domingo, 28 de março de 2021

Tentando reajustar - Crítica: American Gods - 3ª Temporada





Louvado seja???

 
por Alexandre César


 Série luta para sair do loop

 
Shadow Moon continua tendo sonhos simbolizando a sua busca interior

Tendo se iniciado com uma ótima e visualmente bela 1ª Temporada, American Gods , adaptação do livo de Neil Gaiman pela Amazon Prime Video, rapidamente na 2ª Temporada entrou num Raganarok criativo que,  agravado pela troca de Showrunners, saída de atores e conflitos de bastidores, mergulhou a série num loop narrativo causando irritação aos fãs do material base, que agora com o próprio Gaiman como um dos produtores executivos começa a ser sentida em seus primeiros momentos, retomando uma maior fidelidade em relação ao material base revelando o cuidado do autor na adaptação do seu tão adorado e aclamado livro, cuja temporada começa voltar a andar, mas ainda que em círculos, muitos círculos...
 
 
Wednesday (Ian McShane) continua em sua campanha e Shadow Moon (Ricky Whittle)...
 
... se estabelece em Lakeside onde inicia um relacionamento com Marguerite Olsen (Lela Loren) e vai descobrindo os mistérios da cidadezinha

 
Reiniciando alguns meses após o fim da segunda temporada, revemos Shadow Moon (Ricky Whittle de The 100) tentando fugir da guerra dos deuses, após descobrir elementos impor-tantes de seu passado. abrigando-se na pacata e gélida cidade de Lakeside, onde alguns dos arcos mais interessantes da história se desenrolam (pelo menos no material fonte), calcado no fato de que ele é um homem correto, que não quer tomar parte em uma guerra muito mais antiga que ele, mas cujo papel nesta trama, continua mantendo-o no limiar da realidade, em que vemos pessoas negras marginalizadas, e isso se refletindo-se nele. Assim, mudou a aparência, sorriu mais, tentou ser mais humano, suavizando a sua a narrativa, lhe dando novamente um senso de rotina, um elemento que faz falta com frequência em séries de fantasia (dramas ou não), pois todo mundo está sempre fugindo ou sendo caçado e acaba-se ficando com um senso de alienação dos personagens. Shadow é bem acolhido na cidade, criando grande amizade com Ann-Marie Hinzelman (Julia Sweeney de Work in Progress) a dona do bar local e ensaiando um romance com Marguerite Olsen (Lela Loren de Altered Carbon) editora do jornal local. Aos poucos surge uma suspeita de que aquela aprazível e ordeira comunidade esconde um segredo no melhor estilo Agatha Christie, ou Stephen King, ou ainda, Twin Peaks. Mas não demos spoilers...
 
 
Laura Moon (Emily Browning)tem um curioso arco em sua ida (e volta) do purgatório

 
 
Ao longo dessa temporada, Wednesday (Ian McShane de John Wick 3: Parabellum) vai de um lado ao outro arregimentando aliados entre os antigos deuses para a sua guerra (que parece cada vez mais distante devido ao seu passado trapaceiro) fazendo questão de ir até eles enquanto necessita de todo apoio possível para derrotar os novos deuses, que parecem ter controle absoluto do mundo atual (?), pois Mr.World (Crispin Glover da trilogia De Volta para o Futuro) está para lançar o S.H.A.R.D., um aplicativo que irá conectar os seres humanos de uma maneira que tornará a todos devotos. Parece grande? Parece, mas...
 
 
Há um interesante arco emvolvendo os Orixás, sendo que Oxun (Herizen Guardiola) liberta Bilquis (Yetide Badak) e reorienta o caminho da divindad...

... que de uma forma misteriosa afetou Tech Boy (Bruce Langley) que passa a "dar defeito"

 
Wednesday (ou melhor Wotan/Odin) por precisar de energia de adoração circula por shows de Death Metal (com direito à uma participação de Marilyn Manson) de inspiração nórdica, num bom mix de temas graças à musica de Andrew Lockington (Rampage: Destruição Total) e a edição de Wendy Hallan Martin (O Conto da Aia) e Christopher Donaldson (Condor) dando o tom videoclipesco à sequência em que o Velho Deus se lança para para se recarregar.
 
 
O bom uso dos efeitos visuais criando paisagens oníricas ajuda a segurar a narrativa

 
 
Wednesday, por estar também descapitalizado, procura suporte par sua empreitada, gastando bom tempo de tela num longo enredo envolvendo um triângulo amoroso divino com sua antiga esposa Deméter (Blythe Danner de Entrando numa Fria Maior Ainda com a Família) moradora de uma instituição para idosos. Neste arco bem interessante temos a oportunidade de conhecer alguns detalhes de seu passado durante o período colonial e da guerra da independência. Aliás, a melhor coisa da maioria dos episódios são as pequenas histórias das origens dos cultos das divindades nos primórdios do Império Americano, ficando evidente aqui a mão de Gaiman,(lembrando muito por suas soluções visuais as histórias do Sandman) crescendo aos olhos graças à feliz junção da fotografia de Marc Laliberté (Impulse) e Tico Poulakakis (Star Trek: Discovery) com os efeitos visuais das empresas BUF, Capital T, Cinesite, Mr. X, Technicolor VFX.
 
 

Troca: Ms. World (Dominique Jackson) mostra que homens brancos são "out"...
... logo virando uma versão hispânica de Mr. World (Danny Trejo) antes de voltar a sua aparência original

 
 
A adição de novos personagens como Cordelia (Asley Reyes de First Girl I Loved) a auxiliar e “noiva” de Wednesday e o retorno de personagens conhecidos como Mr. Ibis (Demore Barnes de Titâs) e sua bela caligrafia à bico de pena, Bilquis (Yetide Badaki de This Is Us) que retorna, num promissor arco de reconhecimento e crescimento histórico e cultural (coisa rara numa série de TV) já que existe muito território produtivo na mitologia dos Orixás, mas que continua sen-do empurrada a esmo para o meio de tramas pouco interessantes, só ganhando fôlego ao final, e ainda temos Czernobog (Peter Stormare de Costantine) com a sua “delicadeza” própria, que ajudam à dar algum dinamismo à trama da temporada que se ressente de andar em círculos.  
 
 
"Amor verdadeiro": Precisando de recursos, Wednesday se reconcilia com Deméter (Blythe Danner) sua antiga esposa que prefere viver numa instituição de idosos

 
Do lado dos Novos Deuses o discurso no geral foi genérico e repetitivo. Mr. World, que além de Glover foi interpretado por Dominique Jackson (Pose) e Danny Trejo (Machete Mata!) mas acabou tornando-se um vilão de desenho animado e junto com o Tech Boy (Bruce Langley de How To Give a Jailhouse Tattoo) que está “bugado” formam uma dupla de Novos Deuses que mais parece Pinky & Cérebro dos desenhos da Warner...
 
Wednesday tem com sua "noiva" Cordelia (Asley Reyes) uma relação similar a de um pai malandro e de uma filha devotada

Cordelia, Czernobog (Peter Stormare) e Wednesday continuam indo de um lado ao outro em busca de alianças para a tal "guerra"

 
Na realidade, a premissa de que Deuses Novos provocam o esquecimento dos Deuses Antigos acabou ficando vazia por não se sentir de fato uma impacto na vida cotidiana, pouco impor-tando quem vai vencer quem, tornando essa “Guerra dos Deuses” em algo fútil, uma vez que não tem reflexos palpáveis.
 
 
Na Pousada Grand Peacock Toni Rykener (Dana Aliya Levison) ocorre um festival LGT
 
  
É muito interessante que, nessa temporada, apenas os personagens humanos sigam como os mais carismáticos. Laura Moon (Emily Browning de Sucker Punch – Mundo Surreal) a “esposa-morta”, tem um dos melhores momentos dessa temporada na sua viagem ao purgatório, reavaliando a sua vida passada e voltando ao mundo dos vivos ressuscitada, em carne e osso. Em seu retorno, Laura Estabelece uma aliança com Doyle (Iwan Rheon de Game of Thrones), o novo Leprechaum da série, mostrando ser ela a que tem as motivações mais objetivas: vingar-se de Wednesday, contando com ele para conseguir a lança mágica para concluir o seu objetivo. Outro que fica ao lado de Laura por boa parte da temporada, é Salim (Omid Abtahi de O Mandaloriano) que por ser um personagem que trazia para a trama uma grande carga dramática e discursiva (muitíssimo maior do que no original*1), questionando a religião e a aceitação dos desejos como forças conjuntas e não, opostas, acaba tendo o caminho mais consistente da temporada no bom o arco envolvendo a pousada Grand Peacock (Pavão, o que lembra certas figuras políticas atuais...) e o seu processo de aceitação foi extremamente bem cuidado e desenvolvido, além de revelar um dado interessante sobre o Deus Coelho da China *2.
 
Salim (Omid Abtahi) tem um belo arco de auto-aceitação, reconciliando seu ethos islâmico com sua identidade sexual, aceitando que Jinn provavelmente não voltará...

...mas reconhecendo que sua vida continua, reencontrando a alegria de viver e procurar o amor  da sua maneira

 
Os valores de produção são bem empregados, tendo o desenho de produção de Matthew Davies (O Preço da Perfeição) e Richard Berg (Gothan), aliado à direção de arte de Peter Mihai-chuk (Polar) e William Cheng (O Predador) e a decoração de sets de Jaro Dick (Locke & Key) conseguido criar bastante variedade me seus ambientes e períodos históricos distintos, acompanhados pelos figurinos de Robert Blackman (Star Trek: A Nova Geração) que aproveita bem o seu Momento Drag nas cenas da festa da Pousada Grand Peacock com bastante plumas e paetês.
 
Laura Moon e Doyle (Iwan Rheon), o Leprechaum, fazem uma aliança para ela atingir a sua meta de matar Wednesday
 
 
 Ao final desta 3ª temporada, American Gods provavelmente deixará uma boa parte dos fãs de se perguntando “o que deu errado?”. O adiamento da tal “guerra” acabou virando uma piada na boca dos próprios personagens, sendo o seu season finale totalmente anticlimático, preparando a série para uma quarta temporada, que precisa ser a última, pois a ideia de que Wednesday planejou tudo que aconteceu até aqui não teve absolutamente nenhum impacto e por isso, ele precisará “voltar em sua melhor forma” em todos os aspectos,como um “DEUS” com “D” maiúsculo, pois de tão adiada (e continua sendo adiada), esta guerra passou a realmente não fazer falta nenhuma o que nos leva a questionar que se “os Deuses” são esses seres patéticos, datados (no mal sentido) e desinteressantes, não seria melhor que o homem lhes desse as costas de vez e aprendesse a andar sozinho no universo...
 
 
Wednesday encara o seu destino, apostando todas as fichas
 
 Notas:
 
 *1: No livro, após o encontro com o Jinn e a consumação sexual de seu encontro e, após trocar de identidade com ele, o personagem some, sendo mencionado mais adiante que morreu num acidente de carro)
 
 
  
*2: No episódio, Tu Er Shen (Daniel Jun de O Conto da Aia) ou o Deus Coelho, é uma Deidade chinesa que rege o amor e o sexo entre homossexuais. Quando humano era chamado de Hu Tianbao, um soldado que se apaixonou por um inspetor imperial da cidade de Fujian. Descoberto pelo objeto de seu afeto, foi condenado a morte por espancamento. Os espíritos do submundo consideraram sua morte injusta e o nomei-m o deus dos relacionamentos do mesmo sexo. A tradução literal do seu nome é deus dos coelhos, já que assim eram chamados os gays no final da China imperial. Possui um templo em Taipei onde milhares de pessoas vão todos os anos em busca de um parceiro adequando, onde deixam cenouras como oferendas.   
 
 
 
"Aaaaaiiii.... Que canseiraaaa...."

 

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