Cowboy crepuscular
por Alexandre César
Clint Eastwood mostra ainda ser relevante
1979. Mike Milo (Clint Eastwood de A Mula na plenitude de sua encantadora turronice) um decadente cowboy ex-astro de shows de rodeio e criador de cavalos, é descartado por seu empregador, Howard Polk (Dwight Yoakam de Logan Lucky - Roubo em Família) pois desde um acidente anos passados, ele foi sistematicamente se tornando alguém difícil com que se trabalhar (decorrente da bebida entre outras coisas...). Milo, orgulhoso como ele só, sai de cabeça erguida e vai cuidar de sua vida sem olhar para trás. Um ano depois Polk o procura com a proposta de que ele vá ao México para trazer Rafo (o estreante Eduardo Minett), o seu jovem filho (produto de um “rolo” passado) de volta para casa. Já no México, após dialogar com Leta (Fernanda Urrejola de Narcos: Mexico) a “mãe”, uma piriguete rica (provavelmente cafetina ou traficante) que revela um litígio financeiro entre ela e Polk, com o garoto no meio. Mike então é forçado a tomar o caminho de volta para o Texas, após ter conseguido convencer o garoto a segui-lo. Ao contrário do que fala sua mãe, Rafo é um garoto rebelde, não por ser mal, mas por querer encontrar o seu lugar (e um porto seguro) no mundo. Seguindo o caminho, com Aurelio (Horacio Garcia-Rojas de La querida del Centauro) o capanga de Leta, em seu encalço, a dupla improvável segue uma jornada inesperadamente desafiadora, durante a qual o cavaleiro cansado do mundo (mas ainda capaz de amansar cavalos selvagens e meninos rebeldes) reconhece nos dilemas do rapaz, conexões inesperadas com a sua própria busca de redenção. Dirigido e produzido (pela sua produtora Malpaso Productions) por Clint Eastwood Cry Macho: O Caminho para a Redenção (2021) é último filme (nesta altura da vida do astro, todo próximo filme será “o seu último filme”) do diretor/produtor, sendo um edificante e comovente drama que versa de forma divertida e tocante sobre decadência, resgate de erros passados e o abrir os olhos à sua volta para tomar outros rumos na vida. O roteiro de Nick Schenk (Gran Torino) e N. Richard Nash (Entre a Escuridão e o Amanhecer), baseado em seu livro, percorreu um longo caminho par chegar às tela, sendo inicialmente um projeto iniciado em 1991 com Roy Scheider, que não vingou, e depois um projeto de 2011, que seria a volta de Arnold Schwarzenegger, após deixar a carreira política como governador da Califórnia. Agora, com o Eastwood, assumindo de forma inequívoca a idade e suas limitações, o nonagenário astro exibe um vigor contagiante, mesmo que seu modo de andar e se mexer (além da necessidade de puxar uma soneca), escancarem seus 91 anos, pois seu olhar fulminante, sua língua afiada e seus punhos ainda nos fazem pensar duas vezes ao encará-lo.No decorrer do filme, observamos o contraste da realidade da vida na fronteira daquela época com a atual, quando não havia muros, ou a violência dos cartéis de drogas era menos escancarada, ou até mesmo a ação de Aurelio, o capanga de Leta, é pouco mais do que as bravatas de um valentão que tenta tirar vantagens em cima de velhos, mulheres e alguém fisicamente mais fraco, mas que recua quando encara alguém que os encare.

Milo encontra Rafo (Eduardo Minett) e "Macho", seu galo de briga, que daria uma bom parceiro para "Clyde" o orangotango*1
Da mesma forma, temos o registro do início do declínio da América Imperial, que a fotografia de Bem Davis (Três Anúncios Para Um Crime, Capitã Marvel) capta nostalgicamente (tal qual um comercial de Marlboro) na abertura quando vemos Milo chegando em sua casa, guiando uma velha e confiável pick-up chevrolet com a canção Find a New Home de fundo, com a câmera percorrendo as paredes da sala mostrando os relatos emoldurados de seus feitos passados, marcando um tempo que não volta mais, e os fantasmas de um homem solitário que deve exorcizá-los até para poder fechar dignamente a sua jornada de vida e, poder curtir seu tempo restante. A música de Mark Mancina (Moana: Um Mar de Aventuras) sublinha essa jornada com seus acordes de natureza country que ecoam também a atmosfera dos westerns spaghettis que fizeram a glória passada de Eastwood. A relação de Milo e Rafo, que vive carregando "Macho", seu galo de briga, com o qual faturava uns trocados nas rinhas de jogos, vai se construindo de forma orgânica, com ambos trocando suas vivências, levando o velho cowboy a de forma sutil e emocionante despir-se de sua máscara de “homem durão”, como numa cena que ao cochilar confessa a Rafo suas falhas e o quanto o seu pai Polk o ajudou nos momentos difíceis quando ele perdeu a mulher e o filho num acidente. É uma cena incrível pois temos um plano em que vemos seu rosto apoiado num banco, com seus olhos cobertos pelo chapéu e sentimos por seu tom de voz, quase um chiado, que ele está chorando (ou o mais próximo de chorar que Clint Eastwood se permite) e mesmo que não vejamos lágrimas, a emoção à flor da pele é palpável e contagiante, embora seca e austera. É nestas sutilezas de contar um história de forma direta, sem querer parecer “moderno” para atrair um público maior, que percebemos a grandeza e a verdade de Eastwood. Coisa de mestre. 
Parando numa cidadezinha. o trio resolve "se misturar à multidão", e Mike Milo tenta "parecer um mexicano"...
Neste processo tanto Milo quanto Rafo param numa cidadezinha para fugir de seus perseguidores, e durante um tempo ele ensina ao garoto como domar cavalos (e ganhar dinheiro com isso) e encontram um porto seguro na pensão da bela viúva Marta (Natalia Traven de Efeito Colateral), que com suas netas de 14 anos (Elida Munoz) , 9 (Cesia Morales), 6 (Abiah Martinez) e 4 (Ramona Thornton). A química que se estabelece entre os dois idosos, apesar das barreiras linguísticas, é evidente, sendo maravilhosas as cenas em que os dois dançam bolero ao som de Sabor a mi, clássico na performance de Eydie Gormé e Trio Los Panchos numa elegia ao amor crepuscular contagiante. A edição de David S. Cox (A Conquista da Honra, Covil de Ladrões) e Joel Cox (Os Imperdoáveis) mantém a fluência narrativa no ritmo certo, dando o tempo certo para que a história, e seus personagens, evoluam no tempo necessário, sem apressar ou arrastar a trama, de forma que não nos cansamos durante os 104 minutos de duração do filme. O desenho de produção de Ronald R. Reiss (decorador de sets em O Caso Richard Jewell e A Mula), a direção de arte de Gregory G. Sandoval (Na Mira do Perigo) e a decoração de sets de Christopher Carlson (Grace and Frankie) criam espaços cênicos funcionais e cotidianos, definindo o universo pessoal de seus personagens como o rancho de Milo, a mansão espetaculosa de Leta, ou a pensão modesta e aconchegante de Marta, enquanto os figurinos de Dedorah Hooper (O Caso Richard Jewell) definem os perfis de seus personagens, nos vestido vermelho cavado de Leta e no “paletó de segurança” de Aurelio, os “uniformes de cowboy” de Milo, Polk e demais texanos (que parecem seguir um padrão formal) e os trajes simples e cotidianos dos mexicanos, com destaque para a personalidade dos vestidos de Marta. 
Infelizmente, a dupla tem se seguir em frente, ironicamente sendo em certa altura, confundidos com traficantes
A condução de atores é precisa, havendo espaço para que todos os personagens necessários a trama sejam bem definidos, desde os centrais, até a pequenos papéis como o guarda da fronteira (Daniel V. Graulau de Ray Donovan) que flerta com as garotas hippies que atravessam a fronteira em busca de praias e é todo sizudo e sério na hora de perguntar a ele quais as intenções de sua ida ao México, num momento divertido, que mostra a típica “pose de autoridade” dos policiais em qualquer parte do mundo. Ao final Cry Macho: O Caminho para a Redenção, embora seja um edificante e comovente (mas não muito pesado) drama, atestando a competência e o vigor de Clint Eastwood, mais do que isso passa uma mensagem positiva, acenando que envelhecer, desde que vinculado à qualidade de vida e atitude mental positiva, pode sim ser a melhor idade. Valeu Clint! Até o próximo filme!!!
Notas: *1: Clyde, o orangotango era o parceiro de Eastwood na comédia Doido para Brigar... Louco para Amar (1978) dirigida por James Fargo, e na sua continuação Punhos de Aço: Um Lutador de Rua (1980) dirigida por Bud Van Horn, sendo o mascote do caminhoneiro Philo Beddoe (Eastwood) com quem protagonizou cenas hilárias de humor pastelão, a maioria delas contra a atrapalhada gangue de motoqueiros "Os Aranhas" liderados por Cholla (John Quade).
1979. Mike Milo (Clint Eastwood de A Mula na plenitude de sua encantadora turronice) um decadente cowboy ex-astro de shows de rodeio e criador de cavalos, é descartado por seu empregador, Howard Polk (Dwight Yoakam de Logan Lucky - Roubo em Família) pois desde um acidente anos passados, ele foi sistematicamente se tornando alguém difícil com que se trabalhar (decorrente da bebida entre outras coisas...). Milo, orgulhoso como ele só, sai de cabeça erguida e vai cuidar de sua vida sem olhar para trás. Um ano depois Polk o procura com a proposta de que ele vá ao México para trazer Rafo (o estreante Eduardo Minett), o seu jovem filho (produto de um “rolo” passado) de volta para casa. Já no México, após dialogar com Leta (Fernanda Urrejola de Narcos: Mexico) a “mãe”, uma piriguete rica (provavelmente cafetina ou traficante) que revela um litígio financeiro entre ela e Polk, com o garoto no meio. Mike então é forçado a tomar o caminho de volta para o Texas, após ter conseguido convencer o garoto a segui-lo.
Ao contrário do que fala sua mãe, Rafo é um garoto rebelde, não por ser mal, mas por querer encontrar o seu lugar (e um porto seguro) no mundo. Seguindo o caminho, com Aurelio (Horacio Garcia-Rojas de La querida del Centauro) o capanga de Leta, em seu encalço, a dupla improvável segue uma jornada inesperadamente desafiadora, durante a qual o cavaleiro cansado do mundo (mas ainda capaz de amansar cavalos selvagens e meninos rebeldes) reconhece nos dilemas do rapaz, conexões inesperadas com a sua própria busca de redenção.
Dirigido e produzido (pela sua produtora Malpaso Productions) por Clint Eastwood Cry Macho: O Caminho para a Redenção (2021) é último filme (nesta altura da vida do astro, todo próximo filme será “o seu último filme”) do diretor/produtor, sendo um edificante e comovente drama que versa de forma divertida e tocante sobre decadência, resgate de erros passados e o abrir os olhos à sua volta para tomar outros rumos na vida. O roteiro de Nick Schenk (Gran Torino) e N. Richard Nash (Entre a Escuridão e o Amanhecer), baseado em seu livro, percorreu um longo caminho par chegar às tela, sendo inicialmente um projeto iniciado em 1991 com Roy Scheider, que não vingou, e depois um projeto de 2011, que seria a volta de Arnold Schwarzenegger, após deixar a carreira política como governador da Califórnia. Agora, com o Eastwood, assumindo de forma inequívoca a idade e suas limitações, o nonagenário astro exibe um vigor contagiante, mesmo que seu modo de andar e se mexer (além da necessidade de puxar uma soneca), escancarem seus 91 anos, pois seu olhar fulminante, sua língua afiada e seus punhos ainda nos fazem pensar duas vezes ao encará-lo.
No decorrer do filme, observamos o contraste da realidade da vida na fronteira daquela época com a atual, quando não havia muros, ou a violência dos cartéis de drogas era menos escancarada, ou até mesmo a ação de Aurelio, o capanga de Leta, é pouco mais do que as bravatas de um valentão que tenta tirar vantagens em cima de velhos, mulheres e alguém fisicamente mais fraco, mas que recua quando encara alguém que os encare.
![]() |
Milo encontra Rafo (Eduardo Minett) e "Macho", seu galo de briga, que daria uma bom parceiro para "Clyde" o orangotango*1 |
Da mesma forma, temos o registro do início do declínio da América Imperial, que a fotografia de Bem Davis (Três Anúncios Para Um Crime, Capitã Marvel) capta nostalgicamente (tal qual um comercial de Marlboro) na abertura quando vemos Milo chegando em sua casa, guiando uma velha e confiável pick-up chevrolet com a canção Find a New Home de fundo, com a câmera percorrendo as paredes da sala mostrando os relatos emoldurados de seus feitos passados, marcando um tempo que não volta mais, e os fantasmas de um homem solitário que deve exorcizá-los até para poder fechar dignamente a sua jornada de vida e, poder curtir seu tempo restante. A música de Mark Mancina (Moana: Um Mar de Aventuras) sublinha essa jornada com seus acordes de natureza country que ecoam também a atmosfera dos westerns spaghettis que fizeram a glória passada de Eastwood.
A relação de Milo e Rafo, que vive carregando "Macho", seu galo de briga, com o qual faturava uns trocados nas rinhas de jogos, vai se construindo de forma orgânica, com ambos trocando suas vivências, levando o velho cowboy a de forma sutil e emocionante despir-se de sua máscara de “homem durão”, como numa cena que ao cochilar confessa a Rafo suas falhas e o quanto o seu pai Polk o ajudou nos momentos difíceis quando ele perdeu a mulher e o filho num acidente. É uma cena incrível pois temos um plano em que vemos seu rosto apoiado num banco, com seus olhos cobertos pelo chapéu e sentimos por seu tom de voz, quase um chiado, que ele está chorando (ou o mais próximo de chorar que Clint Eastwood se permite) e mesmo que não vejamos lágrimas, a emoção à flor da pele é palpável e contagiante, embora seca e austera. É nestas sutilezas de contar um história de forma direta, sem querer parecer “moderno” para atrair um público maior, que percebemos a grandeza e a verdade de Eastwood. Coisa de mestre.
![]() |
Parando numa cidadezinha. o trio resolve "se misturar à multidão", e Mike Milo tenta "parecer um mexicano"... |
Neste processo tanto Milo quanto Rafo param numa cidadezinha para fugir de seus perseguidores, e durante um tempo ele ensina ao garoto como domar cavalos (e ganhar dinheiro com isso) e encontram um porto seguro na pensão da bela viúva Marta (Natalia Traven de Efeito Colateral), que com suas netas de 14 anos (Elida Munoz) , 9 (Cesia Morales), 6 (Abiah Martinez) e 4 (Ramona Thornton). A química que se estabelece entre os dois idosos, apesar das barreiras linguísticas, é evidente, sendo maravilhosas as cenas em que os dois dançam bolero ao som de Sabor a mi, clássico na performance de Eydie Gormé e Trio Los Panchos numa elegia ao amor crepuscular contagiante.
A edição de David S. Cox (A Conquista da Honra, Covil de Ladrões) e Joel Cox (Os Imperdoáveis) mantém a fluência narrativa no ritmo certo, dando o tempo certo para que a história, e seus personagens, evoluam no tempo necessário, sem apressar ou arrastar a trama, de forma que não nos cansamos durante os 104 minutos de duração do filme.
O desenho de produção de Ronald R. Reiss (decorador de sets em O Caso Richard Jewell e A Mula), a direção de arte de Gregory G. Sandoval (Na Mira do Perigo) e a decoração de sets de Christopher Carlson (Grace and Frankie) criam espaços cênicos funcionais e cotidianos, definindo o universo pessoal de seus personagens como o rancho de Milo, a mansão espetaculosa de Leta, ou a pensão modesta e aconchegante de Marta, enquanto os figurinos de Dedorah Hooper (O Caso Richard Jewell) definem os perfis de seus personagens, nos vestido vermelho cavado de Leta e no “paletó de segurança” de Aurelio, os “uniformes de cowboy” de Milo, Polk e demais texanos (que parecem seguir um padrão formal) e os trajes simples e cotidianos dos mexicanos, com destaque para a personalidade dos vestidos de Marta.
![]() |
Infelizmente, a dupla tem se seguir em frente, ironicamente sendo em certa altura, confundidos com traficantes |
A condução de atores é precisa, havendo espaço para que todos os personagens necessários a trama sejam bem definidos, desde os centrais, até a pequenos papéis como o guarda da fronteira (Daniel V. Graulau de Ray Donovan) que flerta com as garotas hippies que atravessam a fronteira em busca de praias e é todo sizudo e sério na hora de perguntar a ele quais as intenções de sua ida ao México, num momento divertido, que mostra a típica “pose de autoridade” dos policiais em qualquer parte do mundo.
Ao final Cry Macho: O Caminho para a Redenção, embora seja um edificante e comovente (mas não muito pesado) drama, atestando a competência e o vigor de Clint Eastwood, mais do que isso passa uma mensagem positiva, acenando que envelhecer, desde que vinculado à qualidade de vida e atitude mental positiva, pode sim ser a melhor idade.
Valeu Clint! Até o próximo filme!!!
Notas:
*1: Clyde, o orangotango era o parceiro de Eastwood na comédia Doido para Brigar... Louco para Amar (1978) dirigida por James Fargo, e na sua continuação Punhos de Aço: Um Lutador de Rua (1980) dirigida por Bud Van Horn, sendo o mascote do caminhoneiro Philo Beddoe (Eastwood) com quem protagonizou cenas hilárias de humor pastelão, a maioria delas contra a atrapalhada gangue de motoqueiros "Os Aranhas" liderados por Cholla (John Quade).
0 comentários:
Postar um comentário