood! de 2019 e O Curioso Caso de Benjamin Button de 2008 em ótima performance) é um ótimo profissional, que procura trabalhar sempre focado, separando os problemas do trabalho dos da vida pessoal, sempre se submetendo a exames de avaliação psicológica para garantir a sua ficha impecável, o que é um fator vital em sua área, uma vez que ele é um astronauta, que trabalha na manutenção de um mega conjunto de antenas de captação de energética e qualquer deslize pode significar a diferença entre a vida e a morte para ele ou os membros de sua equipe, pois no espaço o seu grito não ser´ouvido... contudo, Roy é um homem amargurado, que carrega uma incapacidade de se abrir e se doar nos relacionamentos, afastando Eve (Liv Tyler da cinesérie O Senhor dos Anéis e de Armageddon de 1998) a mulher que ama e passando o tempo todo com um olhar transbordante da sensação de despertencimento ao mundo à sua volta. 
 

Roy e Eve (Liv Tyler): Relacionamento fraturado pela frieza e incapacidade dele e se abrir

 
Filho do pioneiro H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones da cinesérie MIB: Homens de Preto e O Fugitivo de 1993) dado como morto há 20 anos numa missão ao espaço profundo, após um desastre na estratosfera, ele é convocado pelo Comando Espacial ( que substituiu a NASA) para uma missão nos limites do sistema solar para encontrar seu pai desaparecido e desvendar um mistério que ameaça a sobrevivência do nosso planeta. Sua jornada, além de tocar em pontos sensíveis de sua relação familiar, revelará segredos que desafiam a natureza da existência humana e nosso lugar no cosmos.


Profissão do futuro: McBride é basicamente um técnico de manutenção de antenas que é astronauta, e na emergência, um para-quedista


Dirigido por James Gray (Z: A Cidade Perdida de 2016 Era Uma Vez em Nova York de 2013) Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019) é uma ficção científica espacial nos moldes de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, Sem Rumo no Espaço (1969) de John Sturges,  Missão: Marte (2000) de Briam de Palma e Interestelar (2014) de Christopher Nolan, no qual toda a parte astronáutica de caracterização dos planetas, naves e trajes se pauta escrupulosamente num embasamento científico que lhe dá plausibilidade, servindo de contraste para com a premissa principal que é a questão da paternidade a nível individual e a um patamar cósmico, enquanto espécie... Roy McBride, em suas constantes avaliações psicológicas carrega muito ressentimento e raiva com relação a seu pai, “A Lenda” comparado pela comunidade astronáutica a Neil Armstrong enquanto explorador, mas que na realidade o abandonou para dedicar-se obssessivamente a um projeto de pesquisa da vida extraterrestre, deixando-lhe uma série de bloqueios emocionais, e agora descobrindo através do veterano Thomas Pruit (Donald Sutherland de M.A.S.H. 
de 1970 e Invasores de Corpos de 1978) das coisas pouco louváveis que seu pai fêz em nome do projeto, mas que o Comando Espacial ocultou, recorrendo agora numa missão com escalas na Lua, Marte e no espaço profundo, na órbita de Urano por razões nebulosas...
 
 
McBride vive em constante avaliação pela natureza do seu trabalho: Vivendo sem amar,. Só viver por viver...
 
 
O roteiro de James Gray & Ethan Gross (do seriado Fringe e Clepto de 2003) embala esta caracterização realista refletindo um contexto político profético: O início da exploração comercial do espaço, mostrando bases que parecem shopping centers ( com anúncios em neon do lado externo...), com cobrança automática no serviço de vôo de cada ítem (U$ 170 no cartão por um cobertor...) tal expansão é similar às das potências coloniais no séculos XV e XVIII com direito à piratas e saqueadores apoiados entre essas potências de forma não-oficial para atacar os seus rivais, e cada nação já fazendo uso das suas próprias forças espaciais (Em 2018, o Congresso Americano aprovou a criação da sua Força Espacial, então nos próximos 20, 30 anos as potências deverão seguir esse caminho de militarização do espaço, e futuramente deveremos ver surgir um contexto similar ao do seriado The Expanse).  
 
 
Guerra Fria: Na Lua, batalhas ferozes são travadas entre as forças do Comando Espacial e "Piratas", apoiados por "Nações Rivais"...
 
 
A fotografia de Hoyte Van Hoytema (Dunkirk de 2017 e Deixa Ela Entrar de 2008) destaca-se em momentos belos e incríveis como na incrível sequência de perseguição na Lua, onde a beleza árida da paisagem rapidamente dá lugar a uma brutal perseguição digna de Mad Max (ponto para a montagem de John Axelrad, de Krampus: O Terror do Natal de 2015 e 12 Horas de 2012, e de Lee Haugen, de Papillon de 2017 e  Dope: Um Deslize Perigoso de 2015). Após deixar a Lua num transporte para Marte, observamos a coexistência do espírito explorador com a fé religiosa mística, enfatizando o Lema a que o título do filme se referencia* e contrastando, numa virada violenta (e um tanto mal explicada) ao abordarem um laboratório de pesquisa, fazendo-nos indagar qual os reais interesses que regem essa exploração comercial do espaço (pesquisas com primatas em gravidade zero?!?).
 
Thomas Pruit (Donald Sutherland) Informa McBride sobre detalhes secretos à respeito de seu pai

 
Continuando até Marte, McBride é auxiliado a seguir em frente por Helen Lantos (Ruth Nega das séries Preacher Marvel´s Agents of S.H.I.E.L.D.) a administradora da colônia, uma vez que, ao cumprir a sua parte o Comando Espacial quer descartá-lo, e assim nosso herói ao longo de sua jornada até a órbita de Urano, vai revelando uma capacidade para reações violentas similar às creditadas ao seu pai, e neste processo a aceitação disso vai operando a sua mudança interna, num desenlace curioso.
 
 
Da Lua para mais uma escala: Marte.
 
 
A direção de Gray adota na narrativa um tom que remete à linha intimista de Terrence Mallick, e pontua ao longo do filme referências a obras como Cowboys do Espaço (2000) de Clint Eastwood (com Sutherland e Jones), Contato (1997) de Robert Zemeckis com Jodie Foster, na questão do relacionamento familiar, e A Caminho Do Desconhecido (2016) de Mark Elijah Rosenberg com Mark Strong ao mostrar o quão solitária e claustrofóbica pode ser a viagem espacial (imagine ficar meses confinado num espaço super-reduzido em condições de perigo constante num ambiente hostil e mortal...) auxiliado pela música de Max Richter (Ilha do Medo de 2010 e do seriado The Lefovers) que enfatiza pelo seu tom “atmosférico” a aridez do vácuo.
 
Tanto Helen Lantos (Ruth Nega) quanto McBride carregam o peso dos erros dos pais
 
 
Os efeitos Visuais da Weta Digital, MPC, Atomic Fiction, Halon, MrX e Vitality VFX dão um show ao criar as ambientações como a da sequência inicial com um incrível mergulho em alta atmosfera, enfatizando o lado de operário qualificado do astronauta neste contexto. O desenho de produção de Kevin Thompson (Os Agentes do Destino de 2011 e Conduta de Risco de 2007) caracteriza bem esse ambiente de alta tecnologia, com as naves e estações com os inevitáveis módulos e corredores octogonais, e as diferenças que os materiais de construção arquitetônica que cada mundo (Terra, Lua, Marte) impõem em contraste, sendo as instalações lunares e marcianas bem mais espartanas do que as terrestres. Em contraste, os figurinos de Albert Wolsky (Birdman de 2014 e do cult de 1999 Galaxy Quest) enfatiza esse universo que diversamente da sua grande amplidão despersonaliza os indivíduos em suas fardas, e trajes de proteção, pois o ser humano é algo muito frágil no vácuo estelar...
 
 
Descartado,Mc Bride decide continuar a missão na marra...
 
 
Ao final, se o saldo no total é desigual pois o ritmo às vezes se torna mais arrastado, vemos no conceito central o paralelo da superação da relação pai-e-filho, e em paralelo a busca pelo "numinoso", (Deus, o Infinito, a vida fora da Terra, etc...) pois McBride vai superando a raiva e o temor reverencial, resultando num momento em que de “herói”, ele assume um papel semelhante ao de um cuidador para com o seu genitor, permitindo-lhe superá-lo, resgatando o seu legado, sem querer vencê-lo, ao assumir que a figura temida de sua infância, era apenas um velho solitário preso com seus fantasmas e obsessões, cuja ameaça à humanidade se resume à algo banal inerente à condição humana... o paralelo à isto é o aceitar a possibilidade de que estejamos sós no universo, não significa necessariamente algo ruim, pois se temos uns aos outros e nos aceitarmos mutuamente, poderemos cada um dar, o tão falado "sentido" a sua vida, e a partir daí poderemos início a popular o universo...
 
Ao final, o temido pai (Tommy Lee Jones) é um velho senil...
 
 
O que garante que daqui a milhões de anos, não seremos nós o povo esquecido que difundiu a vida pela galáxia? Porque não podemos vir a ser os ”Antigos”, citados em Star Trek ou os “Senhores de Cobol” de Battlestar Gallatica, ou os "Engenheiros" da cinesérie Alien?
 
Pois como disse certa vez Arthur C. Clarke: ”- Todos esses mundos são seus...”
 
 
Improviso: Pegando carona com uma bomba...


Notas:
 
*1: Per ardua ad astra ("Através da adversidade para as Estrelas") é o lema da Força Aérea Real (RAF) e de outras Forças Aéreas do Commonwealth, como a Força Aérea Real Australiana - (RAAF), a Força Aérea Real da Nova Zelândia - (RNZAF), e a ex-Força Aérea Real Canadense - (RCAF). Este lema foi criada em 1912 e foi usado pelo recém-formado Royal Flying Corps. Também traduzido como: "Rumo às estrelas embora com dificuldades." - lema do estado do Kansas. (mais frequentemente ("per aspera ad astra" )

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