Ícone incontestável dos games, criada em 1996 e inspirada em Indiana Jones, a arqueóloga Lara Croft ao longo de 15 games e 2 filmes cristalizou-se no imaginário popular como referencial de mulher forte, senhora do seu destino, bem como de exemplo de sexualização e objetificação da mulher. Isto foi parodiado em outros filmes, como a curvilínea Dra. Christmas Jones (Denise Richards) em 007- O Mundo não é o Bastante (1999, direção de Michael Apted), ou na ruiva Ruby Roundhouse (Karen Gillan) em Jumanji 2 – Bem-Vindo à Selva (2018, dirigido por Jake Kasdan), que questiona por que, diferente dos homens, as personagens femininas sempre usam pouca roupa em ambientes inóspitos, como na selva. E temos também a paródia do seriado mequetrefe Relic Hunter,com Tia Carrere, há muito desaparecida.
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A rebelde Lara Croft (Alicia Vikander) é aconselhada por sua tutora Anna (Kristin Scott Thomas) a assumir o seu lugar nos negócios da família |
Na tela grande, a musa Angelina Jolie imortalizou com suas curvas, carisma e lábios carnudos a estoica e sagaz personagem em Tom Raider (2001, direção de Simon West) e em Tom Raider: A Origem da Vida (2003, dirigido por Jan de Bont). Filmes que dividiram opiniões, pois, apesar de Jolie ter se saído bem, as contumazes críticas quanto à adaptação do universo de um game ao cinema se mantiveram. A “maldição” que ronda o gênero não foi abalada.
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Sir Richard Croft (Dominic West), o pai de Lara desaparecido à sete anos , ainda povoa as lembranças da protagonista |
Agora, coube a sueca Alicia Vikander – de Ex Machina (2015, de Alex Garland), O Agente da U.N.C.L.E. (2015, de Guy Ritchie) e A Garota Dinamarquesa (2016, de Tom Hoper) - a missão de assumir o manto da heroína em Tomb Raider: A Origem (2018) dirigido por Roar Uthaug (A Onda). Personificando com vigor uma jovem Lara Croft que, aos 21 anos, procura o seu lugar no mundo, Vikander alterna entre socos nos adversários de seu treinamento de boxe, pedaladas alucinadas como entregadora de quentinhas nas ruas de Londres e, até, uma sutil tensão sexual entre ela e sua amiga Sophie (Hannah John-Kamen de Jogador N˚1). Apesar dos apelos da sua tutora Anna (Kristin Scott Thomas de O Paciente Inglês, elegante como sempre) e do testamenteiro da sua família (Derek Jacobi de Assassinato no Expresso do Oriente) para assumir seu legado, Lara está mais interessada na busca por seu pai (Dominic West de 300), um excêntrico aventureiro desaparecido há sete anos.
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Lu Ren (Daniel Wu) e Lara unem forças contra os desafios |
Auxiliada por Lu Ren (Daniel Wu, da série Into the Badlands), um marinheiro chinês, ela segue para uma ilha no Mar do Japão (o último paradeiro de seu pai) afim de reunir as peças desse misterioso quebra-cabeças, munida apenas de sua determinação e algumas ferramentas e armas colhidas pelo caminho, enfrentando no percurso toda a sorte de desafios. Entre os obstáculos se encontra Mathias Vogel (Walton Goggins de Os Oito Odiados), um vilão meia-boca que decepciona por não ser um antagonista que um filme de origem deste calibre pede.
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Várias cenas remetem aos games, como esta do avião sucateado |
O roteiro de Geneva Robertson-Dworet e Alastair Siddons (Não Ultrapasse), a partir da história de Evan Daugherty (Divergente) e Robertson-Dworet, se baseia no game de 2013, que renovou a franquia e a personagem, ao mostrá-la como uma heroína ainda em processo de formação. Aqui, a direção seca de Uthaug imprime vigor à narrativa, revelando as nuances da personagem que, ao invés das suas tradicionais pistolas, usa arco e flecha tal qual Katniss Everdeen da série de livros e da franquia cinematográfica de Jogos Vorazes que, além de uma referência marcante para a geração atual, também é uma personagem que, de alguma forma, foi influenciada por Lara Croft, numa relação/questionamento de “quem influenciou quem primeiro”. E isso importa? Os figurinos de Colleen Atwood (Supergirl) e Timothy A.Wonsik trabalham bem a construção do visual característico de Lara, que continua com as botas e a camiseta que conhecemos, mas usa uma prática calça cargo em lugar do antigo shortinho. Funcional e lógico.
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Lara Croft (Alicia Vikander) e Mathias Vogel (Walton Goggins): vilão decepcionante |
Os efeitos visuais e o design de produção de Gary Freeman (Malévola), além da fotografia de George Richmond (Kingsman: O Círculo Dourado) reproduzem bem as composições, cores e texturas do que seria um game estrelado pela Lara Croft com gráficos de alta resolução - com suas selvas, rochedos e templos em ruínas. E a edição imprime adrenalina nas cenas de ação, sejam nas corridas de bicicleta em Londres, nas perseguições nas docas de Hong Kong ou nas selvas da ilha do Mar do Japão. O ritmo intenso e acelerado da personagem, embalada de forma eficiente pela música de Tom Holkenborg (Deadpool), a faz passar de uma “fase” para a outra de maneira funcional, apesar de não conferir momentos marcantes.
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Visual: Cores e texturas que remetem de forma sutil ao game original |
No cômputo geral podemos dizer que é o filme é “mais do mesmo”. Mas, neste tipo de narrativa, não se pode evitar o uso de clichês em alguma medida, pois sempre terá de haver um mistério, um/uma protagonista que resiste ao chamado da aventura, uma troca de bastão de uma geração para a outra, um templo que desaba etc. E isto Roar Uthaug faz da melhor maneira possível, preparando o terreno para uma nova série, pois estabelece bem a personagem e os seus opositores, dando a Lara a sua S.P.E.C.T.R.E. ou, a sua H.Y.D.R.A. para combater.
Agora é passar para a próxima fase.
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Tomb Raider: mudança de armamentos e de figurino em um velho game renovado |
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